Direito Civil Comentado
- Art. 558, 559, 560 - continua
- Da
Revogação da Doação – VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação
Seção II
– Da Revogação da Doação
- vargasdigitador.blogspot.com
Art.
558. Pode
ocorrer também a revogação quando o ofendido, nos casos do artigo anterior, for
o cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador.
Para a
sinopse de Nelson Rosenvald, é elogiável a inovação do Código Civil,
pretendendo afirmar a diretriz da socialidade através da lente da função social
da família. O individualismo jurídico que permeou o Código de 1916 restringia a
discussão acerca da revogação da doação entre os participes da relação patrimonial.
Agora, procura-se enfatizar o fundamental papel da família e dos laços afetivos
que envolvem as pessoas que a compõem.
O vínculo
existencial entre os membros da entidade familiar justifica que a lesão a um
deles tenha a mesma carga de significado que a ofensa ao próprio doador. De certa
maneira, o legislador despatrimonializa a discussão e afirma que todo ato de doação
envolve um laço espiritual com o donatário, que será traído quando um cônjuge,
ascendente ou descendente sofrer as ofensas aludidas no artigo pregresso.
Todavia, houve uma omissão gravíssima
no dispositivo. O legislador olvidou-se de trazer os companheiros para a mesma situação
dos demais familiares elencados. Todavia, em uma interpretação conforme a Constituição,
devemos abranger o conceito de cônjuge para incluir o companheiro, evitando
qualquer forma de discriminação por parte do legislador subalterno. Aliás, o
mesmo equivoco não foi cometido no CC 1.814 ao tratar o Código da extensão dos
sujeitos passivos de hipóteses que autorizam a exclusão do sucessor por
indignidade. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 607 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 09/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Contrapondo-se
a Rosenvald, o histórico de Ricardo Fiuza mostra que o presente dispositivo não
foi alterado por qualquer emenda seja da parte do Senado Federal, seja da parte
da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. O texto
sofrer apenas pequeno ajuste de cunho estritamente redacional, durante a
revisão ortográfica, por parte da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados.
-Não- há artigo correspondente no CC de 1916.
Em sua
doutrina, Ricardo Fiuza aponta o que tenha sido a omissão do legislador, de
cuidar de extensão análoga, com semelhante identidade de razões, no que tange
aos atos praticados pelo filho ou cônjuge do donatário, mesmo que beneficiários
direitos ou indiretos da liberalidade e, como tais, sujeitos aos mesmos deveres
éticos, por uma conduta humana suscetível de representante a elevação do
espírito em comunhão de vida familiar. O dever de gratidão, nesses casos,
deveria, a nosso sentir, alcançar o cônjuge ou descendentes do donatário, desde
que os efeitos da liberalidade irradiem vantagens a terceiro(s) e autor(es) da
ofensa. Exemplifica-se com o imóvel doado intuitu familiae que serve de residência
ao donatário e sua família. Há quem sustente, porém, incabível a hipótese,
mesmo assim, porque a pena não pode passar além da pessoa do culpado, e o donatário
favorecido não teria, em princípio, culpa pela ofensa. Nessa linha, não se
admitiu a revogação contra a viúva do donatário, por ingratidão dela (RI’,
497/51). De qualquer modo, a extensão cogitada, peculiar a atípica, deve ser
compreendida em consonância com os mais elevados interesses sociais, ordenando
valores éticos inderrogáveis. O dispositivo merece, pois, ser revisto, no
intuito de melhor preservar os interesses sociais, conclui Fiuza (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 297 apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 09/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Sugestão
legislativa:
Pelos fundamentos acima expostos, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza
sugestão para alteração deste artigo, inclusive com a introdução de parágrafo único,
que passaria a redigir-se:
Art. 558.
Pode ocorrer também a revogação quando o ofendido for o cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão do doador.
Parágrafo
único. Os atos praticados pelo filho ou cônjuge do donatário, quando beneficiários
diretos ou indiretos da liberalidade, ofensivos ao doador- são suscetíveis,
conforme as circunstâncias, de ensejar a revogação.
As sugestões
acima incorporam o depoimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, mencionados quando os
graves atos que caracterizam a ingratidão justificarem a revogação da doação quer
tenham sido dirigidos ao próprio doador, quer atinjam seu cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 09.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
559. A
revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de um ano, a
contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de
ter sido o donatário o seu autor.
Conforme
comentado por Rosenvald, a ação de revogação da doação está sujeita ao prazo
decadencial de um ano, seja por ingratidão do donatário, seja pela inexecução
do encargo. Cuida-se de prazo fatal para e exercício do direito potestativo à
desconstituição do negócio jurídico, seguindo a lógica do Código Civil de
reservar os artigos 205 e 206 para sediar prazos prescricionais e dos demais
setores do Código que topicamente enfatizam prazos decadenciais.
Quanto à revogação
de doação por ingratidão, o termo a quo para o ajuizamento da demanda
será aquele em que o doador tiver a convicção de que o donatário praticou um
dos fatos arrolados no CC 557. A inclusão da expressão “e de ter sido o
donatário o seu autor” ao final do dispositivo poderá ser útil nos casos em que
o ofendido seja um parente ou cônjuge do doador, havendo a necessidade de apuração
da autoria.
Nas hipóteses
em que houver ação criminal contra o donatário, não poderá o doador se
aproveitar do CC 200 para iniciar a contagem do prazo da data do trânsito em
julgado da sentença condenatória, pois a norma é privativa para as hipóteses de
prescrição, não sendo aplicável à decadência conforme informa o CC 207.
Pautando à
revogação da doação por descumprimento do encargo, muitas vezes o fato não chegará
imediatamente ao conhecimento do doador, eis que o modo fora estipulado para
beneficiar terceiro. a ciência do descumprimento será determinante para o
início da contagem. Outrossim, não tendo sido assinalado prazo para o início do
cumprimento do encargo, o doador provará que o donatário foi regularmente constituído
em mora (CC 398) e não agiu no prazo assinalado pela interpelação.
Frise-se que
o prazo decadencial de um ano será determinante para a resolução contratual, com
extinção da relação contratual. Todavia, caso deseje o doador a tutela específica
da obrigação de dar ou fazer, há que adotar o prazo prescricional de dez anos
para o exercício da pretensão condenatória (CC 205).
Ao questionamento de se o
donatário agiu como mero partícipe, mas não como autor, o Código Civil abrange
a hipótese da participação, pois o legislador civil não utilizou o termo “autor”
na acepção técnica. A mens legis foi no sentido de resguardar a lealdade
do doador e, por absurdo, não se admitiria desconstituir a liberalidade apenas
no caso extremo da autoria propriamente dita, exonerando-se da sanção aquele
que contribuiu material ou moralmente para a prática delituosa de terceiro (v.g.,
donatário que, desejando a morte do doador, abre a porta da casa para um
terceiro execute o fato). (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 608 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 09/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Aos
comentários de Ricardo Fiuza, atêm-se um histórico, onde o presente dispositivo
deve a sua redação à emenda do Deputado Henrique Alves, apresentada no período
inicial de tramitação do projeto e decorreu de oportuna sugestão feita pelo
Prof. Mário Moacyr Porto. Defendeu ele a seguinte posição: se o donatário
atentar contra a vida do doador, e a autoria do crime permanecer desconhecida, não
é correto que, vindo a conhecer esta autoria depois de um ano, não possa ser
pleiteada a revogação da doação, por ingratidão. Para que o crime não aproveite
ao criminoso. O exemplo se aplica às demais hipóteses previstas no projeto para
revogação da doação. Restaura-se, assim, a orientação do Código vigente. Trata-se
de mera repetição do art. 1.184 do CC de 1916, com pequena melhoria de ordem redacional.
O termo
inicial do prazo decadencial para a revogação judicial da doação é apurado do
conhecimento do doador quanto ao fato da ingratidão que a autorizar. Com a
regra, assegura-se ao doador a efetividade da revocatória, prejudicada que
estaria com o conhecimento tardio, se o prazo tivesse em conta a data do
evento.
Sugestão
legislativa:
em decorrência de proposta anterior (art. 558), encaminhou-se ao Deputado
Ricardo Fiuza sugestão no sentido de incluir como autores o cônjuge ou descendente
do donatário, nos seguintes termos:
Art. 559. A
revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada em um ano, a contar
de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a autorizar, e de ter
sido o donatário, seu cônjuge ou descendente, o autor da ofensa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 297-298
apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 09/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Acessando o raciocínio
de Marco
Túlio de Carvalho Rocha, temos que, visando à segurança jurídica, a lei
estabelece o prazo decadencial de um ano, a contar do conhecimento do fato e de
sua autoria, para que o doador ou seus herdeiros proponham a ação revocatória da
doação. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 09.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 560.
O direito
de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do doador, nem prejudica os
do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na ação iniciada pelo doador,
continuando-a contra os herdeiros do donatário, se este falecer depois de
ajuizada a lide.
Conforme
estende Nelson Rosenvald, aqui é enfatizado o caráter intuitu personae
de revogação de doação. A ação revocatória não será transmitida aos herdeiros
do doador, falecendo com ele, mas, excepcionalmente, o art. 561 permite que em
caso de homicídio doloso os herdeiros do doador ajuízem a lide, naturalmente
pela impossibilidade da vítima de agir.
Contudo, se
o doador já havia ajuizado a demanda, os seus herdeiros poderão ocupar a sua posição
no processo em caso de falecimento do autor. A pretensão de direito material
ainda é do doador. Os herdeiros apenas conduzirão o processo a seu destino.
Aliás, enquanto
o Código Civil de 1916 se referia à contestação do donatário como termo inicial
para permitir o prosseguimento da lide pelos sucessores do doador, o Código
Civil de 2002 se refere ao óbito já ao tempo do ajuizamento da lide. A alteração
é equitativa, pois a simples distribuição da demanda (CPC/1973 art. 263, com correspondência
no art. 312 do CPC/2015) dentro do prazo decadencial é suficiente para demonstrar
o interesse do doador de revogar a liberalidade, permitindo que seus herdeiros
prossigam em seu intento, sem depender da iniciativa do réu em oferecer a
contestação.
Caso o falecimento do donatário
ocorra antes do ajuizamento da lide, não poderão ser os seus herdeiros
colocados no polo passivo da lide, em razão de o fato ser personalíssimo. Todavia,
se já havia ação revocatória em andamento contra o donatário quando de seu
falecimento, não poderão os herdeiros responder por forças superiores às da
herança (CC 1.997), prestigiando-se a autonomia patrimonial entre o donatário e
os sucessores. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 608 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 09/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Como aponta
a redação de Ricardo Fiuza, o direito de o doador revogar a doação é
personalíssimo e, como tal, não se transmite aos herdeiros. Entretanto, havendo
o doador promovido a demanda, cabe aos seus herdeiros continua-la, inclusive os
herdeiros do donatário, se este falecer depois da propositura da ação contra si
intentada. O CC/2002 reconhece em prol do doador-autor os efeitos internos da distribuição
do feito ao empregar a expressão “depois de ajuizada a lide”, enquanto o CC de
1916 apenas admite a possibilidade, quando faleça o donatário, “depois de
contestada a lide”. De fato irrelevante, tenha respondido ou não o donatário
ou, ainda, tenha sido ou não formada a relação processual, preponderando como
decisivo o ajuizamento da ação.
Uma exceção
é a do próximo artigo 561, conferindo legitimidade aos herdeiros para a demanda
revocatória, no caso de homicídio doloso do doador praticado pelo donatário, já
consagrada em jurisprudência (RI’, 524/65).
Jurisprudência: “A disposição do CC 1.185,
atente para a data, estabelecendo que personalíssimo o direito de pedir a
revogação da doação, só se aplica quando isso se pleitear em virtude de
ingratidão do donatário e não quando o pedido se fundar em descumprimento de
encargo” (STJ, VT., REsp 95.309/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ
de 15-6-1998). (Direito Civil -
doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 298 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 09/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Conforme aduz
Marco
Túlio de Carvalho Rocha, a revogação é personalíssima: somente o próprio doador
pode, em princípio, requerê-la (a exceção é disciplinada no CC 561); somente
contra o donatário pode ser requerida. Se o bem doado tiver sua propriedade transferida
a terceiro por ato inter vivos ou causa mortis, contra este não poderá
ser proposta a ação. Uma vez iniciada a ação pelo doador contra o donatário,
ela pode prosseguir com seus herdeiros caso eles venham a falecer no curso do
processo. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 09.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).