domingo, 5 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIOS QUE REGEM O PROCESSO PENAL – PRINCÍPIO DA VERDADE REAL – PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ – PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES – PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – NOÇÕES PRELIMINARES – PRINCÍPIOS QUE REGEM O PROCESSO PENAL – PRINCÍPIO DA VERDADE REAL – PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ – PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES – PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS - VARGAS DIGITADOR

O Processo Penal é regido por uma série de princípios e regras que outra coisa não representa senão postulados fundamentais da política processual penal de um Estado. Quanto mais democrático for o regime, o processo penal mais se apresenta como um notável instrumento, a serviço da liberdade individual. Sendo o processo penal, como já se disse, uma expressão de cultura, de civilização, e que reflete determinado momento político, evidente que os seus princípios oscilam à medida que os regimes políticos se alteram. Num Estado totalitário, consideram-se as razões do Estado. Em um democrático, como bem o disse Bettiol, aqui já citado, a liberdade individual, como expressão de um valor absoluto, deve ser tida como inviolável pela Constituição (Instituições de direito penal e processo penal, trad. Manuel da Costa Andrade, Coimbra, Coimbra, Ed., 1974, p. 251). Tanto é assim que da data da promulgação do nosso Código de Processo Penal, início de 1942, quando vivíamos sob a égide de um arremedo de Constituição, até hoje, houve várias mudanças no nosso Processo Penal, sempre procurando, de maneira capenga, mas sempre procurando, buscar a tutela dos direitos e interesses do acusado, amparando-lhe e salvaguardando-lhe as legítimas expectativas. Causaria espanto em 1942 afirmar que a única prisão provisória que se justifica é a preventiva e, assim mesmo, para preservar a instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal.

Princípio da verdade real

A função punitiva do Estado deve ser dirigida àquele que, realmente, tenha cometido uma infração; portanto o Processo Penal deve tender à averiguação e descobrimento da verdade real, da verdade material, como fundamento da sentença. No campo extrapenal, porque de regra estão em jogo interesses disponíveis, as partes podem, usando dos seus poderes dispositivos, transacionar, transigir, submeter-se à vontade da parte ex adversa, tornando impossível a restauração real dos fatos. Note-se que os fatos incontroversos não podem ser objeto de prova, na dicção do art. 334 do CPC. No Processo Penal, o fenômeno é inverso, como se constata pelos arts. 209 e 156, segunda parte, dentre outros, pouco importando se é controvertido ou não o fato. Excepcionalmente, o Juiz penal se curva à verdade formal, não dispondo de meios para assegurar o império da verdade. Vejam-se, a propósito, a impossibilidade de revisão pro societate, as hipóteses que admitem a transação segundo a Lei n. 9.099/95 e as várias restrições impostas à prova, como as previstas nos arts. 155, 206 e 207 do CPP. Por outro lado, quando se fala em verdade real, não se tem a presunção de se chegar à verdade verdadeira, como se costuma dizer, ou, se quiserem, a verdade na sua essência – esta é acessível apenas à Suma Potestade -, mas tão-somente salientar que o ordenamento confere ao Juiz penal, mais que ao Juiz não penal, poderes para coletar dados que lhe possibilitem, numa análise histórico-crítica,  na medida do possível, restaurar aquele acontecimento pretérito que é o crime investigado. É certo, ademais, que, mesmo na justiça penal, a procura e o encontro da verdade real se fazem com as naturais reservas oriundas da limitação e falibilidade humanas, e, por isso, melhor seria falar de “verdade processual” ou “verdade forense”, até porque, por mais que o Juiz procure fazer a reconstrução histórica do fato objeto do processo, muitas e muitas vezes o material de que ele se vale (ah! as testemunhas...) poderá conduzi-lo a uma “falsa verdade real”, e por isso mesmo Ada P. Grinover já anotava que “verdade e certeza são conceitos absolutos, dificilmente atingíveis, no processo ou fora dele” (A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório, RF, 347/6).

Princípio da imparcialidade do Juiz

Não se pode admitir Juiz parcial. Se o Estado chamou a si a tarefa de dar a cada um o que é seu, essa missão não seria cumprida se, no processo, não houvesse imparcialidade do Juiz.

Mas a imparcialidade exige, antes de mais nada, independência. Nenhum Juiz poderia ser efetivamente imparcial se não estivesse livre de coações, de influências constrangedoras, enfim, de ameaças que pudessem fazê-lo temer a perda do cargo. Daí as garantias conferidas à Magistratura pela Lei Maior: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, por outro lado, se houver motivo que, eventualmente, possa afetar-lhe a imparcialidade, qualquer das partes pode excepcionar-lhe o impedimento, incompatibilidade ou suspeição, nos termos dos arts. 252, 254 e 112, todos do CPP, se ele próprio não se antecipou, abstendo-se de atuar no feito.

Princípio da igualdade das partes

No processo, as partes, embora figurem em polos opostos, situam-se no mesmo plano, com iguais direitos, ônus, obrigações e faculdades. É uma consequência lógica da estrutura do nosso Processo Penal, que é acusatório. Se a pedra de toque do processo acusatório é a separação das funções de acusar, defender e julgar, pelo menos sob esse ângulo não se pode negar o caráter acusatório do nosso Processo Penal. Certo que não é um processo acusatório puro, ortodoxo, do contrário muitas atividades próprias das partes não seriam conferidas ao Juiz. Sem embargo, é acusatório. E tanto o é que a Constituição guindou a acusação e a defesa à categoria de funções essenciais à administração da Justiça (arts 127 e 133). Sendo acusatório, deve haver uma igualdade entre as partes. Sem essa igualdade de condições, não haveria equilíbrio entre elas, e a ausência de equilíbrio implicaria negação da Justiça. E o legislador procurou manter esse equilíbrio diante do Juiz. Note-se, por exemplo, que o réu não pode defender-se a si mesmo, salvo se tiver habilitação técnica. É como soa o art. 263 do CPP. Se fosse possível a defesa a cargo de pessoa sem habilitação, defesa e acusação ficariam desniveladas, e a contraposição ou possibilidade dialética entre as partes tornar-se-ia impossível. O princípio da igualdade ficaria em desnível, porque um órgão técnico, o represente do Ministério Público, faria uma oposição ao réu, em desigualdade de condições em face da sua falta de conhecimento jurídico. Às partes processuais, representado interesses opostos (Acusação e Defesa), deve ser assegurada absoluta paridade, pois do contrário não seria possível uma genuína e sã contraposição entre elas. Não seria possível (num reforço de linguagem...) uma contraposição dialética. Diz Couture que esse princípio da igualdade nada mais é que o princípio de que todos são iguais perante a lei levado ao processo (Fundamentos del derecho procesal civil, Buenos Aires, Depal, 1972, p. 183), ou como diz Clariá Olmedo: “a norma constitucional segundo a qual todos são iguais perante a lei traduz-se, em juízo, como a igualdade das partes” (Tratado del derecho procesal penal, Buenos Aires, Depalma, 1989, v.1. p. 83).

Princípio da paridade de armas


Para que haja essa igualdade é indispensável disponham as partes das mesmas armas. É o princípio da par conditio. Os direitos e poderes que se conferem à Acusação não podem ser negados à Defesa, e vice-versa. Certo que às vezes concede-se um pouco mais à Defesa. É a hipótese do protesto por novo Júri, dos embargos infringentes e da revisão criminal, exclusivos da Defesa. Por outro lado, na fase pré-processual, na fase do inquérito, a desigualdade entre o que o titular do direito de punir pode fazer e o que resta ao investigado é marcante. Este não goza dos mesmos direitos e não detém os mesmos poderes reservados ao Estado-Administração, representado pela Polícia. Nem dispõe de instrumentos para a este se nivelar. O único direito que lhe é reservado cinge-se à defesa da sua integridade física e da sua liberdade ambulatória. Não pode ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (pelo menos é o que diz a nossa Carga Magna...). não pode, também, sofrer constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção. Só.