segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.367, 1.368, 1.368-A Da Propriedade Fiduciária – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.367, 1.368, 1.368-A

Da Propriedade Fiduciária – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo III – Capítulo IX – 

Da Propriedade Fiduciária - (Art. 1.361 a 1.368-A,B,C,D,E e F)

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Art. 1.367. Aplica-se à propriedade fiduciária, no que couber, o disposto nos arts. 1.421, 1.425,1.426, 1.427 e 1.436.

Segundo entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não encontra correspondente no Código Civil de 1916. O preceito é repetido no § 5º, do art. 66-B, da Lei n. 4.728/65, acrescentado pela Lei n. 10.931/2004, que se aplica, como já visto, à alienação fiduciária na qual figure como credor fiduciário instituição financeira. Embora se encontre a propriedade fiduciária regulada no atual Código Civil como modalidade de propriedade resolúvel, é inequívoca sua afetação à garantia da solução de uma obrigação. Atento a tal realidade, o legislador, em um só dispositivo, estendeu ao regime jurídico da propriedade fiduciária diversos princípios e regras que orientam os direitos reais de garantia. O primeiro princípio é o CC 1.421, que consagra o princípio da indivisibilidade da garantia real, segundo o qual toda a coisa e cada uma de suas partes garantem a totalidade da dívida, de modo que o cumprimento parcial da obrigação não implica liberação parcial da garantia, salvo disposição contratual cm sentido contrário. Vale apenas destacar que se aplica por analogia a exceção ao princípio da indivisibilidade previsto no art. 1.488 do Código Civil (que permite a liberação parcial da hipoteca de imóveis loteados e em condomínio edilício) à propriedade fiduciária sobre bens imóveis (Lei n. 9.514/97).

O segundo princípio mencionado é o CC 1.425, sobre o vencimento antecipado da dívida, em razão de fatos supervenientes que coloquem em risco ou acarretem a perda da garantia. As hipóteses previstas em lei serão analisadas individualmente no comentário ao artigo citado. Cabe lembrar, em relação à propriedade fiduciária, somente ter sentido o vencimento antecipado da obrigação no caso de risco à garantia do credor. A insolvência do devedor, por exemplo, nem sempre afeta a garantia, pois, na propriedade fiduciária, a coisa já pertence ao credor e se encontra a salvo de penhora ou arrecadação. Logo, a transposição do CC 1.425 deve ser feita levando em conta as peculiaridades da propriedade fiduciária e o risco efetivo trazido pelo fato superveniente à garantia do credor fiduciário.

O terceiro princípio é o CC 1.426, que trata do abatimento proporcional dos juros relativos ao tempo ainda não decorrido, no caso de vencimento antecipado da obrigação. É regra que concretiza a cláusula geral da vedação do enriquecimento sem causa, porque não pode receber o credor remuneração do capital por período de tempo futuro, no caso de vencimento antecipado da dívida.

O preceito deve ser lido em consonância com o art. 49 da Lei n. 11.101/2005, cujo § 3º estipula: “Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6" desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”. A jurisprudência dos Tribunais subordina a execução da apreensão ao prévio decurso do prazo de 180 dias, com termo inicial na data do deferimento do pedido de recuperação.

O quarto princípio mencionado é o CC 1.427, que trata da garantia real prestada por terceiro à obrigação alheia. Determinado bem é colocado à disposição, com vínculo real, à solução de obrigação contraída por outrem. Se a garantia se perde ou se deteriora por fato não imputável ao terceiro garantidor, este não está obrigado a reforçá-la ou a substituí-la, salvo cláusula expressa cm sentido inverso, pois a norma é dispositiva.

Finalmente, o quinto artigo mencionado é o 1.436, que trata das causas de extinção do penhor. A propriedade fiduciária é acessória à obrigação garantida, de tal modo que segue sua sorte. Extinta a obrigação, por qualquer causa original ou superveniente, com ou sem cumprimento, extingue-se com ela a garantia. De igual modo, o perecimento da coisa, renúncia, remissão ou confusão extinguem a propriedade fiduciária. O perecimento parcial mantém incólume a garantia quanto à parte remanescente. Na excussão judicial ou extrajudicial da coisa a terceiro, o adquirente a recebe desonerada, pois o credor satisfará seu crédito com o respectivo preço.

Quanto à adjudicação de coisas móveis no regime do Código Civil, cabe lembrar a lição de Orlando Gomes, para quem há, na verdade, consolidação, pois o credor fiduciário já era proprietário da coisa, inicialmente em caráter resolúvel e depois em caráter pleno, apenas com o dever de promover sua excussão (Alienação fiduciária em garantia. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1970, p. 138). Deve haver extrema cautela com a adjudicação no caso de propriedade fiduciária, pois o bem não é avaliado judicialmente. Assim, somente a adjudicação por valor de mercado do bem é que se admite, para evitar o enriquecimento sem causa do credor e o desmedido sacrifício do devedor. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.419-20. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Ricardo Fiuza, A remissão a determinados artigos de lei dizem respeito às disposições gerais (Capítulo 1, Título X) dos direitos reais de garantia (penhor, hipoteca e anticrese), exceto a alusão feita ao CC 1.436, que diz respeito diretamente à Seção II, do Capítulo II, específica para versar a respeito do penhor e, em particular, da sua extinção. Esses três institutos mencionados encontrado aplicabilidade por meio dos artigos tipificados nesse dispositivo ora anotado, se quando encontrarem manifesta ressonância devido a harmoniosa interpretação sistemática e aplicabilidade no caso concreto. Por isso, a utilização da expressão referente às respectivas aplicações no que couber, ou seja, em tudo aquilo e somente naquilo que for manifesta e efetivamente compatível com o instituto jurídico da alienação fiduciária em garantia. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 701, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer dos autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, com o advento da Lei 13.043/14 o dispositivo em estudo foi adaptado, particularmente no que respeita ao regime da alienação fiduciária em garantia, adotando-se, doravante, as regras inerentes ao direito de posse e propriedade do Código Civil. A propriedade plena (CC 1.231) é aquela segundo a qual todos seus atributos intrínsecos – disposição, uso e fruição – estão já presumidos ou contidos nas mãos do seu titular, ainda que regulado constitucionalmente pela função social. A nova redação busca fazer, entretanto, distinção entre a propriedade plena e aquela surgida em função da alienação fiduciária, que poderá ocorrer em caso de consolidação da propriedade em favor do credor fiduciante, como sucede em caso de inadimplência do devedor.  (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acesso em 30.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No artigo apresentado por Monica Azevedo Torres de Oliveira, postado em janeiro de 2016, no site Jus.com.br., intitulado “A alienação Fiduciária, seu conceito e características”, a autora dá uma pincelada plus em seu entendimento e diz: O direito civil possui uma instituição de formalização de negócio jurídico chamada alienação fiduciária, que trata-se de uma obrigação bilateral, onerosa, acessória, formal e indivisível, em que é realizada a transferência de uma propriedade resolúvel, feita pelo devedor ao credor, para garantir um determinado débito, sendo que, após a quitação da dívida, a posse passa a ser novamente do devedor. O reconhecimento da existência da celebração do contrato com garantia de alienação fiduciária, tratando ela de bem móvel ou imóvel, no que se refere ao Direito Civil, leva à necessidade de expansão no conhecimento e abrangência no assunto. Desta forma,  poderá ser verificado que a alienação fiduciária se trata de uma transferência feita pelo devedor de uma propriedade resolúvel, de um bem móvel ou imóvel, resolvendo-se a obrigação com o pagamento da dívida. Poderão ser observadas as obrigações do credor e devedor, bem como meios de execução, em caso de inadimplemento da dívida e hipóteses de extinção da obrigação.

 

O negócio jurídico fiduciário surgiu em nosso país em meados de 1930, quando ocorria um processo de crescente industrialização, no qual houve um grande crescimento no mercado interno, que só entrou em recessão nos anos 60. Momento este em que nosso governo criou um plano de ação econômica a fim de obter aceleração no desenvolvimento, tendo como consequência a inflação e reformas sociais. Um dos escopos para institucionalizar foi a promulgação das leis nº 4.594/64 e 4.728/65, lei do Mercado de Capitais, a qual foi criada em busca de racionalizar as sociedades de investimentos. Atualmente a propriedade fiduciária está regida pelos CC 1.361 a 1.368 do Código Civil.

 

A alienação fiduciária é uma transferência de uma propriedade resolúvel de um bem fungível, infungível ou de um bem imóvel realizada pelo devedor ao credor para garantir um débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o comprimento da obrigação, conforme exemplo dado por Maria Helena Diniz: “A” pretende comprar “X”, mas, como não possui dinheiro disponível, “B” (financeira) fornece-lhe o quantum necessário, mas recebe a propriedade fiduciária de “X”, como garantia de que “A” (fiduciante), possuidor direto, far-lhe-á o pagamento. “B” (fiduciário) é, portanto, proprietário e possuidor indireto.” Logo, a posse indireta da propriedade fiduciária passa a ser do credor, em garantia, por se tratar de um negócio jurídico que possui relação obrigacional em que o fiduciário recebe o bem para ter como se seu fosse, mas após o pagamento da dívida obriga-se a entregá-lo ao devedor.


A propriedade fiduciária está prevista no Código Civil de 2002, tendo como objeto somente bens imóveis, pois a lei que trata da alienação de bens imóveis é a de nº 9.514/97. Desta forma, ao direito fiduciário são aplicadas as normas relativas à propriedade resolúvel, previstas nos artigos 1.359 e 1.360 do Código Civil: CC 1.359: “Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.” CC 1.360: “Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor.”

Existem três requisitos para a existência da alienação fiduciária, sendo eles divididos em subjetivos, objetivos e formais: a)    Requisitos subjetivos: Poderá alienar qualquer pessoa natural ou jurídica de direito privado ou público, devendo ser dotadas de capacidade genérica para atos da vida civil e capacidade de disposição devendo ter o domínio do bem dado em garantia para poder dispor dele livremente; b)   Requisitos objetivos: Este requisito refere-se ao bem móvel dado em garantia, podendo ser fungível e infungível. Contudo, a jurisprudência já havia admitido à alienação de bens imóveis, sendo que além da propriedade plena também poderá haver direito de uso especial para fins de mora e direito real de uso; c)    Requisitos formais: Para a formalização da alienação fiduciária deverá ser celebrado um instrumento escrito, público ou particular, devendo conter: o valor da dívida, o prazo para pagamento, taxa de juros, cláusula penal, estipulação de atualização monetária com indicação dos índices aplicados, descrição do objeto da alienação e elementos de identificação.

Quando a garantia for de bem imóvel, no instrumento de contrato deverá conter o valor do principal de dívida, o prazo do empréstimo ou do crédito fiduciário, taxa de juros e encargos incidentes, cláusula de constituição da propriedade fiduciária com a descrição do imóvel e indicação do título e modo de aquisição. Os instrumentos do contrato, público ou particular, deverão ser registrados no Cartório de Registro de Títulos e Documentos quanto tratarem de bens móveis, no Cartório de Registro de Imóveis quando tratar de bens imóveis ou se tratando de veículos na repartição competente para o licenciamento para anotação no registro do veículo, tornando assim pública a garantia.

São direitos do fiduciante: a)  Obter a posse direta do bem alienado como garantia fiduciária, passando assim o alienante ou fiduciante (devedor) possuir o nome de adquirente, tornando-se possuidor da coisa, conservando-a com as obrigações de depositário, conforme dispõe o artigo 1.361, § 2º do Código Civil: “Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa.”; b)   A restituição do bem dado em garantia somente irá acontecer após o pagamento da dívida, devendo ser realizada a baixa no Cartório competente onde esta arquivada a cópia do instrumento constitutivo. Tratando-se de bem imóvel a extinção da obrigação ocorre no prazo de 30 dias contados da liquidação da dívida, obtenção do termo de quitação, pois através desta, o Oficial procederá a averbação na matrícula do imóvel de cancelamento do registro de caráter fiduciário; c)  Após a quitação do débito poderá o devedor reivindicar a coisa, visto que após o pagamento da dívida o fiduciário não poderá se recusar a proceder à entrega do bem ao alienante; d) Em situações que ocorrem a venda do bem alienado, poderá o fiduciário receber o saldo da venda da coisa, sendo que caso vendida por valor superior ao valor da dívida terá direito a receber o remanescente; e)Caso o credor recuse a receber o pagamento ou quitação da dívida, poderá o devedor ingressar com ação de consignação em pagamento, valendo a sentença como título liberatório e de recuperação da propriedade da coisa alienada; f)   Purgar a mora; g)  Com anuência do fiduciário poderá ser transmitido os direitos sobre o bem imóvel, passando o adquirente a assumir as respectivas obrigações; h) Desde que ocorrer o arquivamento do instrumento, deverá tornar eficaz a transferência da propriedade fiduciária, se adquiriu domínio superveniente, visto que quem transfere propriedade que não é sua, torna a relação jurídica eficaz, conforme dispõe o CC 1.361 em seu § 3º do Código Civil: “A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.”;  i)    Após o vencimento da dívida, poderá o devedor obtendo anuência do credor, dar o bem em pagamento da dívida, conforme o artigo 1.365, parágrafo único, do Código Civil: “CC 1.365. É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento.” Parágrafo único. O devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da dívida, após o vencimento desta.”

São Obrigações do fiduciante: a)   Deverá o fiduciante efetuar o pagamento da dívida, solvendo-a integralmente, pagando pontualmente todas as prestações a qual se obrigou a pagar, caso tenham sido estipuladas parcelas, sob pena de execução de garantia se for inadimplente; b)   Conservar o bem alienado, defendendo-o contra interditos possessórios e contra os que o turbarem ou esbulharem a posse; c)   Permitir a qualquer momento a fiscalização do bem pelo credor; d)   Não dispor da coisa alienada de forma onerosa ou gratuita, visto que o bem passou a pertencer ao credor; e)   Em caso de inadimplemento da obrigação deverá o alienante entregar o bem ao credor; f)     Caso o bem alienado não satisfaça o valor da dívida, o fiduciante ficará obrigado a pagar o saldo remanesce do débito e as despesas efetuadas com a cobrança, conforme dispõe o CC 1.366: “Quando, vendida a coisa, o produto não bastar para o pagamento da dívida e das despesas de cobrança, continuará o devedor obrigado pelo restante.”

 

São direitos do fiduciário: a) Ser proprietário indireto do bem que lhe foi transferido com posse indireta, independentemente da sua tradição; b) Postular o bem em ação de reivindicação contra o fiduciante ou terceiro que o detenha injustamente; c) Vender o bem alienado, para pagamento e quitação da dívida e despesas de cobrança, ficando responsável a efetuar o pagamento de saldo ao fiduciante, caso houver, conforme artigo 1.364 do Código Civil: “Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.”  d)  Permanecer como credor do fiduciante caso o preço da venda não satisfazer o débito; e) Caso o bem não esteja mais em posse do devedor ou este se recusar a entregá-lo, poderá o fiduciário ingressar com ação de depósito contra o devedor para restituição da coisa ou pagamento do valor equivalente; f)  Havendo falência do fiduciante, poderá o fiduciário pedir devolução do bem alienado; g)  Sendo o bem penhora por outro credor, poderá ingressar com embargos de terceiro; h)  Solicitar busca e apreensão do bem; i) Ingressar com ação possessória; j)  Em caso de inadimplemento da dívida, poderá o fiduciário considerar vencida a dívida sem a necessidade de proceder à notificação ao devedor; k) Estabelecer o bem imóvel em seu nome caso o fiduciante não realizar a purgação da mora, sendo que após a sua consolidação o bem não poderá ser alienado a não ser por leilão; l)  Requer reintegração de posse do imóvel, desde que comprovada a consolidação da propriedade em seu nome, podendo solicitar a sua desocupação no prazo de até 60 dias; m) Em caso de insolvência ou recuperação judicial do devedor, poderá o fiduciário obter a devolução do imóvel alienado; n) Obter declaração de ineficácia de locação do imóvel alienado fiduciariamente por prazo superior a um ano sem a concordância escrita do fiduciante.

 

São deveres do fiduciário: a) Proporcionalizar ao devedor o financiamento, entregar o bem ou proceder empréstimo ao fiduciante; b)  Não molestar a posse direta, nem se apropriar do bem, respeitando o usa da propriedade fiduciária; c)  Após o pagamento integra da dívida, ficará o fiduciário responsável em proceder a devolução do bem alienado, procedendo assim a baixo do instrumento; d) Em caso de inadimplemento da dívida poderá realizar a venda do bem alienado para pagamento do crédito e demais despesas da cobrança; e) Entregar ao fiduciante o saldo remanescente se houver, com o valor da venda do bem que foi suficiente para a quitação do débito; f) Em situações em que o bem alienado não puder ser identificado por números, marcas e sinais indicados no instrumento de constituição de garantia deverá o fiduciário provar contra terceiros a sua posse do bem; g) Recusando-se a receber o pagamento da dívida ou dar total quitação do débito, deverá ressarcir o devedor com perdas e danos por acarretar prejuízos ao alienante.

 

Execução do Contrato: Havendo inadimplemento da obrigação, deixando o devedor de pagar a dívida, poderá o credor efetuar a venda do bem alienado judicialmente ou extrajudicialmente a terceiros, para quitação do débito e despesas de cobrança. Inicialmente o fiduciário deverá constituir o fiduciante em mora, mediante protesto e notificação, expedida pelo Cartório de Títulos e Documentos, devendo ser entregue no endereço do devedor sendo necessário ser recebido por ele próprio ou por terceiro que o conheça. Após a comprovação da mora, ingressará com ação requerendo a busca e apreensão do bem, na qual o devedor terá o prazo de 05 (cinco) dias para o pagamento do débito e não o fazendo, passará o bem ser de caráter exclusivo do credor. Existindo a busca e apreensão o devedor deverá apresentar resposta no prazo de 15 (quinze) dias da execução, mesmo que tenha efetuado o pagamento do débito ou tenha entendido pagar valor maior ao devido.

 

De acordo com a Súmula 72 do Superior Tribunal de Justiça sobre a busca e apreensão do bem e a Súmula 245 sobre a notificação do fiduciante: Súmula 72: “a comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.”. Súmula 245: “A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito.”. Da sentença caberá apelação em efeito devolutivo e existindo ação de improcedência, o credor fiduciário deverá pagar multa ao fiduciante equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor financiado, devidamente atualizado. O credor não é obrigado a ingressar com ação de busca e apreensão do bem, podendo se preferir entrar com ação de execução contra o fiduciante ou avalistas, hipótese em que poderá efetuar a penhora do bem. Ocorrendo a falência do devedor, o credor terá direito em requerer a devolução da coisa alienada, não alterando a estrutura de execução do bem. Entretanto, se houver a falência do credor, o devedor poderá requer após a quitação do débito a devolução da propriedade livre de ônus.

 

Extinção da Propriedade Fiduciária: Havendo a ocorrência de qualquer uma das situações elencadas abaixo, será necessário o cancelamento da inscrição no Registro de Títulos e Documentos ou Registro de Imóveis, dependo do tipo de garantia que poderá ser móvel ou imóvel. Desta forma, poderá ocorrer a extinção da propriedade fiduciária com: a) A extinção da obrigação cessa a garantia, visto que a dívida considera-se vencida não só com o pagamento da dívida, mas também com o vencimento antecipado do débito, onde não haverá juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido, conforme CC 1.367, 1.425, I ao V e § 1º e  CC 1.426.  A dívida poderá ser considerada vencida em caso de deterioração, desvalorização ou perca do bem alienado, ficando o devedor responsável em restituí-lo: “CC 1.367: A propriedade fiduciária em garantia de bens móveis ou imóveis sujeita-se às disposições do Capítulo I do Título X do Livro III da Parte Especial deste Código e, no que for específico, à legislação especial pertinente, não se equiparando, para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o CC 1.231.”. “Artigo 1.425: A dívida considera-se vencida: I - se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir; II - se o devedor cair em insolvência ou falir; III - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata; IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído; V - se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor. § 1º  Nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta se sub-rogará na indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu completo reembolso.”. “Artigo 1.426: Nas hipóteses do artigo anterior, de vencimento antecipado da dívida, não se compreendem os juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido.” b)  O perecimento do bem alienado; c) A renúncia do credor, caso em que o crédito irá permanecer sem esta garantia; d) A remição, adjudicação judicial, arrematação ou venda extrajudicial para quem adjudicou, resgatou ou adquiriu a coisa, tornar proprietário pleno; e) A confusão, que ocorre quando a mesma pessoa possui qualidades de credor e proprietário pleno; f)  A desapropriação do bem alienado, caso em que a dívida será considerada vencida; g) A realização da condição resolutiva a que estava subordinado o alienante, antes da cessação de sua finalidade de garantia.”.

 

No que tange a alienação fiduciária, verificou-se que caracteriza através da transferência de um bem móvel ou imóvel, de propriedade do credor para o devedor, que ficará na posse direta do bem até que seja realizada a quitação do débito. Após satisfação do débito, o devedor passará a ser proprietário do bem, mas caso ocorra o inadimplemento do pagamento, o credor titular do bem, poderá reaver a posse direta do bem dado em garantia na relação jurídica. O contrato com garantia de alienação fiduciária trata-se de um contrato bilateral, fazendo parte de uma garantia real do Direito Civil Brasileiro, em que se tratando também de um direito de propriedade poderá ser realizado por bens móveis ou imóveis. Deverá ser realizado de forma escrita, pública ou particular devendo o contrato ser registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos ou Cartório de Registro de Imóveis, dependendo do tipo de garantia. Assim observa-se que a constituição da garantia de alienação fiduciária trata-se de uma segurança para o credor, bem como uma facilidade do devedor em adquirir uma determinada dívida por possuir um bem como garantia da dívida. (Monica Azevedo Torres de Oliveira, postado em janeiro de 2016, no site Jus.com.br., intitulado “A alienação Fiduciária, seu conceito e características”, Acessado em 30/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Art. 1.368. O terceiro, interessado ou não, que pagar a dívida, se sub rogará de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária.

O art. 6º do Decreto-lei n. 911/69 assegura a sub-rogação apenas ao terceiro interessado, ao fiador e ao avalista. A lei especial se aplica às instituições financeiras credoras fiduciárias com regime jurídico diferenciado. Na lição de Luiz Edson Fachin, “sub-rogação é a substituição nos direitos creditórios, operada em favor de quem pagou a dívida” (Comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro, Saraiva, 2003, v. XIV, p. 1.368).

Segundo desenvolver de Francisco Eduardo Loureiro a novidade do Código Civil está em permitir ao terceiro, interessado ou não, sub-rogação no crédito e na garantia, de pleno direito. A sub-rogação, portanto, dá-se em duas frentes: no crédito e na garantia, que lhe é acessória. O preceito é mais amplo do que a regra geral da sub-rogação do CC 346 no Código Civil, que admite a sub-rogação legal, de pleno direito, em relação apenas a determinados credores, previstos em seus três incisos. A sub-rogação legal, portanto, ganha nova feição quando ocorre em obrigações garantidas por propriedade fiduciária, abrangendo também os terceiros não interessados. Consequência da sub-rogação legal é a possibilidade de o terceiro, novo credor, prosseguir na ação originalmente ajuizada pelo credor fiduciário, como substituto processual, ou, ainda, ajuizar ação de busca e apreensão (Decreto-lei n. 911/69) ou de reintegração de posse (Código Civil de 2002), ou mesmo de depósito, contra o devedor fiduciante. Tome-se como exemplo a seguradora que paga indenização correspondente ao crédito do credor fiduciário, que pode ajuizar ação de busca e apreensão do veículo segurado (TACMG, Ap. n. 308.948- 30, rel. Juiz Geraldo Augusto, j. 15.06.2000). No mesmo sentido, admitindo busca e apreensão ajuizada pela seguradora sub-rogada, o STJ decidiu que “o comando do art. 6º do Decreto-lei n. 911/69 é expresso ao assegurar a sub-rogação de pleno direito em favor daquele que pagar a dívida, assim o avalista, o fiador ou o terceiro interessado” (REsp n. 148.865/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

Jorge Andersson Vasconcelos Dias, em seu artigo de 03.12.2014, no site do Conteúdo Jurídico, intitulado: “Principais alterações na alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro”, implica lembrar que a alienação fiduciária é uma espécie de direito real de garantia sobre determina coisa, havendo a sua previsão no Código Civil de 2002 (CC 1.361 a 1.368-A) e no Decreto-lei nº 911/1969. A sua conceituação pode ser encontrada no próprio direito positivo, através do art. 22 da Lei nº 9.514/1997, onde prevê que “a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”. Já o art. 1º do Decreto-lei nº 911/1969 dispõe que “a alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal”. Explicando de forma mais clara, Flávio Tartuce leciona: “O credor fiduciário é o proprietário da coisa, tendo, ainda, um direito real de garantia sobre o bem que lhe é próprio. Com o pagamento de todos os valores devidos, o fiduciante adquire a propriedade, o que traz a conclusão pela qual a propriedade do credor é resolúvel”. Assim, percebe-se que a alienação fiduciária possui previsão no próprio Código Civil de 2002, que traz regras genéricas sobre o assunto; na Lei nº 9.514/97, que envolve os bens imóveis; e na Lei nº 4.728/65 e Decreto-lei nº 911/69, que trata dos bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais. Porém, havendo, em determinada situação específica, previsão na legislação especial, as regras do Código Civil devem ser aplicadas de forma subsidiária, conforme determina o seu próprio art. 1.368-A, in verbis:

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial. Artigo acrescentado pela Lei n. 10.931, de 02.08.2004.

As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial. Calha registrar que, recentemente, houve, no dia 14 de novembro de 2014, a publicação da Lei nº 13.043/2014, que trouxe diversas alterações no tema relacionado à alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro, alterações essas que serão vistas nos tópicos a seguir.

Quando se fala em alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro, o primeiro negócio jurídico que vem na mente de qualquer pessoa é a compra de um veículo, através de determinado banco, com garantia de alienação fiduciária. Como visto nos conceitos acima, caso o comprador (devedor no contrato de alienação fiduciária) deixe de pagar determina(s) parcela(s), o banco (credor) poderá tomar medidas para adimplir, mesmo que de forma forçada, a dívida. Inicialmente, o credor deverá notificar o devedor, a fim de comunicá-lo acerca do atraso no pagamento da dívida, o que comprova a sua mora. Importante destacar que, sobre esta notificação, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado de que “a comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente” (Súmula 72), ou seja, para comprovar uma das condições da ação de busca e apreensão (interesse de agir), o credor deve, através de uma notificação, comprovar a mora do devedor.

Uma das alterações existentes na Lei nº 13.043/2014 é a possibilidade de o credor notificar o devedor através de carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário (Art. 2º, § 2º, do DL 911/69). Anteriormente à novel legislação, o credor só poderia demonstrar a mora do devedor através de carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do titulo, realizado pelo Tabelionato de Protesto. Percebe-se que, na prática, essa alteração irá facilitar ainda mais a reação do credor, pois este, além de não depender mais das burocracias dos Cartórios, irá economizar na efetivação da demonstração da mora do devedor. Aliás, sobre a facilitação desta efetivação, não é demais apontar a parte final do art. 2º, § 2º, do Decreto-lei nº 911/69, onde o legislador inseriu algo previsto na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: prescindibilidade da assinatura do devedor no Aviso de Recebimento (AR) da carta. Vejamos a decisão do Tribunal Superior:

Agravo Regimental em Agravo de Recurso Especial. Processual Civil. Ação de Busca e Apreensão. Constituição do Devedor em Mora Mediante Notificação Extrajudicial. Desnecessidade de Intimação Pessoal. Suficiente a Entrega no Endereço do Devedor. Precedentes. Incidência da Súmula 7 do STJ. Decisão Mantida. 1. Esta Corte consolidou entendimento no sentido de que, para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente. Precedentes. 2. Na presente hipótese, o acórdão recorrido informa que a notificação extrajudicial foi entregue no endereço da devedora. Rever esta conclusão importaria no reexame do conteúdo fático-probatório dos autos, o que é vedado pelo teor da Súmula 7 deste Superior Tribunal. 3. Não tendo o agravante trazido qualquer razão jurídica capaz de alterar o entendimento sobre a causa, mantenho a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos. 4. Agravo regimental não provido.

Ao ingressar com uma Ação de Busca e Apreensão, o credor poderá requerer a concessão de liminar inaudita altera pars, desde que seja comprovada, através da notificação extrajudicial, a mora do devedor e o seu inadimplemento. Sobre a liminar, uma alteração existente, através da novel Lei nº 13.043/2014, foi a possibilidade de o credor utilizar o plantão judiciário para essa finalidade (Art. 3º, caput, do DL 911/69), ou seja, além dos casos absolutamente graves passíveis de utilização do referido plantão, o legislador autorizou a inclusão das liminares nas ações de busca e apreensão, onde o objeto é o contrato de alienação fiduciária. Demais disso, quando se trata de alienação fiduciária de veículo, que, conforme dito, é a maioria dos casos práticos, o legislador forneceu ao magistrado um meio eficaz para inserção de restrições sobre o veículo. Com a inserção do § 9º ao art. 3º do Decreto-lei nº 911/1969, o juiz deverá, através do convênio com o DENATRAN, inserir uma restrição judicial na base de dados do Registro Nacional de Veículos Automotores – RENAVAN. Para isso, o magistrado poderá utilizar o seu cadastro no sistema, inserindo, ele mesmo, a restrição judicial. Do contrário, caso o juiz não tenha acesso direto à base de dados, deverá expedir ofício ao DETRAN da localidade para os procedimentos previstos nos §§ 9º e 10 do art. 3º do Decreto-lei nº 911/1969. Se, porventura, o veículo esteja em comarca que não aquela onde esteja tramitando a Ação de Busca e Apreensão, a parte credora poderá requerer àquele juízo a apreensão do objeto móvel, bastando, para isso, que em tal requerimento conste a cópia da petição inicial da ação e, se for o caso, a cópia do despacho que concedeu a busca e apreensão do veículo (§ 12, do art. 3º, do DL 911/69). 

Posteriormente, seguindo o procedimento previsto nos §§ 13 e 14 do art. 3º, “a apreensão do veículo será imediatamente comunicada ao juízo, que intimará a instituição financeira para retirar o veículo do local depositado no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas” e “o devedor, por ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, deverá entregar o bem e seus respectivos documentos”. É válido frisar, ainda, que o devedor terá o prazo de 05 (cinco) dias, após o cumprimento da liminar, para pagar a integralidade da dívida (§ 2º do art. 3º do DL 911/69), entendo esta como o valor referente a todas as parcelas vencidas e vincendas, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.418.593-MS). Porém, esta última interpretação do Tribunal Superior se deu após a edição da Lei n° 10.931/2004, podendo, nas hipóteses ocorridas antes desta Lei, a purgação da mora pelo devedor, desde que tenha havido o pagamento de, no mínimo, 40% (quarenta por cento) do valor financiado, conforme Súmula 284 do próprio Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, a referida súmula está prejudicada nos casos posteriores à edição da Lei n° 10.931/2004. No que toca à defesa do devedor, este poderá, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar resposta, mesmo que tenha efetuado o pagamento total da dívida. Nesse caso, a defesa será referente ao pagamento feito a maior pelo devedor, o que poderá levar à devida restituição do quantum pago indevidamente, ou então à uma possível ilegalidade de cláusula inserida no contrato, o que justificaria, em tese, a aplicação da teoria da exceção do contrato não cumprido.

De mais a mais, com relação à própria satisfação do crédito, o credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato (Art. 2º do DL 911/69). Assim, o preço levantado com a venda da coisa será justamente para quitar o débito do devedor, além de pagar as despesas com a cobrança da dívida. Feito todo esse pagamento devido, qualquer sobra deverá ser devolvida ao devedor, ex vi da parte final do art. 2º, in litteris:Art. 2o  No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas”.

Por fim, caso o bem alienado fiduciariamente não seja encontrado, o credor poderá, nos próprios autos da busca e apreensão, requere a conversão para a ação executiva, onde serão penhorados tantos bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução (Art. 2º do DL 911/69). Considerando os argumentos expostos, percebe-se que o legislador facilitou sobremaneira a reação do credor fiduciário, criando novos mecanismos para a satisfação do crédito. (Jorge Andersson Vasconcelos Dias, em seu artigo de 03.12.2014, no site do Conteúdo Jurídico, intitulado: “Principais alterações na alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro”. Acessado em 30/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na versão de Francisco Eduardo Loureiro, Este artigo não constava da redação original do Código Civil de 2002 e foi acrescentado pela Lei n. 10.931/2004. Cuidou o legislador de marcar os múltiplos regimes jurídicos da propriedade fiduciária e de estabelecer as regras de sua incidência. Como comentado no art. 1.361, há profusa legislação especial tratando da mesma matéria. Pode-se afirmar a atual coexistência de múltiplos regimes jurídicos da propriedade fiduciária: o Código Civil disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, quando o credor fiduciário não for instituição financeira; o art. 66-B da Lei n. 4.728/65, acrescentado pela Lei n. 10.931/2004, e o Decreto-lei n. 911/69 disciplinam a propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis quando o credor fiduciário for instituição financeira; a Lei n. 9.514/97, também modificada pela Lei n. 10.931/2004, disciplina a propriedade fiduciária sobre bens imóveis, quando os protagonistas forem ou não instituições financeiras, além da titularidade fiduciária de créditos como lastro de operação de securitizaçâo de dívidas do Sistema Financeiro Imobiliário; a Lei n. 6.404/76 disciplina a propriedade fiduciária de ações.

O atual Código Civil, pode-se assim dizer, popularizou a utilização da propriedade fiduciária, franqueando-a a pessoas físicas e jurídicas. Qualquer pessoa pode ser credora fiduciária e utilizar essa forte garantia real nas obrigações em geral. Limitou o objeto, porém, às coisas móveis infungíveis. A Lei n. 10.931/2004 fixou regime jurídico próprio, com regras específicas de direito material e processual, para os casos de propriedade fiduciária em garantia de obrigação na qual o credor fiduciário seja instituição financeira, tendo por objeto bens móveis, tanto infungíveis como fungíveis, inclusive bens incorpóreos, como créditos. A Lei n. 9.514/97, por seu turno, criou regime jurídico especial tendo cm conta não os sujeitos da obrigação, mas o objeto da garantia, que recai sobre coisa imóvel. Aplica-se a lei especial, desde que a garantia fiduciária recaia sobre coisa imóvel, a todos os credores fiduciários, instituições financeiras ou não.

Em relação às propriedades fiduciárias previstas em leis especiais, criou o Código Civil regra clara para evitar o conflito de normas: aplicam-se de modo primário as leis especiais e, em suas lacunas e no que não as contrariar, as normas gerais do Código Civil. O inverso, porém, não é verdadeiro. Não se aplica de modo supletivo à propriedade fiduciária regulada pelo Código Civil a disciplina das diversas leis especiais, especialmente quanto às regras de direito processual do Decreto-lei n. 911/69; por dispor o art. 8°-A do Decreto-lei n. 911/69, com redação dada pela Lei n. 10.931/2004, que o procedimento judicial da lei especial (busca e apreensão) aplica-se somente às hipóteses de alienação fiduciária reguladas pela Lei de Mercado de Capitais, vedada sua extensão às relações do Código Civil. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.423. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.364, 1.365, 1.366 Da Propriedade Fiduciária – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.364, 1.365, 1.366

Da Propriedade Fiduciária – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo III – Capítulo IX – Da Propriedade Fiduciária - (Art. 1.361 a 1.368-A,B,C,D) digitadorvargas@outlook.com

  - vargasdigitador.blogpot.com

Art. 1.364. Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.

O artigo em estudo não tem correspondente no Código Civil de 1916. O art. 2º do Decreto-lei n. 911/69 contém preceito semelhante e ainda se encontra em vigor para os contratos de alienação fiduciária em que figure como credora instituição financeira.

No entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, o presente dispositivo tem estreita relação com o subsequente, que veda a aposição de cláusula comissória nos contratos garantidos por propriedade fiduciária. Como visto no artigo anterior, com o inadimplemento absoluto, a propriedade resolúvel se converte em propriedade plena - mas afetada ainda à função de garantia - nas mãos do credor fiduciário, pois não mais haverá o implemento da condição resolutiva pelo pagamento. Não pode o credor, agora proprietário pleno da coisa, mas com afetação residual à satisfação de um crédito, ficar com ela, devendo promover sua alienação a terceiros, em leilão judicial ou extrajudicial, de acordo com o previsto no contrato garantido. No silêncio do título, a opção pela forma de alienação é do credor. Note-se a venda da coisa ter natureza jurídica de excussão, interessando não somente ao alienante e ao adquirente, mas também ao devedor fiduciário, que terá direito a eventual saldo credor ou ficará responsável por eventual saldo devedor a ser apurado.

É por isso que, segundo o entendimento do STJ, “deverá o devedor ser previamente comunicado das condições da alienação, para que possa exercer a defesa de seus interesses” e acompanhar a venda, verificando sua correção e, se for o caso, ofertando valor superior (REsp n. 327.291/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 20.09.2001; também RJ 278/72). Não exige a lei prévia avaliação do bem por perito ou oficial de justiça, mas a venda, obrigatoriamente, será por valor de mercado da coisa, levando em conta natureza e estado de conservação (RSTJ 151/280). O credor escolhe o adquirente, não havendo necessidade de a alienação ser feita em leilão judicial. A venda extrajudicial por valor inferior ao de mercado, porém, gera responsabilidade civil do credor, por vigorar o princípio de a execução dever ser feita do modo menos oneroso ao devedor (Restiffeneto, Paulo. Garantia fiduciária, 2. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994, p. 331).

Alienado o bem, três possibilidades se abrem: o valor da alienação pode superar, igualar ou ser inferior ao saldo devedor da obrigação garantida. O saldo devedor, para efeito de compensação, é calculado acrescido dos encargos moratórios legais (correção monetária, juros, custas processuais e honorários advocatícios) ou contratuais (cláusula penal, comissão de permanência). Trata o artigo em comento apenas da primeira possibilidade: o valor apurado quando o valor de venda é superior ao saldo devedor. Nesse caso, deve haver a restituição do saldo apurado ao devedor, atualizado e acrescido de juros moratórios contados da data da alienação. Pouco importa o credor ter vendido a prazo, devendo a restituição do saldo ao devedor ser efetuada à vista. Cabe ao devedor o direito de exigir contas do credor, que tem o dever de prestá-las, segundo entendimento do STJ (REsp n. 67.295/RO, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 26.08.1996).

O devedor tem direito à restituição da diferença entre o valor da venda da coisa e o saldo devedor da obrigação garantida, mas não à devolução das parcelas pagas. A coisa não ficará com o credor, que apenas satisfará seu crédito, pois a venda tem natureza de excussão. O art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, portanto, ao se referir à vedação da cláusula que estabeleça a perda da totalidade das prestações pagas nas vendas a crédito, inclusive nas alienações fiduciárias, deve ser lido como vedação a que o devedor, por cláusula contratual, renuncie ao direito de receber eventual saldo apurado quando da venda da coisa garantida a terceiros, como já se pronunciou o STJ (REsp n. 437.451/RJ, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 11.02.2003; REsp n. 363.810/DF, rel. Min. Barros Monteiro, j. 21.02.2002).

O art. 3º, § 1º, do Decreto-lei n. 911/69, com redação dada pela Lei n. 10.931/2004, reza que cinco dias após executada a liminar, propriedade e posse da coisa se consolidarão no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes expedir novo certificado de propriedade do veículo, livre do ônus da propriedade fiduciária. A regra vale somente para os casos nos quais sejam as credoras instituições financeiras e se mostra de duvidosa constitucionalidade, pois a venda poderá ser feita antes do prazo de defesa e de eventual sentença. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.414-15. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 27/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Em seu histórico, O presente dispositivo não serviu de palco a qualquer alteração substancial, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto. A redação atual é, basicamente, a mesma do anteprojeto. Registre-se, apenas, que apresentou-se ao Congresso Nacional, por intermédio do eminente Relator Geral, Deputado Ricardo Fiuza, durante a fase de revisão final do texto do NCC, a sugestão que terminou por aprovada no sentido de colocar no plural a palavra “terceiro” (“terceiros”) utilizando como justificativa o fato de que a alienação é realizada de maneira impessoal, ou seja, para terceiros, exigindo, portanto, a expressão no plural. Ademais, não se pode também olvidar de que a aquisição do bem pode ser efetuada por mais de uma pessoa, em condomínio ou composse.

Em sua doutrina, o relator, Ricardo Fiuza, menciona que o inadimplemento contratual do possuidor devedor fiduciário não dá ensejo ao credor proprietário fiduciário de retornar o bem e permanecer com ele em seu poder, como forma de satisfação da dívida, mesmo que represente algum prejuízo. Fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente o bem a terceiros, após avaliação, na forma estatuída nesse artigo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 699, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Súmulas do STJ: 72 A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienada fiduciariamente; 245 – a notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito.

Na linha de entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, ocorrendo a inadimplência pelo não pagamento do preço, o credor venderá o bem, judicial ou extrajudicialmente, aplicando o resultado da venda ao seu crédito e despesas com a cobrança. Se houver saldo, restituirá ao devedor. O procedimento judicial de cobrança, medida cautelar de busca e apreensão do bem, purgação da mora e conversão em ação de depósito, para fins de prisão civil, encontra-se devidamente regulamentado pelo Decreto-Lei n. 911/1969.

Súmulas do Superior Tribunal de Justiça: “72. A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente”. “245. A notificação destinada a comprovar a mora das dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito”. “384. Cabe ação monitoria para haver saldo remanescente oriundo de venda extrajudicial de bem alienado fiduciariamente em garantia”.

Enunciado do Conselho da Justiça Federal: “325. É impenhorável, nos termos da Lei n. 8.009/90, o direito real de aquisição do devedor fiduciante”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acesso em 27.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.365. E nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento.

Parágrafo único. O devedor pode, com anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da dívida, após o vencimento desta.

Com o artigo de Rafaela Cabral Ferreira, editada em 01.12. 2012, intitulada: Alienação fiduciária de coisas móveis: Proibição ao pacto comissório, na Revista Âmbito Jurídico – ambitojuridico.com.br. artigos, tem-se um perfeito comentário aludindo ao artigo ora estudado. Em todas as fontes do Direito, sobre o instituto do Direito Civil denominado Alienação Fiduciária de Coisas Móveis, a origem desta garantia real para as obrigações contratuais se deu com a entrada em vigor da Lei 4.728/1965. Dessa forma, o artigo abordará o conceito e as características da Alienação Fiduciária de Coisas Móveis. A proibição ao pacto comissório nos contratos que envolvam Alienação Fiduciária de Coisas Móveis, os fundamentos e as críticas para esta cláusula proibitória.

O instituto nada mais é do que a transferência, temporária e resolúvel, da propriedade de um bem do devedor, ao credor, para garantia do cumprimento da obrigação contratada. Não há dúvidas que o instituto dinamizou as relações comerciais. Todavia, a utilização da Alienação Fiduciária foi resguardada pelo Direito Civil, sobretudo em benefício da parte fraca do contrato, com o objetivo de impedir abusos dos credores que receberam o bem dado em garantia pelo cumprimento da obrigação principal.

Desde 1916, o Código Civil vigente à época encarava o pacto comissório como um acordo feito entre as partes do contrato, com a possibilidade de aquisição, pelo credor, do bem dado em garantia, no caso de inadimplência do devedor. Conforme artigo 765 do Código Civil de 1916, esta situação era proibida pela legislação pátria. Em seguida, da mesma forma, com o advento do Código Civil de 2002, houve a continuação da proibição ao pacto comissório, sobretudo em razão da proteção ao devedor que se encontra fragilizado no estado de inadimplência. Dessa forma, a legislação brasileira prevê a proibição à retenção, pelo credor, do bem dado em garantia, nos casos de descumprimento da obrigação principal pelo devedor. Contudo, alguns doutrinadores do Direito Civil brasileiro vêm criticando tal proibição, haja vista ausência de fundamentos e princípios de direito que justifiquem a norma jurídica vigente.

Diante disso, objetiva o presente artigo a compor conclusão crítica sobre a utilização do pacto comissório nas relações contratuais que envolvam a Alienação Fiduciária de Bens Móveis. Ressalta-se que o estudo sobre a proibição ao pacto comissório é de grande valia, sobretudo na prática jurídica.

O surgimento do instituto da Alienação Fiduciária, no Brasil, está relacionado com as influências advindas do direito romano, alemão e anglo-saxão. Nestes povos, desde a Antiguidade, a ideia de garantia ao cumprimento de determinada obrigação, era atrelada a um compromisso de ordem moral, inexistindo meios de sanção em caso de descumprimento da obrigação principal. Nesse sentido, Maria Helena Diniz comenta a origem da Alienação Fiduciária:  “No direito romano havia a fiducia cum amico e a fiducia cum creditore. No direito alemão empregou-se pela primeira vez o termo negócio jurídico fiduciário. E no direito anglo-saxão apresentaram-se o trust receipt  e o chattel mort gage.”

Conforme Arnold Wald, a Alienação Fiduciária de Coisas Móveis entrou no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei 4.728/1965, como a primeira modalidade deste instituto, tendo como função a garantia do cumprimento das obrigações, por meio da transferência resolúvel da propriedade de um bem do devedor para o credor.

Posteriormente, o Decreto-Lei 911/1969 trouxe mecanismos processuais que permitiram a rápida obtenção do bem pelo credor, no caso da inadimplência do devedor, por meio da utilização da Ação de Busca e Apreensão. Hoje, além da legislação especial (Lei 4.728/1965 e Decreto-Lei 911/1969), a Alienação Fiduciária também é regulada pelos artigos 1.361 até 1.368 do Código Civil. Depois do ano de 2004, com a inclusão do artigo 1.368-A no Código Civil pela Lei 10.931/2004, o instituto da Alienação Fiduciária contempla tanto bens fungíveis, quanto bens infungíveis. Aliás, a Lei 10.931/2004 incluiu o artigo 66-B na Lei 4.728/1965, e consequentemente revogou os artigos 66 e 66-A desta mesma legislação. Nesta oportunidade, também ficou prevista na Lei 4.728/1965 a possibilidade de utilização da Alienação Fiduciária para Coisas Móveis fungíveis e infungíveis. Contudo, conforme consta no § 3˚ do artigo 66-B da Lei 4.728/1965, na Alienação Fiduciária de Coisas Móveis fungíveis, tais como os títulos de crédito, tanto a posse direta quanto a posse indireta do bem deve ficar com o credor. E nessa linha, no caso de inadimplência do devedor, o credor pode dispor do bem para satisfação do seu crédito. 

Em 1997, a Lei 9.514 trouxe a Alienação Fiduciária de Coisas Imóveis. Após, as regras de utilização da garantia real para bens imóveis foram alteradas pela Lei 10.931/04 e da Lei 11.481/07. O artigo 1˚ do Decreto-Lei 911/1969 traz o conceito da Alienação Fiduciária:

“Art. 1º O artigo 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, passa a ter a seguinte redação: Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal. (…)”. Para Luiz Augusto Beck da Silva, a Alienação Fiduciária é: “Negócio jurídico, bilateral, oneroso, acessório (o principal é o contrato de mútuo ou de financiamento, seguindo-lhe o de alienação fiduciária) e formal (escrito público ou particular), através do qual uma das partes da relação, o credor, adquire o domínio resolúvel e a posse indireta de bem móvel durável, infungível, inconsumível e alienável, recebido em garantia de financiamento efetuado pelo alienante ou devedor, possuidor direto e depositário da coisa com todas as responsabilidades e encargos que lhe são inerentes…”.

 

Segundo Arnold Wald, o instituto da Alienação Fiduciária ingressou no Brasil no contexto de dinamização das relações econômicas, sobretudo para servir como garantia ao credor, na liberação de crédito aos consumidores para obtenção de bens móveis. “Para assegurar melhores garantias ao crédito direto ao consumidor, concebeu-se a alienação fiduciária, como operação não tributada, na qual o devedor (alienante fiduciário) adquire o bem, que é revendido fiduciariamente ao financiador, ou seja, à instituição financeira adquirente fiduciária.”

Dessa forma, seguindo o conceito trazido por Arnold Wald, a Alienação Fiduciária é o negócio jurídico que permite, a uma das partes contratantes (devedor), a alienação resolúvel da propriedade de uma coisa, à outra parte (credor), como garantia de que haverá o pagamento do contrato principal. Assim, conforme dizeres de Arnold Wald, “caracteriza-se a Alienação Fiduciária pelo fato de constituir, em favor do credor, uma propriedade resolúvel e onerada com encargos.”.

Ademais, para Caio Mário da Silva Pereira, a Alienação Fiduciária veio para atender às necessidades das relações jurídicas modernas e “… se trata de um novo direito real de garantia.”

Conforme Silvio de Salvo Venosa, verifica-se que a partir da formalização da Alienação Fiduciária, independente da tradição da coisa móvel, há a transferência de propriedade do bem para o credor, como garantia real ao pagamento prometido pelo devedor: “O contrato de alienação fiduciária é instrumento para constituição da propriedade fiduciária, modalidade de garantia real. A eficácia real decorrente do contrato torna-se palpável, porque a propriedade é transferida sem a entrega da coisa.”.

Contudo, a transferência da propriedade fica vinculada a uma condição resolutiva, qual seja o pagamento integral da obrigação principal. Assim, ocorrendo o pagamento da obrigação assumida, a propriedade do bem volta ao âmbito da esfera jurídica do devedor. Ademais, a transferência da propriedade do bem dado em garantia permite ao devedor (alienante) a utilização do bem, por meio do gozo da posse direta. Entretanto, Arnold Wald explica que “A partir do momento em que houver, de sua parte, mora ou inadimplemento, a posse do devedor deixa de ser legítima, e ele se transforma num esbulhador ou turbador da posse, contra quem podem ser utilizadas as medidas possessórias.”.

Deve-se, ainda, salientar que o advento do instituto da Alienação Fiduciária de Coisas Móveis serviu como solução para as ineficácias do penhor e da venda com reserva de domínio. Isso porque, diferente da Alienação Fiduciária, em ambos os institutos retromencionados, a coisa dada em garantia permanece na propriedade do devedor, dificultando uma eventual e necessária obtenção do bem pelo credor.

Para Silvio de Salvo Venosa, a Alienação Fiduciária “não se confunde com os demais direitos reais de garantia, penhor, hipoteca e anticrese, porque nestes existe o direito real limitado, enquanto na alienação fiduciária opera-se a transferência do bem. Existe alienação e não gravame.”. Sendo assim, a Alienação Fiduciária de Coisas Móveis se constitui por ser uma garantia de direito real para o cumprimento de obrigação principal. Geralmente, o instituto é utilizado por meio de cláusula, no próprio contrato que prevê a obrigação principal.

Conforme dito, a Alienação Fiduciária de Coisas Móveis nasceu com a Lei 4.728/1965, diploma que disciplinou o mercado de capitais. Dessa forma, até a entrada em vigor do Código Civil/2002, somente podiam ser partes no contrato de Alienação Fiduciária, ou mesmo no contrato que continha cláusula dispondo sobre a Alienação Fiduciária, a instituição financeira e o financiado, podendo este ser uma pessoa jurídica de direito publico ou privado, ou mesmo uma pessoa física (artigo 66-B da Lei 4.728/1965). Hoje é permitido aos particulares realizar contratos, entre si, que tenham obrigações garantidas pela Alienação Fiduciária. Contudo, para estas relações, a regulação dos direitos e obrigações é feita somente pelo Código Civil/2002. Inclusive, as diferenças entre as Alienações Fiduciárias feitas com a presença das instituições financeiras, e aquelas nas quais se tem a presença apenas de particulares, são justamente as legislações reguladoras de determinada relação, v.g., caso se trate de uma relação de Alienação Fiduciária que envolva como parte uma instituição financeira, deve-se obedecer às disposições contidas na Lei 4.728/1965 e suas alterações, tais como a necessidade de previsão contratual de juros, cláusula penal, correção monetária, entre outros. Independente do tipo de legislação a ser aplicada em determinada relação que envolva Alienação Fiduciária, esta garantia de direito real é sempre acessória e condicionada à obrigação principal. Isso porque, considerando que a Alienação Fiduciária se constitui como garantia pelo cumprimento de uma obrigação principal, tem-se a característica da acessoriedade. Conforme o conceito de Alienação Fiduciária de Coisas Móveis, verifica-se que são essenciais a existência de: o contrato principal, o bem móvel, e a condição resolutiva. Por fim, a Alienação Fiduciária deve vim lastreada em um contrato formal e oneroso.

Entende-se que pacto comissório é a possibilidade de o credor ficar com o bem dado em garantia, quando ocorre a inadimplência do devedor em relação à obrigação principal do contrato. O Código Civil/2002, repetindo a regra disposta no Código Civil/1916, proíbe a existência do pacto comissório nos contratos que envolvam garantia real, tal como o de Alienação Fiduciária de Coisas Móveis.

Além disso, para Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe, “Essa proibição alcança o sub-rogado, de modo que também o coobrigado pagante da dívida está obrigado à venda de excussão sub-rogada e a prestar contas ao devedor avalizado ou afiançado.”

O parágrafo sexto do artigo 1˚ do Decreto-Lei 911/1969 que deu nova redação ao artigo 66 da Lei 4.728/1965, respeitando a redação dada pela Lei 4.728/65, dispõe que: “É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no seu vencimento.”

Ademais, os CC 1.364, 1.365 e 1.428 também dispõem que, no caso de inadimplemento do devedor-fiduciário, o credor fica obrigado a vender o bem, não podendo adquirir a coisa dada em garantia ao cumprimento da obrigação principal. Inclusive, o pacto comissório já vinha sendo tratado desta forma desde o Código Civil de 1916, conforme se verifica no artigo 765. A ideia da proibição é justamente proteger o devedor da eventual pressão do credor para ficar com o bem por um preço muito abaixo do valor de mercado. Nesse sentido, são os esclarecimentos de Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe: “… a proibição do pacto comissório tem por finalidade evitar que o devedor por qualquer modo ficasse coagido e, sob a pressão da necessidade, fosse levado a convencionar o abandono do bem ao credor por quantia irrisória.”  Dessa forma, ocorrendo o vencimento antecipado da dívida, com o inadimplemento do devedor, o credor tem o direito de apreender a coisa dada em garantia para vendê-la a terceiros, e nunca para ficar com a coisa para si em pagamento. Nestes casos, para o direito do credor em apreender a coisa, existe o dever do devedor em entregar a coisa. Não obstante exista da proibição ao pacto comissório como proteção ao devedor contra a renúncia prévia de direito e interesse, pode o devedor optar, livremente, pela entrega da coisa ao credor, como pagamento de sua dívida. A diferença entre as situações que permitem ou não a aquisição do bem pelo credor é que na primeira ocorre a entrega voluntária pelo devedor, já na segunda situação há a apreensão do bem, pelo credor.

Ademais, a proibição do pacto comissório também tem como objetivo o impedimento de abusos do credor que ficaria com a coisa, independente de o valor da dívida ser muito inferior ao da coisa dada em garantia. Inclusive, até mesmo após a sentença que julga procedente a ação de busca e apreensão, o autor da demanda judicial (o credor) deve vender a coisa para satisfazer o seu crédito no contrato principal.

“Por via de sentença que julga procedente a ação de busca e apreensão reúnem-se na pessoa do credor os direitos deste (posse indireta e domínio provisório) e os do alienante (posse direta). Nesta fase subsiste ainda o resíduo da natureza fiduciária da propriedade. A consolidação destina-se exclusivamente a propiciar ao credor condições de fato e de titularidade de direito para proceder à disposição da coisa através da venda de caráter satisfativo, em segurança do terceiro adquirente, que é alheio à relação fiduciária interna existente entre credor e devedor.”. Verificou-se que a proibição ao pacto comissório, tanto no Código Civil de 1916, quanto no vigente Código Civil de 2002, serviu e serve para proteger a parte mais fraca e vulnerável do contrato (devedor), contra o arbítrio exclusivo do credor. Assim, “a única solução cabível, com exclusão de qualquer outras, no caso de apreensão do objeto por inadimplemento do devedor, é a da venda de excussão, pelo proprietário que alcançou por sentença a consolidação da propriedade e da posse plena e exclusiva (direta e indireta) em suas mãos.”.

Todavia, para alguns autores, como, por exemplo, Pontes de Miranda, a proibição ao pacto comissório não se justifica sob nenhum fundamento de direito. Nesse sentido, seguem os dizeres de Maria Helena Diniz: “Em que pese a tudo isso, autores há, como Pontes de Miranda, que entendem que não há por que proibir a cláusula comissória, pois, na alienação fiduciária em garantia, o credor já tem o domínio e a posse indireta do bem, descabendo a proibição de vir ele a ser seu proprietário; no penhor há essa proibição, porque a coisa empenhada é do devedor e dele continua sendo, embora gravada do ônus real.”. Até porque, segundo o raciocínio acima, o parágrafo único do CC 1.365 e o parágrafo único do CC 1.428 relativizam a proibição ao pacto comissório, sendo permitida a aquisição do bem pelo credor, nos casos de vontade de entrega pelo devedor e anuência expressa do credor. De qualquer forma, cabe esclarecer que o pacto comissório até então estudado nada tem a ver com o pacto acessório do contrato de compra e venda. Alguns estudiosos do direito tratam os dois institutos com o mesmo nome de “pacto comissório”.

A proibição ao pacto comissório está prevista nos CC 1.364, 1.365 e 1.428 do Código Civil/2002, e a permissão ao pacto acessório do contrato de compra e venda está prevista no CC 474. No primeiro caso, há a proibição à aquisição, pelo credor, do bem dado em garantia pelo devedor, em casos de inadimplência no contrato que tenha garantia real de Alienação Fiduciária. Já no segundo caso, há apenas a repetição de regra já disposta no artigo 1.163 do Código Civil de 1916, que é a possibilidade de desfazimento da venda em caso do atraso no pagamento das prestações do valor total do imóvel. Dessa forma, não se pode confundir os dois institutos do Direito Civil. Tanto no Código Civil de 1916 quanto no Código Civil de 2002 existe a proibição ao pacto comissório, ou seja, é a previsão expressa de nulidade da perda da garantia real de Alienação Fiduciária em favor do credor.

Da mesma forma, com relação ao pacto acessório, que nada mais é do que uma causa de extinção do contrato, o Código Civil de 2002 validou o mesmo sentido da regra já usada na vigência do Código Civil de 1916. Embora ambas as regras, do pacto comissório e do pacto acessório, tenham se mantido no Código Civil/2002, cada instituto regula uma determinada e distinta situação.

Por fim, segue uma das únicas jurisprudências encontradas sobre o tema, que ilustra a norma expressa no Código Civil/2002 sobre a proibição ao pacto comissório. “Ação de Busca e Apreensão. Termo de Confissão E Reconhecimento de Dívida Garantido por Alienação Fiduciária. Pacto Comissório. Matéria De Ordem Pública. Nulidade. Extinção Do Processo (Art. 267, Vi e § 3º, do CPC/1973). Recursos Prejudicados.  É nula a Cláusula que, visando assegurar o cumprimento de dívida preexistente, estipula garantia fiduciária, vinculando bem pertencente ao devedor, por traduzir a avença antecipação de pacto comissório, Vedado nos artigos 765 e 1.428 dos Códigos Civis de 1916 e 2002, respectivamente. (TJSC – Apelação Cível N. 2005.034090-9, de Tubarão – Des. Ronaldo Moritz Martins Da Silva – Publicação: DJSC N. 11.934, Edição de 30.06.06, p. 39). Sendo assim, o número reduzido de julgados sobre esse tema pode ser explicado pela clareza do CC 1.428, além da repetição da norma sobre a regra já prevista no artigo 765 do Código Civil/1916.

Diante disso, demonstrada a diferença entre o pacto comissório e o pacto acessório, pode-se chegar à conclusão crítica a respeito da validade ou não da proibição ao pacto comissório nos contratos de Alienação Fiduciária de Coisas Móveis. Mesmo considerando os argumentos de doutrinadores que não concordam com a proibição ao pacto comissório, deve-se atentar ao fato de que esta proibição é uma proteção à parte mais fraca e vulnerável do contrato, tendo a sua explicação pautada no princípio do equilíbrio contratual entre as partes. Dessa forma, não se pode admitir que sejam atenuadas as diferenças de situações dos contratantes. (Rafaela Cabral Ferreira, editada em 01.12. 2012, intitulada: Alienação fiduciária de coisas móveis: Proibição ao pacto comissório, na Revista Âmbito Jurídico–ambitojuridico.com.br. artigos, Acessado em 27/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo o entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo guarda simetria com o art. 765 do Código Civil revogado e com o CC 1.428 do atual Código, que vedam, por norma cogente, contratação de cláusula comissória. A propriedade fiduciária é afetada à garantia do pagamento de uma obrigação e, por isso, está sujeita também à cláusula comissória, que veda ao credor ficar com objeto da garantia se a dívida não for paga no vencimento. A vedação é imperativa, e considera-se não escrita qualquer cláusula em sentido contrário. Nulos são também os negócios indiretos - em fraude à lei - que por contratos formalmente lícitos alcancem o objetivo prático vedado pela norma cogente. Não cabe a adjudicação da coisa ao credor em leilão extrajudicial. Tal possibilidade somente ocorrerá em leilão judicial, por ser público, com prévia avaliação e fiscalização do juiz. Em relação à alienação fiduciária sobre bens imóveis, regulada pela Lei n. 9.514/97 (art. 27, § 5º), admite-se que, se o lance não superar o valor da dívida acrescida de encargos no segundo leilão, a obrigação se considerará extinta, e o credor não terá o dever de restituir qualquer quantia. Admite-se, em tal caso, o imóvel ficar com o credor fiduciário, mediante quitação da dívida. O parágrafo único do artigo em estudo, de modo simétrico ao parágrafo único do CC 1.428 adiante comentado, admite a possibilidade de dação em pagamento da coisa após o vencimento da dívida. Exige-se o negócio da dação ser feito após o vencimento, não valendo, como é óbvio, cláusula negociai inserta no título da obrigação garantida prevendo tal figura. O consentimento deve ser livremente manifestado pelo devedor fiduciante depois do vencimento da dívida. Note-se que o próprio legislador reconhece, aqui, que o devedor fiduciante é muito mais do que mero depositário, ao admitir que dê em pagamento a propriedade expectativa. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.417. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 27/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a exposição de Ricardo Fiuza em sua doutrina, Trata.se de nulidade ipso jure, não gerando qualquer efeito no mundo do direito, se, eventualmente. o proprietário fiduciário descumprir a determinação legal. Por sua vez, a redação do parágrafo único do dispositivo em comento é de clareza bastante duvidosa e, certamente, se mantida no estado em que se encontra após a entrada em vigor do Código, certamente muita celeuma trará na prática e problemas para o cotidiano forense.

Na verdade, em que pese tratar-se de texto aparentemente singelo, reveste-se de grande complexidade, porquanto bastante truncado e de sentido jurídico dúbio, quando confrontado com o caput do próprio artigo e com o dispositivo precedente. Em primeiro lugar, apenas para ficar assinalado, aponta-se que direitos não podem ser “dados”, mas “cedidos”. Portanto, a palavra “dar”, empregada no parágrafo único, haveria de ser substituída por “ceder”. Contudo, esse não é o problema nodal que ora se pretende efetivamente demonstrar. Veja se poderá o devedor ceder seu direito a terceiros após o vencimento da dívida, excluindo-se desse rol apenas o credor proprietário fiduciário. Se admitir-se a cessão de direitos também ao credor fiduciário, então o parágrafo único significará uma burla ao caput, pois corresponderá, por vias transversas, à autorização para o proprietário fiduciário permanecer com o bem em face do inadimplemento, o que é inaceitável. Por outro lado, se a resposta for a cessão de direitos para terceiros, a redação do parágrafo omite a palavra “terceiros que, por conseguinte, deve ser acrescida. Todavia, existe ainda um problema: a cessão (ou “doação” = “dar”) é do direito para pagamento da dívida, o que pressupõe que se faça em benefício do próprio credor (proprietário fiduciário) e não no de terceiros. Trata-se, na verdade, de um impasse criado pelo legislador que, na prática, acabará por acarretar a burla da regra geral definida no caput do artigo e no dispositivo precedente. Por isso, apresenta-se sugestão no sentido de suprimir-se esse malsinado parágrafo único. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 700, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.366. Quando, vendida a coisa, o produto não bastar para o pagamento da dívida e das despesas de cobrança, continuará, o devedor obrigado pelo restante .

Da mesma forma ao comentar esse artigo, Ricardo Fiuza afirma que a venda judicial ou extrajudicial do bem objeto do contrato de alienação fiduciária, em favor do credor, por si só, não é suficiente para a satisfação do resultado perseguido. Haverá de cobrir as despesas resultantes da dívida principal, despesas de cobrança e seus consectários. Caso não seja ainda assim suficiente o quantum levantado com a venda, continuará o devedor responsável obrigado pelo saldo devedor remanescente, a não ser que o credor renuncie ao que sobejar. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 700, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 27/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como o observa Francisco Eduardo Loureiro, o artigo guarda simetria com o CC 1.430, adiante comentado, que prevê a responsabilidade do devedor pelo restante, quando o produto da excussão da coisa dada em garantia não bastar para o pagamento da dívida e despesas judiciais. Não prevê o Código Civil a responsabilidade residual de terceiros garantes, como avalistas ou fiadores, mas tão somente do devedor fiduciário. Tal regra consolida o entendimento do STJ, no sentido de que “após a venda extrajudicial do bem, a obrigação do pagamento do saldo remanescente é pessoal do devedor principal, sendo ilícita a execução contra os garantes, sejam eles fiadores, avalistas ou terceiros interessados” (EREsp n. 49.086/MG, 2ª Seção, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 25.06.1997, v.m., DJ 10.11.1997; REsp n. 142.984/SP, 4ª T., rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 21.03.2002, v.u., DJ 17.06.2002; REsp n. 254.408/MG, 4ª T., rel. Min. Barros Monteiro, j. 01.03.2001, v.u., DJ 04.06.2001; REsp n. 4.605/SP, 4ª T„ rel. Min. Athos Carneiro, j. 16.04.1991, v.u., DJ 10.06.1991).

Há, porém, entendimento diverso do STJ, de que “a venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente não leva, por si, à extinção da responsabilidade dos garantes pelo pagamento do saldo residual remanescente. Indispensável, entretanto, que o credor dê a eles ciência de que vai alienar o bem, por determinado preço” (REsp n. 178.255/PR, 3ª T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 29.06.2000, v.u., DJ 28.08.2000; REsp n. 140.894/PR, 2ª Seção, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 14.06.2000, v.u., DJ 19.03.2001; REsp n. 533.733/RS, 4ª T. rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 09.09.2003, v.u., DJ 28.10.2003). Embora persista a responsabilidade do garante, exige-se a prévia ciência para acompanhamento da venda da coisa dada em garantia, para efeito de controle do preço e, por consequência, do saldo devedor.

No que se refere à cobrança do saldo em relação ao devedor fiduciário, o entendimento atual do STJ é no sentido de que se o credor não pode valer-se do processo executivo “para haver o remanescente do débito decorrente da venda extrajudicial do bem dado em garantia, admissível é a ação monitória nos termos do art. 1.102-A, do CPC/1973” (REsp n. 331.789/MG, 4ª T., rel. Min. Barros Monteiro, j. 25.09.2001, DJ 04.03.2002; STJ, REsp n. 562.945/RS, 3ª T., rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 27.04.2004, v.u.). Em termos diversos, a venda extrajudicial do bem retira a liquidez da apuração de eventual saldo devedor, que não pode ser cobrado pela via executiva. A verificação da correspondência entre o valor apurado na venda unilateral e o valor de mercado da coisa é incompatível com o processo de execução. O saldo devedor engloba o valor da dívida, acrescida de juros moratórios legais e, se for o caso, convencionais, cláusula penal e despesas com a cobrança, inclusive honorários advocatícios. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.418. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 27/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na VII Jornada de Direito Civil,  site civileimobiliario.web, sempre que  não  houver  relação  de  consumo,  pode  ser  afastada  pelas  partes,  por  disposição  contratual  expressa,  a  regra  contida  no  art.  27,  §  5º,  da  Lei  n.  9.514/1997, aplicando-se a norma constante nos CC 1.366 e 1.430 do Código Civil, de modo que o devedor, neste caso, continua responsável pelo saldo remanescente se o valor do imóvel dado em garantia fiduciária não for suficiente para o integral pagamento do credor.

Justificativa: O § 5º do art. 27 da Lei n. 9.514/1997 consubstancia regra particular, haja vista que as demais  espécies  de  garantia  real,  inclusive  as  modalidades  de  alienação  fiduciária atinentes  aos  direitos  e  bens  móveis,  se  submetem  à  norma  geral  insculpida  nos CC  1.366 e 1.430 do Código Civil, segundo a qual, uma vez executada a garantia, o devedor

continua  a  responder  pessoalmente  pelo  eventual  saldo.  Dada  a  especificidade  desta regra,  que  tem  por  finalidade  proteger  o  contratante  vulnerável,  notadamente  no financiamento imobiliário (por todos, v. Melhim Namem Chalhub, Negócio Fiduciário, Rio  de  Janeiro:  Renovar,  2009,  p.  264-266),  sua  aplicação  pode  ser  validamente afastada  por  contratantes  em  relações  paritárias.  Nessa  esteira,  em  razão  do  caráter  de ordem pública do sistema de proteção do consumidor, não é possível o afastamento de tal preceito uma vez configurada relação de consumo. (VII Jornada de Direito Civil,  site civileimobiliario.web., Acessado 27/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).