segunda-feira, 26 de julho de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.832 Da Ordem da Vocação Hereditária - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.832
Da Ordem da Vocação Hereditária - VARGAS, Paulo S. R.
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Livro V – Do Direito das Sucessões - Título II – Da Sucessão Legítima
– Capítulo I – Da Ordem da Vocação Hereditária - (Art. 1.829 a 1.844)

 

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso 1) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Este artigo corresponde ao art. 1.879 do Projeto de Lei n. 634/75. Sem paralelo no Código Civil de 1916.

Atente para a doutrina do relator: Quando o cônjuge concorrer com os descendentes — e isso vai depender do regime de bens do casamento, como enuncia o CC 1.829, I —, caberá a ele quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça. Mas a quota do cônjuge sobrevivente não pode ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Se o falecido deixou até três filhos, a partilha se faz por cabeça. dividindo-se a herança, em partes iguais, entre os filhos e o cônjuge. No caso de o de cujus possuir quatro filhos, ou mais, e tendo de ser reservada a quarta parte da herança à viúva ou ao viúvo, os filhos repartirão o restante, e, portanto, o cônjuge sobrevivente fica com um quando da herança, e os três quartos restantes são destinados aos filhos.

Mas essa reserva hereditária mínima (1/4) conferida ao cônjuge sobrevivente pressupõe que ele seja também ascendente dos herdeiros com que concorrer. Se o de cujus deixou descendentes dos quais o cônjuge sobrevivente não é ascendente, será obedecida a regra geral: ao cônjuge caberá um quinhão igual ao dos descendentes que sucederem por cabeça

E se o falecido possuía filhos com o cônjuge sobrevivente, mas tinha-os, também, com outra pessoa, é hipótese não resolvida, expressamente. Não é o cônjuge sobrevivente ascendente de todos os herdeiros descendentes do falecido. Parece que, assim sendo, a quota hereditária mínima (1/4) não é cabível.

Observe-se que, se o de cujus vivia em união estável, o companheiro sobrevivente participará da sucessão, concorrendo com filhos comuns e com descendentes só do autor da herança, na forma do art. 1.790, caput, I e II. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 949-50, CC 1.832, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Flavio Tartuce, publicado no site migalhas.com.br, atualizado em 26 de fevereiro de 2020, fala sobre “A reserva da quarta parte da herança (CC 1.832) e a sucessão híbrida”.

Complementando as regras básicas relativas à ordem de sucessão legítima e à vocação hereditária, com especial tratamento quanto à sucessão dos descendentes em concorrência com o cônjuge, o CC 1.832 – sem correspondente na codificação anterior – trata da chamada reserva da quarta parte da herança. Conforme a sua exata redação, “em concorrência com os descentes (CC 1.829, I), caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer”. O objetivo é assegurar um patrimônio mínimo ao cônjuge sobrevivente, papel que era exercido, no Código Civil de 1916, pelo chamado usufruto vidual.

Como primeira observação a respeito do comando, diante d equiparação sucessória feita pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento encerrado no ano de 2017 e que reconheceu a inconstitucionalidade do CC 1.790 (decisum publicado no Informativo n. 840 do STF), passa ele a ter plena incidência para a união estável, o que foi reconhecido em 2019 pelo STJ, em julgado que ainda será aqui melhor explicado.

Como se pode perceber, a norma de codificação privada em vigor enuncia que o cônjuge – e agora também o convivente ou companheiro – recebe o mesmo quinhão que recebem os descendentes. Ademais, em continuidade, o preceito consagra a citada reserva da quarta parte da herança ao cônjuge ou ao companheiro se ele for ascendente dos descendentes com quem concorrer, geralmente pai ou mãe do filho do falecido, de cuja herança se trata. Assim, se por outro lado o cônjuge ou companheiro concorrer somente com descendentes do falecido, não haverá a referida reserva. Na verdade, o principal debate a respeito do comando somente ganha relevo se houver a concorrência com mis de três descendentes do falecido, situação em que a reserva da quarta parte seria alvo de dúvidas.

Observa-se, portanto, que a principal discussão que o dispositivo desperta tem relação com a chamada sucessão ou concorrência híbrida, expressão criada pela Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, presente quando o cônjuge ou convivente concorre com descendentes comuns – de ambos -, e com descendentes exclusivos do autor da herança (Hironaka, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil. 2. ed. Coord. Antonio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 20, p. 235-36). Isso porque tal hipótese não foi prevista pelo legislador, presente uma lacuna normativa, a ser sanada pelo intérprete. A propósito, a jurista citada tem procurado analisar a polêmica que forma o cerne principal deste artigo em suas aulas e palestras sobre a sucessão legítima. 

Duas foram as correntes fundamentais que surgiram sobre essa controvérsia, conforme consta de tabela doutrinária elaborada por Francisco José Cahali, em obra de grande expressão, lançada nos  anos iniciais de vigência do Código Civil de 2002 (Direito das sucessões, 3 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 189-192). 

Para uma primeira corrente, tida desde o início como majoritária, em havendo a sucessão híbrida, não se deve fazer a reserva da quarta parte ao cônjuge ou ao companheiro, tratando-se todos os descendentes como se fossem exclusivos do autor da herança. Assim entendem – conforme menções constantes na citada tabela doutrinária – Caio Mário da Silva Pereira, et al, além do presente autor.

Esse entendimento prestigia os interesses e direitos dos filhos em detrimento dos do cônjuge, sendo essa a opção constitucional, como apontam os juristas et al, encontrados na página do Migalhas citado.

Adotando a premissa, na V Jornada de Direito Civil, evento promovido pelo conselho da Justiça Federal no ano de 2011, aprovou-se o seguinte enunciado: “na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida” (Enunciado n. 527). Reitero que a destacada ementa doutrinária e todas essas afirmações têm incidência, agora, para a concorrência do companheiro com os descendentes, eis que foi incluído no art. 1.829 do Código Civil pela decisão do Supremo Tribunal Federal antes mencionada, com repercussão geral.

Por outra via, para uma segunda corrente doutrinária, tida como minoritária, em havendo sucessão híbrida, deve ser feita a reserva da quarta parte ao cônjuge, tratando-se todos os descendentes como comuns, como pensam Francisco José Cahali, José Fernando Simão e Sílvio de Salvo Venosa. Essa corrente está baseada em uma interpretação literal do CC 1.832, pois a reserva da quarta parte deve ocorrer em havendo descendentes de ambos, não sendo relevante para afastar tal subsunção a presença também de filhos exclusivos somente do falecido.

Tentando resolver esse dilema, em 2019 surgiu o antes citado precedente d a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que menciona obra de minha autoria (Tartuce), especialmente o debate doutrinário aqui exposto. Seguindo a primeira corrente, o aresto conclui que não deve ocorrer a reserva da quarta parte em havendo a sucessão ou concorrência híbrida. Pontue-se que o caso dizia respeito à união estável, e não a casamento, fazendo incidir a equalização sucessória entre as entidades familiares, conforme a tão citada decisão do STF.

Como consta da primeira parte da sua ementa, “o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do e. MM Luis roberto Barroso, quando do julgamento do RE 878.694/MG, reconheceu a inconstitucionalidade do CC 1.790, tendo em vista a marcante e inconstitucional diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável” (STJ, REsp 1.617.501/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, J. 11/06/2019, REP DJe 06/09/2019. DJe 01.07.2019).

Na sequência é enfrentado o dilema relativo à concorrência do companheiro com os descendentes no regime da comunhão parcial de bens, sendo citado o julgado a respeito da consolidação de pensamento que seu no âmbito da Segunda Seção da corte, no sentido de que,  “nos termos do CC 1.829, I, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os desdentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus” (STJ, REsp 1.368.123/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Rel. p/Acórdão: Ministro Raul Araújo, Segunda seção, J. 22/4/2015, DJe 8/6/2015).    

E, por fim, enfrentando o tema principal deste texto – e com base nos entendimentos doutrinários de Paulo Lôbo, Carlos Roberto Gonçalves, Mario Luiz Delgado e Mairan Mais -, deduziu-se que “a interpretação mais razoável do enunciado normativo do CC 1.832 é a de que a reserva de 1/4 da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorrem com os descendentes comuns. Enunciado 527 da Jornada de Direito Civil. A interpretação restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (CC 1.834) e da própria Constituição Federal (art. 227, § 6º, da CF), bem  como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma” (STJ, REsp 1.617.501/RS, Rel. MM Paulo de tarso Sanseverino, 3ª Turma, J 11/06/2019, DJe 1/7/2019). 

Como se pode perceber, o acórdão traz em seu conteúdo respostas a muitas questões que eram pendentes no passado sobre o Direito das Sucessões Brasileiro e resolve mais um dilema, qual seja a não reserva da quarta parte da herança em  favor do cônjuge ou companheiro em havendo a sucessão híbrida.

Espero – conclui o autor – que outros julgados estaduais e mesmo da 4ª turma do STJ sigam esse entendimento que traduz a mais correta e prevalecente interpretação doutrinária do vigente sistema sucessório brasileiro. Sobre essa temática, como se pode perceber, doutrina majoritária e jurisprudência estão em sintonia, o que é sempre louvável na realidade contemporânea, para trazer estabilidade às relações privadas. (Flavio Tartuce, publicado no site migalhas.com.br, atualizado em 26 de fevereiro de 2020, fala sobre “A reserva da quarta parte da herança (CC 1.832) e a sucessão híbrida. Acessado em 26/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No mesmo diapasão, Guimarães e Mezzalira exalçam ser essa uma regra nova, que veio para ficar. O sobrevivente, naqueles três regimes que está habilitado a concorrer com os descendentes, recebe parte igual, independentemente da sua meação. Aliás, cada um tem uma meação e a parte da herança a ser dividida está dentro dessa meação, com os bens particulares.

Na hipótese de serem quatro ou mais descendentes, ao cônjuge sobrevivente será assegurada uma quarta parte da herança (25%). Depois de retirada a herança do sobrevivente, far-se-á o cálculo para os descendentes. Essa inovação não encontra similar nos outros Códigos europeus, especialmente naqueles que inspiraram os redatores do projeto.

O cônjuge sobrevivente é chamado a recolher a herança, qualquer que seja o regime de bens adotado no casamento, à falta de descendentes e ascendentes, se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato, há mais de 2 (dois) anos, salvo prova, nesse caso, de que o rompimento não se deu por culpa do sobrevivente (CC 1.838 e CC 1.830).

Importante elucidar que há diferença entre meação e herança do cônjuge. Quando o regime de bens adotado no casamento, é de comunhão total, vindo a falecer um deles, dissolve-se a sociedade conjugal e os bens são repartidos, meio a meio, a que se chama de meação; se o regime adotado for de comunhão parcial, comunicam-se somente os aquestos, i.é, os bens que foram adquiridos na constância do casamento, excluída a comunhão daqueles havidos na forma do CC 1.659. O citado artigo exclui da comunhão, principalmente, os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar. Excluídos, também, os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares e, também, os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, bem como as aquisições feitas com o produto desse trabalho pessoal. 

Os aquestos adquiridos pelo trabalho de ambos, em benefício do lar, serão repartidos metade para cada um dos cônjuges. justifica-se um estudo do Direito de Família no título que trata dos direitos patrimoniais (CC 1.639 a 1.693), com as subdivisões em capítulos os regimes de bens entre os cônjuges. foram substanciais as modificações introduzidas pelo Código de 2002, introduzindo novas regras à praxe que vigorou dezenas de anos, destacando-se que “é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges” (CC 1.639, § 2º).

O cônjuge, como herdeiro, não é forçado a formar concorrer na formação do patrimônio, nem do regime de bens no casamento, mas, tão somente, por força do dispositivo legal, que outorga ao sobrevivente a herança, nos termos do CC 1.838, em combinação com o CC 1.829.

A Lei Feliciano Pena, em homenagem a seu autor, Decreto n. 1.839, de 31 de dezembro de 1907, que introduziu profundas modificações no sistema sucessório pátrio, tornou-se pioneira, chamando o cônjuge sobrevivente em terceiro lugar, antes dos colaterais.

Sabe-se que o Código de Justiniano representa a primeira compilação de legislação, reconhecendo o direito à mulher de participar da sucessão do marido, outorgando-lhe a quarta parte da propriedade, na falta de filhos, e usufruto, se filhos havia. Até então, era permitido à mulher adquirir seus próprios bens, porém não recolhia herança vinda do esposo. No Brasil, mesmo depois da Independência de Portugal, permaneceram em vigor as Ordenações do Reino, e o cônjuge sobrevivente ocupava o quarto lugar entre os sucessíveis.

O Código Civil de 2002, similar ao Código de 1916, adotou a disposição da Lei Feliciano Pena, “atribuindo-lhe a herança do cônjuge falecido, sob duplo pressuposto: a) ausência de descendentes e ascendentes; b) não estarem os cônjuges legalmente separados” (Pereira, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 132). O novo diploma estabelece a separação de direito e/ou separação de fato há mais de 2 (dois) anos. Criou uma nova regra, e a lei permitiu beneficiar o casal em união estável, a despeito da relação jurídica criada pelo casamento, cujos vínculos permanecem, sob o aspecto legal, impedindo, inclusive, novas núpcias, mas separados os cônjuges de fato, constituindo cada qual sua família concubinária.

É irrelevante o regime de bens, na data da celebração do casamento, para o chamamento do cônjuge como terceira classe. Desde que inexistam herdeiros necessários, a herança é deferida ao cônjuge supérstite. (RT, 614/82; 525/106).

Também, nesse sentido, “o cônjuge é, por força de lei, herdeiro pré-morto, independentemente do regime de bens, bastante apenas a inexistência de descendentes ou ascendentes e a inexistência de dissolução conjugal pelos modos expressos nos incisos II a IV do art. 2º da Lei n. 6.515/77”. (Jurisprudência Mineira, 105/156).

Essa regra insere conteúdo da maior importância prática: o homem ou a mulher, ambos os nubentes ou qualquer deles, com 70 (setenta) anos (CC 1.641, II), só pode casar-se, adotando o regime de separação de bens; no entanto, se ele não tiver herdeiros necessários, a jovem donzela de 20 anos será chamada para recolher a totalidade da herança, alijando da sucessão todos os demais parentes. “Tratando-se de casal sem herdeiros necessários”, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, “tem o viúvo precedência à ordem de vocação hereditária, estabelecida no art. 1.603 do Código Civil de 1916, pouco importando ser de separação de bens o regime de seu casamento com a esposa falecida”. (RT, 525/106. Note-se que, em princípio, o cônjuge supérstite não recolhe meação – por inexistente, em decorrência do regime adotado).

Famoso é o acórdão do STJ, sendo relatora a Min. Nancy Andrighi, sobre o regime de separação de bens. Justifica fazer pesquisa na internet ou no STJ.

No Código atual o CC 1.838 não faz qualquer distinção de regime de bens mas, tão somente, subordina o recolhimento da herança pelo cônjuge supérstite à convivência dos dois, na época do óbito, sob o mesmo teto. No mesmo sentido, idêntica manifestação jurisprudencial, revelando que “a legitimação do cônjuge à herança do cônjuge falecido independe do regime patrimonial de bens”. (Lex, 189/230). 

Receberá, também, o cônjuge, uma participação em concorrência com os descendentes, desde que o regime de casamento não tenha sido o da comunhão universal, o da separação obrigatória de bens, ou, em se tratando de comunhão parcial, se o autor da herança não tiver deixado bens particulares. Essa nova posição reflete uma tendência do mundo ocidental, beneficiando o cônjuge que ajudou na construção da família, do patrimônio, na criação dos filhos e no sucesso do lar em sua totalidade. 

Embora o acórdão do STJ, sendo relatora a Min. Nancy Andrighi, pedimos venia à ilustre Ministra, mas houve uma completa confusão de sua parte, ao considerar que o regime de separação convencional é parte integrante da separação obrigatória. São dois regimes distintos, com leis próprias, dentro de uma nova realidade social. O mesmo pensamento esposam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Dizem referidos autores, que “trata-se de uma argumentação, data venia, completamente descabida. Não tem sentido considerar-se “obrigatório” o regime de separação convencional – aquele em que a separação de bens é livremente escolhida – pelo simples fato de se tratar de um regime de bens previsto por lei.” (Gagliano, Pablo Stolze; Pamplona Filho, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2012, v. 6, p 376).

Caberá ao cônjuge, quando concorre com os descendentes, quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se o cônjuge estiver concorrendo com filhos próprios. A redação dada pelo CC 1.829 pode dar motivo a diversas interpretações, tendo sido objeto de diferentes pensamentos, exposições feitas por doutrinadores em seminários sobre o Código Civil de 2002. A matéria tem sido constantemente apreciada pelos Tribunais, existindo julgados frontalmente contrários. Os Magistrados interpretam os artigos do Código, segundo seus entendimentos, embora, a nosso ver, os textos legais poderiam ser interpretados mais facilmente, como norma geral, sem sofrer a interferência dos fatos que envolvem as sucessões. Salvo modificação da lei, jamais será pacífica a interpretação pelos julgadores. 

Em rápidas pinceladas, poder-se-ia dizer que o cônjuge sobrevivente terá esse quinhão mínimo, estabelecido no CC 1.832, concorrendo com descendentes seus; s, ao contrário, os descendentes não são comuns ao cônjuge supérstite, haverá a concorrência, sem quota destinada, preservando, unicamente, a intenção do legislador ao estabelecer no inciso I do CC 1.829 a concorrência do cônjuge com os descendentes.

O Sr. Antonio, falecido, era pai de Primus, Secundus e tertius, filhos do primeiro casamento, e em segundas núpcias, com Maria, não teve filho. Retirada a meação (se houver, dependendo do regime de bens do casamento e da existência de aquestos – se era da comunhão parcial) a herança será dividida para quatro cabeças, i.é, os três filhos e o cônjuge supérstite.

Se Antonio é casado com Maria e tiveram dois filhos, Primus e Secundus, a herança será dividida por três, igualmente; sendo quatro os filhos, Maria – viúva – receberá 1/4 da herança e os 3/4 serão divididos entre os quatro filhos.

Se Antonio, falecido, teve filhos (2) do primeiro casamento e filho (1) do segundo casamento, ainda assim a herança será dividida por 4 (quatro), i.é, entre os três filhos e a viúva.

Digamos que o Sr. Antonio, pai de cinco filhos, divorciado, case de novo com Maria e tenha quatro filhos do novo casamento.

Falecendo o Sr. Antonio, é arrecadado o patrimônio de R$ 600.000,00, sendo R$ 200.000,00 de bens particulares. Dessa forma, a meação seria de R$ 200.000,00 (R$ 600.000,00 – R$ 200.000,00, restando R$ 400.000,00 ٪2 = R$ 200.000,00). A meação do de cujus, somando com os bens particulares (R$ 200.000,00), perfazem, portanto, R$ 400.000,00, para dividir entre os herdeiros necessários. 

São os herdeiros necessários: cinco (5) filhos do primeiro casamento, quatro (e) filhos do segundo casamento e o cônjuge (1), somando, assim, 10 (dez) pessoas. 

Como os herdeiros necessários receberão legítimas iguais, toma-se os R$ 400.000,00 e divide-se por 10 (dez), obtendo o resultado R$ 40.000,00 para cada um deles.

Os filhos do primeiro casamento recebem por cabeça, i.é, R$ 40.000,00 cada um; os filhos do segundo casamento são descendentes do cônjuge sobrevivente, ao qual o novo Código (segunda parte do CC 1.832) assegura uma quota não inferior à quarta parte da herança, devida a ele e a seus filhos. Assim, quatro filhos mais o cônjuge é igual a cinco, ou seja, R$ 40.000,00 X 5 = R$ 200.000,00. 

Como a lei assegura ao cônjuge 1/4, o cônjuge receberá R$ 50.000,00 de herança; os restantes R$ 150.000,00 serão divididos entre os quatro filhos, ou seja, R$ 37.500,00 para cada um deles.

Não há igualdade? Sim, há. Mas há, como se demonstrou nos primeiros cálculos. Quando Maria vai tirar 1/4 que lhe outorga o CC 1.832, prejudica a seus filhos.

Alguns autores entendem que o cônjuge, no regime de comunhão de bens, tendo o falecido bens particulares, o cônjuge sobrevivo concorreria com os descendentes somente em relação aos bens particulares. A outra parte destinar-se-ia aos descendentes. Há julgado em todos os sentidos. Defrontando-se o leitor com caso prático, aconselha-se pesquisar a jurisprudência vigorante à época, independentemente das opiniões doutrinárias.

Resta acrescentar que não se vislumbra essa separação no texto vigente, que é genérico. Os filhos do primeiro casamento não podem ser prejudicados, porque não são descendentes do cônjuge-ascendente sobrevivo. A igualdade está no princípio da operação.

Os filhos do segundo leito são prejudicados por força da redação do CC 1.832, nada mais, uma vez que concorrerão com o cônjuge-ascendente sobrevivo. Na prática, esse caso deverá ser menos usual, porque as famílias do segundo matrimonio são, em sua maioria, constituídas do casal e de um ou, no máximo, dois filhos. 

Se os filhos do segundo casamento forem três, não haverá tanta operação, porque a divisão será por cabeça simplesmente.

Quando o cônjuge sobrevivo concorre com os ascendentes, diferentes são os cálculos: se o cônjuge concorrer com ascendente em primeiro grau, tocar-lhe-á 1/3 da herança, sendo 2/3 aos ascendentes; caber-lhe-á 1/2 da herança se houver um só ascendente de primeiro grau, ou se maior for aquele grau, i.é, se houver só a mãe viva ou concorrendo com os bisavós (CC 1.837).

Vale destacar que o CC 1.787 impõe que serão chamados a suceder, e receberão, os herdeiros constantes da lei vigente na data do óbito. Significa, portanto, que qualquer óbito ocorrido antes de 10 de janeiro de 2003 deverá obedecer aos ditames do Código Civil de 1916, revogado.

No Código revogado, p. ex., o cônjuge não era herdeiro necessário, mas unicamente herdeiro legítimo. A diferença é substancial, tanto que como herdeiro legítimo poderia ser excluído da sucessão, sem causa aparente, desde que o autor do patrimônio assim o decidisse em testamento, uma vez que o herdeiro legítimo não tem garantia de “legítima”. 

No Código vigente, o herdeiro necessário, por sua vez, faz jus a uma parcela da legítima e não poderia ser excluído salvo nos casos previstos nos arts. 1.814, 1.962 e 1.963 feita a prova em juízo, em ação própria, com amplo direito de defesa.

O assunto merece uma monografia, explorada por diversos autores. Finalmente, ressalte-se a opinião de Miguel Reale, que afirma ter o legislador prestigiado o cônjuge, protegendo-o, criando novas regras, já existentes em outras nacionalidades. (Reale, Miguel. O projeto do novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 1999). 

[...]

Jurisprudência: (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.832, acessado em 26/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).