quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 519, 520 - Da Preempção ou Preferência – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 519, 520
- Da Preempção ou Preferência
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção II – Das Cláusulas Especiais à Compra e Venda –
Subseção III – Da Preempção ou Preferência
 - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

Como ensina Nelson Rosenvald, aqui o Código Civil cuida do interessantíssimo tema da retrocessão. Traduz-se no dever do poder público de colocar à disposição do expropriado o imóvel que fora desapropriado, nos casos em que não se lhe concedeu a finalidade visada pela necessidade ou utilidade pública ou do interesse social.

Cuida-se de sanção dirigida à administração pública como consequência da recusa em atender à especial vinculação do bem expropriado. O bem será oferecido ao particular, a fim de que delibere acerca da recompra pelo preço atual da coisa.

Contudo, o artigo em análise é claro ao afirmar que, mesmo não tendo sido concedida a destinação originária, se ficar provada a sua utilização em qualquer obra ou serviço público, restará inviabilizada a possibilidade de retrocessão (v.g., substituir a construção da creche por um posto de saúde), pois fica mantido o motivo superior que justificou o ato. Ou seja, a retrocessão requer a tredestinção ilícita, i.é, o desvio de poder que conduz o bem a uma finalidade contrária à do interesse público ou a sua transferência a terceiro, denotando a desistência na desapropriação.

Ao contrário do disciplinado nos artigos anteriores, cuida-se de hipótese de direito de preferência legal e não convencional. Ademais, não se indeniza o prejuízo somente com perdas e danos (CC 518), mas com a própria reaquisição da propriedade em razão do desinteresse superveniente do expropriante.

Ninguém pode duvidar da manutenção da retrocessão no direito vigente. Apesar de não ser inserida na Lei de Desapropriações (Decreto-lei n. 3.365/41), mantém-se no Código Civil, que é o local adequado para tratar de um modelo do direito privado. Não se olvide de que a desapropriação é a máxima restrição ao direito de propriedade, sento apenas justificada pela função social que lhe é inerente (CF, 5º, XXII, XXIII e XXIV). Portanto, nada mais natural que a possibilidade de retorno do bem imóvel ao proprietário quando é frustrada a finalidade pública para a qual se pretendeu dirigir o bem.

A retrocessão é direito real ou obrigacional? Pela própria estrutura da retrocessão, ela não se acomoda perfeitamente nem a um nem a outro setor. Assume aspectos obrigacionais por se situar no campo do direito de preferência, matéria alusiva aos contratos, relações de cunho obrigacional. Todavia, não sendo concedida nenhuma finalidade pública ao bem, o expropriado não receberá uma indenização – o que ocorreria em sede obrigacional, mas poderá postular a ação de preferência (não a reivindicatória), reavendo a coisa para si. Porém, isso não convola a retrocessão em direito real, podendo-se admitir uma eficácia real do direito obrigacional, pois a desapropriação geraria uma espécie de propriedade resolúvel do poder público, condicionada à satisfação do interesse público. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 578/579 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como esclarece a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, ao lado da preferência voluntária ou convencional (negocial), referida pelo art.. 513, tem-se presente, no dispositivo, a preferência legal, em favor do ex proprietário da coisa expropriada, também chamada retrocessão, obrigando o Poder Público expropriante, em não a tendo destinado para a finalidade que pronunciou a desapropriação, ou não a utilizando em obras e serviços públicos, oferece-la ao seu anterior titular, recompondo o direito de propriedade afetado. A retrocessão significa, como sustenta a doutrina, o direito que o titular do bem expropriado tem de reincorpora-lo ao seu patrimônio, quando desviado inteiramente o seu uso e destinação de interesse público ou social. A sua aplicação deve-se, inclusive, à efetividade do princípio da moralidade que deve reger a administração pública (CF, 37)

A jurisprudência tem ultimamente, no tema da infringência ao CC 1.150 de 1.916, definido que “resolve-se em perdas e danos o conflito surgido com o desvio de finalidade do bem expropriado” (STJ, 4’ T., REsp 43.651-SP, rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 5-6-2000). Também assentou o STJ: “A ação de retrocessão é de natureza ‘real’, não se lhe aplicando a prescrição quinquenal prevista no Decreto n. 20.190/32. A transferência do imóvel desapropriado a terceiro (pessoa privada) constitui-se em desvio de finalidade pública, justificando o direito a retrocessão a ser postulado pelo proprietário expropriado” (REsp 62.506-PR, I’ I., Rel. Mm Demócrito Reinado, DJ de 19-6-1995). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 277 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Conforme ensina Marco Túlio de Carvalho Rocha, o artigo 519 cuida de matéria pertencente ao Direito Administrativo e que já não deveria mais ser regulada pelo Código Civil: o direito de retrocessão que toca ao desapropriado em caso de não-utilização do bem pelo expropriante (tredestinção). Sobre a matéria, confira-se a Lei das Desapropriações. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 19.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 520. O direito de preferência não se pode ceder nem passa aos herdeiros.

Como mostra Nelson Rosenvald, aqui se vê que o direito de preferência é intuitu personae e não se transmite aos herdeiros do vendedor. Ademais, não pode ser objeto de cessão por negócio jurídico inter vivos. A morte do vendedor é o termo da preempção, exceto se foi instituído em favor de duas ou mais pessoas – como na venda de bem em condomínio -, quando somente se extinguirá com a morte do último vendedor, adiante da indivisibilidade da obrigação.

Vê-se que o mesmo fenômeno não ocorre na retrovenda, pois o direito de retrato é cessível e transmissível a herdeiros e legatários do vendedor, a teor do CC 507. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 579 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 19/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a orientação de Ricardo Fiuza, o direito de prelação é direito personalíssimo, inábil de transmissibilidade, não podendo ser objeto de cessão e tampouco os herdeiros do preemptor o sucedem no seu exercício. No seu elevado magistério, Augusto Zenun sustenta, porém, o seguinte: “(...) no tocante à herança, pode dar-se a sucessão quanto à preferência do vendedor, se há cláusula expressa nesse sentido, podendo os herdeiros suceder na preferência, diante da falta do vendedor”.

Melhor seria a solução dada pelo Código Civil Alemão (art. 514) ao efetuar o preceito quando haja estipulação em contrário ou fixação de prazo para o exercício do direito de prelação, o que importa em tratamento equivalente à disciplina da retrovenda, onde o direito de retrato é cessível e transmissível (art. 507), com prazo decadencial estabelecido. (Augusto Zenun, Da compra e venda e da troca, Rio de Janeiro, Forense, 2001 (p. 79-80); João Luiz Alves, Código Civil anotado (p. 778). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 277 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 19/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Tem-se na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, que o direito de preferência é personalíssimo: cabe apenas ao antigo proprietário que o ressalvou quando da venda do bem que lhe pertencia. Não se transfere a terceiros, nem por cessão, nem por herança. Falecido o titular do direito de preferência, este estará extinto. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 19.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).