terça-feira, 7 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 5º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 5º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Correspondência CPC/1973, art. 14: São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:
II – proceder com lealdade e boa-fé;

1.    BOA FÉ E LEALDADE PROCESSUAL

Apesar da valoração do princípio da cooperação, inclusive consagrado no art. 6º do CPC, devidamente analisado no item anterior, é inegável que as partes atuam na defesa de seus interesses, colaborando com o juízo na medida em que essa colaboração lhes auxilie a se sagrarem vitoriosas na demanda. Acreditar que as partes atuam de forma desinteressada, sempre na busca da melhor da melhor tutela jurisdicional possível, ainda, que contrária aos seus interesses, é pensamento ingênuo e muito distante da realidade. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Negar a característica de um jogo ao processo é fechar os olhos a uma realidade bem evidente, vista diariamente na praxe forense. O processo, ao colocar frente a frente pessoas com interesses diametralmente opostos – ao menos na jurisdição contenciosa – e no mais das vezes com ânimos exaltados, invariavelmente não se transforma em busca pacífica e cooperativa na busca da verdade e, por consequência, da justiça, que fatalmente interessa a um dos litigantes, mas não ao outro. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 11/12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Há conflito, há interesses confrontantes, há desejo de sobrepor-se à parte contrária. O patrono da parte, responsável pela defesa dos interesses de seu constituinte, não pode se esquecer de que se encontra no processo justamente exercitando tal mister e que uma eventual postura isonômica e imparcial sua colocaria em risco o princípio de igualdade entre as partes. Como já ensina lição clássica de Calamandrei, o pior advogado é aquele que se esquece de seu cliente e pensa ser o juiz da causa. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Assemelhando-se o processo a um jogo, é necessário que algumas regras sejam estabelecidas, aliás, como em qualquer outra atividade humana que coloque contentores frente a frente. Os deveres de proceder com lealdade e com boa-fé, presentes em diversos artigos do Código de Processo Civil, prestam-se a evitar os exageros no exercício da ampla defesa, prevendo condutas que violam a boa-fé e a lealdade processual e indicando quais são as sanções correspondentes. Como ensina a melhor doutrina, ainda que por vezes não se mostre fácil no caso concreto, deve existir uma linha de equilíbrio entre os deveres éticos e a ampla defesa de interesses, (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

2.    PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

O art. 5º deste CPC consagrou de forma expressa entre nós o princípio da boa-fé objetiva, de forma que todos os sujeitos processuais devem adotar uma conduta no processo em respeito à lealdade e à boa-fé processual. Sendo objetiva, a exigência de conduta de boa-fé independe da existência de boas ou más intenções. Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça a boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social que impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal (STJ, 3ª Turma, REsp 803.481/GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28/06/2007, DJ 01/08/2007 p. 462).  

No plano do direito material contratual o estudo da boa-fé objetiva esta em estágio bastante evoluído, em especial quanto aos conceitos parcelares da boa-fé objetiva. Cumpre analisar como a realidade contratual da boa-fé objetiva aplica-se ao processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A supressio (Verwirkung) significa a supressão, por renúncia tácita, de um direito ou de uma posição jurídica, pelo seu não exercício com o passar dos tempos. Esse fenômeno é aplicável ao processo quando se perde um poder processual em razão de seu não exercício por tempo suficiente para incutir na parte contrária a confiança legítima de que esse poder não mais será exercido. Segundo o Superior Tribunal de Justiça não se admite a chamada “nulidade de algibeira ou de bolso” (STJ, 3ª Turma, EDcl no REsp 1.424.304/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12/08/2014, DJe 26/08/2014), ou seja, a parte, embora tenha o direito de alegar a nulidade, mantém-se inerte durante longo período, deixando para exercer seu direito somente no momento em que melhor lhe convir. Nesse caso, entende-se que a parte renunciou tacitamente ao seu direito de alegar a nulidade, inclusive a absoluta (STJ, 4ª Turma, AgRg na PET no AResp 204.145/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 23/06/2015, DJe 29/06/2015) A surrectio é o outro lado da moeda, significando o surgimento de um direito em razão de comportamento negligente da outra parte. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 12, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O termo tu quoque designa a situação de abuso que se verifica quando um sujeito viola uma norma jurídica, e posteriormente, tenta tirar proveito da situação em benefício próprio. Trata-se de postulado ético que obsta que alguém faça com outrem o que não quer que seja feito consigo mesmo, sendo a expressão derivada de expressão de Júlio César ao notar que seu filho adotivo Brutus estava entre os que atentavam contra sua vida: “To quoque, filli?”  ou “Tu quoque, Brute, fili mi?”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Não pode a parte criar dolosamente situações de vícios processuais para posteriormente tentar tirar proveito de tal situação. Por essa razão, prevê o art. 276 do CPC, que a parte responsável pela criação do vício processual não tem legitimidade para alegá-lo em juízo. Acredito que essa vedação não alcance as matérias de ordem pública, podendo, por exemplo, o autor alegar a incompetência absoluta do juízo mesmo que tenha sido o responsável pelo vício. Nesse caso o Maximo que o sistema permite é a condenação do autor por ato de litigância de má-fé. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A exceptio doli é considerada como sendo a defesa da parte contra ações dolosas da parte contrária, sendo a boa-fé nesse caso utilizada como defesa. No processo vem sendo entendida como a exceção que a parte tem para paralisar o comportamento de quem age dolosamente contra si. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A máxima venire contra factum proprium  impede que determinada pessoa exerça direito do qual é titular contrariando um comportamento anterior, já que tal conduta despreza a confiança e o dever de lealdade. Segundo a melhor doutrina, há quatro pressupostos para aplicação da proibição do comportamento contraditório: (a) uma conduta inicial; (b) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo dessa conduta (c) um comportamento contraditório com este sentido objetivo; (d) um dano ou um potencial de dano decorrente da contradição. No processo é máxima amplamente consagrada, inclusive pelo legislador, como ocorre na aquiescência prevista no art. 1.000 do CPC, pela jurisprudência, que não admite o comportamento contraditório das partes (STJ, 4ª Turma, AgRg no AResp 646.158/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04/08/2015) e pela doutrina. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A proibição de comportamento contraditório também é aplicável ao juiz, conforme acertadamente aponta o Enunciado 376 do FPPC: “A vedação de comportamento contraditório aplica-se ao órgão jurisdicional”. Assim, não pode o juiz indeferir um pedido de produção da prova entendendo não ser necessária a dilação probatória para posterior mente sentenciar o processo com base na regra do ônus da prova porque faltou prova para a formação de seu convencimento. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, entende nula decisão proferida em tal circunstância, mas se vale do fundamento do cerceamento do direito de defesa (STJ, 3ª Turma, REsp 1.502.989/RJ, rel. Min. Ricardo Vilas Bôas Cueva, j. 13/10/2015). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Até mesmo em diferentes processos pode-se falar na aplicação da proibição de comportamentos contraditórios do juiz. Não pode o juiz, sem justificativa expressa e plausível, adotar diferentes entendimentos para a mesma questão processual em diferentes processos. Como se explicar à luz da boa-fé objetiva a conduta de juiz que em processos que versam sobre a mesma situação fático-jurídica os decide de forma diversa? (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

No plano do direito material o duty to mitigate the loss (“dever imposto ao credor de mitigar suas perdas”), também vem sendo entendido como conceito parcelar da boa-fé objetiva, como se pode notar do Enunciado 169 CJF/STJ: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”. Esse dever é amplamente aplicável ao processo, sendo exemplo clássico a conduta da parte que, abandonando a busca pelo direito material, permanece inerte durante longo período de tempo para depois pleitear multa milionária a título de astreintes. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 13, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Também o abuso do direito configura violação ao princípio da boa-fé objetiva  consagrado no art. 5º do CPC. O agravo interno manifestamente inadmissível ou julgado improcedente em votação unânime gera as sanções previstas no art. 1.021, §4º, do CP e os embargos de declaração manifestamente protelatórios geram as sanções previstas pelo art. 1.026, §§ 2º e 3º, do CPC. É considerado ato atentatório à dignidade da justiça a produção de prova desnecessária à defesa do interesse (art. 77, III, do CPC). É considerado ato de litigância de má-fé e a dedução de pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso (art. 80, VII, do CPC). A perempção extingue o direito de ação em razão do abuso em seu exercício. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

3.    SANÇÕES PROCESSUAIS

É natural que se existe um dever de lealdade e boa-fé processual o seu descumprimento gere a aplicaçao de sanções processuais. Sua aplicação independe de pedido das partes (STJ, 3ª Turma, REsp 1.125.169/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17/05/2011, DJe 23/05/2011) e geralmente é representada pela aplicação de multas que tem como base de cálculo um percentual do valor da causa ou do proveito econômico pretendido pelo autor.

Há, entretanto, outras sanções aplicáveis diferentes da multa, como a proibição de carga dos autos (art. 234, §2, do CPC), a determinação de que expressões injuriosas ou xingamentos sejam riscados, nos termos do artigo 78, §2º, do CPC, e a tutela provisória da evidência fundada em manifesto propósito protelatório ou abuso do direito de defesa (art. 311, I, do CPC). (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).