quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.347, 1.348, 1349 Da Administração do Condomínio – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.347, 1.348, 1349

Da Administração do Condomínio – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.331 a 1.358) Capítulo VII – Do Condomínio Edilício – Seção II – Da Administração do Condomínio - digitadorvargas@outlook.com

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Art. 1.347. A assembleia escolherá um síndico, que poderá não ser condômino, para administrar o condomínio, por prazo não superior a dois anos, o qual poderá renovar-se.

Dando continuidade com a Doutrina de Ricardo Fiuza, Síndico é o administrador do condomínio, eleito na forma prevista na convenção, que poderá ser condômino ou não. Seu mandato não pode exceder a dois anos, permitida a reeleição. Este dispositivo está embasado no caput do art. 22 da Lei n. 4.591, de 16-12-1964, que regulamenta o condomínio em plano horizontal. Trai inovações de redação e é de melhor técnica legislativa, modernizando as expressões. No mais, deve ser-lhe dispensado o mesmo tratamento doutrinário dado ao artigo mencionado da Lei n. 4.591/64. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 689, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 19/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Francisco Eduardo Loureiro, prevê o atual Código Civil três órgãos administrativos do condomínio: síndico, assembleia geral e conselho fiscal. O síndico, grosso modo, é o órgão executivo do condomínio, que, em vista de sua atividade de caráter contínuo e permanente, faz cumprir as deliberações da assembleia geral, reunida periodicamente, e os preceitos da convenção e do regimento interno. Pode o síndico ser pessoa natural ou jurídica, condômino ou estranho ao condomínio. Basta que seja capaz. Não é empregado do condomínio, de modo que seu contrato não é de trabalho e nem se rege pela CLT. Nem toda pessoa, porém, pode ser síndico. Estão impedidos aqueles que mantêm conflito de interesses com o condomínio. Quanto ao condômino inadimplente, se não pode deliberar, com maior dose de razão não pode ser eleito, pois o conflito de interesses seria latente. O inadmissível é disposição na convenção impedindo condôminos que já foram um dia inadimplentes de serem eleitos síndicos, em uma sanção perpétua, como já decidiram nossos tribunais (RT 715/144; cf. também Franco, João Nascimento. Condomínio, 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 30).

Silencia a lei sobre as figuras do subsíndico e do cossíndico. Nada impede que a convenção, ou mesmo a assembleia, delibere a eleição de um subsíndico para assumir as funções na ausência ou no impedimento do titular. No referente aos cossíndicos, embora não contenha a lei regra proibitiva expressa, o princípio extraído do Código Civil é o da unicidade de representação do condomínio, para segurança de terceiros que com ele contratam (RT751/243). Existe a possibilidade, em grandes condomínios, dotados de várias torres ou alas, de haver um síndico geral, que representa a totalidade dos condôminos, auxiliado por subsíndicos com atividades limitadas a certas partes ou prédios do conjunto. O § 1º do CC 1.348, adiante comentado, prevê a possibilidade da repartição do poder de representação entre síndico e terceiro, por deliberação da assembleia. Também é omissa a lei quanto à remuneração do síndico. No silêncio da convenção e da assembleia, o múnus é gratuito. Pode, todavia, tanto a convenção como a assembleia deliberarem a remuneração do síndico, inclusive sob a forma de isenção de sua contribuição condominial (RT 695/189), que consistirá despesa ordinária, a ser rateada entre os demais condôminos. Sobre a remuneração incide contribuição previdenciária, como já decidiu o STJ.

A escolha do síndico é feita em assembleia geral, na qual votam condôminos, compromissários compradores, cessionários de seus direitos e usufrutuários. Não exige a lei qualquer quorum especial, razão pela qual, no silêncio da convenção, aplicam-se os CC 1.352 e 1.353. Em segunda convocação, a maioria simples dos presentes elege o síndico. Nada impede, todavia, que a convenção estabeleça quorum mais elevado para a eleição. Note-se que, no silêncio da convenção, o quorum para eleger é inferior ao para destituir. Vota-se com a força dos quinhões, salvo disposição em contrário na convenção de condomínio, vedado tal direito aos inadimplentes. Em determinados casos, pode o empreendedor ou um dos condôminos ter isoladamente a maioria. Terá, a princípio, direito de indicar o síndico, ou de se auto eleger, como consequência natural de sua posição jurídica. No entanto, a figura agora positivada do abuso de direito servirá como eficaz mecanismo de controle de eventuais excessos do condômino majoritário.

O prazo máximo do mandato do síndico é de dois anos, admitida a renovação. Tanto o prazo máximo como o direito à reeleição são preceitos cogentes, sobrepostos à convenção. Claro que poderá a convenção fixar mandato com prazo inferior ao teto legal. O que se discute - e parece razoável - é a possibilidade da convenção estabelecer um teto para o número de reconduções, pois a lei é omissa a respeito e não usa o termo indefinidamente (Levada, Cláudio Antonio Soares. “O síndico nos condomínios edilícios”. In: Condomínio edilício, aspectos relevantes, aplicação do novo Código Civil, coord. Francisco Antonio Casconi e José Roberto Neves Amorim. São Paulo, Método, 2005). Escoado o prazo do mandato do síndico, no silêncio da convenção, suas atribuições se prorrogam, até nova eleição, para evitar que o condomínio permaneça certo período sem representação, em detrimento de todos os condôminos e terceiros. Em casos excepcionais, adiante estudados no CC 1.350, poderá o juiz nomear síndico provisório, quando a assembleia deixar de se reunir. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.380-81. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Simplificando o comentário, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o síndico será escolhido pela assembleia, dentre os condôminos ou não, para administrar o condomínio por prazo não superior a dois anos. (Podendo ser reconduzido ao cargo em Assembleia, sem especificar a Lei o número de vezes – Grifo VD). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acesso em 19.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Art. 1.348. Compete ao sindico:

I – convocar a assembleia dos condôminos;

II – representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;

III – dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio;

IV – cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;

V – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores;

VI – elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;

VII – cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas;

VIII – prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;

IX – realizar o seguro da edificação.

§ 1º. Poderá a assembleia investir outra pessoa, em lugar do síndico, em poderes de representação.

§ 2º. O sindico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da assembleia, salvo disposição em contrário da convenção.

Como dito anteriormente em matéria de 15 de abril de 2016 no site seucondominio.com.br, encontrada com título “Seguro de condomínio é obrigatória”, é de responsabilidade do sindico a contratação do seguro (CC 1.348, IX), e de mais ninguém. Não é necessário que o sindico submeta previamente à apreciação da Assembleia Geral ou do Conselho Fiscal a contratação do seguro prescrito em lei. Entretanto, continua sendo medida de boa prática gerencial e transparência, cotar o serviço de proteção em pelo menos três seguradoras, visando a obtenção de um preço médio. Além disso, buscar empresas credenciadas e com boas recomendações do mercado também são importes.

Na visão do Professor Cristiano de Souza Oliveira, a inércia em realizar a contratação de seguro pelo síndico é falta gravíssima, podendo ensejar sua destituição do cargo, bem como sua responsabilização cível e criminal caso ocorra algum sinistro. Um exemplo de responsabilização cível do síndico é quando o gestor contrata seguro que não cobre adequadamente o patrimônio do condomínio. Tal situação pode ocorrer quando a avaliação do valor de reconstrução do imóvel é subdimensionado, visando a redução dos valores pagos à seguradora. Em situações como essa o patrimônio pessoal do sindico deverá arcar com os gastos não cobertos pela apólice contratada. Desta maneira, o sindico deve ficar alerta com a sedução de uma economia que na verdade não existe. Aliás, o Professor Kênio Pereira afirma que o índice CUB (Custo Unitário Básico da Construção Civil), deve ser tomado como base no momento da contratação do seguro obrigatório. Assim, a utilização de valor venal do imóvel, terreno e IPTU não devem ser considerados por não apreciar a questão pela ótica correta.

Restou comprovado, neste breve ensaio, a obrigatoriedade de contratação de seguro risco de incêndio ou destruição, total ou parcial para condomínios. Ademais, salientou-se que, cabe ao síndico realizar a contratação do seguro obrigatório, sem a necessidade de submissão à Assembleia ou Conselho Fiscal. Caso o síndico permaneça inerte em relação a contratação do seguro obrigatório, ele poderá sofrer sanções administrativas (destituição do cargo), cíveis (arcar como valor da reconstrução do imóvel) e criminais. Por fim, entende-se que o índice CUB é o mais apropriado para basear a contratação do seguro obrigatório ou adicional.  (Matéria de 15 de abril de 2016 no site seucondominio.com.br, encontrada com título “Seguro de condomínio é obrigatória”, Acessado 19/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Trazendo esclarecimento Francisco Eduardo Loureiro, as atribuições do síndico, porém, eram disciplinadas em artigos esparsos (arts. 21, 22 e 24) da Lei n. 4.591/64, sem guardar exata coincidência com a regra do atual Código Civil. O CC 1.348 arrola as atribuições do síndico de modo exemplificativo. Nada impede que a convenção, ou mesmo a assembleia, confiram ao síndico atribuições diversas, deleguem ou limitem alguns dos poderes previstos no artigo em exame, como preveem seus §§ 1º e 2º. O primeiro ato de competência do síndico é o de convocar a assembleia de condôminos (inciso I). Esse poder-dever abrange as assembleias ordinárias, extraordinárias e especiais. O CC 1.350 prevê a possibilidade de um quarto dos condôminos convocar a assembleia ordinária, se o síndico não o fizer. Caso a assembleia não se reúna, qualquer condômino poderá requerer sua convocação ao juiz. Já as assembleias extraordinárias poderão ser convocadas por um quarto dos condôminos, a qualquer tempo e independentemente de anterior omissão do síndico, segundo dispõe o CC 1.355. A competência, portanto, é concorrente. No que se refere à assembleia especial, que delibera a reconstrução ou venda do prédio parcialmente destruído, ou com risco de ruína, embora omissa a lei, a gravidade da situação permite a qualquer condômino convocá-la.

A segunda atribuição (inciso II) do síndico é a de representar ativa e passivamente o condomínio, praticando todos os atos necessários à defesa dos interesses comuns. É caso de representação legal, ou melhor, de presentação, pois atua como órgão da comunidade de condôminos. Não há, propriamente, duas vontades, uma do representado e outra do representante, mas apenas a manifestação do próprio condomínio por seu órgão. O síndico, consequentemente, não necessita de procuração outorgada pelos condôminos, e seus poderes são os definidos em lei, convenção e assembleia. A presentação se faz tanto na via negocial, firmando contratos pelo condomínio, como na via judicial, defendendo os interesses comuns em juízo. O síndico tem poderes para litigar contra estranhos e contra condôminos, havendo interesses comuns do condomínio em jogo.

Cabem algumas observações, quanto a essa presentação, ou representação legal, do síndico. Quanto aos atos negociais ordinários, não há necessidade de outorga de poderes específicos da assembleia. Pode, inclusive, realizar as diligências indispensáveis para resolver problemas urgentes, como vazamentos no interior de apartamentos vazios. O mesmo não ocorre, porém, em relação aos atos negociais extraordinários envolvendo alienação, empréstimo, locação ou concessões que afetem as partes e coisas comuns, casos nos quais deverá haver prévia e específica autorização da assembleia, salvo se forem urgentes, como uma oportunidade de transação, quando a aprovação poderá ser a posteriori.

Quanto aos atos judiciais, deve haver distinção entre a natureza das diversas pretensões. No polo ativo, não necessita o síndico de específica autorização da assembleia para ajuizar em nome do condomínio ação de cobrança da contribuição contra condômino inadimplente, muito menos contra condômino que usa com exclusividade área comum, altera a fachada do edifício, ou causa riscos a salubridade, sossego ou segurança comuns (Pereira, Caio Mário de Silva. Condomínio e incorporações, 10. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 162; RT 745/384). O síndico pode requerer medidas cautelares, notificações, protestos, em suma, os remédios adequados para fazer cessar o ilícito ofensor do interesse comum dos condôminos. É essencial, no entanto, o interesse defendido ser comum e não exclusivo de apenas um dos condôminos. Caso exemplar é o da legitimidade do condomínio propor ação indenizatória contra o construtor ou o incorporador, em razão de defeitos de construção ou a insuficiência de espaços de garagem, que afetem áreas comuns, ou interesses comuns dos condôminos, e não apenas determinada unidade autônoma (RT 702/91, JSTJ-Lex 10/157).

Como alerta Nascimento Franco, no caso de danos generalizados, que atinjam tanto a área comum como determinadas unidades autônomas, aconselhável que “o síndico convoque assembleia Geral para deliberar o ajuizamento da ação, em nome do condomínio, representado pelo síndico e pelos condôminos que desejarem figurar como litisconsortes” (Condomínio, 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 49). No polo passivo, no dizer de Nascimento Franco, o síndico representa o condomínio nas ações relativas às deliberações da assembleia, ações trabalhistas e casos análogos, desde que os interesses em jogo sejam comuns (op. cit., p. 46). Em determinados casos, que produzirão efeitos diretos sobre a propriedade dos condôminos como, por exemplo, ações reivindicatórias, de desapropriação ou de usucapião de áreas comuns do edifício, que reduzirão as frações ideais das unidades autônomas, deverão os condôminos ser citados como litisconsortes passivos, não bastando a citação do síndico. No caso de usucapião da própria unidade autônoma, acompanhada da respectiva fração ideal, que não afeta e nem diminui os direitos dos demais condôminos, basta a citação do síndico.

O inciso III impõe ao síndico o dever de dar pronto conhecimento à assembleia da existência de procedimento administrativo ou judicial de interesse do condomínio. Embora, como dito, não necessite de prévia autorização para ajuizar ou receber citações em demandas judiciais, ou procedimentos administrativos, deve o síndico deles dar conhecimento à assembleia, como mero representante que é. Embora fale a lei em conhecimento, não se trata de simples ciência, mas também de orientação ou submissão à deliberação da assembleia geral, para que aja em um ou outro sentido.

O inciso IV diz que o síndico é o executor das normas da convenção, do regimento interno e das decisões da assembleia, devendo velar por seu fiel cumprimento. Impõe-lhe a lei um dever de reagir contra ofensas às referidas regras, respondendo então o síndico pessoalmente, por comportamento omissivo. Na aplicação da convenção e do regimento, deverá se ater menos ao sentido literal das normas e mais ao valor que visam elas a tutelar. Dizendo de outro modo, deve, segundo Nascimento Franco, evitar interpretações literais que levem a consequências iníquas ou opostas aos objetivos da lei. Cláusulas obsoletas, ou não mais ajustáveis ao momento atual do condomínio, por ter a maioria dos condôminos deixado de observá-las, devem estas ser submetidas à assembleia, evitando a quebra da harmonia da vida condominial (op. cit., p. 62).

O inciso V impõe ao síndico o dever de diligenciar a conservação e guarda das partes comuns e zelar pela prestação de serviços que interessem aos possuidores. A lei impõe um dever de cuidado ao síndico de pagar taxas, contribuições e serviços de manutenção de bombas, elevadores e similares, para não sofrerem interrupção. Os pagamentos em atraso, salvo motivo justificado, especialmente insuficiência de recursos em caixa, geram a responsabilidade do condomínio e pessoal do síndico pelos encargos de mora e prejuízos causados aos condôminos. Os deveres em foco abrangem, também, a adoção de cautelas relativas à segurança, como a recomendação de identificação de visitantes. Importa, aqui, abordar a responsabilidade do condomínio por falhas da vigilância, especialmente por furto de veículos e roubos no interior das unidades autônomas. O entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de ser lícita a disposição convencional exonerando o condomínio da responsabilidade civil pela guarda de veículos dos condôminos no espaço de garagem. Somente haverá responsabilidade civil em casos nos quais haja disposição convencional ou tenha a assembleia criado e cobrado contribuição destinada à implantação de mecanismos especiais de segurança, assumindo o dever de guarda, que, ao final, mostraram-se ineficazes, ou que o fato tenha ocorrido por atos culposos de empregados. Não basta, porém, a existência de porteiro ou vigia no edifício para caracterização de culpa pela subtração.

O inciso VI reza dever o síndico elaborar o orçamento de despesa e receita relativas ao ano vindouro. Comumente, conta o síndico com o auxílio de uma administradora de bens que elabora o orçamento anual a ser levado à assembleia geral. Far-se-á a previsão das despesas, com eleição de prioridades pelo síndico, a serem examinadas pela assembleia, bem como a receita necessária para lhes fazer frente. Dever correlato do síndico é o previsto no inciso VIII, qual seja, o de anualmente prestar contas da arrecadação já auferida e gasta em período preterido, sob a forma de balancete, de fácil verificação pelos demais condôminos. Pode a convenção estabelecer periodicidade inferior, mas nunca superior à norma, de natureza cogente. A prestação de contas envolve não somente uma aferição aritmética, mas também de verificação de comprovantes de pagamento e de sua pertinência e modicidade, em face das obras realizadas. Podem as contas ser precedidas de parecer do Conselho Fiscal. A aprovação das contas não impede seu posterior questionamento pelos demais condôminos, especialmente em vista do surgimento de fatos novos. A falta de contas é causa para destituição do síndico, sem prejuízo do ajuizamento de ação de prestação de contas, ou indenizatória, se desde logo evidenciado o dano. A aprovação das contas não exige quorum especial, aplicando-se as regras dos CC 1.352 e 1.353, adiante comentados.

O inciso VII dispõe que o síndico deve cobrar dos condôminos suas contribuições, bem como impor e cobrar multas devidas. O dever imposto ao síndico se desdobra. Cobrar as contribuições condominiais e impor multas aos condôminos que não se curvarem aos deveres impostos no CC 1.336, ou outros previstos em convenção ou regimento interno. A regra comporta algumas observações. Como já visto, não necessita o síndico de autorização expressa da assembleia para cobrar amigável ou judicialmente o condômino em atraso, devendo fazê-lo de modo expedito, evitando aumento do débito e sobrecarga aos demais condôminos pontuais. A multa e os juros moratórios são os previstos no § 1º do CC 1.336, podendo o síndico transacioná-los, com o objetivo de mais rapidamente receber o crédito. Note-se que o Código Civil de 2002 elenca as sanções ao condômino inadimplente: além de ter os encargos moratórios, ele fica impedido de deliberar em assembleia. Outras sanções, que importem na supressão de direitos fundamentais dos condôminos, previstos no CC 1.335, em especial vedação à utilização de áreas e equipamentos comuns do edifício, não mais são admitidas pelo atual Código Civil, embora frequentes em convenções condominiais e regimentos internos. Para imposição da multa, deve ser feita relevante diferenciação, tomando como base sua causa. Se houver previsão em ato constitutivo ou convenção, poderá o síndico aplicar diretamente a multa prevista para as hipóteses do CC 1.336, § 2º, antes conferindo oportunidade para a defesa do condômino apenado. Caso, porém, sejam o ato constitutivo e a convenção omissos, somente a assembleia poderá impor a multa, mediante quorum de dois terços dos condôminos restantes. No que tange às causas elencadas no CC 1.337, a regra é outra, pois somente a assembleia pode impor a multa. A regra é cogente e não pode ser suplantada por cláusula convencional que delegue ao síndico tal poder.

Finalmente, o inciso IX confere ao síndico o dever de contratar o seguro da edificação, tema já estudado no comentário ao CC 1.346, que trata da mesma matéria.

O § 1º do CC 1.348 reza poder a assembleia investir outra pessoa, cm lugar do síndico, em poderes de representação. Embora não tenha previsto o atual Código Civil a figura do subsíndico, a regra em estudo cria essa possibilidade. A investidura de terceiro com poderes de representação pode ocorrer como um auxílio às funções do síndico, ou mesmo contra sua vontade. É natural que a assembleia, soberana para outorgar poderes gerais de representação, possa retirá-los, no todo ou parcialmente, caso necessário ou conveniente. Pode a assembleia, ainda, fazer constar da própria convenção essa repartição de poderes de representação.

O § 2º do CC 1.238 regula a possibilidade do síndico transferir, total ou parcialmente, os poderes de representação ou administração, com prévia aprovação da assembleia, salvo proibição da convenção. As inúmeras atribuições conferidas pela lei ao síndico, somadas à complexidade das relações tributárias, trabalhistas e negociais que envolvem o condomínio acarretam, no mais das vezes, a impossibilidade de desincumbir-se sozinho de seu mister. Administrar um condomínio demanda tempo disponível e conhecimento técnico, atributos nem sempre reunidos pelo síndico. Ele pode, então, transferir parte de seus poderes e atribuições a uma pessoa física ou jurídica, normalmente especializada em administração imobiliária. Essa delegação depende de prévia e expressa autorização da assembleia. A norma é dispositiva, podendo a convenção vedar a delegação de funções. Como recebe poderes de gerência e representação, fica adstrita à prestação de contas ao síndico e à assembleia, que aprovou a delegação. O contrato de administração envolve fidúcia e, tal como o mandato, pode ser denunciado a qualquer tempo, restando apenas ao prejudicado o direito de pedir a composição de perdas e danos, ou o pagamento de cláusula penal. Como lembra Nascimento Franco, algumas administradoras especializadas passaram a fornecer serviços diferenciados, como execução de reparações em unidades autônomas, ou sistema de condomínio garantido, pelo qual cobre o inadimplemento dos condôminos e se sub-roga no crédito do condomínio (op. cit., p. 60). Os atos ilícitos praticados pela administradora não são, a princípio, de responsabilidade do síndico, pois a delegação e a escolha derivam de deliberação da própria assembleia. Claro, porém, que se o síndico se omite dos deveres de acompanhamento e de fiscalização das tarefas delegadas à administradora, pode responder solidariamente pelos danos causados ao condomínio, por culpa in vigilando. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.383-86. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Alexandre G. N. Liquidato em “RJET: A questão dos condomínios edílicos" – parte 2”, menciona a extensão dos poderes que se dariam aos síndicos sobre as áreas privativas. Para tanto, há de se evocar a moderna lição de Otavio Luis Rodrigues Junior e Jefferson Carús Guedes: Sobre essa diferenciação e aquilo a que "o dono do apartamento pode", é necessário consultar a legislação atual, especialmente o CC 1.331, que, em seu caput, afirma ser lícito, nas edificações, existir partes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos. Os parágrafos do CC 1.331, considerando-se as lições de Pontes de Miranda, estabelecem: (a) a comunhão no terreno (fração ideal no solo - § 3.° do CC 1.331) e nas partes indivisas do edifício e mais dependências (§2.° do CC 1.331); (b) não comunhão nas partes pro diviso (§1.º do CC 1.331). Em conformidade com a legislação vigente, ter-se-iam:

a) Partes susceptíveis de propriedade exclusiva por uma pessoa (ou em condomínio geral, por mais de uma pessoa): apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns.

b) Partes de utilização comum: solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público. O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura de constituição do condomínio.

Como bem observaram os autores acima, é indispensável compulsar a legislação atual, atentando, particularmente, para a redação que a Lei n.º 12.607/12 deu ao §1º do CC 1.331. Isso porque essa norma – atinente às partes de utilização exclusiva – consagra o poder de disposição do condômino, de tal sorte que possam ser “alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção...”.

Retome-se agora a redação da norma projetada no inciso II ao art. 11. Além do que está previsto no CC 1348, compete ao síndico: “restringir ou proibir a realização de reuniões e festividades e o uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do Coronavírus (Covid -19), vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade”.

A interpretação gramatical do inciso II ao art. 11, não dá espaço para dúvidas. Esclareça-se: a oração “inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos” é uma forma apositiva de explicar aquela que a antecede no que toca ao “uso dos abrigos de veículos por terceiros”. Trata-se de análise sintática pura e simples.

Mais que isso, a palavra “inclusive” é denotativa de inserção, pois acrescenta uma explicação em relação ao que já foi escrito. Aliás, a leitura das partes finais dos incisos I (“respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos”) e II (“vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade”) indicam claramente que não há diminuição alguma dos poderes que proprietários ou possuidores diretos têm sobre as unidades autônomas. Ao contrário: o legislador preserva-as.

Portanto, a sacralidade do direito real não foi profanada pela letra da lei, tal como havia sido aprovada pelo Congresso Nacional. No máximo, podia-se conceber uma limitação temporária ao poder de disposição do condômino – conforme haja previsão na convenção e segundo a discricionariedade do síndico –, para fins de locação ou comodato em favor de terceiros, sobre o abrigo de veículos que seja objeto de sua propriedade exclusiva.

Isso não é algo estranho à natureza das relações condominiais em edifícios. Como ensinam Maluf-Marques: “morar em apartamento requer uma grande tolerância em relação aos vizinhos e importa uma limitação ao direito de propriedade”. Suspendia-se, temporariamente, a legitimação do condômino para a celebração desses contratos com pessoas estranhas à relação condominial durante a pandemia por uma questão de saúde pública. Isso estava em perfeito alinhamento com a norma contida no § 1º do CC 1331 do Código Civil.

Como é amplamente sabido, o síndico é “o administrador da situação jurídica condominial”, em outras palavras, é órgão executivo do condomínio e tem poderes de administração fixados no rol taxativo dos nove incisos ao CC 1348 e estes podem ser regulamentados pela convenção, ou ainda pela assembleia.

É verdade que o RJET dava novos poderes de polícia ao síndico enquanto houvesse pandemia, mas, de qualquer modo, uma leitura mais abrangente (em sentido amplíssimo) dos CC 1277 a 1279 tornava perfeitamente aceitável – em caráter transitório – o aumento desses poderes, em consonância com a medida sanitária, afinal o síndico há de zelar pelos interesses comuns dos condôminos, inclusive no que toca ao sossego e à saúde.

Além disso, a interpretação teleológica do art. 11 do PL 1179/20 não implica modificação ou diminuição do conjunto de poderes que integra o direito de propriedade. Isso é evidente à medida que o caput do art. 1º e o art. 2º do Projeto de Lei cuidam da instituição de normas legais emergenciais, transitórias e desprovidas de eficácia revogadora ou alteradora.

O legislador apenas ampliou os poderes discricionários do síndico para que se adotem práticas compatíveis com a desaceleração do contágio pelo Coronavírus enquanto durar a pandemia. Esse é o único fim da norma. As razões do veto são infundadas e decorrem, como quer parecer, de uma leitura desatenta do texto aprovado pelo Legislativo.

Com grande sabedoria o Prof. João Batista Lopes qualifica o condomínio edilício como “verdadeira sementeira de discórdias” e no regime transitório e emergencial não seria diferente. Deve-se reconhecer, a título de conclusão, que é absolutamente natural o RJET ter críticos e adversários. Arrisca-se até a ousadia de se dizer que isso é saudável, notadamente quando essas críticas deitam raízes em argumentos tecnicamente sólidos, o que não é o caso do veto ao art. 11, pelos motivos acima aludidos.

Insista-se: a “intenção do legislador é conter a propagação do Coronavírus” e não reformar os institutos da propriedade e dos condomínios edilícios, muito menos cercar-se de meias-verdades para selecionar um ideário político discrepante do Código Civil e da Constituição Federal. Urge, portanto, derrubar-se o veto presidencial.

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM). (Alexandre G. N. Liquidato em “RJET: A questão dos condomínios edílicos – parte 2”, no site conjur.com.br, publicado em 03 de agosto de 2020, Acessado em 19/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.349. A assembleia, especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2º do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio.

André Luiz Junqueira, em artigo postado intitulado “Destituição de síndico em condomínio edilício”, A Lei Federal de n° 10.406/2002, que instituiu o Código Civil Brasileiro (CCB), passou a regular o instituto jurídico do Condomínio Edilício, o que antes era feito exclusivamente pela Lei Federal n° 4.591/1964. Em matéria de Condomínio Edilício, muitas dúvidas foram causadas pelas novas disposições do Código Civil e da aplicabilidade ou não da antiga Lei n° 4.591.

Uma dessas dúvidas surge do CC 1.349, que dispõe sobre hipótese de destituição do síndico por votação da maioria absoluta dos condôminos em assembleia convocada para transferir seus poderes de representação ou funções administrativas do síndico (CC 1.348, § 2°); aplicabilidade ou não do Título I da Lei n° 4.591/64 à hipótese sob análise; o quorum para destituição do síndico; e se a convenção do condomínio pode ou não estipular um quorum para a destituição diferente do que o previsto em lei.

Interpretações Apropriadas Da Norma - Antes de adentrar no tema proposto, considerou-se relevante fazer alguns comentários sobre a metodologia usada, principalmente no que toca a interpretação literal da lei. Esta norma em geral é, por vezes, desprestigiada pelos profissionais do Direito devido à uma crença de que se constituiria em uma forma limitada ou ultrapassada de se ler a norma. Contudo, tratando-se, principalmente, de normas gravosas ou que tratem de direitos fundamentais e indisponíveis, a interpretação literal somente poderá não ser utilizada se, após uma interpretação sistemática, a letra da lei estiver em patente desconformidade com o ordenamento jurídico ou se prejudicar de alguma forma o bem jurídico que a própria norma busca proteger.

Interpretações extensivas aplicadas a normas que já são suficientemente claras, além de desnecessárias, são as causas para a criação de entendimentos pouco técnicos e assistemáticos, onde cada um aplica o seu bom-senso sem nem mesmo verificar a norma escrita ou investigar seus objetivos. Os juristas brasileiros devem dar ênfase à interpretação que confira uma maior efetividade à justiça de uma norma, do que simplesmente depreciar o legislador. Deve-se sempre exercitar e expressar o senso crítico em relação aos trabalhos legislativos, pois erros habitualmente ocorrem, mas jamais alegar que o legislador cometeu um erro sem antes promover uma extensa análise do texto legal.

Como a Constituição Brasileira de 1988, o Código Civil de 2002 segue bem a fase atual do Positivismo Pós-moderno, na medida que inclui valores morais na norma escrita e também as chamadas “cláusulas abertas” e conceitos jurídicos indeterminados especialmente criados para que a doutrina e jurisprudência exercitem a hermenêutica jurídica e mantenham a Lei, na medida do possível, atual e dinâmica. Porém a interpretação de normas que já são suficientemente claras, como no caso em análise, é desnecessária e, na  opinião do autor, prejudicial ao bom direito.

É necessário que buscar-se analisar os fenômenos jurídicos com uma visão mais ampla e não limitada por um positivismo irredutível, mas não se deve abolir a leitura da letra da lei, tendo em vista ainda ter a norma positiva como principal reguladora da convivência dos indivíduos da sociedade. Abolir o positivismo de vez seria condenar a sociedade a um caos social, onde todos os seus membros agem da forma que mais lhe agradam.

O Art. 2° da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (LICCB), aprovada pelo Decreto-lei n° 4.657 de 1942, reza: “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

A LICCB tem sido a principal referência para a sistemática de leis no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que poucos contestam a sua aplicabilidade. Todavia, existe a dúvida se as disposições de condomínio edilício do Código Civil de 2002 se enquadram no § 1° ou no § 2° do Art. 2° da Lei de Introdução ao Código Civil.

De um lado, sustentando a aplicação do § 1° do artigo mencionado, o Código Civil teria revogado parcialmente a Lei Federal n° 4.591 (Arts. 1° ao 27) quando tomou para si a responsabilidade de regular o instituto de condomínio edilício por completo. O Título II da Lei n° 4.591 não teria sido atingido pela revogação, uma vez que o Código Civil não trata de Incorporações Imobiliárias. Por outro lado, defendendo a aplicação do § 2° do Art. 2° da LICCB, as disposições da Lei n° 4.591 permaneceriam em vigor em tudo que não colidisse com os artigos do Código Civil.

Porém, defende-se à primeira posição de que o Título I da Lei n° 4.591 encontra-se revogado tacitamente pelo Código Civil de 2002, uma vez que o Código regula claramente todo o instituto de condomínio edilício nos CC 1.331 ao 1.358. Essa posição também é fundamentada no Art. 7°, IV da Lei Complementar (LCP) n° 95 de 1998, que dispõe sobre a redação de leis (regulamento do Art. 59, Parágrafo Único da Constituição Federal), que determina: IV – o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.

O Código Civil não faz nenhuma menção à Lei n° 4.591, diferente da Lei Federal n° 8.245 de 1991 – A Lei do Inquilinato – a qual o Código teve o cuidado de manter em vigor mediante uma remissão expressa no CC 2.036. O que nos leva a conclusão lógica da derrogação da Lei n° 4.591/64. É possível que, dos que advogam a vigência da antiga lei de condomínios, não tenham ainda se acostumado com a forma com que o instituto de condomínio edilício é abordado no Código Civil de 2002, e, por esse motivo, insistem em fundamentar suas posições ou decisões na antiga lei e resistem às novidades do Código. Constantemente se voltam para a Lei n° 4.591 por não encontrarem previsão adequada no Código Civil. Só que as “lacunas” que existem no Código devem ser preenchidas pela convenção do condomínio e não por uma lei derrogada. Não obstante o pensamento sobre a derrogação da Lei n° 4.591 em matéria de condomínio edilício, abordou-se o tópico seguinte deste trabalho considerando também a outra posição.

Entendimentos Possíveis Sobre O Quorum De Destituição - O artigo 1.349 do Código Civil expressa: A assembleia, especialmente convocada para o fim estabelecido no §  2o do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio.

Cuidadosamente, será analisado o significado da expressão “maioria absoluta”. Maioria absoluta representa mais da metade de todos os votos do condomínio. Por outro lado, maioria simples consiste em mais da metade dos votos dos condôminos presentes à assembleia. As expressões não são sinônimas, o legislador sempre busca expressar uma ideia sem o emprego de sinonímia, essa é a regra expressa no Art. 11, II, “b” da Lei Complementar Federal n° 95.

A seguir veja-se os entendimentos possíveis sobre o quorum de destituição do síndico, apresentando também os seus respectivos fundamentos jurídicos.

1ª posição: aplicabilidade da Lei n° 4.591/64 (fundamentada no Art. 2°, § 2° da LICCB) devido à omissão do Código Civil, estabelecendo o quorum de 2/3 dos condôminos presentes em Assembleia Geral especialmente convocada para destituição do síndico (Art. 22, § 5° da Lei n° 4.591), sendo que a convenção poderia fixar outro quorum e, em princípio, a destituição não precisaria ser motivada; e quorum especial de maioria absoluta em Assembleia de transferência de poderes do síndico, a decisão deve ser motivada por um ato de má-gestão do síndico (CC 1.349).

Dessa forma, estaria em pleno vigor o § 5° do Art. 22 da Lei n° 4.591, que prevê: § 5º O síndico poderá ser destituído, pela forma e sob as condições previstas na Convenção, ou, no silêncio desta pelo voto de dois terços dos condôminos, presentes, em assembleia-geral especialmente convocada.

De acordo com essa interpretação, o Código Civil não dispôs sobre a votação da destituição do síndico, uma vez que o CC 1.349 se restringe a uma assembleia diferente. O Código apenas criou a facilidade para os condôminos de destituírem seu síndico em outro tipo de assembleia e compensou estipulando o quorum de maioria absoluta.

2ª posição: não aplicabilidade da Lei n° 4.591/64 (por derrogação, conforme Art. 2°, § 1° da LICCB e o Art. 7°, IV da LCP n° 95), estabelecendo o quorum de maioria absoluta em Assembleia Geral especialmente convocada para destituição do síndico em uma 1ª convocação (CC 1.352) e maioria simples na 2ª convocação (CC 1.353), exceto quando a convenção fixar algum quorum especial; e quorum especial de maioria absoluta em Assembleia de transferência de poderes do síndico, e, em ambas as assembleias, a decisão deve ser motivada por um ato de má-gestão do síndico (CC 1.349 ).

Não se deve ignorar a menção do CC 1.348, § 4°, uma vez que sempre se deve avaliar que o legislador não utiliza palavras ao acaso. Se o Código Civil tivesse a intenção de estipular um quorum especial para a destituição do síndico além do CC 1.349, o próprio Código o faria. Portanto, fora da hipótese de assembleia para transferência de poderes de representação ou de funções administrativas do síndico, não se pode exigir um quorum que a própria lei não exige. Na visão do autor, o Código Civil deixou uma lacuna que deve ser preenchida pela convenção do condomínio, por esse motivo, incluiu a obrigatoriedade da destituição estar baseada em um ato de má-gestão do síndico como um obstáculo a eventuais arbitrariedades, que podem ser anuladas pelo judiciário.

Segundo este entendimento, se a decisão de assembleia especialmente convocada para destituir o síndico está fundamentada em uma conduta irregular do síndico, o quorum não precisa ser mais rígido do que a maioria simples, pois o próprio Código Civil não o exige. Parece óbvio, o objetivo do Código é conceder ao condomínio uma forma de autotutelar seus direitos fundamentais de propriedade e exigir um quorum mais alto impondo riscos ao patrimônio e convívio dos condôminos e ocupantes.

Pela redação do CC 1.349, presume-se que o legislador foi mais rígido com o quorum de maioria absoluta, porque, em uma assembleia de transferência de poderes e funções, o síndico pode ser surpreendido por uma destituição que não estava incluída na pauta. Ao passo que, em uma assembleia onde consta como assunto único a sua destituição, o síndico terá um tempo maior para a sua defesa, e, por isso a maioria dos presentes poderá destitui-lo baseada em um ato ou omissão irregular. Em sendo opcional acredita-se esta segunda posição seja a mais técnica e a que se apresenta em maior harmonia com os valores do Código Civil, que é a melhor proteção para o condomínio. Mire-se agora para a terceira e última posição sobre o tema.

3ª posição: não aplicabilidade da Lei n° 4.591/64 (por derrogação ou por entender que o CCB já rege o assunto da destituição), estabelecendo o quorum especial de maioria absoluta em Assembleia especialmente convocada para destituição ou de transferência de poderes do síndico, a decisão deve ser motivada por um ato de má-gestão do síndico (fundamentada em uma interpretação extensiva do CC 1.349).

Nesse entendimento, aplica-se o quorum especial de maioria absoluta para qualquer hipótese de destituição do síndico. Fundamentando-se no pensamento de que não seria razoável impor um quorum maior do que o de maioria absoluta para uma assembleia especialmente convocada para destituição. E por outro lado, também não se pode deixar que a destituição seja aprovada por um quorum menor do que o de maioria absoluta, tendo em vista que, se tratando de uma medida gravosa para o síndico, deve-se interpretar a norma da forma mais favorável à sua defesa. Se o motivo ensejador da destituição do síndico será o mesmo, seja em uma assembleia de transferência de poderes ou em assembleia para destituição, não há como não se exigir o mesmo quorum.

Prevalência da Norma Pública Perante a Convenção. A convenção de condomínio tem o objetivo de regular a convivência dos condôminos/ocupantes com a ponderação dos Direitos de Vizinhança e de Propriedade, visando a administração do interesse comum. E se existe previsão legal, deve-se presumir que o assunto é de grande importância para ser regulado. Acredita-se que essa deva ser a principal premissa ao julgar a prevalência de uma norma pública em relação ao ato-regra que é a convenção de condomínio.

Tratando-se de condomínio edilício, embora haja o entendimento de que a lei somente estipula normas gerais para uma relação eminentemente privada, não existe espaço para esse pensamento com o Código Civil de 2002. O Código possui diversos conceitos jurídicos indeterminados que permite à sociedade adaptá-los para a sua realidade. Somente no capítulo do Código Civil destinado a condomínio edilício, tem-se as seguintes expressões: “reiterado”, “antissocial”, “insuportável”, “incompatibilidade de convivência” (todos do CC 1.337); e “não administrar convenientemente” (CC 1.349).

Ao estipular em convenção um quorum menos rígido do que a Lei, o condomínio desvaloriza o objeto da própria Lei. E ao determinar um quorum mais rígido do que a Lei, o condomínio está impedindo que os sucessores dos condôminos ou futuros ocupantes tenham possibilidade de alterar regras internas do condomínio que se tornam, em última análise, em cláusulas imutáveis. Haja vista, toda decisão de assembleia poder ser anulada se tomada por um quorum previsto na convenção, mas que esteja diferente do quorum especial que o legislador teve o cuidado de estipular, assumindo que toda norma relacionada a Direito das Coisas tem caráter jus cogens, salvo quando a própria Lei dá a entender que tem caráter jus dispositivum. Ressalte-se que a convenção de condomínio tem como objeto regular e até limitar o direito de propriedade entre os condôminos, e somente se pode alegar a não aplicação da lei, e também da convenção, quando o próprio direito de propriedade estiver sob risco. I.é, havendo uma cláusula que determina que o texto da convenção somente poderá ser alterado por voto de todos os condôminos é nula, pois o Código Civil expressa que a alteração poderá ser promovida por dois terços dos condôminos.

Considerando o exposto neste, conclui-se que o quorum para destituição de síndico em condomínio edilício é o previsto na convenção e que a destituição deve ser sempre motivada por irregularidade, ausência de prestação de contas ou administração inconveniente do síndico. Sendo certo que na omissão ou ausência de convenção a destituição poderá ser em 2ª convocação por maioria simples em assembleia especialmente convocada para a destituição e motivada por ato de má-gestão; ou por maioria absoluta, conforme diz a leitura conjunta do CC 1.349 com o § 2° do CC 1.348, somente na hipótese de assembleia especialmente convocada pelo síndico para a transferência de seus poderes de representação ou de suas funções administrativas e por decisão também motivada por ato de má-gestão. Contudo, o caminho mais razoável a ser tomado em relação à destituição do síndico não é o da análise do quorum aplicável, mas o da verificação do fundamento de sua destituição. A doutrina e a jurisprudência devem manter o foco no que motivou a decisão e não dar maior importância se ela foi tomada por maioria absoluta ou dois terços dos condôminos. Ressalvada a hipótese de assembleia do CC 1.348 § 2º, se o Código Civil não deu importância ao quorum da destituição, deve ser investigado somente se: (1) o síndico foi convocado e teve oportunidade de apresentar sua defesa; (2) se a decisão teve algum fundamento; e (3) se a decisão foi realmente tomada pela maioria dos presentes. Se um desses três requisitos estiver ausente, podemos afirmar que a assembleia será anulada. E ressalta-se que, principalmente os juízes, devem apenas se certificar da presença de um motivo, mas devem se abster de julgar o mérito da decisão da assembleia, uma vez que o termo “administrar convenientemente” do Código Civil é amplo o suficiente para que o condomínio tenha a liberdade de destituir o seu síndico. Claramente, o Código Civil impede a destituição do síndico sem fundamentação (como era possível pela redação do Art. 22, § 5º da Lei nº 4.591), mas, em nenhum momento, incluiu o quorum como defesa do síndico em detrimento da proteção à propriedade dos condôminos. (André Luiz Junqueira, em artigo postado em 23/10;2007, intitulado “Destituição de síndico em condomínio edilício”, no site DireitoNet.com.br, acessado 19/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o prisma de Francisco Eduardo Loureiro, o art. 22, § 5º, da Lei n. 4.591/64 reza que o síndico pode ser destituído na forma e sob as condições previstas na convenção de condomínio ou, em seu silêncio, pelo voto de dois terços dos condôminos presentes em assembleia especialmente convocada. Do simples confronto entre a redação do artigo em exame e do correspondente preceito da Lei n. 4.591/64, constata-se as profundas alterações que sofreu a destituição do síndico. Exige-se no Código assembleia especialmente convocada para deliberar a destituição. O artigo tem péssima redação, ao fazer remissão ao § 2º do artigo antecedente, que não diz respeito à destituição, mas à simples delegação de poderes a terceiros, por sugestão e concordância do próprio síndico. Deve constar da pauta, ou da ordem do dia, juntamente com outros temas de interesse, a expressa ressalva de a destituição do síndico ser deliberada em assembleia. Pode a assembleia ser convocada pelo síndico, ou, em sua omissão, até em razão da pauta, por um quarto dos condôminos, aplicando-se por analogia o disposto no CC 1.355, adiante comentado.

Explicita a lei o quorum necessário para a destituição do síndico, ou seja, pela “maioria absoluta de seus membros”. Mais uma vez é defeituosa a redação do preceito. Membros do condomínio ou membros da assembleia? A maioria absoluta é dos presentes à assembleia, metade mais um das frações ideais dos condôminos aptos a votar, salvo se a convenção dispuser a contagem por critério diverso. A eleição do síndico pode ser feita por maioria simples, mas a destituição exige a maioria absoluta, dada a excepcionalidade da hipótese. Não se computam, para tal efeito, os quinhões dos inadimplentes, inaptos a deliberar, nem o quinhão do próprio síndico, em vista do manifesto conflito de interesses com a matéria em votação.

A grande novidade é a destituição que passa a ser motivada. O preceito elenca as causas da destituição de modo exemplificativo: prática de irregularidades, falta de prestação de contas e administração inadequada do condomínio. Nada impede, como alerta Nascimento Franco, a convenção de adicionar outras causas para a destituição como mudança de domicílio do síndico para outra cidade ou impontualidade no pagamento de suas quotas (Condomínio, 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, p. 69). Somente não mais cabe a destituição imotivada, como admitia o sistema da lei revogada. A regra é inconveniente, pois a atuação do síndico é pautada na confiança de seus pares, e seria desejável a destituição se dar ad nutum, porém não mais o permite a lei. Se há motivação, há direito de defesa do síndico, que tem a prerrogativa de explicar-se e justificar-se perante a assembleia. Não há rito nem prazos de defesa - salvo se a convenção assim dispuser-, mas deve o síndico estar previamente ciente da imputação.

Resta a questão de saber se pode o juiz, por sentença judicial, rever a decisão de mérito da assembleia que deliberou no sentido da destituição do síndico. Questões formais, relativas à garantia de defesa, modo de convocação ou quorum de aprovação, é claro, podem sempre ser apreciadas em sede judicial. Das três causas previstas em lei - prática de irregularidades, falta de prestação de contas e administração inadequada do condomínio -, as duas primeiras são de cunho objetivo e a terceira é um comportamento indeterminado. Se há imputação de alguma prática irregular, deve haver o cotejo entre a conduta real e a exigível. Do mesmo modo, se se imputar omissão da prestação de contas, tal fato é objetivo. Ambas as causas podem ser revistas pelo Poder Judiciário. Já no que se refere à terceira causa - administração inadequada do condomínio - o grau de satisfação e expectativa dos condôminos não pode ser aferido ou substituído por decisão judicial, prevalecendo a decisão da assembleia. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.389-90. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 19/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).