segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

MANDADO DE SEGURANÇA (EXIGÊNCIA DE APROVAÇÃO EM EXAME DE ORDEM) - DA ADVOCACIA CIVIL, TRABALHISTA E CRIMINAL –VARGAS DIGITADOR http://vargasdigitador.blogspot.com.br/





MANDADO DE SEGURANÇA (EXIGÊNCIA DE
APROVAÇÃO EM EXAME DE ORDEM) -
DA ADVOCACIA CIVIL, TRABALHISTA
     E CRIMINAL –VARGAS DIGITADOR


Vistos etc.

RELATÓRIO

O impetrante devidamente qualificado na exordial, requer segurança preventiva, com pedido de liminar, afirmando a inconstitucionalidade da exigência de prévia aprovação no exame da Ordem para o exercício legal da profissão de advogado, de acordo com o previsto no artigo 8º, IV, da Lei n. 8.906/94.

Afirma ter ingressado no curso de direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina no ano de 1995, tendo colado grau em 02/12/99.

Alega que o reconhecimento da profissão de advogado se exaure na simples colação de grau, conferida exclusivamente pela universidade, pelo seu poder delegado de habilitar e qualificar seus bacharéis, sendo que, com a exigência do exame de ordem, a OAB invade a competência das universidades, nos termos do artigo 207 da Constituição Federal.

Salienta a afronta do art. 8º, inciso IV, da Lei n. 8.906/94, aos princípios constitucionais da dignidade humana, da igualdade, do direito ao trabalho e do direito à vida.

Argumenta ainda que a inserção em setores profissionais é, de ordinário, incondicionado, ou seja, recebendo o diploma, o bacharel encontra-se apto para o exercício da profissão, pelo que a exigência de exame prévio a fim de que se exerça a profissão desiguala os bacharéis em direito dos demais bacharéis.

Requereu notificada a concessão da segurança liminar, a fim de ser inscrito nos quadros da OAB/SC, e ao final, a segurança definitiva.

A liminar foi indeferida (fls. 70/74)

Devidamente notificada, a autoridade coatora manifestou-se no decêndio alegando, preliminarmente, a impossibilidade da impetração de mandado de segurança contra Lei em tese e a decadência do direito, uma vez que o ajuizamento da ação extrapolou o prazo de 120 dias a contar da vigência da Lei atacada.

No mérito, afirma a legalidade do Exame de Ordem, uma vez que está em conformidade com o disposto no art. 5º, XIII da Constituição Federal e com o art. 44, II da Lei nº 8.906/94.

Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da segurança (fls. 89/90)

Fundamentação

1 – Das preliminares

Registro, em primeiro grau, que, bacharel em direito o impetrante (fls. 29), a exigência de exame para o exercício da profissão de advogado tem o condão de tornar a lei de efeito concreto em relação ao impetrante, pelo que inexiste o óbice posto pela súmula 266 do STF.

Quanto à alegação de decadência, não assiste razão à autoridade coatora uma vez que se renova, cada exame de ordem, o direito de contestar a aplicação do artigo 8º da Lei 8.906/94.

2 – Do mérito

a – Competência da Ordem dos Advogados do Brasil. Exame de Ordem. Poder de Polícia

Trata-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, que objetiva a inscrição do impetrante nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, independente de aprovação no exame da respectiva autarquia, pretendendo seja declarada a inconstitucionalidade do art. 8º, IV, da Lei 8.906/94.

O Exame da Ordem, segundo Gisela Goldin Ramos: “Foi instituído pela Lei nº 8.906, de 04.07.94, com l louvável objetivo de selecionar, pela aferição de conhecimentos jurídicos básicos, os bacharéis aptos ao exercício da advocacia, evitando assim os inúmeros e tão conhecidos transtornos causados por profissionais sem o necessário preparo técnico, maiores responsáveis pela equivocada visão da sociedade a respeito do nobre exercício da advocacia.” (Estatuto da advocacia, comentários e jurisprudência, p. 151).

A função do advogado foi alçada ao status de indispensável à administração da justiça, motivo pelo qual os profissionais que pretendem dedicar-se à advocacia foram contemplados com atenção proporcional ao status constitucional conquistado.

Do ponto de vista do direito administrativo, é preciso distinguir a competência constitucional em habilitar e qualificar e a de controlar o exercício da profissão de advogado, enfim, proceder ao exercício do poder de polícia.

Não há dúvida que apenas a universidade habilita o profissional em direito. Veja-se que não são os profissionais sujeitos à habilitação em nível superior, sendo inúmeras, além de desejáveis as profissões cuja formação não estão a exigir habilitação e qualificação em universidade, bastando aqui recordar os inúmeros cursos técnicos, pelo que se conclui: a habilitação e qualificação profissional não é  exclusiva da universidade.

De outro lado, quanto aos bacharéis em direito e advogados, apenas a Ordem dos Advogados do Brasil os fiscaliza.

Exercer o poder de polícia significa condicionar ou restringir o uso ou gozo dos bens e direitos individuais em favor da coletividade, o que se positivou no art. 78 do CTN, segundo o qual: “Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”

Qualquer exigência da Ordem dos Advogados do Brasil em relação à inscrição do advogado só pode realizar-se ao argumento do regular exercício do poder de polícia, uma vez que a autarquia goza apenas desta competência constitucional.

Certo que ao utilizar-se do poder de polícia, o poder público encontra limites, ponto a que deram especial atenção Caio Tácito e Álvaro Lazzarini (RDA 27/1 Caio Tácito e RT 721/339 Lazzarini), podendo-se citar, resumidamente, que o poder de polícia terá que respeitar a vinculação estrita ao fim público, legalidade, competência, proporcionalidade, razoabilidade, direitos constitucionais fundamentais. É preciso ainda que o ato de polícia, face à gravidade de que se reveste, seja necessário (ante  ameaças reais) e seja eficaz (adequação da medida).

O que ocorre no presente caso é que, face à importância da profissão de advogado, previu a lei a necessidade de um controle prévio dos profissionais que irão ingressar no mercado de trabalho, não como forma de habilitá-los ao exercício da função, mas sim de proteger a sociedade por meio do mecanismo depurador, prévio ao exercício da atividade, e não póstumo a esse mesmo exercício.

Muito se poderá questionar sobre o método, o que não cabe é confundi-lo com a qualificação e habilitação do bacharel.

Trata-se, o exame de ordem, de mecanismo de restrição de direitos e liberdades, em favor da coletividade, razões eleitas pelo legislador no art. 8º, IV, da Lei 8.906/94, e realizada previamente ao início mesmo da profissão, poder de polícia, portanto.

Se a Lei 8.906/94 estabelece a possibilidade de impedir o exercício da profissão de advogado pela aplicação de sanções como suspensão e cassação, resultando de processo administrativo que apure infrações, nada impede que a Lei autorize o exercício de poder de polícia previamente ao exercício da profissão, utilizando exame de aprovação, pelo que, no máximo, poder-se-ia discutir a proporcionalidade ou razoabilidade da exigência prévia, coisa que não encontra espaço na presente liminar.

É lição corrente na administração que o poder de polícia encontra seu mais nobre espaço de atuação na atividade de prevenção, não sendo exagero dizer-se que o poder de polícia é preventivo mesmo, exercido pela fiscalização, que deve ser sobretudo propedêutica evitando a aplicação de sanções maiores ou mais graves, pelo que pode-se dizer, neste exercício jurídico, não haver, à primeira vista, inconstitucionalidade no art. 8º, IV, da Lei 8.906/94.

b – Constitucionalidade do Exame de Ordem, Princípios constitucionais. Isonomia. Livre exercício de atividade ou profissão

Analisando os argumentos do impetrante sobre a inconstitucionalidade do Exame da Ordem, detêm-se no art. 5º, XIII, da CF/88:

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”

O princípio do livre exercício profissional há de ser lido em harmonia com o art. 22, XVI, da Constituição, que estabelece ser competência privativa da União legislar sobre “condições para o exercício de profissões”.

Quanto aos princípios constitucionais, nada há que os afronte. É livre o exercício das profissões, desde que atendidas as condições exigidas em lei.

A Lei pode exigir requisitos para exercício de determinada profissão sob os mais diversos argumentos, tais como qualificação, idade, sexo, estatura, e também, sob o argumento do poder de fiscalização (ou de polícia) do Estado.

Assim, o que o Estatuto da Advocacia impõe é a aprovação em prova seletiva como meio de prevenir a sociedade dos prejuízos possíveis pela atuação de profissionais sem a qualificação exigida, logo, a lei impôs condição constitucional.

Constitucional também porque atende ao principio da isonomia, na medida que submete todos os bacharéis em direito ao mesmo procedimento de seleção. Não se pode considerar todos os bacharéis na mesma condição de igualdade, uma vez que há profissões que não exigem o bacharelato, bem como outras que estão a exigir requisitos diversos dos exigidos para a profissão de advogado, como a residência médica.

Coleciona-se, por oportuno, os seguintes precedentes:

“CONSTITUCIONAL. EXAME DE ORDEM. EXIGIBILIDADE. REQUISITO FUNDAMENTAL PARA O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. 1. A Constituição federal não impede a regulamentação por lei infraconstitucional do exercício de determinadas profissões, exigindo certas qualificações para o seu exercício. O Exame de Ordem visa essencialmente a aferir a qualificação técnica dos novos bacharéis. Ausente, pois, a inconstitucionalidade apontada. 2. Não é possível suprimir aos agravados o Exame, que hoje é requisito fundamental para o exercício da advocacia. 3. Agravo provido. “(TRF – 4ª Região – Ag. 0457073/97, rel. Juíza Marga Inge, Bart Tessler, julg. 11.12.1997, 3ª T., publ. DJ 21.01.1998).”

“Agravo Regimental – Equivoca-se o agravante ao sustentar que a atual Constituição, em face dos dispositivos que cita, acabou com a necessidade de inscrição na OAB para o bacharel em direito possa advogar, porquanto, como salienta o art. 5º, XIII, da Constituição, é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, e para o exercício da advocacia a lei exige essa inscrição.

Por outro lado, a petição de agravo reconhece que o recurso extraordinário foi dirigido contra despacho monocrático, não havendo assim, a decisão de última instância que seria prolatada pelo Tribunal em agravo regimental. Agravo  que se nega provimento.” (STF, 1ª T., Proc. Agr. nº 198725/SP, rel. Min. Moreira Alves, julg. 09.09.1997).”

Finalmente, como subsídio doutrinário, é de registrar que o Juiz Federal Jairo Gilberto Schafer, em artigo escrito a partir do julgamento de processo análogo ao dos autos em apreço, bem resumiu a questão da constitucionalidade do exame da ordem.

“(...) a disposição constante no artigo 8º da lei n. 8.906/94, tornando obrigatório o ‘exame de ordem’, padece do vício da inconstitucionalidade? A análise conducente à solução deve passar obrigatoriamente pela classificação teórica das hipóteses de limitação a direito constitucionais. Com efeito, a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão é direito fundamental (artigo 5º, inciso XIII, Carta da República). A obrigatoriedade de submissão ao exame de ordem, como requisito para o exercício da profissão de advogado, indiscutivelmente constitui-se em limitação ao direito de liberdade de profissão, uma vez que não logrando, o interessado, aprovação no referido exame, ficará alijado do exercício da advocacia. O intérprete da lei ordinária restritiva deve responder uma indagação: encontra autorização, forma expressa ou não, na Constituição Federal a limitação imposta ao livre exercício do direito? No caso em estudo, o livre exercício das profissões (artigo 5º, inciso XIII, Carta da República), pode sofrer as restrições impostas pela Lei n. 8.906/94, uma vez que a própria Constituição autoriza expressamente a lei ordinária a estabelecer restrições ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, ao utilizar a cláusula “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, caracterizando reserva de lei restritiva (restricciones indirectamente constitucionales), sendo amplamente caracterizado a razoabilidade da exigência do exame de ordem, em virtude da inafastável necessidade de qualificação do profissional da área jurídica, o qual defende em juízo direito que não lhe pertence” (SCHAFER, Jairo Gilberto. Restrições a direitos fundamentais in A Constituição no mundo globalizado, organizador Sílvio Dobrowolski. Florianópolis: Diploma Legal editora, 2000, p. 198).

Dispositivo

Por todas as razões acima apresentadas, julgo improcedente o pedido, DENEGANDO a segurança.

Sem honorários advocatícios (Súmula 105 do STF).

Custas na forma da lei.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Florianópolis, 24 de maio de 2001.

C. R. S.

Juiz federal Substituto










   Crédito: WALDEMAR P. DA LUZ – 23. Edição
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