sábado, 19 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 148, 149, 150 – Do Dolo - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 148, 149, 150 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do Dolo
 - VARGAS, Paulo S. R. 
Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Seção II – Do Dolo -
 vargasdigitador.blogspot.com

Art 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou. 1

1.        Dolo de terceiro

Geralmente, o dolo provém do outro contratante que realiza o negócio jurídico com a vítima de seu próprio ardil. Pode ocorrer, entretanto, que um terceiro, que não seja parte do negócio jurídico, é que tenha agido com dolo visando a induzir a vítima a realizar o negócio. Distingue-se, contudo, duas situações distintas acerca da parte a quem aproveita o dolo. Pode ocorrer de a parte beneficiada saber ou dever saber do dolo desse terceiro; ou pode ocorrer ainda de a parte beneficiada não ter, nem devesse ter conhecimento do dolo do terceiro. Apenas a primeira hipótese permite a anulação do negócio jurídico. Ainda que o dolo provenha de terceiro, apenas terá lugar a anulação do negócio jurídico se a parte beneficiada agir com culpa. Tal importante alteração em relação ao Código Civil de 1916 acompanha a tendência de privilegiar a segurança das relações jurídicas e a proteção de quem contrata de boa-fé confiante nas circunstâncias negociais que lhe foram apresentadas. Por essa razão, se a parte a quem beneficia o dolo do terceiro não sabia de sua existência, nem devesse saber por força de algum dever específico de diligência, o negócio não será anulado e não responderá ela por perdas e danos. De tal modo, a vítima do dolo terá sempre direito à reparação das perdas e danos que essa conduta dolosa tiver lhe causado. Se o contratante tiver conhecimento ou devesse ter do dolo desse terceiro será com ele solidariamente responsável pela reparação do dano (CC, art 942). Se o contratante beneficiado não tiver agido com culpa, apenas o terceiro que agiu com dolo deverá responder pela reparação dos danos causados à vítima do dolo. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 17.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

O dolo de terceiro, portanto, somente ensejará a anulação do negócio se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento. Se o beneficiado elo dolo de terceiro não adverte a outra parte, está tacitamente aderindo ao expediente astucioso, tornando-se cumplice. Já dizia Clóvis que “o dolo do estranho vicia o negócio, se, sendo principal, era conhecido de uma das partes, e esta não advertiu a outra, porque, neste caso, aceitou a maquinação, dela se tornou cúmplice, e responde por sua má-fé. (Código Civil, cit., p. 275, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 419, 2010, Saraiva – São Paulo).

Assim, por exemplo, se o adquirente é convencido, maldosamente, por um terceiro de que o relógio que está adquirindo é de ouro, sem que tal afirmação tenha sido feita pelo vendedor, e este ouve as palavras de induzimento utilizadas pelo terceiro e não alerta o comprador, o negócio torna-se anulável.

Entretanto, se a parte a quem aproveite (no exemplo supra, o vendedor) não soube do dolo de terceiro, não se anula o negócio. Mas o lesado poderá reclamar perdas e danos do autor do dolo (CC, art 148, segunda parte), pois este praticou um ato ilícito (art 186). Se nenhuma das partes no negócio conhecia o dolo de terceiro, não há, com efeito, fundamento para anulação, pois o beneficiário, caso fosse anulado o negócio, “ver-se-ia, pois, lesado por um ato a que foi estranho e do qual nem sequer teve notícia...” (Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, v. 2, p. 264; Renan Latufo, Código Civil, cit., p. 148-149, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 419, 2010, Saraiva – São Paulo).

Incumbe ao lesado provar, na ação anulatória, que a outra parte, beneficiada pelo dolo de terceiro, dele teve ou deveria ter conhecimento.

Caio Mário, citando Ruggiero e Colin e Capitant, menciona que, nos “atos unilaterais, porém, o dolo de terceiro afeta-lhe a validade em qualquer circunstância, como se vê, por exemplo, na aceitação e renúncia de herança, na validade das disposições testamentárias”. (Instituições, cit., v. 1, p. 333-334, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 420, 2010, Saraiva – São Paulo).

Também Pontes de Miranda, preleciona que, “nas manifestações de vontade não receptícias, não há figurantes um em frente ao outro; de modo que não há as ‘partes’ a que se refere o art 95 (do CC/1916, correspondente ao art 148 do CC/2002). Donde ter-se de entender o referido artigo como só referente aos atos jurídicos em cujo suporte fático há manifestações bilaterais de vontade, o manifestação receptícias da vontade”. (Tratado, cit. p. 338, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 420, 2010, Saraiva – São Paulo).

Art 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos. 1.

1.        Dolo do representante legal ou convencional

Mesmo não sendo parte do negócio jurídico, seria impróprio considerar o representante um simples terceiro, igualmente sujeito à disciplina do art 148 do Código Civil como qualquer outro. O representante age sempre em nome do representado, não adquirindo quaisquer direitos ou deveres em nome próprio. Por essa razão, o negócio jurídico realizado pelo representante que age com dolo, seja ele legal ou convencional, será sempre passível de anulação e o representante que age com dolo será sempre responsável pela reparação das perdas e danos que causar. A diferença se dará apenas em relação à extensão da responsabilidade do representado em cada caso. Isso porque, na representação legal, o representado não tem influência alguma na escolha do representante, sequer sendo-lhe possível destituir o representante que legalmente o representa. Mostra-se injusto, portanto, responsabilizar o representado pelos atos praticados por esse representante que lhe foi importo pela lei. Sensível a essa situação, o legislador restringiu a responsabilidade do representado até o limite do proveito que teve. Inversamente, na representação convencional, em que o representado tem influência direta na escolha da pessoa designada para agir em seu nome, o representado responderá solidariamente como o representante por perdas e danos presumindo-se sua culpa in elegendo pelos atos praticados pelo representante. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 17.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

O representante de uma das partes não pode ser considerado terceiro, pois age como se fosse o próprio representado. Quando atua no limite de seus poderes, considera-se o ato praticado pelo próprio representado. Se o representante induz em erro a outra parte, constituindo-se o dolo por ele exercido na causa do negócio, este será anulável. Sendo o dolo acidental, o negócio subsistirá, ensejando a satisfação das perdas e danos.

O código de 1916 tratava, no art 96, do dolo do representante, mas não distinguia a representação legal da voluntária. O referido dispositivo não encontrava disposição semelhante em Códigos de outros países, tendo origem no art 481 do Esboço de Teixeira de Freitas.

O Código de 2002 repete a regra, mas inova ao estabelecer consequências diversas, conforme a espécie de representação: o dolo do representante legal só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; o do representante convencional acarreta a responsabilidade solidária do representado. Respondendo civilmente, tem o representado, porém, ação regressiva contra o representante. (Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 489 apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 420, 2010, Saraiva – São Paulo).

Sílvio Rodrigues já em 1974 recomendava a solução adotada pelo novo diploma, dizendo que, no caso da representação legal, a solução da lei, obrigando o representado a responder civilmente só até a importância do proveito que teve, era adequada. O tutor, o curador, o pai no exercício do pátrio poder são representantes que a lei impõe, sem que o representado, contra isso, se possa rebelar. Se estes atuam maliciosamente na vida jurídica, seria injusto que a lei sobrecarregasse com os prejuízos advindos de sua má conduta o representado que os não acolheu e que, em geral, dada a sua incapacidade, não os podia vigiar.

No caso da representação convencional, aduz o referido mestre, aquele que escolhe um representante, e lhe outorga mandato, cria um risco para o mundo exterior, pois o mandatário, usando o nome do mandante, vai agir nesse mundo de negócios criando relações de direito. Se é má a escolha, tem o mandante culpa, e o dano resultante para terceiros deve ser por ele reparado. A presunção de culpa in elegendo ou in vigilando do representado tem por consequência responsabilizá-lo solidariamente pela reparação total do dano e não apenas limitar sua responsabilidade ao proveito que teve. (Dos vícios do consentimento, p. 180, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 421, 2010, Saraiva – São Paulo).

Art 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alega-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização. 1

1.        Dolo recíproco

Quando o dolo é bilateral, não há boa-fé a proteger. Ambas as partes agiram de modo reprovável e, no caso, estipula o direito que ambas devem ser apenadas com a validade do negócio. Quem agiu com dolo, buscando obter vantagem indevida à custa de terceiro, não pode invocar a condição de vítima da torpeza alheia se essa pretensa vítima se mostrou ainda mais ardilosa. Por essa razão, prevê o artigo 150 que, se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alega-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização. Isso não exclui, todavia, a possibilidade de que as partes possam invocar outras causas de anulação do negócio jurídico. Apenas o dolo é que não poderá ser invocado para se obter anulação ou indenização. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 17.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Neste caso, se ambas as partes têm culpa, uma vez que cada qual quis obter vantagem em prejuízo da outra, nenhuma delas pode invocar o dolo para anular o negócio, ou reclamar indenização. Há uma compensação, ou desprezo do Judiciário, porque ninguém pode valer-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). A doutrina em geral admite, no caso de dolo bilateral, a compensação do dolo principal com o dolo acidental. Preleciona a propósito Carvalho Santos que “pouco importa que uma parte tenha procedido com dolo essencial e a outra apenas com o acidental. O certo e que ambas procederam com dolo, não havendo boa-fé, a defender. (Diferentemente dispõe o art 254º, primeira parte, do Código Civil português: “O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral”, Código Civil, cit., p. 352, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 421, 2010 Saraiva – São Paulo).