quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Direito Civil Comentado – Art. 1.419, 1.420, 1.421 Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.419, 1.420, 1.421

Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo I – Disposições Gerais

Título X - Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – (Art. 1.419 a 1.430) - digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogspot.com

Whatsap: +55 22 98829-9130 Phone Number: +55 22 98847-3044
fb.me/DireitoVargasm.me/DireitoVargas

 

 Art. 1.419. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação. 

Aprendendo com Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame abre o título que disciplina os direitos reais de garantia no Código Civil de 2002. O título é composto de um capítulo dedicado às disposições gerais, aplicáveis a todos os direitos reais de garantia e três capítulos subsequentes, dedicados, respectivamente, ao penhor, à hipoteca e à anticrese. Lembre-se de o Código Civil de 2002 ter tratado da propriedade fiduciária como modalidade da propriedade e não como direito real de garantia. Graças, porém à afetação do instituto, nitidamente voltado a garantir o adimplemento de uma obrigação, diversos dos dispositivos estudados a seguir se estendem à propriedade fiduciária.

Como explica Caio Mário da Silva Pereira, ligada à ideia de patrimônio está a noção de garantia. O patrimônio da pessoa responde por suas obrigações. É uma garantia geral, ou comum, efetivada mediante meios técnicos previstos nas normas processuais, como arresto, penhora, sequestro e arrecadação. Com o preço obtido com a excussão dos bens do devedor, em hasta pública, o credor satisfaz su crédito (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 18. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 321-2). Nem sempre, porém, o credor se satisfaz com a garantia geral ou comum e exige privilégios e garantias especiais, fidejussórias ou reais. São fidejussórias quando uma pessoa estranha à relação obrigacional se responsabiliza pelo adimplemento da obrigação. São reais quando se vincula um determinado bem do devedor ou de terceiro ao pagamento de uma dívida.

Diferem os direitos reais de gozo e fruição dos direitos reais de garantia. Os primeiros não são acessórios e conferem ao titular a faculdade de usar ou gozar a coisa diretamente. Já os segundos - de garantia - são sempre acessórios a uma obrigação e apenas afetam um bem ao cumprimento de uma obrigação, através da realização de seu preço em hasta pública, ou de sua renda. 

O artigo em exame reproduz quase integralmente o contido no art. 755 do Código Civil de 1916. Apenas substitui o termo coisa por bem; o que se mostra apropriado, pois existe penhor sobre créditos e títulos, i.é, sobre bens incorpóreos. 

Os dois principais efeitos dos direitos reais de garantia são preferência (salvo quanto à anticrese) e sequela. O dispositivo em estudo trata da sequela e destaca o bem ficar sujeito por vínculo real ao cumprimento da obrigação. Isso quer dizer a garantia real aderir ao bem e o acompanhar independente de seu titular. O bem, embora alienado a terceiros, continua afetado ao cumprimento da obrigação, diante da oponibilidade geral do direito real. Essa oponibilidade autoriza o credor munido de garantia real a perseguir a coisa em poder de quem se encontre. 

Não se esqueça, porém, o teor da recente Súmula n. 308 do STJ, objeto do comentário ao CC 1.417, que cria importante exceção à sequela do credor hipotecário frente ao compromissário comprador do imóvel dado em garantia, quando houver, por parte do credor, afronta aos deveres de cuidado e diligência na constituição da garantia real. Tem a súmula o seguinte teor: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. 

O artigo destaca, também, o caráter acessório dos direitos reais de garantia, que se vinculam ao cumprimento de uma obrigação. O crédito garantido pode ser atual, sob condição ou mesmo crédito futuro. São direitos reais garantindo direitos pessoais e seguem a sorte jurídica destes; nula ou extinta a obrigação, nula ou extinta a garantia real. Em razão da falta de autonomia, a garantia real não pode ser transmitida sem transmissão do direito principal. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.509-10. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No comentar de Guimarães e Mezzalira, além de certos privilégios estabelecidos em lei, podem as partes convencionar uma segurança especial de recebimento de crédito, denominada garantia. A garantia pode ser pessoal ou fidejussória, quando terceiro se responsabiliza pela solução da dívida, ou real, quando determinado bem fica vinculado ao pagamento da dívida. 

A garantia real é mais eficaz, pois vincula determinado bem do devedor ao pagamento da dívida. Ao invés de ter em garantia o patrimônio do devedor, que poderá não existir por ocasião da execução do débito inadimplido, o bem dado em garantia real fica vinculado à satisfação da dívida, ainda que a coisa esteja em poder de terceiro (Gonçalves, 2010, fls. 524). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.419 de 2002, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Acompanhando o artigo de Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, quando pesquisas bibliográficas no campo jurídico costumam ser tratadas com certa desconfiança por parte dos estudiosos. Não raro questiona-se a cientificidade de focar esforços em obras doutrinárias e na análise de normas postas pelo diploma legal objeto de estudo. Controverte-se, sobretudo, quando há notória ausência no sentido de relacionar o tema escolhido com questões de ordem prática, focando mais na teoria do que na realidade imposta pelo caso concreto. Longe da pretensão de aprofundar-se em tal escaramuça (mas, certamente sem perde-la de vista), discorre-se aqui sobre os direitos reais de garantia, matéria sabidamente imprescindível para a necessária formação do civilista.

Assim, inicia-se com análise sumária do instituto em tela. Para faze-lo válido invocar o que preceitua o eminente jurista Silvio de Salvo Venosa. Aduz o autor (2013, p. 531 que “a compreensão histórica dos direitos reais de garantia passou por longa evolução”. Neste sentido assevera: “A princípio, a garantia não se desvincula da própria pessoa do devedor, até que depois passasse seu patrimônio a responder pelas dívidas. Longa construção prática e doutrinária foi necessária para que a garantia se ligasse a um bem, com eficácia de direito real, erga omnes, não vinculando estrita e unicamente o devedor, mas a coisa (Venosa, 2013, p. 531).

Destarte, do que se depreende do fragmento é possível afirmar que se tem nos direitos reais de garantia direito que se exerce sobre a coisa, o quê, resta claro, trata-se de algo mais do que simples contrato. 

O próprio Venosa (2013, p. 24) ensina que nos direitos reais de garantia, “o respectivo titular extrai modalidade de segurança para o cumprimento de obrigação. A garantia está relacionada com uma obrigação, que fica colocada como direito principal”. Esta (garantia) é, por conseguinte, acessória, existindo tão somente se houver dívida, com a finalidade de garantir o credor.

Com fulcro no que preleciona Sobral Pinto (2014, p. 905) é possível adentrar um pouco mais em semelhante linha de raciocínio. Para o autor, “os direitos reais de garantia são direitos subjetivos constituídos pelo devedor ou por um terceiro em favor do credor, mediante a afetação de um bem, cujo valor representativo, no momento da execução, garantirá o cumprimento da obrigação”.

Sobre tal perspectiva também se manifestam Farias e Rosenvald. Ambos instruem serem quatro os direitos reais previstos pelo diploma vigente. Nesse sentido asseveram: Quatro são os direito reais de garantia elencados no Código Civil: hipoteca, penhor, anticrese e propriedade fiduciária. Excluindo-se a propriedade fiduciária – regida com especificidade pelos CC 1.361 a 1.368, aos outros três direitos reais aplicam-se os preceitos comuns inseridos na teoria geral dos direitos de garantia (CC 1.419 a 1.430) (Farias e Rosenvald, 2012, p. 859).

Importa, no entanto, fazer breve advertência ao fato de que os direitos reais de garantia se distinguem das garantias pessoais ou fidejussórias, como apropriadamente adverte Tartuce: Não se pode esquecer que os direitos reais de garantia não se confundem com as garantias pessoais ou fidejussórias, eis que no primeiro caso um bem garante a dívida por vínculo real (CC 1.419); enquanto que no último a dívida é garantida por uma pessoa (exemplo: fiança). Como garantias que são, os institutos têm nítida natureza acessória, aplicando-se o princípio da gravitação jurídica (o acessório segue o principal), (Tartuce, 2015, p. 864). Na precisa lição de Tartuce “são direitos reais de garantia sobre coisa alheia o penhor, a hipoteca e a anticrese, que têm regras gerais entre os CC 1.419 e 1.430. (Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.420. Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca. 

§ 1º A propriedade superveniente toma eficaz, desde o registro, as garantias reais estabelecidas por quem não era dono.

§ 2º A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar em garantia real a parte que tiver. 

O artigo cm exame corresponde aos arts. 756 e 757 do Código Civil de 1916, com significativas alterações, especialmente no referente aos §§ 1º e 2º. 

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, os requisitos de validade dos direitos reais de garantia são três: quem pode dar em garantia (requisito subjetivo), o que pode ser dado em garantia (requisito objetivo) e como pode ser ciado em garantia (requisito formal). O artigo em exame trata dos dois primeiros requisitos, subjetivo e objetivo. 

O primeiro período do artigo em estudo diz somente poder dar em garantia real aquele que pode alienar. A regra tem razão de ser. Os direitos reais de garantia se consideram alienação em potencial, pois um bem é destacado do patrimônio do devedor, ou de terceiro, e afetado à solução de uma obrigação. O inadimplemento acarreta faculdade do credor de promover a excussão do bem dado em garantia. Por isso, diz-se somente o proprietário poder outorgar garantia real. Pouco importa o bem estar gravado com direito real e gozo e fruição, ou mesmo por outra garantia real, caso no qual eventual arrematante deverá respeitar o ônus preexistente.

Não basta, todavia, ser somente proprietário, pois se exige ter também a livre disposição da coisa, i.é, que se possa exercer pessoalmente o direito de onerar. Diversos proprietários não têm capacidade para alienar, enquanto outros não têm legitimação para tanto. 

Quanto à falta de capacidade, os absolutamente incapazes são representados e relativamente assistidos pelos titulares do poder familiar. Exige-se, porém, na forma do CC 1.691, ao qual se remete o leitor, autorização judicial para alienar e gravar de ônus real os imóveis dos filhos. A falta de autorização judicial culmina de nulidade o ato, inclusive quanto aos relativamente incapazes (parágrafo único do CC 1.691). Note-se a restrição alcançar somente bens imóveis, de tal modo que os bens móveis podem ser alienados e, portanto, ser dados em penhor e garantia fiduciária. No referente aos bens de tutelados e curatelados, contra a opinião de Clóvis Bevilaqua, o entendimento é no sentido de tanto os bens móveis como os imóveis poderem ser onerados, desde que mediante prévia autorização judicial.

Não legitimados, falidos e inventariante, em relação aos bens do espólio, dependem de prévia autorização judicial, e o Poder Público, de autorização legislativa para onerar os bens. As pessoas casadas, salvo o regime da separação absoluta de bens, não podem outorgar garantia real sobre coisa imóvel sem outorga uxória. O entendimento majoritário, contra a opinião de Washington de Barros Monteiro, é no sentido de poderem os ascendentes hipotecar bens para garantir obrigações com descendentes, pois eventual excussão será feita a terceiros em hasta pública.

Pode ser a garantia real constituída mediante representação legal, como visto, ou convencional. No caso de representação convencional, deve o mandatário ter poderes expressos para hipotecar e especiais para gravar certo e determinado bem. O entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça, com base em lição de Pontes de Miranda, é no sentido de que “expresso é o poder de vender, hipotecar, e especial é a identificação do ato concreto, ou melhor dizendo, usando as palavras do mestre, poderes especiais são os poderes outorgados para a prática de algum ato determinado ou de alguns atos determinados. Não pode hipotecar o imóvel o mandatário que tem procuração para hipotecar, sem dizer qual o imóvel recebeu poder expresso, mas poder geral, e não especial” (STJ, REsp n. 98.143/PR, rel. Min. Menezes Direito).

Mais ainda: o conflito de interesses entre mandante e mandatário torna anulável o negócio, por força dos CC 117 e 119 e nulo, no regime do Código de Defesa do Consumidor. Entendeu o STJ ser nula a cláusula-mandato autorizando a construtora hipotecar imóvel de promitente comprador que já quitou o preço ou não utilizará financiamento. O segundo período do caput do CC 1.420 trata do requisito objetivo, o que pode ser dado em garantia real. Reza que só os bens que se podem alienar são passíveis de ser onerados por garantia real. A razão da regra é a já exposta, de a oneração real constituir alienação em germe, em razão da possível excussão no caso de inadimplemento.

Nosso ordenamento jurídico contempla diversos casos de inalienabilidade. No próprio Código Civil, os CC 1.848 e 1.911 preveem a cláusula de inalienabilidade, imposta em doação ou testamento. Também o CC 101 reza os bens públicos de uso comum do povo e de uso especial serem inalienáveis enquanto conservarem sua qualificação. O CC 1.717 dispõe o bem de família somente poder ser alienado após consentimento dos interessados, seus representantes legais e ouvido o Ministério Público. Há, ainda, os bens considerados indisponíveis por força de leis especiais, como os casos de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92, art. 7º) e administradores de instituições financeiras em intervenção, liquidação extrajudicial ou falência (Lei n. 6.024/74, art. 36).

Não se confundem inalienabilidade e impenhorabilidade. Há bens impenhoráveis por força de lei, mas que admitem a alienação - e, portanto, oneração voluntária. Tomem-se como exemplos, tirados do art. 833 do Código de Processo Civil: anel nupcial, retratos de família, livros, máquinas e utensílios necessários ou úteis ao exercício profissional. De igual modo, o imóvel residencial e os bens que guarnecem a casa, impenhoráveis por força do disposto na Lei n. 8.009/90, são alienáveis e passíveis de oneração real, caso no qual, como é evidente, são passíveis de constrição na execução da garantia (Mamede, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 51).

Nada impede, por outro lado, serem alienados e, portanto, objeto de instituição de garantia real, bens litigiosos, ou que se encontrem penhorados, arrestados ou sequestrados. Apenas se ressalta a garantia ser ineficaz frente ao anterior credor, que poderá levar o bem à hasta pública sem conceder preferência ao credor garantido. 

O § 1º do artigo em estudo, no dizer de Pontes de Miranda, trata da “pós-eficalização” da garantia real constituída a non domino (Tratado de direito privado. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1983, t. XX, p. 27). Impecável a redação do preceito no Código Civil de 2002. A garantia outorgada por quem não é dono, ao contrário do dito no Código de 1916, não se revalida, simplesmente por não ser inválida, mas apenas ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário. A regra tem estreita simetria com o disposto no CC 1.268, que trata da aquisição de coisa móvel a non domino, que ganha plena eficácia se for adquirida a posteriori pelo alienante. Não há, aqui, promessa de outorga de garantia, mas mera garantia ineficaz, que ganha, de modo automático e independentemente de qualquer outra emissão de vontade das partes, plenos efeitos se a coisa for adquirida pelo outorgante. Lembre-se, finalmente, do atual Código ter eliminado a indesejada menção da pessoa que “possuía a título de proprietário”. É absolutamente indiferente o outorgante possuir ou não o bem; basta, pela redação atual, a garantia recair sobre bem do qual não é o outorgante dono. 

O § 2° do artigo em exame corrige outra imperfeição do revogado Código Civil. Inicia o preceito enunciando regra de senso comum, de um condômino não poder, sem o consentimento dos demais, dar em garantia real a totalidade da coisa comum. É evidente não poder onerar - porque ineficaz - a parte ideal alheia da coisa comum. A novidade está na segunda parte do § 2º, dizendo poder o condômino onerar em garantia real sua parte ideal sem anuência dos demais condôminos. Se pode o condômino o mais, alienar sua parte ideal, pode o menos, dá-la em garantia real. O Código Civil de 1916, porém, exigia, se a coisa fosse indivisível, a anuência dos demais condôminos. A preocupação era com especialização da garantia e direito de preferência do art. 1.139 do Código Civil de 1916, correspondente ao CC 504 do Código Civil de 2002, que não se justificavam, pois a garantia pode recair sobre parte ideal, e a preferência somente seria exercida se a coisa comum fosse à hasta pública. O Código Civil de 2002 elimina a incorreção e permite que o condômino dê em garantia real sua parte ideal, quer o bem seja divisível, quer seja indivisível, sem necessidade de ouvir seus comunheiros. A questão de eventual preferência somente se revolverá no momento da alienação de parte ideal da coisa comum. 

Ressalte-se a existência de julgado do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “hipotecado o bem imóvel, não pode a penhora, em execução movida a um dos proprietários, recair sobre parte dele. Sendo indivisível o bem, importa indivisibilidade da garantia real” (STJ, REsp n. 143.804/SP, rel. Min. Waldemar Zveiter. No mesmo sentido, STJ, Ag. Reg. n. 198.099/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Tal posição, todavia, é frontalmente contrária ao teor do dispositivo ora comentado, que permite, de modo explícito, a hipoteca sobre parte ideal de coisa indivisível, sem anuência dos demais condôminos. Como adverte Gladston Mamede, o aresto implica o que a lei visa evitar, ou seja, que o gravame atinja todo o bem, lesionando direito de terceiros, em decorrência de obrigação assumida por só um dos condôminos (op. cit., p. 56). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.511-13. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Segundo a versão de Guimarães e Mezzalira, a validade da garantia real depende da capacidade geral para os atos da vida civil e da especial para alienar, uma vez que a submissão do bem a esse regime pode resultar na sua alienação judicial.

 

A garantia ofertada pelo coerdeiro deve ser limitada à sua quota, sendo ineficaz se incidir sobre bem da herança considerado singularmente, podendo, todavia, produzir efeitos se o herdeiro cedente vier a ser contemplado como proprietário do aludido bem na partilha (Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil brasileiro, Volume V, 2010, p. 528).

 

Em se tratando de constituição de garantia real sobre coisa alheia, possível a sua revalidação nos casos em que o bem, em si mesmo, possa ser alienado, mas não poderia ter sido realizada pelo agente por não lhe pertencer. A garantia considerada ineficaz revigora-se com a ulterior aquisição do domínio.

 

Como requisito objetivo, estabelece o Código só os bens alienáveis podem ser objeto de penhor, hipoteca e anticrese. Bens fora do comércio, como os bens públicos, não podem ser objeto da garantia.

Súmula 364 do Superior Tribunal de Justiça: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.420 de 2002, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Quanto aos requisitos legais, aponta Wellington Cacemiro, emana do CC 1.420, regra basilar para o perfeito entendimento das hipóteses em que se aplicam os direitos reais de garantia. Pode-se afirmar, consequentemente, que o artigo citado estabelece dois requisitos distintos e relevantes para que haja, de fato, direito real de garantia. Objetivamente, par example, tem-se claro no texto que o bem penhorado, hipotecado ou oferecido em anticrese será, necessariamente, alienável (por alienável entenda-se o bem que se pode transferir para outrem o domínio ou a propriedade deste).

Já o segundo requisito (este de ordem subjetiva) refere-se ao fato de “somente quem é proprietário poderá oferecer o bem em garantia real” (Tartuce, 2015, p. 866). Nesse sentido adverte o jurista: “Não se pode esquecer que se o proprietário for casado, haverá necessidade de outorga conjugal (uxória ou marital) – em regra e salvo no regime da separação absoluta de bens -, para que o seu imóvel seja hipotecado ou oferecido em anticrese (CC 1.647, I). Isso, sob pena de anulabilidade do ato de constrição (CC 1.649). Além disso, exige-se a capacidade genérica para os atos de alienação (Tartuce, 2015, p. 866). É, admita-se, acepção didática “de per si”. Ajuda, obviamente, a estabelecer noção fundamental sobre o assunto.  (Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.421. 0 pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação.

O artigo em exame disciplina um dos efeitos dos direitos reais de garantia: sua indivisibilidade. Francisco Eduardo Loureiro inicia seus comentários citando Cio Mário da silva Pereira, para quem a indivisibilidade se compreende em dois sentidos. No primeiro, significa sua adesão ao bem por inteiro e em cada uma de suas partes. O devedor não consegue eximir a coisa do ônus, sob argumento de excesso de garantia (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 330). Nada impede, por outro lado, o credor optar por penhorar apenas um ou alguns dos bens dados em garantia real. Além disso, o gravame abrange os acessórios da coisa, ressalvada a hipótese das pertenças, que devem constar do título. Em um segundo sentido, significa persistir a garantia real integralmente sobre o bem onerado, no caso de pagamento parcial da dívida, ainda que compreenda vários bens.

O art. 1.429 do Código Civil de 2002, adiante comentado, em complementação ao princípio da indivisibilidade da garantia real, veda ao herdeiro do devedor a faculdade de fazer a remição parcial da dívida, liberando os respectivos quinhões. Note-se, porém, a norma ser dispositiva, de tal modo que pode ser afastada por convenção em contrário contida no próprio título, admitindo a liberação parcial da garantia, na medida da redução da dívida. Deve constar do título quais bens serão liberados e em qual ordem, para evitar a preferência da liberação ficar a cargo do juiz; que, em tal caso, atenderá ao princípio da menor oneração do devedor.

Além disso, prevê a lei poderem, na própria quitação parcial, as partes liberarem determinado bem da garantia, ainda que não o tenham convencionado no título, fazendo menção de qual bem se trata. 

Lembre-se, finalmente, o CC 1.488, adiante comentado, criar importante exceção ao princípio da indivisibilidade, nos casos de imóveis loteados ou sobre os quais for instituído condomínio edilício. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.514. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/12/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


No lecionar de Guimarães e Mezzalira, no princípio da indivisibilidade o pagamento parcial da dívida não acarreta na liberação da garantia na proporção do pagamento, salvo disposição expressa no título ou na quitação. A coisa inteira continuará garantindo o restante da dívida. 

A indivisibilidade, contudo, não é da essência dos direitos reais de garantia, uma vez que o legislador admite convenção no sentido da exoneração parcial (Carlos Roberto Gonçalves, Direito das Coisas, 2010, p. 538). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.421 de 2002, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na amplitude do comentário de Wellington Cacemiro, não se pode negar que o legislador, ao formalizar a previsão normativa dos direitos reais de garantia, cuidou para simplifica-la. Pautando-se no que preceitua a melhor doutrina é possível conceituar os institutos do penhor, hipoteca e anticrese de forma bastante sucinta. 

Tome-se, por exemplo, definição de Nader. Apesar de eventuais distinções e conceitos próprios do autor, de modo geral, tem-se em sua obra pontos que merecem maior destaque pela acepção precisa à presente temática. Concernente aduz: A hipoteca é gravame incidente sobre imóvel que passa a garantir o crédito, permanecendo na posse do devedor. Igual função exerce o penhor, que recai sobre a coisa móvel e fica em poder do credor. A anticrese é instituto em desuso, que consiste na percepção, pelo credor, de frutos e rendimentos de imóvel que lhe é entregue pelo devedor para explorar e a fim de satisfazer diretamente o seu crédito. (Nader, 2016, p. 375). Consoante ao afirmado cabe breve delimitação sobre cada um dos institutos citados.

O penhor, trata-se do primeiro direito real de garantia sobre coisa alheia. Em regra estabelece-se na prática que serão dados como garantias bens móveis. Como presumível, não quitada a dívida, objeto do negócio jurídico, ocorre à transferência efetiva do bem do credor. Sobre o tema prelecionam Donizetti e Quintela: “O penhor consiste em modalidade de garantia real que recai sobre bem móvel, o qual é entregue pelo devedor ao credor, chamador de pignoratício. Apesar de o direito real ser constituído pela tradição (CC 1.431), a lei exige, ademais, que o instrumento do penhor seja levado a registro, por qualquer dos contratantes, devendo o penhor comum ser registrado no cartório de Títulos e documentos (CC 1.432). Nos casos dos penhores especiais – penhor rural, industrial, mercantil e de veículos -, as coisas objeto da garantia continuam na posse do devedor, o qual deve guarda-las e conservá-las, como depositário (CC 1.431, parágrafo único). Deve-se tomar muito cuidado com a terminologia, para jamais confundir o penhor, direito real de garantia, com a penhora, instituto do processo civil, nem o verbo correspondente ao penhor, empenhar, com o relativo à penhora, penhorar. (Donizetti; Quintela, 2016, p. 917).

Por fim, necessário destacar alguns pontos importantes. Primeiro, para todos os efeitos, até que a obrigação garantida pelo penhor seja integralmente cumprida, tem o credor o direito de reter a coisa empenhada ou parte dela. Segundo, o penhor se extingue por qualquer das causas elencadas no rol taxativo do CC 1.436. Por último, mas não menos importante, como emanado do texto supracitado pode haver penhor rural, penhor industrial e mercantil, penhor de veículos e, até mesmo, penhor de direitos e títulos de crédito.

Da hipoteca: não sem motivo a hipoteca é considerada “o direito real de garantia sobre coisa alheia com maior repercussão prática” (Tartuce, 2015, p. 873). Trata-se de modalidade de garantia real que recai, por regra, sobre bens imóveis, mas que também pode incidir sobre bens moveis. Neste caso consideram-se hipotecáveis aqueles enumerados pela vigente legislação.

Tartuce (2015, p. 873) lembra que, “por razões óbvias, a hipoteca deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis”. O autor adverte, citando Lacerda de Almeida, que hipoteca não registrada é hipoteca inexistente. 

Sobre tal instituto cumpre observar ainda com atenção o que ensinam Donizetti e Quintela: segundo o CC 1.473, pode a hipoteca recair sobre: bens imóveis, e acessórios dos imóveis, em conjunto com eles; o domínio direito; o domínio útil; as estradas de ferro; os recursos naturais a que se refere o CC 1.230; os navios; as aeronaves; o direito de uso especial para fins de moradia; o direito real de uso; a propriedade superficiária. O § 1º do dispositivo salienta que a hipoteca de navios e de aeronaves se regula por lei especial. No caso de hipoteca do direito real de uso ou da propriedade superficiária, o direito de garantia se limita à duração da concessão do uso ou do direito de superfície, se estes houverem sido transferidos por tempo determinado (CC 1.473, § 2º). O direito real de hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel, e não interfere nos demais ônus reais sobre o mesmo imóvel, constituídos e registrados antes dela própria (CC 1.474). No contrato em que se ajusta a hipoteca, não se admite cláusula que proíba ao proprietário alienar o imóvel hipotecado, mas pode-se estabelecer o vencimento antecipado da dívida, nessa hipóteses (CC 1.475, caput e parágrafo único). (Donizetti; Quintela, 2016, p. 923-4). 

Há que se ter em mente ainda que a legislação admite, com base no CC 1.476, a possibilidade de mais de uma hipoteca sobre o mesmo imóvel, não importando se em favor do mesmo credor ou de terceiro. 

Da anticrese – parte considerável da doutrina contemporânea entende tratar-se a anticrese de direito real de garantia em notório desuso, mantida no código vigente por eventual preciosismo do codificador, de modo semelhante ao que o foram outros institutos, como o uso e a habilitação. 

Divergências à parte, consiste a anticrese em modalidade de garantia que recai sobre a posse do imóvel. Esta é transmitida ao credor para que perceba os frutos e eventuais rendimentos da coisa como compensação da dívida. Neste sentido determina o caput do CC 1.506, que “pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega do imóvel do credor, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos”.

Tartuce teve apropriada crítica ao explicar o instituto em pauta: “De fato, o instituto continua não tendo concreção na vigência da atual codificação, relevando-se uma categoria inútil e sem qualquer incidência prática. [...] Como se percebe, a anticrese está no meio do caminho entre o penhor e a hipoteca, tendo características de ambos. Com a hipoteca tem em comum o fato de recair sobre imóveis, como é corriqueiro. Do penhor, há a similaridade em relação à transmissão da posse. De diferente, a retirada dos frutos do bem. (Tartuce, 2015, p. 883).

Feitas tais explanação resta posto que, o que diferencia o penhor e a hipoteca da anticrese, é que, no caso dos dois primeiros, a garantia do credor emana da própria coisa alienável judicialmente caso o devedor não honre a obrigação contraída. Na anticrese, por sua vez, a garantia estará representada tão somente pela produtividade da coisa. (Wellington Cacemiro, onde o autor fala sobre o “Código Civil brasileiro e os direitos reais de garantia: fragmentos de estudo do diploma legal à luz da doutrina contemporânea”, publicado em novembro de 2016 no site Jus.com.br, acessado em 30.12.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).