sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 734, 735, 736 - continua - DO TRANSPORTE DE PESSOAS - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 734, 735, 736 - continua
- DO TRANSPORTE DE PESSOAS - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo XIV – Do Transporte – Seção II
Do Transporte de Pessoas - (art. 734 a 742)
 vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização.

Como lembra Claudio Luiz Bueno de Godoy, mesmo antes e a despeito da edição do Código Civil de 2002, sempre se admitiu que, ínsita ao contrato de transporte, havia, coo de fato há, uma cláusula de incolumidade, porquanto ao transportador afeta uma obrigação de resultado, a de levar o passageiro e suas bagagens ao destino, a salvo e incólumes, ademais, induvidoso tratar-se de uma atividade perigosa, induzindo, assim, caso típico de risco criado.

Pois exatamente nessa esteira instituiu-se, de forma genérica, como se deu o Código Civil a regrar o transporte, uma responsabilidade indenizatória para o transportador, do embarque ao desembarque – os quais, aliás, a Lei n. 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica) por exemplo, explicita serem parte da execução do contrato de transporte (art. 233) -, a responsabilidade de culpa e só elidível por força maior, como está na lei e na esteira do que, para a responsabilidade civil em geral, se estabeleceu, quanto às atividades que ensejam risco especial, no CC 927, parágrafo único.

Era mesmo uma tendência, evidenciada desde a previsão do art. 17 do Decreto n. 2.681/12, que cuidava da responsabilidade das estradas de ferro, com culpa presumida. Assim, igualmente, comportou-se a jurisprudência, inclusive interpretando a regra do decreto citado como atinente a uma responsabilidade objetiva, mais que de culpa presumida, e estendendo-a a outras espécies de transporte.

Bem se verá, aliás, que o Código Civil de 2002, ao dispor sobre a responsabilidade no contrato de transporte, da mesma maneira com que regrou a responsabilidade civil, no capítulo próprio (ver comentários ao CC 927 e ss), incorporou a seu texto muito do que já haviam consolidado os tribunais. Pois, assentado que a responsabilidade do transportador, uma vez inalcançado o resultado pelo qual se obrigou, prescinde da verificação de sua culpa, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a atividade de transporte, ressalvou a lei – ademais da regra do CC 741, acerca da conclusão de viagem interrompida mesmo que pelo casus – que essa responsabilidade apenas se exclui se provada força maior, tal como, para as obrigações em geral, se previu no CC 393. E lá se a definiu, sem distinção para o caso fortuito, o qual, portanto, se deve entender também excludente da responsabilidade do transportador, como fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Insta não olvidar, porém, que o transporte envolve forçosamente uma atividade que cria especial risco (Ver CC 927, parágrafo único) e a que, destarte, inerentes alguns eventos de força maior ou caso fortuito. Ou seja, é preciso diferenciar o que se passou a denominar fortuito interno do fortuito externo, conforme o acontecimento se apresente, ou não, ao transporte. Por isso mesmo, vem-se considerando que eventos como o defeito mecânico ou o mal súbito do condutor não eximam o transportador da responsabilidade pelos danos causados no transporte (fortuitos internos). Ao revés, prejuízos ocasionados ao passageiro ou à bagagem por obra de enchente, terremotos, raios são, aí sim, fortuitos externos e, destarte, causa excludente, por efetivamente romperem o nexo de causalidade do dano com a atividade de transporte. O assalto, como regra, sempre se considerou um fortuito externo, o que se vem, todavia, revendo em casos com ocorrências repetidas, praticas reiteradamente nas mesmas circunstâncias, sem medidas preventivas que razoavelmente se poderia esperar fossem tomadas.

Mais, até, como já tive oportunidade de sustentar, procurando fixar um conteúdo para a cláusula geral do CC 927, parágrafo único, e dissociado da ideia de defeito de segurança (periculosidade anormal, adquirida), no exercício da atividade que cria risco especial, assim compreendida a responsabilidade independente de culpa, ademais a que atinente a uma causalidade a merecer releitura, porquanto não só mais física, porém, antes, jurídica, reduz-se o espaço reservado para a entrevisão da estraneidade de eventos fortuitos, inclusive coo, ocasionalmente, o assalto em relação ao transporte. Com efeito, se o transportador responde pelo risco especial que sua atividade induz, então deixa de importar, na mesma extensão, a discussão sobre medidas preventivas que pudesse razoavelmente tomar para impedir ocorrências como roubos, tiroteios ou outras semelhantes. Tal debate importaria à luz da necessidade de se verificar se sucedido defeito de segurança. Mas não é o que se admite dar substrato à responsabilidade pelo risco da atividade, inclusive levada, agora, à disposição geral do CC 927, parágrafo único, bastando aferir se a atividade desempenhada, de que decorrente o prejuízo havido, induz risco diferenciado aos direitos, bens e interesses alheios, ou seja, se o evento lesivo se favorece pelo exercício da atividade, dado o risco especial que ela enseja (ver comentário ao artigo e, ainda: Claudio Luiz Bueno de Godoy. Responsabilidade Civil pelo risco da atividade. São Paulo, Saraiva, 2009). Daí já se ter decidido, como citado no item reservado à jurisprudência, por exemplo, que o transportador de valores responde pelos danos impingidos à vítima de atropelamento de seu turno provocado por disparo de arma que atingiu o motorista.

Ainda quanto às excludentes, tem-se renovado o mesmo problema, já examinado nos comentários ao CC 732, a que se remete, relativo à concorrência normativa como o Código de Defesa do Consumidor. Por exemplo, na legislação consumerista, como se disse, a cuja conceituação via de regra, malgrado nem sempre, se subsumirá o transporte, prevê-se a culpa exclusiva da vítima como excludente da responsabilidade do fornecedor, o que o Código Civil omite, ao menos quando não haja concorrência do transportador (CC 738, parágrafo único). De toda a sorte, a culpa exclusiva da vítima, tal qual se dá, com infeliz frequência, nos casos do chamado surf ferroviário, quebra o nexo de causalidade e deve, assim, ter igual efeito excludente ao que se reserva ao fortuito externo. Porém, tornar-se-á a esse assunto da concorrência com o Código de Defesa do Consumidor, em matéria de excludentes, no exame dos artigos subsequentes.

De novo expressão da absorção, pelo Código Civil de 2002, de orientação jurisprudencial já consolidada, o artigo em comento veda ajuste, no contrato de transporte, de qualquer cláusula excludente de responsabilidade. É o que já constava da Súmula n. 161 do STF e já se havia incorporado à legislação consumerista (art. 25). Isso, na verdade, porque próprio do contrato de transporte, corolário da boa-fé objetiva nas relações contratuais (CC 422), é o dever de segurança afeto ao transportador, que não se pode afastar, sob pena, primeiro, de se desnaturar a avença e, segundo, tanto mais, uma vez evidenciada relação de consumo já intrinsecamente desequilibrada e o que não se pode agravar com a exclusão da responsabilidade do transportador. Não se veda a cláusula de limitação de responsabilidade desde que, por um lado, não se preste a burlar a vedação da exclusão, e por outro, com especial cautela nas relações desiguais, usada a fim de verificar se sua previsão decorre de consenso e não de imposição. Veja-se, mais ainda, que, mesmo no regime do Código Civil de 1916, cláusulas excludentes já não eram aceitas para afastar responsabilidade por dolo, a que se equipara a culpa grave.

Por fim, e para se evitar incerteza quanto ao importe indenizatório, permite-se hoje, pelo parágrafo único do artigo em comento, que exija o transportador a declaração, feita pelo passageiro, do valor de sua bagagem, sob pena da recusa ao contrato – que não é a regra (CC 739) -, estabelecendo-se, dessa forma, o limite da indenização. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 755-756 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na linha da doutrina de Ricardo Fiuza, o transportador tem de levar o passageiro vivo e incólume a seu destino e responde pelos danos a ele causados, bem como a sua bagagem. Em todo contrato de transporte há, ínsita, a cláusula de incolumidade.

No contrato de transporte, a responsabilidade do transportador é objetiva, prescindindo, portanto, de verificação de culpa, sendo suficiente a demonstração da relação causal entre a atividade e o dano. Tratando-se de transporte efetuado por pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, a responsabilidade objetiva é estatuída em norma constitucional (CF 37, § 6~).
Mas a excludente da força maior (vis maior) aproveita ao transportador (CC 393, § 1º). Se o navio, em meio à tempestade, naufragou; se despencou o raio que destruiu o ônibus, não há responsabilidade civil.
Encontramos decisões judiciais afirmando que não responde a empresa transportadora pela morte de passageiro, no interior do veículo, no meio da viagem, em consequência de assalto, por tal evento resulta de força maior e não configura risco coberto pela tarifa (Adcoas, 1981, n. 80.420); nem pelo fato de passageiro de ônibus ser atingido por estilhaço de vidro produzido por uma pedra atirada por terceiros, ato equiparado a caso fortuito, não havendo que falar em divergência com a Súmula 187 do STF (JB, 141/182).
É nula a cláusula de não indenizar, i.é, não tem qualquer validade e eficácia o dispositivo que afaste a responsabilidade do transportador. Nesse sentido, aliás, enuncia a Súmula 161 do STF: “Em contrato de transporte é inoperante a cláusula de não indenizar”. Aponte-se, ainda, que, na maioria dos casos, o contrato de transporte forma-se por adesão, e, também por essa razão, para impedir que se frustrem as justas expectativas, a boa-fé e os direitos do aderente, a cláusula de não indenizar é abusiva, inadmissível, nula de pleno direito (CC 421, 422, 423 e 424 e CDC, 51, I, e 54).

A doutrina admite, todavia – com cuidados e ressalvas -, a cláusula que limite a responsabilidade, desde que não seja expediente falacioso para burlar a proibição da cláusula excludente da responsabilidade, quando a indenização, por exemplo, for fixada em valor ridículo, insignificante (STJ, 4~ T., REsp 76.619, em 12-2-1996). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 389 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a responsabilidade civil do transportador é objetiva e sua obrigação é de resultado. É nula a cláusula de não indenizar (Súmula 161 do STF).

Na responsabilidade objetiva não se perquire de culpa do agente. Isso não significa que ele tenha de indenizar a vítima sempre que esta vier a sofrer um prejuízo, pois é necessário tenha de indenizar a vítima sempre que esta vier a sofrer m prejuízo, pois é necessário que o dano seja proveniente do serviço prestado, i.é, que haja nexo causal. Assim as hipóteses de exoneração da responsabilidade civil do transportador são todas relacionadas à inexistência ou quebra do nexo de causalidade entre o dano e o serviço que presta.

 Causas de exoneração da responsabilidade do transportador: a) culpa exclusiva da vítima; b) culpa de terceiro (CC 735) – somente elide a responsabilidade do transportador a força maior (ex.: roubo, pedrada), não os fatos que constituem risco natural do transporte, coo os danos decorrentes de acidente de trânsito, ainda que a culpa pelo acidente seja atribuída a terceiro, conforme a Súmula n. 187 do STF: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

Na toada de Godoy, novamente em reforço à constatação de que o Código Civil, na matéria atinente à responsabilidade do transportador, incorporou muito do que a jurisprudência já havia consolidado, conforme se vem acentuando desde os comentários aos artigos precedentes, no dispositivo em questão repete-se, a rigor, o que se continha na Súmula n. 187 do STF, estatuindo que o chamado fato de terceiro não elide a responsabilidade do transportador, contra quem terá ação regressiva.

O primeiro problema que a respeito se coloca é a exata definição de fato de terceiro, ou de quem seja terceiro, e mesmo sua diferenciação para a força maior, tratada no artigo anterior. Em princípio, na responsabilidade civil, deve-se entender como   terceiro quem não integre um dos polos da respectiva relação, portanto quem não seja agente ou vítima. Ou, melhor, é preciso que alguém se interponha na relação agente/vítima, ademais mostrando-se estranho à responsabilidade daí dimanada. Por isso, para fins de excludente, não são terceiros os pais quando respondem pelos atos dos filhos, ou o patrão, acerca dos atos dos empregados. Nesse sentido, portanto, a condição de terceiro só se configurará como causa excludente caso se trate de alguém completamente estranho à pessoa causadora direta do dano, ou mesmo à sua atividade.

Em segundo lugar, é bom lembrar ter sempre se entendido em doutrina que o fato de terceiro, desde que a causa única do evento danoso e sem qualquer ligação com o devedor, fosse excludente de responsabilidade, porquanto, assim caracterizado, seria causa de quebra do nexo de causalidade. Tal como se viu quanto à força maior nos comentários ao artigo precedente, o fato de terceiro será estranho ao responsável no transporte quando não se ligar ao risco da atividade por ele desempenhada. Esse o ponto que se reputa nodal e por vezes confundido, quando se cuida de equiparar o fato de terceiro à força maior sempre que revelado por um evento inevitável. Parece mais se afeiçoar aos pressupostos atuais da responsabilidade civil, máxime em atividades indutivas de especial risco como é a de transporte (CC 927), a verificação sobre se o fato atribuível ao terceiro se coloca ou não dentro dos limites razoáveis do risco criado, e assim assumido, pela atividade do transportador.

Em terceiro lugar, considera-se diferencial do fato de terceiro, em relação à força maior, a possibilidade de se determinar um agente específico responsável pela conduta.

Pois preceitua o Código Civil de 2002 que o fato de terceiro não exclui a responsabilidade do transportador, solução exatamente oposta da que se contém no art. 14. § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor. A antinomia, segundo se entende, mostra-se solucionável pela consideração de que, afinal, o fato de terceiro, conforme se apresente, pode ou não romper o nexo de causalidade. E, se rompe, exclui a responsabilidade civil, decerto do que não está a tratar o artigo do Código Civil, ora em comento. Mas isto, repita-se por relevante, desde que havida a estraneidade, ao transportador, do fato de terceiro, causa única do evento danoso. Então, rompe-se o nexo de causalidade, faltando assim requisito mesmo para aplicação de regra de responsabilidade sem culpa, já que não se cuida, não transporte, de teoria do risco agravado, sem excludentes, ao que soa da redação do próprio CC 734.

Já, ao revés, se a conduta do terceiro, mesmo causadora do evento danoso, coloca-se nos lindes do risco do transportador, destarte se relacionando, mostrando-se ligada à sua atividade, então, a exemplo do fortuito interno, não se exclui a respectiva responsabilidade. É o que ocorre, por exemplo, quando o passageiro sofre prejuízo porque o veículo em que conduzido é fechado por terceiro. esse foi o pressuposto sobre o qual se assentou a Súmula n. 187 do STF e parece ser a interpretação reservada ao artigo em exame. Tanto assim é que os tribunais, em inúmeras oportunidades, já vinham afastando a incidência da súmula naqueles casos em que o passageiro fosse atingido, v.g., por uma pedra lançada por terceiro, dado configurar-se no caso um fato externo à atividade, todavia não quando o evento se repetisse nas mesmas circunstâncias, sem medidas preventivas que razoavelmente se esperava fossem tomadas, tal como se disse em relação ao assalto nos comentários ao artigo anterior, e com a mesma da redução ao âmbito de incidência da excludente em virtude da aplicação da cláusula geral do CC 927, parágrafo único. Com isso, harmonizam-se as previsões do Código Civil, no artigo vertente, e as disposições do Código de Defesa do Consumidor, do art. 14, § 3º, II. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 757-758 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Fiuza, copiou-se aqui a Súmula 187 do STF: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva ‘~.

Se, por exemplo, um outro veículo, por imperícia do condutor, desgovernou-se e atingiu o ônibus em que estava o passageiro, que sofreu fraturas e escoriações, a responsabilidade do transportador persiste, e ele terá de indenizar os danos sofridos pela vítima. Mas poderá acionar, regressivamente, o terceiro causador do acidente.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 389 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, somente fatos extraordinários (ex.: roubo, pedrada) elidem a responsabilidade do transportador, não os fatos inerentes à atividade, que constituem caso fortuito interno ou risco natural do transporte, como os danos decorrentes de acidente de trânsito, ainda que a culpa pelo acidente seja atribuída a terceiro, conforme a Súmula n. 187 do STF. Já aqui mostrada no artigo anterior. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 736. Não se subordina às normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia.

Parágrafo único. Não se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o transportador auferir vantagens indiretas.

O Código Civil de 2002, no artigo em comento, no entendimento de Claudio Luiz Bueno de Godoy, enfrenta antiga discussão sobre a natureza do transporte feito por cortesia ou amizade, a carona que se dá a alguém que vem a sofrer dano durante o percurso. O debate não era ocioso dado que, admitida a tese de se tratar de contrato, e porque gratuito, a responsabilidade daquele a quem o ajuste não beneficiava, portanto o transportador, somente se erigiria em caso de dolo ou culpa grave, que a ele se equipara, conforme já previa o art. 1.057 do Código Civil de 1916, repetido pelo Código Civil de 2002 art. 392.

Destarte, suposta contratual a responsabilidade de quem oferece carona, apenas por dolo, ou culpa grave, haveria o dever de indenizar o passageiro danificado durante o transporte gratuito – este por amizade ou cortesia. Pois era essa a tese que parecia prevalecer, não sem críticas, antes da edição do CC/2002, mercê inclusive da edição da Súmula n. 145 do STJ, segundo a qual “no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.

Todavia, a nova normatização civil expressa, no artigo em comento, não se submeter ao regime contratual o transporte feito por mera amizade ou cortesia. Assim, ao que se entende, consagra-se, para este transporte desinteressado, a tese da responsabilidade extracontratual, que se rege pelo CC 927 e ss, suscitando discussão outra, sobre se o caso é de teoria da culpa ou do risco, muito embora não se furte a observar que a carona não encerra, nos termos do parágrafo único daquele mesmo CC 927 e a despeito do perigo inerente a todo transporte, uma atividade normalmente desenvolvida de modo a criar habitual risco aos direitos de outrem, pelo que a responsabilidade será baseada na demonstração de dolo ou de qualquer modalidade ou grau de culpa, mesmo que leve. Mas é bem de ver que, no quanto aqui interessa, a hipótese não se sujeitará ao regramento do contrato de transporte. Não se sujeitará, mesmo, ao regime dos contratos.

Porém, ressalva o Código Civil de 2002 que, por vezes, mesmo sem remuneração direta, o transporte não é desinteressado. Produz, ao revés, vantagens indiretas, portanto, bem longe de consubstanciar mera cortesia ou amizade. Nesses casos, a regência é do ordenamento aplicável ao contrato de transporte. Assim, por exemplo, o sistema de concessão de milhagens, bilhetes de fidelidade, ou mesmo o transporte solidário, o chamado rodízio. Da mesma forma, no exemplo de Humberto Theodoro Jr. (“Do transporte de pessoas no novo Código Civil”. In: Revista dos Tribunais, 2003, v. 807, p. 11-26), o corretor que leva o cliente em seu veículo para visitar um imóvel. Muito menos haverá de se cogitar de regramento outro que não o contratual nos casos de transporte coletivo clandestino, que, malgrado feito ao arrepio da regulamentação estatal, como se impõe (CC 731), não pode, no âmbito civil, excluir a responsabilidade do transportador, nos termos deste Código. Por fim, igualmente não se vem considerando seja desinteressado o transporte coletivo devidamente regulamentado, mas disponibilizado ao idoso sem pagamento de passagem, pois em verdade há custo diluído que indica não agir o concessionário por mera cortesia. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 759 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 17/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina de Fiuza, no sentido deste dispositivo, há a Súmula 145 do STJ: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.

Se o transporte representa ato de mero favor, e feito gratuitamente, por amizade, cortesia, a rigor, nem configura contrato de transporte. A relação não fica regida pelas normas deste Capítulo. Nem há, no caso, responsabilidade objetiva do condutor. Com maior razão se o transporte gratuito está sendo feito por necessidade, urgência, solidariedade. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 390 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 17/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o transporte gratuito não se regula pelos dispositivos do contrato de transporte. No transporte gratuito, a responsabilidade do transportador é subjetiva, i.é, somente reponde mediante a prova de que agiu com culpa. É nesse sentido a Súmula n. 145 do STJ: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave.

Se o transportador obtém proveito econômico com o transporte de forma indireta, como ocorre no transporte de empregados pelo próprio empregador, o transporte não se considera gratuito.

O transportador que celebra contrato com empresa para o transporte de seus empregados não fornece ao passageiro um transporte gratuito e tem a obrigação de levar a viagem a bom termo, obrigação que assume com a pessoa que transporta, pouco importando quem forneceu o numerário para o pagamento da passagem (STJ, REsp. 238.676-RJ, rel. Mm. Ruy Rosado de Aguiar, j. 08.02.2000). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 17.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).