quarta-feira, 30 de junho de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.784 - Do Direito das Sucessões – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.784 - Do Direito das Sucessões
– Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.
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fb.me/DireitoVargasm.me/DireitoVargas – Parte Especial – Livro V
Do Direito das Sucessões - Título I – Da Sucessão em Geral –
Capítulo I – Disposições Gerais - (Art. 1.784 a 1.790)

 

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

 

Este artigo corresponde ao art. 1.832 do texto original do Projeto de Lei n. 634, de 1975 — Projeto de Código Civil —, cujo Anteprojeto teve o Livro V da Parte Especial — Do Direito das Sucessões — redigido pelo Prof. Torquato Castro. Ver art. 1.572 do Código Civil de 1916.

 

Segundo a doutrina, instrumento do relator Ricardo Fiuza, a sucessão de que trata este artigo é a mortis causa. Com o falecimento do indivíduo, abre-se-lhe a sucessão. O patrimônio do de cujus, com o nome de herança, passa aos seus sucessores. Não se pode falar em herança de pessoa viva — viventis nulla est /zereditas (= nenhuma herança existe de pessoa viva) —, embora possa ocorrer a abertura de sucessão do ausente, presumindo-se-lhe a morte (art. 26 e s.).

 

• A herança não é constituída apenas de bens materiais (o terreno, o automóvel, o apartamento), mas representa uma universalidade de direito (CC 91), o complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico. Compreende o ativo e o passivo. E um somatório, em que se incluem os bens e as dívidas, os créditos e os débitos, os direitos e as obrigações, as pretensões e ações de que era titular o falecido, e as que contra ele foram propostas, desde que transmissíveis. No CC 1.997, diz-se que a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido, e o CC 1.792 menciona que o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança.

 

• Porém, não integram a herança relações jurídicas que, embora de conteúdo econômico, extinguem-se com a morte do titular, tratando-se de direitos personalíssimos, intuitu personae, como, por exemplo obrigações de fazer infungíveis (CC 247) — a do pianista, que se comprometeu a dar um concerto; a do médico, que ficou de fazer uma cirurgia; a do advogado, que prometeu entregar um parecer; o direito de revogar a doação por ingratidão do donatário, exceto no caso de homicídio doloso do doador (CC 560 e 561); o direito de preempção ou preferência (CC 520); o contrato de prestação de serviço (CC 607); a empreitada ajustada em consideração às qualidades pessoais do empreiteiro (CC 626); o mandato (CC 682, II); a constituição de renda, em relação ao credor (CC 806); os direitos de usufruto, de uso e de habitação (CC 1.410,11, 1.413 e 1.416).

 

• No direito romano, os heredes sui et necessarii (como os filhos que estavam sob o pátrio poder) e os heredes necessarii (os escravos libertados no testamento e, ao mesmo tempo, nomeados herdeiros) adquiriam automaticamente a herança, desde o momento da delação, independentemente de aceitação, e não podiam repudiá-la. Já os heredes extranei ou voluntarii (pessoas não incluídas nas categorias acima e que se tomavam herdeiros por força da lei ou em virtude do testamento) só adquiriam a herança se manifestassem a aceitação, estabelecendo-se um hiato entre a delação e a aceitação, período em que a herança ficava sem dono, jacente, à espera de aceitação (hereditas jacens). sendo equiparada nesse interregno, pelo direito justinianeu, às pessoas jurídicas.

 

• Na França, desde o século XIII, fixou-se o droit de saisine, instituição de origem germânica, pelo qual a propriedade e a posse da herança passam aos herdeiros, com a morte do hereditando — le mort saisit te vif . O Código Civil francês, de 1804— Code Napoléon —. diz, no art. 724, que os herdeiros legítimos, os herdeiros naturais e o cônjuge sobrevivente recebem de pleno direito (son saisis de pIem dmit) os bens, direitos e ações do defunto, com a obrigação de cumprir todos os encargos da sucessão. No Código Civil alemão — BGB —, arts. 1.922 e 1.942, seguindo o direito germânico medieval, afirma-se, igualmente, que o patrimônio do de cujus passa ipso jure, i. é, por efeito direto da lei, ao herdeiro.

 

• O princípio da saisine foi introduzido no direito português pelo Alvará de 9 de novembro de 1754, reafirmado pelo Assento de 16 de fevereiro de 1786. O Código Civil português, de 1867, já revogado, dizia, no art. 2.011: “A transmissão do domínio e posse da herança para os herdeiros, quer instituídos, quer legítimos, dá-se no momento da morte do autor dela”. A mesma solução constou no art. 978 da Consolidação das Leis Civis, de Teixeira de Freitas. E o Código Civil de 1916 manteve essa linha, enunciando, no art. 1.572: “Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Filiou-se, portanto, ao sistema germânico-francês. O vigente Código Civil português, de 1966, abandonou a antiga tradição, afirmando, no art. 2.050, 1: “O domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente de sua apreensão material”. A inspiração veio do art. 459 do Código Civil italiano: “L’eredità si acquista con l’accettazione”. Nesses países, portanto, a aquisição da herança não se dá por força da lei, mas depende do ato voluntário da aceitação. Porém, tanto o Código Civil português (art. 2.050, 2) quanto o italiano (art. 459) dispõem que os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão.

 

• Pelo CC 1.784, sob comento, terminando a existência da pessoa natural com a morte (CC 69, extinguindo-se a personalidade civil, que começou do nascimento com vida (CC 29, abre-se a sucessão, dando-se, no mesmo instante, a transmissão do patrimônio do de cujus. Se há um só herdeiro, este tem o domínio e a posse exclusivos, de tudo; se há mais de um, estabelece-se o condomínio e a composse. A posse dos bens da herança transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres (CC 1.206), ou seja, com os méritos e vantagens ou os vícios e defeitos que apresentava. A morte, a abertura da sucessão e a transmissão da herança aos herdeiros ocorrem num só momento. Os herdeiros, por essa previsão legal, tomam-se donos da herança ainda que não saibam que o autor da sucessão morreu, ou que a herança lhes foi transmitida. Mas precisam aceitar a herança, bem como podem repudiá-la, até porque ninguém é herdeiro contra a sua vontade. Mas a aceitação tem o efeito — como diz o art. 1.804 — de tornar definitiva a transmissão que já havia ocorrido por força do CC 1.784. E, se houver renúncia por parte do herdeiro, tem-se por não verificada a transmissão mencionada no mesmo artigo (CC 1.804, parágrafo único). Assim, o legislador concilia a transmissão automática e por força da lei da herança, no próprio momento da morte do de cujus, com a necessidade de os herdeiros aceitarem a herança e com a possibilidade de eles preferirem repudiá-la.


• Em complemento, informe-se que a herança se defere como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Entre a abertura da sucessão e a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e à posse dos bens da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio (CC 1.791). O Código Civil regula o condomínio geral no CC 1.314 e seguintes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 917-18, CC 1.784, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/06/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na instrução recente de Moisés de Oliveira, em artigo publicado abril de 2021, no site Jusbrasil.com, intitulado “O testamento digital sob a ótica do Direito brasileiro”, desenvolve texto interessantíssimo ao CC 1.784, como segue:

A internet tem se mostrado como uma ferramenta útil e de necessidade inestimável para toda a humanidade. Dessa forma, as pessoas estão transferindo tudo que remete à sua vida para o espaço cibernético.

 

Não obstante, muitas dúvidas surgem com esse caminhar digital. É certo que todos possuem uma identidade e acabam criando uma nova quando adentram ao mundo virtual e, assim como no mundo físico, a pessoa digital também morre.

 

Falar sobre a morte é um assunto mórbido, inoportuno, mas inevitável e, sob o prisma jurídico, imprescindível. Dito isso, quando alguém morre, seus direitos e obrigações se extinguem; porém, tal situação dará origem a novos direitos e obrigações, que serão conferidos àqueles que se vinculam sanguínea ou afetivamente com o falecido.

 

Assim, é posto à luz o questionamento de até onde a morte física pode afetar a morte virtual. É do conhecimento de todos que os perfis em redes sociais ou contas em servidores de arquivos não desaparecem instantaneamente com a morte de seu usuário. Então, o que poderia ser feito e como os sucessores deveriam agir diante de tal situação?

 

Já é possível realizar o planejamento do que será feito com os ativos digitais, que são tudo aquilo que o internauta disponibiliza na internet. Desse modo, o indivíduo pode decidir quem cuidará de suas contas, quem terá acesso aos seus arquivos, senhas etc.

 

Outrossim, a discussão vai mais além. Tais condutas poderiam configurar uma modalidade de testamento? A princípio, o Código Civil brasileiro vigente estipula somente duas espécies de testamento: o ordinário e o especial. Os testamentos ordinários são o público, o cerrado e o particular, enquanto os especiais, o marítimo, o aeronáutico e o militar. Portanto, não se admite outra modalidade estranha que não sejam as retromencionadas, dada a inexistência de amparo legal.

 

Desta feita, o testamento digital, como tem sido chamada a prática de declarar a última vontade pela internet, é apenas uma ideia do quão é preciso a legislação brasileira se modernizar, alinhando-se aos fenômenos sociais propiciados pela internet. Afinal, por influência dessa controvérsia, o Direito é o único instrumento capaz de fornecer harmonia ao buscar a resolução de conflitos entre sociedade e juridicidade.

 

Entretanto, a realização de testamentos não é da práxis brasileira. Ressalta-se que este ato causa mortis possui vasto supedâneo legal, o que importa em uma segurança jurídica firme e unânime, não se fragmentando em interpretações esparsas. Não é ousadia dizer que o testamento é o instituto do Direito Civil brasileiro mais bem elaborado.

 

Por consequência de sua falta, é implicada a vocação hereditária pela sucessão legítima, a qual é matéria de grande combate no Poder Judiciário por aqueles que realmente são herdeiros e que se proclamam herdeiros. A robustez jurídica que institui o testamento afasta qualquer incerteza e protege os herdeiros testamentários, vez que o que prevalece é a declaração de última vontade do de cujus, respeitadas as disposições que preservam os direitos dos demais herdeiros legítimos.

 

Na condição de base elementar de todos os relacionamentos sociais, o Direito é atemporal, calca-se nas mazelas do passado para que o presente e o futuro não sejam assolados pela insegurança, e nada cria óbices quanto à possibilidade de se fundar nos fenômenos hodiernos, com intuito de proporcionar às questões irresolutas um corolário que garanta a aplicação de normas efetivamente estáveis, em conformidade com o progresso humano.


Sucessão Testamentária no Brasil - O direito à herança está garantido no Art. , inciso XXX, da Constituição Federal de 1988 e é regulamentado pelo Código Civil de 2002, a partir de seu Art. 1.784. O dispositivo retromencionado do diploma civilista vigente proclama que “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (BRASIL, 2002). (Moisés de Oliveira, em artigo publicado abril de 2021, no site Jusbrasil.com, intitulado “O testamento digital sob a ótica do Direito brasileiro”, desenvolve texto interessantíssimo ao CC 1.784, do trabalho em foco, acessado em 30.06.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na sequência, como lecionam Guimarães e Mezzalira, o momento da morte da pessoa é, para o Direito Sucessório, o marco inicial para a transmissão dos bens aos herdeiros. A transferência é automática. Excluída a meação do cônjuge supérstite, se houver, os herdeiros passam a ser os titulares da universalidade de bens, de forma unitária, até o momento da partilha. Essa comunhão é impositiva.

De origem milenar, o droit de saisine foi introduzido na legislação brasileira no primeiro artigo do direito sucessório. Prevaleceu a tradição, vindo das Ordenações Manuelinas e Filipinas, legislação que vigorou no direito português primitivo, antes, muito antes, do projeto Seabra. Mesmo com a Independência do Brasil de Portugal, vigoraram referidas Ordenações.

Como é sabido, o Código comercial é de 1850, mas nossos projetos de código civil não prosperaram até novembro de 1899, quando Clóvis Bevilaqua entregou seu trabalho para o Ministro da Justiça, que o enviou para o Congresso Nacional. Muitas das normas processuais passaram a ser regidas pela lei n. 13.105/2015, em vigor desde março de 2016.

A personalidade civil começa com o nascimento e termina com a morte. Verificado o fato, são chamados os herdeiros, segundo a ordem da vocação hereditária. Tem-se os herdeiros legítimos, os necessários ou legitimários, os instituídos e os legatários, que são sucessores mas não são herdeiros.

Pontua Caio Mário a posição atual, como princípio fundamental da droit de saisine. “Com a promulgação do Código Civil de 1916, ficou assentada a doutrina transmissão imediata da posse e propriedade: “Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (CC 1.572). O mesmo princípio predominou no Projeto de Código civil de 1965 e no Projeto de 1975, e se viu conservado no novo Código Civil, conquanto neste eliminada a referência a “domínio e posse” (CC 1.784). É o conceito do droit de saisine que ainda vigora na sua essência, e do qual podem ser extraídos os necessários efeitos” (Pereira, caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Direito das Sucessões, vol. VI, 20ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013).

A lei não fez distinção entre herdeiros necessários, legítimos ou testamentários. Mais adiante haverá melhor explicação. A definição dos herdeiros necessários está no CC 1.845.

Jurisprudência: Apelação. Ação Anulatória de Partilha. Parcial procedência. A autora pretende que se esclareça a incidência de correção monetária e juros sobre os valores que deverão ser objeto de sobrepartilha. Pelo princípio da saisine, a abertura da sucessão é o momento da transmissão da herança, i.é, no instante da morte o patrimônio do falecido transfere-se imediatamente para a posse dos herdeiros. Assim, os bens, direitos e obrigações de que titular naquele momento serão transmitidos aos herdeiros. Serão objeto de sobrepartilha os valores pertencentes ao de cujus e existentes nas contas bancárias no dia de seu passamento. Negado o provimento ao apelo. (TJSP-Relator Fábio Podestá; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; data do julgamento: 08/07/2015; data de registro: 08/07/2015). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.784, acessado em 30/06/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).