quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.331, 1.332, 1.333 Do Condomínio Edilício – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.331, 1.332, 1.333

Do Condomínio Edilício – VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

 Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.331 a 1.358) Capítulo VII

– Do Condomínio Edilício – Seção I – Disposições Gerais–

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Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1º.  As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários.

§ 2º.  O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.

§ 3º. A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio. Parágrafo com redação dada pela Lei n. 10.931, de 02.08.2004.

§ 4º. Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público.

§ 5º. O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura de constituição do condomínio.

(*) Historicamente, durante o período inicial de tramitação do projeto, foi apresentada uma emenda visando à substituição da expressão “Do condomínio edilício” por “Do condomínio em edifícios”. Segundo o Deputado Henrique Alves, autor da emenda, “a significação jurídica do termo ‘edilício’ não é a que lhe emprestou o projeto. Edilícias são as ações referentes aos vícios redibitórios. Nem há necessidade da inovação. Como oportunamente ponderou o ilustre jurista potiguar, Dr. Mário Moacyr Porto”. A emenda veio, no entanto, a ser rejeitada pelo relator geral à época, que entendeu não haver razão “para condenar-se a expressão ‘condomínio edilício’ um dos poucos neologismos introduzidos pelos autores do Projeto de Código Civil. Neologismo, além do mais, de direta recepção da língua mater, tendo o Prof. Miguel Reale e o Relator Parcial demonstrado não só a adequada origem latina do termo, mas o seu uso corrente no Direito Italiano, sendo o idioma italiano, no dizer de Rui Barbosa. o que mais se avizinha ao nosso. O termo ‘condomínio edilício’, em substituição a ‘condomínio especial’, que nada significa, e ‘condomínio em edifício’ tal como se propõe, não resulta, aliás, do desejo de introduzir palavras novas, só por desejo de novidade. Trata-se de expressão que, pensamos nós, atende rigorosamente à natureza das coisas, ou seja, do ‘condomínio que resulta da edificação’. O termo ‘condomínio em edifícios’ não corresponde ao que expressa, pois, no edifício, há partes comuns e partes privativas, o que se procurou atender indo à fonte latina”.

Emenda do Senador Josaphat Marinho procurou modificar o capta do artigo em análise (“As partes constitutivas das edificações podem ser propriedade exclusiva ou propriedade comum dos condôminos”) com o intuito de imprimir-lhe maior clareza. O relator parcial da matéria na Câmara, na etapa final de tramitação do projeto, propôs a rejeição da emenda, com os seguintes argumentos: “O texto é uma tentativa canhestra de definição do condomínio edilício, de todo despicienda. O art. 1o da Lei 4.59 1/64 já diz: ‘As edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não residenciais, poderão ser alienados. no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma, sujeita às limitações desta lei. § 1º. Cada unidade será assinalada por designação especial, numérica ou alfabética, para efeitos de identificação e discriminação. § 2º A cada unidade caberá, como parte inseparável, uma fração ideal do terreno e coisas comuns, expressa sob forma decimal ou ordinária’. Embora seja mais elegante a redação da emenda, opinamos pela sua rejeição, visto ser mais clara e de mais fácil entendimento a redação ’ do projeto”. O Deputado Fiuza entendeu que assistia razão ao relator parcial no que diz respeito à maior clareza da redação original do projeto, e a emenda foi rejeitada.

O que traz os comentários à doutrina apresentada pelo relator Ricardo Fiuza, este dispositivo e seus parágrafos estão embasados nos arts. 1º e seus parágrafos, 2º e seus parágrafos e 3º da Lei n. 4.591, de 16-12-1964. que regulamenta o condomínio em plano horizontal. Trouxe o artigo para o bojo do novo Código Civil a regulamentação do tema, já que o Código de 1916 era omisso, pois que no inicio do século XX não havia prédios de apartamentos, de escritórios ou de garagens. Deve ser entendida como propriedade exclusiva aquela cujo uso, gozo e disposição não dependem de nenhum outro condômino, por exemplo, as unidades autônomas, como lojas, garagens, salas comerciais, apartamentos etc.; já a propriedade comum tem seu uso vinculado à vontade dos condôminos, e não pode ser alienada, como, por exemplo, a área comum (estrutura do prédio, telhado etc.). Inova o § 3º deste artigo ao estabelecer como parâmetro para fixação da fração ideal, no solo e nas partes comuns, o valor da unidade imobiliária em relação ao conjunto da edificação. Quanto à viabilidade de tal inovação, isso dependerá da experiência que resultar da sua aplicação prática e, principalmente, das decisões jurisprudenciais. O § 4º prevê a instituição de uma servidão de passagem, sendo direito do coproprietário o livre acesso à via publica. E, finalmente, no § 5º , fica estabelecido que o terraço de cobertura é parte comum, a não ser que a escritura de constituição de condomínio estipule de modo contrário.  Este artigo inova, ainda, na redação e é de melhor técnica legislativa, modernizando as expressões. Deve, contudo, ser-lhe dado o mesmo tratamento doutrinário dispensado aos dispositivos legais apontados da Lei n. 4.591/64. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 681-82, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Enquanto no saber de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em estudo inaugura o Capítulo “ Do Condomínio Edilício”, que não era tratado no Código Civil de 1916, e corresponde aos arts. 1º ao 21 da Lei n. 4.591/64. Destaque-se que o § 3° transcrito segue a redação que lhe foi dada pela Lei n. 10.931/2004, que alterou vários dispositivos do Código Civil de 2002. A primeira questão a ser examinada é o atual regime jurídico do condomínio edilício, em especial a revogação, ou não, ou em que medida, da Lei n. 4.591/64 pelo Código Civil de 2002, que é lei geral, ao passo que a lei de condomínio e incorporações é especial. Não prevalece, porém, o princípio da especialidade, porque a lei geral trata da mesma matéria, voltada aos mesmos destinatários. A situação jurídica é a mesma, sem qualquer discrímen que justifique a aplicação de regra especial à categoria distinta. Por isso, o Código Civil de 2002 derrogou a Lei n. 4.591/64 em tudo aquilo que com ela conflitasse. Os arts. 28 e seguintes da lei especial, voltados à disciplina da incorporação imobiliária, estão em plena vigência, uma vez que tal negócio jurídico não foi objeto de regramento distinto no Código Civil de 2002. Resta apenas saber, no tocante aos arts. 2º a 27, se houve derrogação ou ab-rogação da lei especial pelo atual Código. Embora haja entendimento divergente a respeito, a melhor posição é no sentido de que houve simples derrogação, podendo as regras da lei especial ser aplicadas de modo supletivo nas lacunas do Código Civil de 2002, desde que não conflitem com os princípios ou as regras posteriores. Prova disso é que o próprio CC 1.332, adiante comentado, dispõe que em relação à instituição do condomínio edilício se aplicam não somente as regras do próprio Código Civil como também o disposto em lei especial.

Ainda no tocante à questão do regime jurídico, o entendimento tranquilo dos nossos tribunais é no sentido de que não incidem as regras de proteção do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não há relação de consumo, porque o condomínio não é fornecedor de bens ou de serviços. Quanto à extensão das regras do condomínio edilício, na Jornada de Direito Civil da CEJ do Conselho da Justiça Federal aprovou-se o seguinte enunciado: “O disposto nos CC 1.331 a 1.358 aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo”. O enunciado deve ser lido com cautela. Claro que as vias internas dos loteamentos fechados são bens públicos e sua aprovação, registro e alienação obedecem regime jurídico próprio (Lei n. 6.766/79, se urbanos, e Decreto-lei n. 58/37, se rurais). As alienações de lotes como se fossem unidades autônomas constituem fraude à lei e são nulas de pleno direito, além de tipificarem infração penal. As regras relativas ao condomínio edilício, que podem ser estendidas aos loteamentos fechados, são as das contribuições condominiais, para que todos os proprietários de lotes paguem de modo proporcional o custo da manutenção de benefícios comuns a todos os adquirentes, como segurança e paisagismo, evitando o enriquecimento sem causa de uns em desfavor dos demais, consoante entendimento majoritário de nossos tribunais. É irrelevante que o loteamento seja ou não fechado por lei, ou, ainda, que o adquirente de lote seja ou não associado à associação de moradores. O que importa é a efetiva prestação de serviços que revertam em proveito geral e provoquem a valorização do imóvel. A fonte da obrigação não é o consentimento manifestado à associação, até porque ninguém é obrigado a permanecer associado, mas sim a cláusula geral que veda o enriquecimento sem causa. Diversos julgados tratam da matéria aludindo a “condomínios de fato”, que, embora não regularmente constituídos, geram manutenção de certos equipamentos que beneficiam todos os moradores ou adquirentes de lotes. A possibilidade de cobrança do custeio de serviços em tais empreendimentos é hoje objeto de acesa polêmica. Inicialmente, o STJ admitiu a prática, desde que provada a existência de serviços que beneficiem todos os adquirentes de lotes. Em um segundo momento, prevaleceu o entendimento de que o rateio somente pode ser cobrado de morador associado, ou que anuiu à cobrança. Aparentemente, impressionou-se o STJ com a possibilidade de criação da obrigação com origem diversa do contrato, da declaração unilateral de vontade, ou de ato ilícito. Esqueceu-se, porém, que no regime do atual Código Civil o enriquecimento sem causa constitui fonte autônoma de obrigação. A melhor orientação é a de que se deve analisar cada caso concreto e exigir a prova, a cargo da associação autora, de real e proveitosa prestação de serviços, a todos os moradores ou adquirentes de lotes. Eventual cláusula penal moratória, prevista em estatuto, é que pode ser cobrada apenas dos associados, em razão de sua natureza convencional. A cláusula penal, embora não seja pacífica a matéria, está limitada a 2%, em razão de aplicação analógica do CC 1.336, § 1º, comentado a seguir. Não faria sentido que em condomínios regularmente instituídos a cláusula penal fosse limitada, mas livre nos condomínios de fato. No que se refere ao prazo prescricional da pretensão, o entendimento, também majoritário, é no sentido de que é trienal, pois o fundamento da cobrança é, como já dito, o enriquecimento sem causa. Quanto à natureza jurídica do condomínio edilício, Caio Mário da Silva Pereira, após expor as diversas teorias a respeito, conclui a inadequação das tentativas de enquadrá-lo em institutos diversos, como a servidão ou a sociedade. Trata-se de instituto novo, com a fusão dos conceitos de domínio exclusivo e de domínio comum para a criação de um conceito próprio. As propriedades exclusiva e comum se aglutinam, formando um todo indissolúvel e unitário. Há uma simbiose orgânica entre ambos, para formação de um complexo, e não uma simples justaposição de institutos (Condomínio e incorporações, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 92-3). Problema não resolvido pelo Código Civil de 2002 é o da personalidade jurídica do condomínio edilício. A doutrina tradicional, capitaneada por Caio Mário da Silva Pereira (op. cit., p. 89), não reconhece ao condomínio personalidade jurídica distinta da personalidade dos condôminos, até para evitar que o condômino se torne proprietário de uma cota imaterial da pessoa jurídica, em vez de cota ideal material das partes comuns e do solo. Além disso, embora haja comunhão orgânica dos condôminos, cada um tem interesses próprios, distinguindo-se aí da sociedade. É ponto incontroverso, porém, a personalidade processual ou judiciária do condomínio para, em seu próprio nome e representado pelo síndico, agir ativa ou passivamente em juízo, na defesa dos interesses materiais da comunidade dos condôminos (art. 12, IX, do CPC/1973, correspondendo ao atual art. 75, XI, no CPC/2015 Grifo VD). Em suma, o entendimento predominante é no sentido da existência de personalidade judiciária, mas não de personalidade de direito material do condomínio. Esse posicionamento passou a ser questionado em razão de diversas situações jurídicas que, para receber solução confortável, implicariam o reconhecimento da personalidade jurídica total do condomínio. São os casos de contratos de prestação de serviços diversos, firmados pelo condomínio e não pelos condôminos, a aquisição de imóvel vizinho para ampliação da área de garagens ou de recreio comum e a adjudicação ou arrematação da unidade do condômino inadimplente em hasta pública. Seria inviável, em todas elas, exigir o consentimento de todos os condôminos, especialmente considerando a possibilidade de alguns serem incapazes. De outro lado, o reconhecimento incondicional de personalidade poderia levar a situações inadmissíveis, como, por deliberação da maioria, se adquirir imóvel de campo ou ingressar em empreendimento de risco estranho à finalidade do condomínio, colocando em risco o patrimônio pessoal de todos os condôminos minoritários.

Assim, na I Jornada de Direito Civil da CEJ do Conselho da Justiça Federal aprovou-se o seguinte enunciado, de n. 90: “Admite-se a personalidade jurídica ao condomínio, desde que em atividade de seu peculiar interesse”. A posição equilibrada evita a exposição de riscos excessivos. Em reunião mais recente, a mesma Jornada aprovou enunciado mais amplo (Enunciado n. 246): “ Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte final: ‘nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse’. Prevalece o texto: ‘Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício’”. O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, em recente mudança de posição, passou a admitir que o condomínio adjudique para si a unidade autônoma de condômino inadimplente, seguindo o que já fora decidido em relação ao espólio. Apenas ressalva o julgado que tanto a adjudicação como a posterior alienação da unidade autônoma a terceiros devem ser previamente aprovadas por assembleia geral, por unanimidade de votos, excluindo-se apenas o do condômino inadimplente (Ap. cível n. 273-6/7, rel. Des. José Cardinale). Aplicou-se, por analogia, o disposto no art. 63, § 3º, da Lei n. 4.591/64, em plena vigência, que admite expressamente a aquisição da unidade autônoma de condômino inadimplente, em construção a preço de custo, por parte do condomínio de construção do edifício. O CC 1.331 trata dos requisitos do condomínio edilício. O caput do artigo menciona que “ pode haver” partes de propriedade exclusiva e partes comuns. Na verdade, deve haver partes de propriedade exclusiva, vinculadas de modo indissociável à fração ideal de terreno e das coisas comuns do edifício. O § 1º do artigo em estudo inicia tratando do primeiro requisito do condomínio edilício: a existência de edificação, sob a forma de unidades autônomas. Menciona, em caráter exemplificativo, apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas ou abrigos para veículos. Outras edificações, como casas (art. 8° da Lei n. 4.591/64), edifícios/garagem, jazigos ou mesmo cocheiras podem submeter-se ao regime jurídico do condomínio edilício, constituindo unidades autônomas. O que não se admite é o que se denomina “condomínio de solo”, com aquisição de terrenos sem edificação ou vinculação a edificação futura. A construção futura deve estar devidamente discriminada, com descrição da unidade autônoma, da fração ideal de terreno e prazo para construção. Deve-se responder o quê, quando, quem e como se constrói. Admitir o contrário seria chancelar burla às normas cogentes da Lei n. 6.766/79, convertendo loteamento em condomínio edilício em fraude à lei.

O § 1º cita que as unidades autônomas são objeto de propriedade exclusiva dos condôminos, podendo ser livremente alienadas ou oneradas, sem observância da regra de preferência do CC 504. Claro que a livre alienação da unidade autônoma é acompanhada de sua fração ideal no terreno e nas coisas comuns, indissociáveis entre si. O segundo requisito do condomínio edilício é a vinculação, de modo indissolúvel, das unidades autônomas à fração ideal do terreno onde se assenta o edifício e nas coisas comuns. O § 2º do CC 1.331, que corresponde ao art. 3º da Lei n. 4.591/64, enumera, de modo exemplificativo, quais são as partes comuns do condomínio edilício. Menciona o solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e a refrigeração centrais e o acesso aos logradouros públicos. Alude, ainda, às “demais partes comuns”, que se podem resumir, como fazia a redação superior da lei revogada, “a tudo o que mais sirva a qualquer dependência de uso comum dos proprietários”. O período final do § 2º do CC 1.331 reza que as partes comuns são utilizadas em comum pelos condôminos, não podendo ser alienadas separadamente ou divididas. Como acentua Marco Aurélio S. Viana, a nova redação do preceito não mais veda de modo incisivo, como fazia o art. 3º da Lei n. 4.591/64, a utilização exclusiva de parte comum por um dos condôminos, desde que a unanimidade, em assembleia, delibere nesse sentido. Tome-se como exemplo a laje de cobertura, cuja utilidade atende ao interesse exclusivo do condômino do último andar. A propriedade permanece comum, mas o uso pode ser cedido por unanimidade ao condômino interessado (Comentários ao Código Civil Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XV I, p. 389). O Enunciado n. 247 da III Jornada de Direito Civil 2004 editou conclusão ainda mais liberal: “Art. 1.331: No condomínio edilício é possível a utilização exclusiva de área ‘comum’ que, pelas próprias características da edificação, não se preste ao ‘uso comum’ dos demais condôminos”. O § 5º do CC 1.331 diz respeito ao terraço de cobertura, dispondo que integra as partes comuns, salvo disposição em contrário na “escritura de constituição” do condomínio. A regra, pois, é dispositiva, porque somente se aplica no silêncio de cláusula negocial em sentido contrário. Há certa imprecisão na utilização do termo “escritura”, vez que a instituição do condomínio edilício pode ter como título instrumento particular. A nova regra consolida entendimento da doutrina e dos tribunais de que nem sempre a laje de cobertura constitui área comum, como dava impressão o art. 3º da Lei n. 4.591/64. O § 3º do CC 1.331, alterado pela Lei n. 10.931/2004, diz que a fração ideal deve ser indicada de modo decimal no momento da instituição do condomínio. A fração ideal, como diz Caio Mário da Silva Pereira, “é a cifra representativa do interesse econômico de cada uma das pessoas participantes do condomínio” (op. cit., p. 98). A lei abandonou o critério, adotado originalmente pelo Código Civil, de calcular a fração de modo proporcional ao valor de cada unidade autônoma. Logo, a fração ideal, agora, tem critério livre, podendo ser calculada tanto tomando como base tanto o valor como o tamanho da unidade autônoma, ou, ainda, em porções iguais a todas as unidades. Prevalece a autonomia privada dos condôminos no momento da instituição do condomínio, respeitados, é claro, os princípios cogentes da boa-fé objetiva, equilíbrio negocial e função social do contrato e da propriedade. Deixa expresso a lei apenas o momento em que a fração ideal deve estar fixada, qual seja, o da instituição do condomínio edilício, ou, caso haja incorporação imobiliária, ao momento de seu registro. Atuais as palavras de Caio Mário da Silva Pereira, para quem “ uma vez estabelecida, é definitiva a quota ideal de cada um”, podendo ser retificada se houver erro material de cálculo. A ocorrência de fatos posteriores, que alterem o valor das unidades, a princípio não muda as frações ideais, salvo deliberação da assembleia geral, “ mas a votação há de ser unânime, pois que o efeito da deliberação repercute na esfera jurídica de todos e de cada um, reduzindo os encargos de alguém em prejuízo de outrem e afetando a distribuição do valor de quotas individuais de cada comunheiro no valor global do edifício” (op. cit., p. 101).

O terceiro requisito do condomínio edilício está positivado no § 4º do CC 1.331: toda a unidade autônoma deve ter acesso à via pública. Pode o acesso ser direto, como de lojas com frente para a via pública, ou indireto, por meio das áreas comuns do edifício, como no caso de apartamentos ou conjuntos comerciais. O que importa é que as unidades autônomas não podem estar encravadas, subordinado o acesso à travessia de outra unidade. O quarto e último requisito do condomínio edilício está previsto no CC 1.332, adiante comentado. Deve haver a vontade dos condôminos voltada à adoção do regime jurídico, mediante instituição do condomínio, levada ao registro imobiliário. Falha grave do Código Civil de 2002 é a omissão quanto ao regime jurídico das garagens. Cabe, de início, ressaltar que as vagas em edifícios-garagem são sempre unidades autônomas. Nos demais casos, há apenas breve alusão ao abrigo de veículos, como parte de utilização exclusiva dos condôminos. Colmata-se a lacuna do Código Civil aplicando-se o que contém o art. 2º, § 1º, da Lei n. 4.591/64. A doutrina e a jurisprudência admitem tripla modalidade das vagas, a saber: a) como coisa comum, absorvida na fração ideal de terreno da unidade autônoma, conferindo o direito de estacionar veículo no espaço comum que se encontrar desocupado, sem demarcação. Admite-se que a convenção de condomínio discipline o uso, ou faça o sorteio de utilização temporária das vagas; b) como acessório de unidade autônoma, reservada a um condômino ou a determinado grupo, sem fração ideal de terreno a ela atrelada, mas demarcada para uso privativo do titular da unidade a que se vincula; distingue-se da modalidade anterior, porque a unidade com vaga acessória tem fração ideal maior no terreno do edifício; c) como unidade autônoma, com fração ideal de terreno a ela atrelada, com designação específica e extremada das demais vagas de garagem. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.341/45. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo os estudos e entendimentos de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o artigo em comento trata-se do condomínio especial dos edifícios coletivos, ou condomínio horizontal, que teve como base a Lei n. 4.591/1964, tratada hoje pelo CC 1.331 a 1.358, sob o título de “Condomínio Edilício”. E tal, é o referente a condomínios de edifícios coletivos, e consiste na conjugação do direito do uso exclusivo do titular, sobre sua unidade independente, com o direito relativo às partes comuns do condomínio. Esta modalidade de condomínio representa a união da propriedade das partes exclusivas, de cada titular, com a propriedade das partes comuns, ou copropriedade, sendo que estas não podem ser alienadas separadamente, nem divididas. Trata-se, pois, de uma conjunção perpétua e inseparável da propriedade exclusiva com a propriedade em comum, ou copropriedade (Mário, 2004, p. 186). Podem ser livremente alienadas as partes exclusivas, de utilização independente, como as unidades de apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas, com as respectivas frações ideais do solo, como garagens. Admite-se a transformação de uma área em comum em um unidade autônoma, desde que a decisão seja por unanimidade, uma vez que representa uma diminuição da fração ideal de cada coproprietário.

Súmula 478 do Supremo Tribunal Federal: “Na execução de crédito relativo a cotas condominiais, este tem preferencia sobre o hipotecário”.

Enunciados do Conselho da Justiça Federal: 90 “Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse” (alterado pelo enunciado 246); 91 “A convenção de condomínio ou assembleia geral podem vedar a locação de área de garagem ou abrigo para veículos a estranhos do condomínio”; 246 “Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte final: “Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício”; 247 “No condomínio edilício é possível a utilização exclusiva de área ‘comum’ que, pelas próprias características da edificação, não se preste ao ‘uso comum’ do demais condôminos”; 320 “O direito de preferencia de que trata o CC 1.338 deve ser assegurado não apenas nos casos de locação, mas também na hipótese de venda de garagem”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 12.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:

I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;

II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;

III – o fim a que as unidades se destinam.

Na sequência dos doutores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o condomínio edilício – ou condomínio especial de edifícios coletivos – será instituído por ato inter vivos, ou por testamento, sobre algum prédio já construído, devidamente registrado no cartório imobiliário.

Enunciados do Conselho da Justiça Federal: 323 “É indispensável a anuência dos adquirentes de unidades imobiliárias no ‘termo de afetação’ da incorporação imobiliária”; 324 “É possível a averbação do termo de afetação de incorporação imobiliária (Lei n. 4.591/64, art. 31 b) a qualquer tempo, na matrícula do terreno, mesmo antes do registro do respectivo Memorial de Incorporação no Registro de Imóveis”; 504 “A escritura declaratória de instituição e convenção firmada pelo titular único de edificação composta por unidades autônomas é título hábil para registro da propriedade horizontal no competente registro de imóveis, nos termos dos CC 1.332 a 1.334”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 12.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No diapasão de Francisco Eduardo Loureiro, diz a lei que o condomínio edilício se institui por negócio jurídico inter vivos ou causa mortis, sem alusão à forma pública. É negócio solene que exige a forma escrita, por instrumento particular ou público. Caio Mário da Silva Pereira enumera as seguintes possibilidades de negócios geradores do condomínio edilício: a) várias pessoas se associam para a compra de um edifício já construído por apenas uma delas ou por terceiro e, no negócio de aquisição, estabelecem o regime de propriedade exclusiva sobre as unidades autônomas e as respectivas frações ideais; b) por testamento que estabeleça o regime de condomínio edilício sobre edificação já existente; c) na mesma linha, o doador pode instituir o condomínio edilício no negócio da doação; d) podem os herdeiros, no momento da partilha de construção recebida em condomínio tradicional, instituir o condomínio edilício, atribuindo a cada um deles unidade vinculada a fração ideal; e) um imóvel sob condomínio tradicional pode ser dividido entre os condôminos mediante regime jurídico do condomínio edilício; f) a alienação que o proprietário exclusivo de um edifício faz a terceiros, desmembrando-o em unidades autônomas; g) por construção direta, quando várias pessoas coproprietárias do solo acordam edificar um edifício, atribuindo-se unidades autônomas; h) incorporação de um edifício, que adquire terreno e realiza a edificação, vendendo, durante a construção ou após seu término, unidades autônomas a adquirentes diversos; i) a construção pelo Poder Público, quando edifica e oferece ao particular unidades autônomas (Condomínio e incorporações, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 108-11).

Os modos acima enunciados são os títulos necessários para a criação do condomínio edilício. Não basta, porém, a emissão de vontade por negócio jurídico. O registro imobiliário é constitutivo do condomínio edilício, porque não se admite que a modalidade especial de propriedade, direito real que é, nasça por mero consenso. Antes do registro, o negócio da instituição gera apenas efeitos inter partes, em especial a localização da posse sobre partes certas da construção e a obrigação de contribuir para o custeio das partes de uso comum, a que doutrina e jurisprudência denominam condomínio de fato. De outro lado, somente pode ser levada a registro a instituição de condomínio de edificação já concluída, atestada por “habite-se” emitido pela autoridade administrativa competente. O registro da incorporação de unidades a construir ou em construção não equivale e nem supre a instituição.

Os três incisos do CC 1.332 tratam dos requisitos do negócio da instituição do condomínio edilício. Alude a parte final do caput do artigo, porém, a outros requisitos previstos em lei especial. Trata-se dos requisitos previstos no art. 8º da Lei n. 4.591/64, que em suas quatro alíneas prevê regras especiais para o condomínio de casas térreas ou assobradadas, bem como detalha a descrição das unidades autônomas, com menção à parte do terreno ocupada pela edificação e a discriminação das áreas de passagem para as vias públicas. As unidades autônomas devem ser numeradas e individualizadas, de modo a tornarem-se inconfundíveis com outras. Deve constar a área privativa da unidade, sem haver necessidade, porém, de descrição dos cômodos. Também a fração ideal da unidade no terreno e nas coisas comuns deve ser fixada em fração ou percentual. A novidade do Código Civil está na exigência de constar da instituição e do registro a destinação das unidades autônomas, se residenciais, comerciais ou mistas. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.346/47. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No saber explicitado na doutrina de Ricardo Fiuza, este dispositivo está embasado no art. 7º da Lei n. 4.591, de 16-12-1964, acrescentando apenas o inciso III, que toma requisito essencial para a instalação do condomínio a especificação do fim a que se destinam as unidades. De resto, deve ser dada à matéria o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 683, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção. 

Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Historicamente, o artigo em análise foi alvo de duas alterações, ambas aprovadas pela Câmara dos Deputados. A primeira no período inicial de tramitação do projeto, por proposta do então Deputado José Bonifácio Neto. No projeto a redação era a seguinte: “Só se considera constituído o condomínio edilício com a inscrição, no Registro de Imóveis, de convenção subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais, tomando-se ela, desde então, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou quantos sobre ela tenham posse ou detenção”. A alteração procedida pela emenda do Deputado José Bonifácio Neto corrigiu defeito de redação do projeto, que, segundo o seu autor, contrariando “a doutrina e a jurisprudência, constituía-se em porta aberta aos maus condôminos, que não têm consciência de que, no condomínio edilício, tudo é de todos, devendo todos zelar pelo que é comum, inclusive pagando pontualmente os encargos condominiais, pelo bem do todo”. Na segunda alteração, já na fase final de tramitação do projeto, foram substituídas as expressões “inscrita” e “Registro de Imóveis” pela palavra “registrada” e por “Cartório de Registro de Imóveis”, visando adequar a redação do artigo à Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015173).

Quanto à doutrina que cabe ao relator, Ricardo Fiuza, a convenção de condomínio edilício é o instrumento no qual são prefixadas as normas adotadas para o condomínio em plano horizontal, inclusive o modo como será administrado. Deve ser subscrita por, pelo menos, dois terços dos titulares, sendo também necessário seu registro no Cartório de Registro de Imóveis para ter validade erga omnes. Este dispositivo e seu parágrafo único estão embasados no art. 9º , § 1º e 2º , da Lei n. 4.591, de 16-12-1964, que regulamenta o condomínio em plano horizontal. Traz inovações de redação e é de melhor técnica legislativa, modernizando as expressões. Deve, contudo, ser dispensado a essa matéria o mesmo tratamento doutrinário dado aos dispositivos já apontados da Lei n. 4.591/64. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 683, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos saberes de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a convenção do condomínio deve ser assinada por dois terços das frações ideais dos titulares (ou dois terços dos titulares, se as frações forem iguais), tornando-se, a partir daí, de cumprimento obrigatório para os titulares, inquilinos e para quem faça uso do condomínio. Não se exige a forma pública para a elaboração da convenção, bastando que seja subscrita pelo quorum acima referido, salvo se for oposta contra terceiros, quando deverá ser registrada no cartório de imóveis. Poderá dispor sobre qualquer interesse do condomínio, de forma livre, desde que não infrinja a lei e a ordem pública. Súmula 260 do Superior Tribunal de Justiça: “A convenção de condomínio aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular as relações entre os condôminos”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 12.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).