quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

DIREITO CIVIL COMENTADO. Arts. 12, 13, 14 Dos Direitos da Personalidade – Vargas, Paulo S. R.



DIREITO CIVIL COMENTADO. Arts. 12, 13, 14
     Dos Direitos da Personalidade – Vargas, Paulo S. R. 

TITULO I – Das Pessoas Naturais (art. 1 a 39)
   Capítulo II - Dos Direitos da Personalidade
vargasdigitador.blogspot.com
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou ao lesão, a direito da personalidade¹, e reclamar perdas e danos², sem prejuízo de outras sanções previstas em lei³.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau 4.
¹ Tutela dos direitos da personalidade. Sem prejuízo de obter a respectiva reparação, pecuniária ou específica, advinda de uma violação a um direito da personalidade, o legislador assegura ao ofendido a possibilidade de requerer toda e qualquer medida necessária a fazer cessar a ameaça ou a lesão a direito da personalidade. Elucidando a forma com que tal possibilidade deve ser exercida, o Enunciado 140 da III Jornada de Direito Civil afirma que “a primeira parte do art 12 do Código Civil refere-se às técnicas de tutela especifica, aplicáveis de ofício, enunciadas no art 497, do CPC/2015, que substitui o art 461 do CPC/1973, devendo ser interpretada com resultado extensivo”. Na justificativa apresentada para a redação do enunciado, o autor Erick Frederico Gramstrup afirma que “para que seu devido alcance seja estabelecido, a leitura deve ir além da mera literalidade e, onde se fala em ordem de cessação, deve-se compreender a possibilidade de o juiz ordenar todas as medidas exemplificadas no art 461, do CPC/1973, e seus parágrafos, isto é, obrigações de fazer e não fazer, com ameaça de sanção pecuniária, bem como providencias de alteração material das circunstâncias que envolvem as partes, replicadas condensadamente, no art 497, parágrafo único, do atual CPC/2015. Essa hermenêutica ampliativa tem apoio na releitura constitucional do Direito Privado, que deve servir de amparo à proteção da dignidade da pessoa humana. Assim, lesado ou ameaçado o direito da personalidade, pode o juiz não apenas ordenar ao agente que deixe de agir (ou que aja), sob pena de multa, como também determinar, diretamente, a modificação do estado de coisas exterior ao processo, para que a lesão não venha a se exaurir, e, tanto quanto possível, seja revertida in natura”. (DIREITO CIVIL COMENTADO apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site DIREITO.COM em 03.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
² Reparação pecuniária e específica por violação aos direitos da personalidade.
Além do natural e intuitivo direito que a vítima tem de pedir que o agressor cesse a ameaça ou a lesão a um direito da personalidade, caso o dano não tenha sido evitado, vindo a efetivamente ocorrer, terá o lesado direito à sua reparação. Essa reparação poderá ser pecuniária, traduzindo-se numa soma em dinheiro, cujo escopo é compensar a vítima pelo dano sofrido e, sempre que possível, especifica, visando a reconduzir a vítima à condição em que se encontrava antes do dano. Um bom exemplo dessa reparação específica de um dano a direito da personalidade é o direito de resposta, entendido como o direito que uma pessoa tem de se defender de críticas e ofensas públicas no mesmo veículo de mídia em que elas foram publicadas (CF, art 5, V). (DIREITO CIVIL COMENTADO apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site DIREITO.COM em 03.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
³ Sanção por violação aos direitos da personalidade.
Da mesma forma como ocorre com praticamente todos os direitos, a violação aos direitos da personalidade pode trazer consequências de âmbito civil, penal e administrativo, cuja incidência são relativamente independentes e autônomas. Por essa razão, a tutela dos direitos da personalidade não fica restrita à reparação de âmbito civil, podendo gerar consequências penais e administrativas. (DIREITO CIVIL COMENTADO apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site DIREITO.COM em 03.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
4 Legitimados

Tendo em vista que diversos direitos da personalidade não se extinguem com a morte da pessoa, é natural que se confira legitimação para que outras pessoas possam proteger tais direitos após o falecimento de seu titular. É exatamente isso o que fez o parágrafo único do art 12 do Código Civil, conferindo ao cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau a legitimação para tutelar os direitos da personalidade da pessoa falecida. Apesar da omissão desse parágrafo, se aceita ainda que o companheiro também tenha essa legitimação. É isso o que diz o Enunciado 275 da IV Jornada de Direito Civil: “o rol dos legitimados de que tratam os arts 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil também compreende o companheiro”. Nestas situações mesmo que tenha o dano recaído sobre o falecido, a legitimidade será ordinária, posto que o cônjuge, companheiro ou parente próximo defende direito próprio. Nesse sentido dispõe o Enunciado 400 da V Jornada de Direito Civil que “os parágrafos únicos dos arts 12 e 20 asseguram legitimidade, por direito próprio, aos parentes, cônjuge ou companheiro para a tutela contra lesão perpetrada post mortem”. Há pois, um dano próprio do marido que vê a honra da esposa violada, sendo ele o titular da respectiva indenização pecuniária por dano moral. (DIREITO CIVIL COMENTADO apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site DIREITO.COM em 03.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes ¹.

Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial ².

¹ Disposição do corpo por exigência médica

Toda pessoa tem direito a dispor do próprio corpo, desde que essa disposição não resulte em diminuição permanente da integridade física ou contrarie os bons costumes. Amputações e extrações de órgãos ou tecidos, bem como qualquer deformação permanente do próprio corpo ficam vedadas por este dispositivo, sujeitando médicos ou terceiros que auxiliem a pessoa em tais atos à responsabilidade civil ou mesmo penal. Exceção a essa vedação reside na diminuição permanente da integridade física feita por exigência médica como ocorrem em casos de amputações por gangrena de extremidades, ou para retirada de órgãos e tecidos cancerígenos. Por exigência médica, entende-se não só a busca do bem estar físico, mas também a busca do bem-estar psicológico. Tal ideia foi consolidada pelo Enunciado 6 da I Jornada de Direito Civil: “exigência médica” contida no art 13 refere-se tanto ao bem-estar físico quanto ao bem-estar psíquico do disponente”. Amparado em tal conceito, o Enunciado 276 da IV Jornada de Direito Civil explicitou que “o art 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil”. Atualmente, a questão não suscita mais controvérsia como ocorria no passado, sendo possível a realização do Processo Transexualizador pelo próprio Sistema único de Saúde – SUS (Portaria 457, de 19 de agosto de 2008). Ressalta-se, todavia, que as cirurgias de transgenitalização apenas serão permitidas com amparo nessa exceção quando haja comprovada existência de transtorno psicológico que recomente a cirurgia. Fora dessa hipótese, a mudança imotivada de sexo tem sido entendida como alteração permanente da integridade física que ofende os bons costumes (TJ-MG, proc. nº 1.0672.150614/001, rel. Des. Almeida Melo, j. 15.05.05). (DIREITO CIVIL COMENTADO apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site DIREITO.COM em 03.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

² Transplante de órgãos e tecidos.

Atualmente, o transplante de órgãos e tecidos é regulamentado pela lei n. 9.434/97.

Art. 14. É válida, como objetivo, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte ¹ ²

Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo³.

¹ Disposição do corpo para fins científicos ou altruísticos

Naturalmente a disposição total do corpo apenas pode se dar para depois da morte. Por outro lado, admite-se a disposição gratuita de parte do próprio corpo para fins altruísticos (transplantes) ou científicos. A disposição de parte do corpo em vida para fins científicos ou de transplante é um negócio jurídico necessariamente gratuito que depende de uma manifestação de vontade livre e esclarecida do doador. Ou seja, é necessário que ao doador seja explicitada em linguagem simples, leiga e compreensível a natureza, o procedimento, bem como todas as consequências e riscos da intervenção a ser realizada. (DIREITO CIVIL COMENTADO apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site DIREITO.COM em 03.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

² Pesquisa científica envolvendo seres humanos

O primeiro e talvez historicamente mais importante documento que tratou da pesquisa em seres humanos foi o Código de Nuremberg, composto por dez enunciados que traçavam diretrizes gerais para a realização de pesquisas em seres humanos e que, ainda que não o fizesse expressamente, consagrou os atuais princípios básicos da bioética. Posteriormente, o Código de Nuremberg foi substituído pela Declaração de Helsinque, promulgada em 1962 e foi redigida pela Associação Médica Mundial em 1964. Posteriormente, foi revisada 7 vezes, sendo sua última revisão em outubro de 2013. No Brasil, dois são os artigos da Constituição Federal que tratam das pesquisas biomédicas. O primeiro deles é o artigo 199, § 4º da CF, ao dizer que: “a lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”. O segundo é o artigo 225, § 1º, II, o qual afirma que: “[incumbe ao Poder Público] preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”. Tais artigos, como se vê partem do fundamental direito de liberdade da expressão científica, consagrado pela Constituição Federal (art 5º, IX). No Brasil, a resolução 196/96 (CNS, 1996) configurou-se como o primeiro marco nacional para a regulamentação de pesquisas envolvendo seres humanos, sendo seguida pelo Resolução 466/2012 (CNS, 2012). Nessas resoluções, no entanto, foi possível identificar nitidamente a prioridade atribuída à biossegurança dos participantes, em uma configuração sanitária e positivista que nem sempre se mostrava adequada às especificidades das pesquisas em CHS. Amaral Filho (2017) relacionou a influência biomédica nas resoluções a uma questão de poder e critica a área biomédica por querer regular as CHS, uma vez que desconhece suas especificidades. À época, a resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, definia pesquisa em seres humanos como “todo procedimento de qualquer natureza envolvendo o ser humano, cuja aceitação não esteja ainda consagrada na literatura científica (...) os procedimentos referidos incluíam outros, os de natureza instrumental, ambiental, nutricional, educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, fossem eles farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidade preventiva, diagnóstica ou terapêutica”. (Res. CNS nº 196/96, Aspectos Éticos da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, III, n. 2). Como se vê, ao afirmar que todo procedimento de qualquer natureza caracteriza pesquisa em seres humanos, o Conselho Nacional de Saúde propositalmente atribuiu um conceito extremamente amplo para a expressão pesquisa em seres humanos. Fica albergada no conceito de pesquisa científica em seres humanos, não só a experimentação científica em seu sentido clássico, mas também a intervenção médica curativa que emprega técnica, medicamente ou qualquer outro procedimento cuja eficácia ainda não tenha sido consagrada na literatura científica. Naturalmente, ao lado do respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, os quatro grandes princípios da bioética (autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça), formam as linhas mestras que devem nortear todo procedimento biomédico, em especial a potencialmente lesiva pesquisa em seres humanos. Tais princípios, além de autoaplicáveis, servem ainda de suporte para diversas outras regras mais específicas no campo da pesquisa médica em seres humanos. Assim, por exemplo, ocorre com a regra que explicita a necessidade de obter o consentimento esclarecido do paciente que se sujeita a uma pesquisa médica (Código de Ética Médica, art 123 e Res. CNS n. 196/96 (III, 3, letra g), (1)(2) a qual tem apoio no princípio da autonomia. Ainda apoiada no princípio da autonomia, a Res. nº 196/96 dispõe ainda que a pesquisa em ser humano deve “ser desenvolvida preferencialmente em indivíduos com autonomia plena. Indivíduos ou grupos vulneráveis não devem ser sujeitos de pesquisa quando a informação desejada possa ser obtida através de sujeitos com plena autonomia, a menos que a investigação possa trazer benefícios direitos aos vulneráveis. Nestes casos, o direito dos indivíduos ou grupos que queiram participar da pesquisa deve ser assegurado, desde que seja garantida a proteção à sua vulnerabilidade e incapacidade legalmente definida” (Res. CNS n. 196/96, III, 3, letra j), devendo, “assegurar aos sujeitos da pesquisa as condições de acompanhamento, tratamento ou de orientação, conforme o caso, nas pesquisas de rastreamento; demonstrar a preponderância de benefícios sobre riscos e custos” (Res. CNS n. 196/96, III, 3, letra q). Além disso, a pesquisa médica deve previamente estar apoiada num juízo de ponderação entre os riscos e os benefícios (ou seja, em atenção aos princípios da beneficência e da não-maledicência) para o participante, a comunidade e o avanço técnico científico. Exceção à regra de ponderação, é a da pesquisa médica inserida numa atividade curativa, a qual exige que a pesquisa seja dirigida exclusivamente ao bem do paciente (CEM, art 129 e 130). Por fim, destrinchando e efetivando o princípio da justiça, toda pesquisa biomédica em ser humano deve proporcionar aos sujeitos que dela participem os proveitos que dela resultem, indenização por eventuais danos e garantia de máximo esforço e diligência para evitar que tais danos ocorram. Todas essas preocupações mostram-se evidentes nas demais normas dispostas na Res. CNS 196/96. Além de tais regras abstratas e aplicáveis a toda pesquisa realizada em ser humano, diversos outros limites podem ser encontrados em áreas específicas da pesquisa biomédica, como a pesquisa que envolva engenharia genética (lei n. 11.105/05) e transplante de órgãos (lei n. 9.434/97, regulamentada pelo decreto n. 2.268/97), e disciplinam a utilização de medicamentos experimentais (lei n. 6.360/76). (DIREITO CIVIL COMENTADO apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site DIREITO.COM em 03.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

³ Possibilidade de revogação do ato de disposição

A perfeita compreensão da possibilidade de revogação do ato de disposição do próprio corpo naturalmente significa que tal revogação não poderá trazer qualquer responsabilização para o doador por eventuais custos já incorridos em função da expectativa desse ato de disposição. Entender o contrário, responsabilizando o doador arrependido caracterizaria uma indevida limitação a esse direito de arrependimento. Todavia, não podem os familiares revogar o ato de disposição feito em vida pelo próprio doador. Havendo divergência entre a vontade de doador e de sua família para os fins desse artigo, deve prevalecer a vontade do doador. Neste sentido é o Enunciado 277 da IV Jornada de direito Civil “o art 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art 4º da lei 9.434/97 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador”. (DIREITO CIVIL COMENTADO apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site DIREITO.COM em 03.12.2018, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)      “É vedado ao médico realizar pesquisa em ser humano, sem que este tenha dado consentimento por escrito, após devidamente esclarecido, sobre a natureza e consequências da pesquisa” (CEM, art 123”).
(2)      – “A pesquisa em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres humanos deverá observar as seguintes exigências: Contar com o consentimento livre e esclarecido do sujeito da pesquisa e/ou seu representante legal” (Res. CNS n. 196/96, III, 3, letra g).