terça-feira, 9 de outubro de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 – COMENTADO – Art. 976 DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - VARGAS, Paulo S.R.


CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 – COMENTADO – Art. 976
 DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - VARGAS, Paulo S.R. 

LIVRO III – Art. 976 - TITULO I – DA ORDEM DOS PROCESSO
E DOS PROCESSOS DE COMPETÊNCIA ORDINÁRIA DOS TRIBUNAIS
– CAPÍTULO VIII – DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS vargasdigitador.blogspot.com

976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I – efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

II – risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

§ 1º. A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente.

§ 2º. Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.

§ 3º. A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.

§ 4º. É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

§ 5º. Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas.

Sem correspondência no CPC/1973.

1.    CABIMENTO

Nos termos do art 976, caput, do CPC, é cabível o incidente de resolução de demandas repetitivas, conhecido por IRDR, quando houver, simultaneamente, a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Concordo com o Enunciado 342 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) no sentido de o incidente, ora analisado, aplicar-se a recurso, remessa necessária ou a qualquer processo de competência originária de tribunal.

O tratamento isonômico de diferentes processos que versam sobre a mesma matéria jurídica, gerando dessa forma segurança jurídica e isonomia, é a justificativa do incidente ora analisado, como se pode contatar da mera leitura do art 976, caput, incisos I e II, do CPC. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.593.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    EFETIVA REPETIÇÃO DE PROCESSOS REPETITIVOS

Cabe registrar que, no projeto aprovado originariamente no Senado, o incidente tinha natureza preventiva porque poderia ser instaurado quando “identificada controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundada em idêntica questão de direito”. A redação aprovada afasta essa realidade a exigir a existência de múltiplos processos, dando a entender que a questão jurídica deve ser enfrentada e decidida em diversos processos antes de ser instaurado o incidente processual.

A redação final do dispositivo deve ser elogiada porque é necessária uma maturação no debate jurídico a respeito da questão jurídica para que só então seja instaurado o incidente de resolução de demandas repetitivas. O dissenso inicial a respeito da mesma questão jurídica, apesar de ofender a isonomia e a segurança jurídica, é essencial para uma maior exposição e mais aprofundada reflexão sobre todos os entendimentos possíveis a respeito da matéria.

Compreende-se o temor de parcela da doutrina de que não se pode esperar que o caos se instaure em primeiro grau, como milhares de decisões conflitantes, para só então se instaurar o incidente. E nesse sentido essa corrente doutrinária defende que a mera existência de algumas dezenas de processos, que versem sobre uma mesma matéria jurídica que, inexoravelmente, gerará muitos outros, já seja o suficiente para a instauração do IRDR.

Entendo que deva ser encontrado um meio termo. Não deve se admitir o IRDR quando exista apenas um risco de múltiplos processos com decisões conflitantes, como também não será plenamente eficaz o IRDR a ser instaurado quando a quebra da segurança jurídica e da isonomia já forem fatos consumados. A instauração, dessa forma, precisa de maturação, debate, divergência, mas não pode demorar demasiadamente a ocorrer. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.593/1.594.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    MESMA QUESTÃO UNICAMENTE DE DIREITO

A literalidade da norma, entretanto, deixa uma dúvida. Ao prever a repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito, o dispositivo dá a entender que, havendo diferentes questões de fato em tais processos, não seria cabível a instauração do incidente processual.

No entanto, essa realidade deve ser analisada com certa flexibilidade, porque, mesmo existindo diversidade de fatos, a questão jurídica pode ser a mesma. Basta imaginar diferentes remessas de nomes para cadastros de devedores por uma causa comum, quando cada autor indicará um fato diferente, afinal, cada inclusão é um fato. Contudo, nesse caso, a causa da inclusão nos cadastros de devedores é comum, de forma a ser irrelevante a diversidade dos fatos para a fixação da tese jurídica.

A diversidade de fatos apta a afastar o cabimento do incidente de resolução de demandas repetitivas deve ser aquela suficiente a influenciar a aplicação do direito ao caso concreto, porque, havendo fatos diferentes de origem comum, deve ser cabível o incidente ora analisada. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.594.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    RISCO DE OFENSA À ISONOMIA E À SEGURANÇA JURÍDICA

Entendo que a mera existência de algumas decisões em sentido contrário ao que vem majoritariamente se decidindo, pode não ser suficiente para colocar em risco a isonomia e a segurança jurídica, porque se houver um entendimento amplamente majoritário sendo aplicado nas decisões sobre a mesma questão jurídica, a previsibilidade do resultado não estará sendo afetada de forma considerável, não sendo, nesse caso, necessária a instauração do IRDR.

E é justamente por essa razão que a interpretação mais adequada do caput e do inciso II do art 976 do CPC, é a necessidade não só de múltiplos processos, mas de múltiplos processos já decididos, com divergência considerável, nos quais a questão jurídica tenha sido objeto de argumentações e decisões. Caso a mera existência de processos sem decisões sobre a matéria já seja suficiente para a admissão do incidente ora analisado, teremos uma natureza preventiva, o que parece não ter sido o objetivo do legislador.

Reconheço, entretanto, que não foi nesse sentido a previsão legal. Enquanto o inciso I do art 976 do CPC exige a existência de múltiplos processos repetitivos para a instauração do IRDR, o inciso II do mesmo dispositivo exige apenas que exista um risco de que as decisões nesses processos sejam ofensiva à isonomia e à segurança jurídica. Se o requisito exige apenas o risco, é possível se concluir que mesmo sem divergência real instaurada, seja cabível o incidente ora analisado. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.594/1.595.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    PROCESSO EM TRÂMITE NO TRIBUNAL

Apesar de não estar previsto como requisito de admissibilidade do IRDR, já se discute, na doutrina, a necessidade de haver ao menos um processo em trâmite no tribunal, seja em grau recursal ou em razão do reexame necessário, para que se admita a instauração do incidente processual ora analisado.

Parcela da doutrina entende que não, de forma que o IRDR deva ser admitido ainda que os múltiplos processos estejam todos em primeiro grau de jurisdição. Parece também ter sido essa intenção do legislador, como se pode notar de trecho da Emenda constante do tópico 2.3.2.231 do Parecer Final 956 do Senado, que na realidade notou um problema que eu não entendia existir no projeto de lei aprovado pela Câmara: “Os §§ 1º, 2º e 3º do art 998 do SDC desfiguram o incidente de demandas repetitivas. Com efeito, é nociva a eliminação da possibilidade da sua instauração em primeira instancia, o que prolonga situações de incerteza e estimula uma desnecessária multiplicação de demandas, além de torna-lo similar à hipótese de uniformização de jurisprudência”.

Prefiro a corrente doutrinária que defende a necessidade de ao menos um processo em trâmite no tribunal, justamente o processo no qual deverá ser instaurado o IRDR. Esse requisito não escrito decorre da opção do legislador de prever, no art 978, parágrafo único, do CPC, a competência do mesmo órgão para fixar a tese jurídica, decidindo o IRDR, e julgar o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originaria de onde se originou o incidente.

Caso só exista processos em trâmite no primeiro grau e seja instaurado o IRDR, necessariamente, o processo de onde se originou o incidente será um processo de primeiro grau, o que impossibilitará o cumprimento pleno do art 978, parágrafo único, do CPC. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.595.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    REQUISITO NEGATIVO

Ainda que estejam preenchidos todos os requisitos previstos pelo art 976, caput, e incisos I e II do CPC, não se admitirá a instauração do incidente ora analisado quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva (art 976, § 4º, do CPC).

A regra é elogiável já que, segundo a melhor doutrina, não teria sentido se instaurar incidente com o objeto de criar um precedente vinculante para determinado Estado (Justiça Estadual) ou Região (Justiça Federal), quando já outro incidente instaurado em tribunal superior que criar um precedente vinculante com eficácia nacional. Além desta maior abrangência, a inadmissão do IRDR, nesse caso, evita possíveis decisões conflitante ou contraditórias na fixação da mesma tese jurídica. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.595/1.596.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

7.    DESISTÊNCIA OU ABANDONO DO PROCESSO

A previsão do art 976, § 1º, do CPC, sugere que a desistência ou abandono do processo de onde se originou o IRDR será homologado pelo juízo, de forma que aquele processo será extinto sem a resolução do mérito. Como parto da premissa de que o incidente só pode ser instaurado em processo que tramite perante o segundo grau de jurisdição, entendo que o dispositivo tenha alcance consideravelmente limitado, aplicando-se tão somente aos processos de competência originária dos tribunais.

Isso em razão do disposto no art 485, § 5º, do CPC, que admite a desistência do processo – e por consequência também o abandono, que é uma desistência tácita – até a prolação da sentença. Ou seja, se o IRDR for instaurado em processo em grau recursal, ou a espera do julgamento do reexame necessário, não será cabível a desistência ou abandono do processo. Uma forma de otimizar a aplicação do dispositivo é interpretá-lo extensivamente, de forma que onde se lê desistência do processo possa se entender desistência do recurso.

É claro que para aqueles que entendem que é possível a instauração do IRDR em processo em trâmite no primeiro grau de jurisdição, o disposto no art 976, § 1º do CPC faz mais sentido. E nesse caso se aplicarão as regras consagradas nos §§ 4º e 6º do art 485, deste CPC, de forma que, depois de apresentada a contestação, a homologação da desistência ou abandono dependerá de anuência do réu.

Independentemente de todos esses problemas de interpretação, e dos esforços hermenêuticos para otimizar sua aplicação no caso concreto, o ratio da norma é clara: a desistência ou abandono do processo ou do recurso, não pode ser capaz de evitar que o tribunal fixe a tese jurídica. E mesmo sendo omisso o dispositivo legal, o mesmo ocorre com a transação, que será homologada resolvendo-se o processo no caso concreto, mas não impedirá o julgamento do IRDR. Afirma-se que o interesse público no bom funcionamento do instituto, capaz de gerar segurança jurídica, previsibilidade e isonomia, justifica o julgamento do incidente, com a fixação da tese, mesmo com o processo do qual se originou tal incidente já tendo sido extinto.

Trata-se, entretanto, de situação bastante singular, que contraria a regra básica e secular de que o acessório segue o principal. A sobrevivência de um incidente com o processo de onde ele se originou, extinto, lembra a figura da alma sem corpo. Ainda que a regra se preste para evitar a manobra de partes interessadas em evitar a fixação de tese jurídica contrária a seus interesses, com a consequente criação de um precedente com eficácia vinculante, não deixa de causar estranheza. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.596.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

8.    MINISTÉRIO PÚBLICO

Nos termos do art 976, § 2º, do CPC, se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente como fiscal da ordem jurídica e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono. Diferente do que ocorre com a ação coletiva, caso haja abandono ou desistência, o Ministério Público tem o dever institucional de assumir a titularidade do incidente de resolução de demandas repetitivas. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.596.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

9.    REPROPOSITURA

Segundo o art 976, § 3º, do CPC, a inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado e admitido, passando o tribunal competente ao julgamento de seu mérito.

É natural que a inadmissão não obste um novo pedido de instauração do IRDR quando se demostrar que os requisitos, não preenchidos na primeira oportunidade, agora estão. O tribunal, por exemplo, pode inadmitir o IRDR por entender que não há multiplicidade de processos que justifique a instauração, mas com a propositura de outros processos, após esse momento, é possível que mude sua opinião diante do novo quadro fático apresentado pelo suscitante do incidente. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.597.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

10.  GRATUIDADE

Nos termos do § 5º, do art 976, deste CPC, não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de repetitivas. Como também não será exigido o pagamento de honorários advocatícios, por se tratar de mero incidente processual, pode se dizer que o incidente é gratuito. A gratuidade serve para incentivar os legitimados a suscitarem o IRDR. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.597.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

Este  CAPÍTULO VIII – DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS" continua nos artigos 977 a 987, que vêm a seguir.