quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.369, 1.370, 1.371 Da Superfície – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.369, 1.370, 1.371

Da Superfície – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo IV – Da Superfície (Art. 1.369 a 1.377) - digitadorvargas@outlook.com   - vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único.  O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a superfície é um direito real de fruição, com previsão normativa também nas Leis 6.679/1979 (Parcelamento do Solo Urbano) e 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), dispondo o artigo 21 desta legislação especial que: “O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis”. Como se observa, o Estatuto não foi explícito quanto às construções e plantações, sendo que o Código Civil, ao recepcionar o direito de superfície, passou a contemplar estas acessões. Trata-se, portanto, de uma concessão temporária instituída pelo proprietário, em favor de terceiro, prevendo o negócio jurídico seu tempo de duração, surgindo, para o superficiário, ou concessionário, uma propriedade resolúvel (Mário, 2002, p. 244). A exploração do imóvel ser fará por meio de construções sou plantações, realizadas pelo proprietário superficiário, até a extinção do direito, quando estas se incorporarão nas mãos do dono do terreno (chamado de concedente ou fundeiro), tornando-se, então, uma propriedade plena. A concessão será por tempo determinado, ao contrário da enfiteuse, que era perpétua.

Enunciados do Conselho da Justiça Federal: “93 As normas previstas no Código Civil, regulando o direito de superfície, não revogam as normas relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.527/2001), por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano”. “249 A propriedade superficiária pode ser autonomamente objeto de direitos reais de gozo e de garantia cujo prazo não exceda a duração da concessão da superfície, não se lhe aplicando a constituição do direito de superfície por cisão”. “250 Admite-se a constituição do direito de superfície por cisão”. “321 Os direitos e obrigações vinculados ao terreno e, bem assim, aqueles vinculados à construção ou plantação formam patrimônios distintos e autônomos, respondendo cada um dos seus titulares exclusivamente por suas próprias dívidas e obrigações, ressalvadas as fiscais decorrentes do imóvel”. “568 O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato, admitindo-se o direito de sobrelevação, atendida a legislação urbanística”.

Pelo enunciado retro, reconhece-se o direito de propriedade superficiária em relação ao subsolo do imóvel, assim como o de sobrelevação, que se constitui na prerrogativa que tem o superficiário de conceder a um segundo concessionário a possibilidade deste construir sobre a sua propriedade superficiária. É o caso do superficiário levantar construção e permitir que terceiro também construa na sua laje, desde que admitida pela legislação urbanística. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acesso em 03.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo com “Breves apontamentos sobre o direito de superfície”, de Barbara Tuyama Sollero, publicado em 20/nov/2014, no site conteudojuridico.com.br, o direito de superfície deve ser entendido como um direito real, alienável e hereditário, que, por uma ficção jurídica, consideram autonomamente as construções e plantações em relação ao solo. Cuida-se de um instituto previsto desde a antiga Roma, que, todavia apenas veio a ser disciplinado modernamente no Direito Brasileiro a partir do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01, e posteriormente pelo Código Civil de 2002.

No direito romano, a superfície era tudo que se elevava acima do solo. Clóvis Beviláqua, por sua vez, ensinava que a superfície era o direito real de propriedade aplicado às coisas que se encontram na superfície do solo, mais particularmente as plantações ou construções em terreno alheio (Beviláqua, apud Loureiro). Esta última definição foi a abraçada pelo Código Civil de 2002, segundo o qual: “Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.

Como se vê, o referido direito tem o condão de cindir com o principio da acessão, segundo o qual, existe uma união física entre duas coisas em que uma delas depende de modo indissolúvel da outra. Dessa forma, o instituto permite uma melhor utilização da coisa. O proprietário do solo mantém a substância do bem, pertencendo-lhe o solo, no qual pode ter interesse na exploração ou utilização do que dele for retirado. Já o superficiário terá o direito de construir ou plantar. Doutrinariamente, há duas variedades do direito de superfície, a urbana, que confere ao titular, também conhecido como superficiário, o direito de construir em solo alheio tornando sua a propriedade da edificação, e a variedade rústica, que permite ao superficiário plantar em terreno alheio, adquirindo a propriedade da plantação. O magistério de José de Oliveira Ascensão prescreve que o superficiário assume a posse direta da coisa, cabendo ao proprietário a posse indireta. O fundeiro não pode turbar a posse do superficiário. Alguns aspectos marcantes podem ser destacados nesse instituto que apresenta riqueza de detalhes: a) há um direito de propriedade do solo, que é direito que necessariamente pertence ao fundeiro; b) há o direito de plantar ou edificar, o denominado direito de implante; e c) há o direito ao cânon, ou pagamento, se a concessão for onerosa. Depois de implantada, deve ser destacada a propriedade da obra, que cabe ao superficiário; a expectativa de sua aquisição pelo fundeiro e o direito de preferência atribuído ao proprietário ou ao superficiário, na hipótese de alienação dos respectivos direitos. O direito de superfície atende à necessidade prática de permitir a construção em solo alheio, acolhendo a propriedade de forma a cumprir o seu papel constitucional, a sua função social, bem como voltando-se para a preservação do meio ambiente, permitindo a transferência, gratuita ou onerosa, do direito de construir sem que o domínio seja atingido. Apresenta-se como um novo e importante instituto, com mecanismos em seu bojo que permitem a utilização, por exemplo, do solo ou de prédios inacabados, a fim de promover o almejado bem-estar social e o planejamento urbano. Realiza, assim, o ideal constitucional da função social da propriedade,  e tem relevante papel na ordem urbanística.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)  III - função social da propriedade; Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. O autor português Augusto Penha Gonçalves analisa a importância prática do instituto, grande fomentador da função social da propriedade imóvel, uma vez que: ... se o instituto é estabelecido sob a modalidade temporária, o fundeiro tem a expectativa de receber a coisa com a obra.” E acrescenta: “muito particularmente como instrumento técnico-jurídico propulsor do fomento da construção, tão necessário, sobretudo, nos grandes centros populacionais, onde a carência habitacional alimenta, em boa parte dos que neles vivem, uma das angústias do seu quotidiano. O direito real de superfície foi recepcionado pela legislação pátria com o escopo de evitar que imóveis fossem objeto de especulação, sem sua imediata exploração econômica ou social, permanecendo assim na ociosidade.

No que tange à possibilidade de o direito de superfície recair sobre uma parte determinada de um imóvel, parece-nos ser possível. Senão vejamos. Quanto aos encargos e tributos, o art. 1.371 do Código Civil prevê que o superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel. Por sua vez, o parágrafo terceiro do art. 21 do Estatuto da Cidade estatui que é o superficiário responsável pela integralidade dos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária e, proporcionalmente, à sua parcela de ocupação efetiva do imóvel. § 3o O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.

Sobre esse ponto, aprovou-se o enunciado nº 94 da I Jornada de Direito Civil: Enunciado 94 - Art. 1.371. As partes têm plena liberdade para deliberar no contrato respectivo sobre o rateio dos encargos e tributos que recairão sobre a área incidida.

Ora, se é possível a deliberação acerca do rateio de encargos e tributos somente sobre a área que incide o direito real, não há dúvidas quanto à possibilidade de ele se restringir a determinada área da coisa imóvel. Quanto ao aspecto notarial do instituto, impõe registrar que a aquisição, transferência ou extinção do direito somente se dará por instrumento público, não incidindo, portanto, a regra do art. 108 do Código Civil que prescreve a necessidade de instrumento público somente referente a imóveis cujo valor ultrapasse trinta salários-mínimos.

Assim dispõe o CC 1.369: “Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.”

No mesmo sentido é o artigo 21 do Estatuto da Cidade: “Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.”

O direito de superfície pode ser constituído por ato inter vivos  ou mortis causa e, para a maioria da doutrina, também pela usucapião. Por se tratar de gravame imposto sobre o imóvel, há que partir da iniciativa do proprietário pleno. Na constituição por ato inter vivos, há primeiramente a estipulação do direito real por meio de escritura pública lavrada no tabelionato de notas e posterior inscrição deste título no Registro de Imóveis. Como sói acontecer na constituição de direitos reais imobiliários, tanto o título como o registro são pressupostos para a constituição do direito.

No caso de transmissão do direito de superfície por ato mortis causa, há que se ponderar que a constituição ou a transmissão aos herdeiros se dá no momento do falecimento, em virtude do direito de saisine, sendo que a inscrição do título no Registro de Imóveis apenas operará efeito declarativo. Inobstante não se tratar de passo necessário para a constituição do direito, o registro da transmissão do direito de superfície é indispensável para garantir a publicidade da transmissão a terceiros, a continuidade dos registros e também para permitir a futura e eventual disposição do direito pelo seu titular. (Breves apontamentos sobre o direito de superfície”, de Barbara Tuyama Sollero, publicado em 20/nov/2014, no site conteudojuridico.com.br, acessado em 03.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No trabalho esmiuçado de Francisco Eduardo Loureiro, encontra-se vasta gama de orientação a respeito do artigo. Definição: O artigo em exame não tem correspondente no Código Civil de 1916, que não tratava do direito de superfície. O art. 21 da Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) disciplina o direito de superfície, mas com conteúdo algo diverso. O conflito entre os dois regimes jurídicos - Código Civil e Estatuto da Cidade - é resolvido no CC 1.377, a seguir comentado.

Na definição sintética de Oliveira Ascensão, “superfície é o direito real de ter coisa própria incorporada em terreno alheio” (Direito civil, reais, 5. ed. Coimbra, Coimbra, 1995, p. 525). Dizendo de outro modo, é o direito real de ter construção ou plantação em solo alheio. Há, por assim dizer, um seccionamento da propriedade da construção ou plantação temporária da propriedade do solo. É uma suspensão ao milenar princípio da acessão (superfícies solo cedit), já estudado como modo originário de aquisição da propriedade imóvel, pelo qual ao dono do solo fica pertencendo tudo aquilo que nele adere e não pode ser retirado sem fratura ou deterioração. O direito de superfície permite, em caráter temporário, a quebra da homogeneidade dominial entre solo e construção ou plantação.

A definição analítica do direito de superfície, de Ricardo Pereira Lira, diz que é direito real sobre coisa alheia, autônomo, temporário, de fazer uma construção ou plantação sobre - e em certos casos sob - o solo alheio e delas ficar proprietário (“O direito de superfície no novo Código Civil”. In: Revista Forense, 2003, v. 364, p. 251).

Sujeitos: Sujeitos do direito real de superfície são o dono do solo, denominado concedente, e o titular do direito real de superfície, denominado superficiário ou concessionário. É direito real sobre coisa alheia e não modalidade de propriedade resolúvel, pois a propriedade da construção ou plantação é temporária e grava terreno alheio, consolidando-se, no final, nas mãos do dono do solo. É autônomo, pois tem características próprias, que o distinguem de outros direitos reais e pessoais.

Tempo: Ao contrário de determinados modelos legislativos, o artigo em exame deixa explícito que o direito de superfície é temporário e, mais, por tempo determinado. A regra é cogente, não havendo direito de superfície perpétuo, constituindo fraude à lei a cláusula estabelecendo-o por prazo tão longo que equivalha, em seus efeitos, à perpetuidade. Não estabelece a lei o prazo máximo, cabendo ao intérprete fixá-lo caso a caso, levando em conta a natureza da construção e da plantação, bem como do montante de investimentos feitos pelo superficiário, que determinarão o fim do negócio e o prazo necessário para o retorno do capital investido. Exige a lei prazo determinado, de modo que a superfície é sempre a termo certo, eliminando a possibilidade de constituição por prazo indeterminado, termo incerto ou condição resolutiva.

Objeto: Em relação ao objeto, a superfície circunscreve-se às coisas imóveis, urbanas ou rurais. Explicita a lei a modalidade de superfície por concreção, pela qual o dono do solo concede ao superficiário o direito de construir (edilícia) ou de plantar (rústica ou vegetal) em seu terreno e de se tornar proprietário temporário daquilo construído ou plantado. Em suma, o superficiário recebe uma concessão para construir ou plantar e se torna proprietário temporário daquilo que ele próprio construiu ou plantou.

Não prevê a lei, mas também não proíbe, a modalidade de superfície por cisão. Em tal figura, o imóvel já se encontra construído ou plantado, por acessão. O proprietário aliena, temporariamente, as acessões, mediante constituição de direito real de superfície, remanescendo como dono do solo; em outras palavras, transfere construções e plantações já existentes. Pode, ainda, ocorrer de o proprietário alienar o solo, remanescendo temporariamente proprietário da construção ou plantação. Essa operativa modalidade de superfície por cisão constitui importante instrumento de atração de investimentos e capitais, permitindo a multiplicação de novos empreendimentos imobiliários. Embora não expressamente prevista pelo legislador, não há óbice à sua constituição. Remete-se o leitor à interpretação contemporânea do princípio da tipicidade dos direitos reais, desenvolvida no capítulo inicial do Livro “ Do Direito das Coisas”. Admite-se uma certa elasticidade no princípio da tipicidade, para que cada um dos direitos reais, individualmente considerados, possa abrigar situações jurídicas que, embora não expressamente previstas, sejam compatíveis com seus princípios e mecanismos.

Adotando o mesmo princípio da tipicidade elástica, nada impede a constituição de direito de sobrelevação, o direito de superfície sobre superfície. Tome-se como exemplo o titular de direito real de superfície sobre um centro comercial que decide criar sobre a laje do teto novo direito de superfície e entregá-lo a terceiro, para construção de um estacionamento coberto. E óbvio que a sobrelevação não sobrevive ao direito de superfície, extinguindo-se juntamente com ele. Deve haver, ainda, previsão da nova construção no título original, ou anuência do concedente, evitando, assim, mudança de destinação da construção. Observados tais pressupostos, admite-se a superfície sobre superfície, ou sobrelevação. Ainda quanto ao objeto, o parágrafo único do artigo em exame dispõe que “o direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão”. Não é proibida a constituição de obra no subsolo, ela é apenas subordinada a um nexo de utilidade e funcionalidade com a obra erigida sobre o solo. São os casos de alicerces, garagens, passagens de cabos e tubulações ou mesmo construção de pavimentos sob o solo, ligados à obra externa. Nada impede, além disso, havendo nexo entre as duas obras, a constituição de direitos de superfície simultaneamente a dois superficiários diferentes, um com as construções sobre o solo e outro com as construções no subsolo.

Modos de aquisição: A parte final da cabeça do artigo em estudo prevê um dos modos - o mais comum - de aquisição do direito real de superfície, mediante escritura pública levada ao registro imobiliário. Há um negócio jurídico de concessão de superfície, convertido em direito real por seu registro imobiliário. O registro é constitutivo e causai, pois não se desliga do título que lhe deu origem. O negócio jurídico é solene, exigindo a forma escrita. A escritura pública é apenas da substância do negócio, caso seu valor supere trinta vezes o salário-mínimo, como exige o art. 108 do Código Civil. Embora não preveja a lei, admite-se a constituição de superfície pelo negócio jurídico causa mortis do testamento, instituindo um legatário ou herdeiro do solo e outro temporariamente das construções ou plantações já existentes ou a serem ainda feitas. A instituição da superfície, tal como ocorre no usufruto, dada sua amplitude, levando em conta sua extensão e o prazo de sua duração, pode invadir a legítima dos herdeiros necessários, devendo ser reduzida, em tal hipótese.

Finalmente, cabe também aquisição do direito real de servidão por usucapião. A hipótese viável é a da superfície adquirida a non domino, servindo, após consumação do prazo de dez ou cinco anos (CC 1.242 do CC), a escritura ou o registro como justo título. É possível, ainda, ao superficiário, usucapir o domínio pleno do imóvel, invertendo a qualidade de sua posse direta para posse ad usucapionem, explicitando ao concedente não mais reconhecer a supremacia de seu direito à restituição da coisa. Passa, então, o superficiário, a ser esbulhador, mas com soberania sobre a coisa, repelindo qualquer direito concorrente de terceiro, possuindo o imóvel como seu (animus domini), e fluindo, a partir de então, o termo inicial do prazo de usucapião. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.424-26. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.370. A concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa, estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou parceladamente.

Segundo Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não tem correspondente no antigo Código Civil. Equivale, porém, ao § 2º do art. 21 da Lei n. 10.257/2001, que disciplina a superfície constituída por pessoas jurídicas de direito público internas. Deixou o legislador a fixação da natureza gratuita ou onerosa da superfície à autonomia privada das partes. Não se presume a gratuidade dos negócios jurídicos, devendo o intérprete levar em conta, na omissão do contrato, a natureza das obras, vulto dos investimentos, prazo do direito real sobre coisa alheia e indenização final das acessões, para concluir se o equilíbrio contratual é compatível com o pagamento de remuneração.

A remuneração é denominada solário (solarium) ou cânon superficiário. Poderá ser livremente estipulada pelas partes, quanto a valor, oportunidade e periodicidade. Pode o pagamento ser antecipado, feito durante ou mesmo ao final do termo da superfície, ao inteiro critério das partes, observados apenas os princípios de ordem pública da boa-fé objetiva, do equilíbrio contratual e da função social do contrato. Não se admite indexação ou fixação com base em critérios vedados por norma cogente, por exemplo moeda estrangeira ou salário-mínimo, nos moldes do que dispõe o CC 318 do Código Civil. Essa retribuição não se confunde com aluguel, nem a superfície com locação ou arrendamento rural. A locação gera direito de crédito, ainda que levada ao registro imobiliário (art. 8º da Lei n. 8.245/91), e o imóvel locado está sujeito à retomada para uso próprio, de ascendente, descendente, ou para reforma do prédio, além de eventual renovação compulsória, o que não ocorre no direito de superfície, no qual o superficiário é proprietário a termo da construção. Não se aplicam, portanto, as leis especiais que regem a locação de imóveis urbanos e o arrendamento rural. As consequências da falta de pagamento do solarium, em especial a possibilidade de extinção do direito real, serão analisadas no comentário ao art. 1.374. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.424-26. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 03/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No domínio de Gerson Lucateli Gabina, texto enviado ao JurisWay em 13/07/2009, que fala em sua completude, “Do Direito de Superfície e o Novo Código Civil”, segundo o CC1370, a concessão da superfície poderá ser gratuita, podendo assim concluir que a ação de usucapião só terá fundamento se o contrato superficiário for oneroso, e o concedente deixar de cobrar por 20 anos o solário ou preço, pois se o contrário ocorrer, caracterizará o enriquecimento sem causa, devido não ter o proprietário por ser contrato gratuito o dever de cobrança frente ao superficiário. 

A aquisição originária por intermédio de usucapião, se comprovados os seus requisitos específicos, é em tese juridicamente possível. O problema, na verdade, reside na circunstância particularizada em cada caso apresentando sub judice, tendo-se em conta que, numa escala valorativa, o direito de superfície (limitado) vale menos em relação ao direito de propriedade (amplo). Por isso na quase totalidade das hipóteses, o possuidor fatalmente alegará posse ad usucapionem de proprietário e não de superficiário pois, efetivamente, exerceu poderes plenos sobre o imóvel (uso, gozo e disposição).

Sendo a posse uma exteriorização dos direitos reais no plano do mundo fatual, e, por sua vez, a concessão conferida envolver justamente o direito de construir ou de plantar sobre o terreno do proprietário, ou seja, na superfície do imóvel objeto do contrato, em sede fatual probatória, em linha de princípio, aparentemente, ambos os direitos (de superfície e de propriedade) confundem-se.

O fato que agrava mais ainda a situação é a de que o subsolo não é comumente utilizado, tornando assim ainda mais complexa a situação fática apresentada. Uma hipótese que se vislumbra, por exemplo, é a celebração de uma concessão de direito de construir, por instrumento particular em que, após o decurso do prazo e comprovados os demais requisitos, o interessado postule usucapião do direito de superfície.

Direito de superfície como relação jurídica da propriedade do solo e da propriedade da construção - A relação jurídica da propriedade do solo e da propriedade da construção, não caracteriza o direito de superfície como a propriedade superficiária, e sim o meio que conduz à propriedade superficiária. Quando o direito privado vem criar uma propriedade superficiária atua em duas vias, ou seja, criando a propriedade do solo destacada da propriedade da construção ou plantação, podendo ser contratada com o fim de construir ou plantar posteriormente. Podendo ser constituída também sobre plantação ou construção existente.

Não são diferentes na sua natureza, pois mesmo no caso de aquisição do direito sobre construção existente, caso essa pereça, há a possibilidade de reconstruí-la, porque o direito de edificar estaria presumido no direito sobre construção ou plantação existentes, podendo citar o entendimento de Lucci, neste sentido, por Paulo Roberto Benasse.    

A dissociação entre a propriedade do solo e a propriedade das construções e plantações - O artigo 545 do Código Civil de 1916, ou seja, o antigo Código, dispõe o seguinte: “Toda construção, ou plantação, existente em um terreno, se presume feita pelo proprietário e à sua custa, até que o contrário se prove”.  A mesma previsão foi feita no atual código civil, em seu artigo 1253, o qual dispõe: “Toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário”.

Esta regra esta incluída em capítulo atinente aos modos de aquisição da propriedade imóvel, e segundo Orlando Gomes[28]“vem a firma presunção “iuris tantum” em favor do proprietário do solo baseando-se no princípio “superfícies solo cedit”, que se vem verificar o princípio segundo o qual o acessório segue a sorte do principal.  A definição deste Código com relação aos bens imóveis, vem confirmar a distinção nítida do solo de tudo quanto o homem lhe incorporar permanentemente, como as plantações e construções”, em seu artigo 43, abaixo expresso.

Artigo 43 do Código Civil de 1916 – “São bens imóveis: inciso I – o solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo”. Este artigo corresponde ao artigo 79 do atual código civil, que dispõe: “São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”.

Vislumbrando estes artigos, e ao interpretá-los, verifica-se então que, o solo como bem imóvel é por sua natureza coisa principal em relação a tudo que lhe vier a implantar incindivelmente, e as edificações e plantações serão, por conseguinte, acessões e que ordinariamente pertencerão ao dono do solo, devido ele ser proprietário do bem principal. Ora, traz-se a seguinte dúvida: As acessões não poderão pertencer a outra pessoa, senão ao proprietário do solo. Como é visto no artigo 545 e seu correspondente atual, a dissociação entre a propriedade do solo e a propriedade das plantações ou construções, é notória a sua admissão no ordenamento jurídico, tendo em vista que o proprietário destas está legitimado a provar que lhe pertencem, elidindo, por esse modo, a presunção legal estabelecida em favor do dono do solo. Ficando assim cientes de que poderá sim, pertencer as acessões a uma outra pessoa, que não seja o proprietário do solo, admitindo o Código a prova em contrário, aceitando as orientações das legislações que permitem a propriedade separada das construções ou plantações, em desacordo com o princípio de que o acessório segue o principal, e segundo este princípio, as acessões constituem uma unidade sobre a qual não pode haver mais de um proprietário.

A propriedade superficiária é exceção ao princípio de que o acessório acompanha o principal, pois a lei concede ao superficiário um direito real sobre construção ou plantação feita em terreno alheio, utilizando sua superfície. Em sentido contrário, Pontes de Miranda sustentando que, “não obstante o disposto no artigo 545 do Código, a plantação jamais adquire existência própria, ou, por outras palavras que possa existir juridicamente sem o terreno”.

A verdade é que ao longo do tempo com a evolução e sob a influência de fatores múltiplos, o direito pátrio não conservou o princípio romano “superfícies solo cedit” no que se concerne a admissão da propriedade separada tanto das construções como das plantações, pois a legislação atendeu ao desenvolvimento histórico do instituto, devido mesmo antes da vigência do novo Código Civil, processar-se a venda de uma plantação em terreno alheio, como objeto de propriedade separada, autônoma, independente, dando-se para essa alienação a curiosa expressão, venda da posse, o que até nos dias de hoje, não é reconhecido como negócio jurídico registrável no Cartório de Registro de Imóveis, pois posse não se registra.

Francesco Ferrara qualificou a expressão venda da posse como uma “concepção popular, - concepção segundo a qual se considera coisa, qualquer objeto que tenha individualidade física e econômica próprias, ainda incorporada a outra coisa tida como principal”. Segundo esta concepção, uma casa com uma plantação forma uma entidade econômica física, caracterizando “res individuae”.

É de suma importância dizer que a dissociação entre o solo e a plantação, possibilitará o atendimento de fins econômicos e sociais, atribuindo a quem plantou ou construiu em propriedade alheia, uma vez que não tenha obstáculos jurídicos a sua aquisição, uma proteção jurídica, estimulando o aproveitamento da terra, ajudando a quem não é proprietário rural e recompensando o trabalho. (Gerson Lucateli Gabina, texto enviado ao JurisWay em 13/07/2009, que fala em sua completude, “Do Direito de Superfície e o Novo Código Civil”, acessado em 03.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Observe-se o breve comentário de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em relação ao artigo 1.370 proposto com a concessão da exploração que poderá ser a título oneroso ou gratuito. Quando oneroso, o proprietário-superficiário pagará ao proprietário-concedente uma remuneração periódica, ou uma parcela única, conforme seja determinado no próprio negócio jurídico. (Mais não diz, Grifo VD). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 03.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.371. O superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.

 

Encontra-se na Doutrina do relator Ricardo Fiuza o seguinte comentário: Por se tratar de preceito normativo, a obrigação pelos encargos assinalados nesse dispositivo, que haverão de ser suportados pelo superficiário , independe de previsão expressa no contrato de concessão.  Contudo, se cotejado o dispositivo com o atual Estatuto da Cidade (art. 21, § 3º , da Lei n. 10.257, de 10-7-2001), pode-se afirmar que se apresenta incompleto, tendo em vista que deixou de ressaltar a obrigação em grau proporcional à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário. Pensa-se, que esta complementação sugerida prevenirá problemas futuros de aplicação do novo dispositivo e de sua interpretação, sobretudo em face da existência de sistema normativo precedente cujo texto se encontrava, neste particular, melhor redigido (Estatuto da Cidade).


Sugestão legislativa: Em face dos argumentos acima, encaminhou-se ao Deputado Ricardo Fiuza a seguinte sugestão: “Art. 1.371. O superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel, arcando, inclusive, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície. salvo disposição em contrária.” (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 702-03, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 03/12/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No comentário de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o titular da superfície se encarregará do pagamento de despesas com água, luz, energia elétrica e demais taxas e tributos incidentes no bem de natureza propter rem.

Enunciado 94 do Conselho da Justiça Federal: “As partes têm plena liberdade para deliberar, no contrato respectivo, sobre o rateio dos encargos e tributos que incidirão sobre a área objeto da concessão de superfície.”  (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acessado em 03.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos comentários acerca do direito de superfície no ordenamento jurídico brasileiro, João Vitor Cainelli Bortoluzzo, fez publicar em outubro de 2015, no site Jus.com.br, matéria muito bem elaborada, e que para não muito se estender aqui, o autor do blog VD fatiou, cabendo aos leitores dirigirem-se ao site acima aludido, se tiverem interesse na íntegra – (Grifo VD), haja vista o direito de superfície conservar diversas peculiaridades, bem como gerar algumas discussões doutrinárias, fatos estes que não comportam uma abordagem integral em um simples artigo científico, como reconhece  o autor supra citado.

Do Direito de Superfície no Código civil de 2002 -  O Código Civil atual, que entrou em vigor a partir da promulgação da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, também positivou o direito de superfície através de seus artigos 1369 a 1377. Desta feita, tratou de regulamentar que o proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis (CC 1.369). Ao mais, informou que o direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão (§ único do CC 1.369), e que a concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa, estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou parceladamente (CC 1.370). No que consiste às obrigações tributárias, o superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel (CC 1.371). Ao mais, tal instituto jurídico pode ser transferido a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros (CC 1.372), sendo que não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer pagamento pela transferência (§ único do CC 1.371). (João Vitor Cainelli Bortoluzzo, fez publicar em outubro de 2015, no site Jus.com.br, “Comentários acerca do direito de superfície no ordenamento jurídico brasileiro” acessado em 03.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).