sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 650, 651, 652 - Do Depósito Necessário - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 650, 651, 652
- Do Depósito Necessário - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 647 a 666) Seção II – Do Depósito Necessário –
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Art. 650. Cessa, nos casos artigo antecedente, a responsabilidade dos hospedeiros, se provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes ou hóspedes não podiam ter sido evitados.

No lecionar de Nelson Rosenvald, a isenção de responsabilidade dos hospedeiros pelos danos causados aos bens dos hóspedes é consequência da ocorrência de um fato inevitável e estranho à atividade do agente. Essa norma se coloca em consonância com o CC 642, que exonera o depositário de indenizar quando demonstrada a força maior.

Vimos que a força maior é associada ao fortuito externo, vale dizer aos eventos lesivos exteriores à atividade do depositário. Não é possível incluir nos riscos do hoteleiro a obrigação de indenizar pelos perigos que não foram por ele introduzidos, diante da ausência de nexo causal.

Assim, em não havendo ação ou omissão concorrente pelo depositário, é temerário acioná-lo pela perda das bagagens em razão de fortes enchentes, deslizamentos de terra e outras catástrofes incontroláveis. Não se esqueça de que o fato exclusivo da vítima também elide a responsabilidade do hospedeiro, mas o mesmo não se diga do fato concorrente, pois, em sede de relação de consumo, qualquer parcela de participação do fornecedor para o resultado danoso já é suficiente para lhe impor a obrigação de indenizar, à luz do CDC 14, § 3º, II.

A demonstração do evento externo recai sobre o depositário, até mesmo pela própria distribuição do ônus da prova, atribuída ao réu, tratando-se da existência de fato impeditivo ao direito do autor (CPC 373, II). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 674 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina de Ricardo Fiuza, a exclusão da responsabilidade do hospedeiro é referida pela norma diante da inevitabilidade do ato lesivo. Fatos inimputáveis são aqueles para os quais o hospedeiro não concorreu com negligencia ou falta do dever de vigilância.

Por outro lado, tenha-se presente o CC 642: “O depositário não responde pelos casos de força maior; mas, para que lhe valha a escusa, terá de prova-los”. Diga-se, a propósito, que o caso fortuito não é de per si excludente de responsabilidade (RT 5791233). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 348 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

A regra deste dispositivo, no lecionar de Marco Túlio de Carvalho Rocha, baseia-se na responsabilidade subjetiva. Fatos prejudiciais inevitáveis excluem a culpa por parte do hospedeiro. A regra vale para hospedagens que não conformam relação de consumo, i.é, nos casos em que o hospedeiro não exerça a atividade em caráter profissional e habitual. Se a hospedagem for caracterizada como relação de consumo, o CDC 14 e 17 incidem e tornam objetiva a responsabilidade do hospedeiro com relação a todos os riscos inerentes à sua atividade. Somente não responde se o dano às bagagens foi ocasionado por fato estranho à sua atividade, quando haverá a quebra do nexo causal. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 06.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 651. O depósito necessário não se presume gratuito. Na hipótese do art. 640, a remuneração pelo depósito está incluída no preço da hospedagem.

Seguindo na esteira de Nelson Rosenvald, ao contrário do que ocorre no depósito voluntário (CC 628), nas hipóteses em que o depósito é necessário – seja por lei, seja pela situação de calamidade -, a presunção será a de onerosidade do negócio jurídico.

A distinção e explicada pelo fato de o depósito voluntário frequentemente contar com a cumplicidade dos parceiros contratuais e o ânimo do depositário de proteger graciosamente os bens do depositante. Todavia, no depósito necessário não há relação fraternal entre os parceiros, sendo a obrigação do depositário um risco relacionado à sua atividade profissional. Daí a imposição de uma remuneração àquele que cuida dos bens alheios em situações emergenciais, bem coo do hoteleiro. Nesse caso, o valor do depósito já estará incluído (embutido) no preço da hospedagem, pois seria inconcebível uma cisão entre o ato de hospedar e o de depositar os pertences do hóspede, sendo esta uma espécie de obrigação inerente àquele contrato.

Caso as partes não alcancem um valor para o depósito necessário, será ele arbitrado judicialmente. anote-se que, nas situações de calamidade, o negócio jurídico poderá ser anulado pelo depositante em função do vício da lesão (CC 157), quando o depositário exigir prestação manifestamente desproporcional para aceitar a custódia do objeto, aproveitando-se da situação de extrema necessidade do depositante. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 674 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na doutrina apontada por Ricardo Fiuza, ao contrário do que acontece com o depósito voluntário, o depósito necessário presume-se oneroso, somente se acolhendo a graciosidade mediante expressa previsão contratual. A onerosidade dos depósitos necessários, congregando tanto os legais quanto os miseráveis, tem arrimo na premissa de todos eles constituírem obrigações decorrentes de imposição legal ou de algum fato imprevisto e urgente, a ordenar não apenas a realização do depósito como também a escolha não livre do depositário, porquanto designado pelas circunstâncias e, em regra, entre pessoas estranhas ao depositante.

No caso do CC 649, o depósito da bagagem dos viajantes ou hóspedes igualmente se presume oneroso, já incluída a remuneração no preço da hospedagem. É que o hospedeiro assume a obrigação de zelar e defender a coisa guardada em seu estabelecimento, responsabilizando-se por eventuais prejuízos, salvo quando inevitáveis. Bem por isso os doutrinadores equiparam o negócio à prestação de serviços.

É importante salientar que a onerosidade presumida no depósito necessário acarreta maiores responsabilidades para o depositário, “pois quem recebe remuneração deve ser mais cuidadoso e mais atento do que a pessoa que só aceita encargo para servir a um amigo” (Silvio Rodrigues, Direito civil, 27.ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3 – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 267). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 348 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na linha de raciocínio de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depósito necessário presume-se oneroso. Tal presunção confere ao depositário o direito de requerer o arbitramento de remuneração pela atividade exercida. Será, no entanto, gratuito, se as partes estabelecerem voluntariamente a gratuidade ou quando a lei que institui a relação de depósito não estabelecer o dever de remunerar, como no caso das contribuições e tributos devidos à Fazenda Nacional. No caso de depósito necessário de bagagens, a remuneração do depósito inclui-se no preço da hospedagem. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 06.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.

No entendimento de Nelson Rosenvald e Claudio Luiz Bueno de Godoy, a relação de confiança que se estabelece entre depositante e depositário indica que aquele pretenderá reaver o objeto dado em depósito assim que o reclamar ou superado o termo contratual (CC 633). Destarte, a obrigação de restituir é algo ínsito ao contrato de depósito e o que o particulariza em relação a outros modelos negociais.

Atento ao CF 5º, LXVII, “Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia e a do depositário infiel”, o legislador determinou que a sanção para o depositário infiel será a pena de prisão não excedente a um ano e o ressarcimento dos prejuízos. No fundo o que determina a prisão é a infidelidade, não a dívida.

A supressão da liberdade do devedor será uma consequência da quebra da fidúcia do depositante, pela recusa á restituição do objeto depositado. Trata-se de medida coercitiva que objetiva persuadir o devedor à devolução da coisa, pois no instante em que o depositário realiza a restituição a pena de prisão encerra, cumprida a sua finalidade. Aliás, o objetivo de constrangimento impõe a recusa aos benefícios normalmente concedidos ao condenado no sistema criminal (v.g., suspensão da pena; prisão domiciliar), pois eles frustrariam a própria intensidade da medida e a sua teleologia.

A pena de prisão civil é o desfecho da ação de depósito, que tem por finalidade a restituição do bem depositado (CPC 311). A decretação da medida extrema só ocorrerá após a prolação da sentença, com o insucesso da expedição de mandado para entrega da coisa ou do equivalente em dinheiro.

A nosso viso, o artigo em comento já nasce sob o vício da inconstitucionalidade, pois a pena de prisão civil do depositário infiel é ofensiva ao Pacto de São José da Costa Rica, que penetrou no ordenamento jurídico interno mediante o Decreto Federal n. 678/92. Em seu artigo 7º autoriza a prisão civil apenas para o caso de inadimplemento da obrigação alimentar.

É cediço que o rol dos direitos fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição Federal não é numerus clausus, pois o art. 5º, § 2º, a eles acrescenta outros direitos e garantias provenientes de tratados internacionais. Portanto, as convenções subscritas pelo Brasil, quando versem sobre os direitos humanos, adentram nosso ordenamento com força de normas constitucionais, revogando a legislação anterior no que com ela conflitem. Assim, não se podendo mais cogitar de prisão civil em sede constitucional, perdem eficácia as normas editadas pelo legislador subalterno, como o presente dispositivo e o CPC 311.

Contudo, para aqueles que entendem que a convenção internacional avança na legislação positiva somente com força de norma federal ordinária, a edição do novo Código Civil traz um novo argumento, qual seja se o Pacto de São José havia revogado a pena de prisão inserida na legislação processual, o CC 652 acaba de restaurar a prisão civil, pois exclui o referido tratado de nossos sistema jurídico.

Tanto o Decreto-Lei n. 911/69 como o (CC 1.363) situam o devedor fiduciante na posição de depositário no contato de alienação fiduciária, pois mantém a posse direta do bem pela tradição ficta (constituto possessório), cuja propriedade fora transferida em garantia ao credor fiduciário (CC 1.361). Pela equiparação do fiduciário ao depositário, caso seja ajuizada ação de busca e apreensão sem que o bem seja restituído – ou o equivalente em dinheiro -, sujeitar-se-á à pena de prisão após a conversão em ação de depósito (Decreto-Lei 911/69, art. 4º) e a prolação da sentença condenatória.

Para além da motivação já apontada, contrária a qualquer pena de prisão no contrato de depósito em razão da subscrição pelo Brasil de convenção internacional de direitos humanos, some-0se mais um argumento específico no que tange à supressão da liberdade na alienação fiduciária.

O contrato de depósito tipicamente requer a entrega da coisa com o objetivo de uma posterior devolução. Isso não ocorre na alienação fiduciária, pois desde o início o fiduciante (depositário) efetua pagamentos sucessivos com vistas à aquisição da propriedade, jamais no intuito de restituir a coisa. Vale dizer: cuida-se de depósito atípico, pois a propriedade do depositante é resolúvel e o depósito é apenas uma fase necessária para o depositário resgatar definitivamente a propriedade. Portanto, sendo a pena de prisão civil do depositário infiel uma sanção inserida no Capítulo “Dos Direitos e Deveres Individuais” (art. 5º), deverá ser interpretada restritivamente, apenas alcançando contrato de depósito típico e não aquele apenas a ele equiparado.

Acreditamos ainda que o princípio da dignidade da pessoa humana impede que alguém seja privado de sua liberdade em razão de uma discussão meramente econômica (CF, 1º, III). O limite que separa a ideia de pessoa e de coisa é justamente aquele em que o ser humano é instrumentalizado, coisificado, em razão da prevalência de questões patrimoniais sobre as existenciais. Os critérios de legitimidade de qualquer atividade econômica serão modelados e legitimados pelos direitos da personalidade e pela proteção ao ser humano concreto que se insere por trás das abstratas relações financeiras. O ordenamento jurídico deverá criar garantias econômicas que tutelem o credor sem que o seu direito subjetivo ao crédito seja exercitado de forma abusiva, desvirtuando a função para a qual fora concedido e vulnerando os limites materiais e éticos do sistema (CC 187).

Enfim, tanto para os casos de prisão decorrente de depósito como de alienação fiduciária, caberá ao devedor impetrar o habeas corpus, em razão do desproporcional constrangimento ilegal pela invasão da esfera de liberdade como forma de prestigiar interesses patrimoniais. (ROSENVALD Nelson e Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 675-676 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Observa a doutrina de Ricardo Fiuza, que em derivando de relação de mútua confiança – depósito voluntário – ou de obrigação legal ou de fato imprevisto e urgente decorrente de calamidade pública – depósito necessário – é certo que a lei pune severamente o depositário infiel, ou seja, aquele que se nega a restituir, quando reclamado pelo depositante, o objeto depositado sob sua guarda e conservação com “a prisão não e excedente de um ano e o ressarcimento dos prejuízos (...), pena corporal que será determinada na ação própria (CPC 311) ou no processo de que resultar o depósito judicial” (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 4.ed., Rio de Janeiro, forense, 1978, v. 3, p. 322)

Tal penalidade encontra-se expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, art. 9º, LXVII, constituindo um dos dois casos taxativos de prisão civil. (Veja comentário imediatamente anterior, de Nelson Rosenvald, controvertendo a situação. Nota VD).

v.2 – Direito das obrigações, p. 242). Por tal conduto, o legislador cuidou de fixar um prazo máximo para a duração da pena, não tratando do lapso temporal menor. “Esse mínimo está na própria vontade do depositário infiel. A qualquer momento pode este liberar-se da prisão desde que satisfação a obrigação de exibir o depósito” (Washington de Barros Monteiro, ob. cit., p. 242-3).

Por fim, é relevante e oportuna a anotação de Maria Helena Diniz: “De acordo com a sistemática introduzida pelo novo estatuto processual civil, foi abolida a prisão, liminar do depositário infiel, para admiti-la somente depois de julgado procedente e não cumprido o mandado para entrega da coisa ou do equivalente em dinheiro, dentro do prazo marcado, em regra 24 horas” (RT 4s2:hi e 519:164)” (Curso de direito civil brasileiro, 16. ed. São Paulo, saraiva, 2001, v. 3 – Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 297). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 349 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a prisão do depositário infiel foi considerada revogada pelo STF, em razão da adesão do Brasil ao Pacto de San José da Costa rica (RE 466343, HC 87585, julgados em 2.12.08). (Novamente chama atenção ao comentário de Nelson Rosenvald. Nota VD)

O STF julga constitucional a prisão civil em caso de depósito judicial (RHC N. 90.759; HC 92.541-PR, Rel. Min. Menezes Direito, 19.2.2008), embora a Súmula n. 419/STJ estabeleça o contrário: “Descabe a prisão civil do depositário judicial infiel” (Rel. Min. Felix Fischer, em 3/3/2010). (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 06.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).