domingo, 28 de outubro de 2018

CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 – COMENTADO – Art. 1.013 - DA APELAÇÃO – VARGAS, Paulo S.R.


CPC LEI 13.105 e LEI 13.256 – COMENTADO – Art. 1.013 - 
 DA APELAÇÃO – VARGAS, Paulo S.R.

LIVRO III – Art. 1.009 a 1.014 - TITULO II – DA APELAÇÃO
– CAPÍTULO II – vargasdigitador.blogspot.com

Art 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1º. Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.

§ 2º. Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§ 3º. Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

I – reformar sentença fundada no art 485;

II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;

III – constatar a comissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;

IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

§ 4º. Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau.

§ 5º. O capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela provisória é impugnável na apelação.

Correspondência no CPC/1973, art 515, §§ 1º, 2º e 3º, com a seguinte redação:

Art 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1º. Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

§ 2º. Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§ 3º. Nos caos de extinção do processo sem julgamento do mérito (artigo 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

Quanto aos demais itens, não têm correspondência no CP/1973.

1.    EFEITO DEVOLUTIVO

Por efeito devolutivo entende-se a transferência ao órgão ad quem do conhecimento de matérias que já tenham sido objeto de decisão no juízo a quo. O conceito de efeito devolutivo já é suficiente para demonstrar que o nome dado a tal efeito não merece elogios considerando-se que não há nos recursos uma genuína devolução, mas uma simples transferência do órgão prolator da decisão impugnada para o órgão julgador. Somente se devolve matéria a determinado órgão jurisdicional se anteriormente esse órgão já teve competência para analisa-la, não sendo exatamente isso o que ocorre com o chamado “efeito devolutivo”. Para salvar o nome, já tradicional e arraigado em nossa cultura jurídica, pode-se falar em devolução para o próprio Poder Judiciário, ainda que entre órgãos diferentes.

Essa, inclusive, é outra questão interessante: o efeito devolutivo somente existe em recursos nos quais a competência é de órgão jurisdicional diferente daquele que proferiu a decisão? Em outras palavras, sendo o recurso julgado pelo mesmo órgão prolator da decisão (por exemplo, embargos de declaração), haverá efeito devolutivo? Apesar de importante corrente doutrinária entender que somente haverá efeito devolutivo em recursos dirigidos a outro órgão jurisdicional, diferente daquele que prolatou a decisão, não parece ser tal requisito exigido para a configuração do efeito devolutivo. O essencial desse efeito é tão somente a transferência de matéria decidida para que seja novamente analisada e decidida, pouco importando qual o órgão jurisdicional que fará tal reexame.

Dessa forma, é correta a conclusão de que todo recurso gera efeito devolutivo, variando-se somente sua extensão e profundidade. A dimensão horizontal da devolução é entendida pela melhor doutrina como a extensão da devolução, estabelecida pela matéria em relação à qual um anova decisão é pedida, ou seja, pela extensão o recorrente determina o que pretende devolver ao tribunal, com a fixação derivando da concreta impugnação à matéria que é devolvida. Na dimensão vertical, entendida como sendo a profundidade da devolução, estabelece-se a devolução automática ao tribunal, dentro dos limites fixados pela extensão, de todas as alegações, fundamentos e questões referentes à matéria devolvida. Trata-se do material com o qual o órgão competente para o julgamento do recurso irá trabalhar para decidi-lo (STJ, 3ª Turma, REsp 714.068, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01/04/2008, DJe 15.04.2008). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.675/1.676.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

2.    EXTENSÃO DO EFEITO DEVOLUTIVO

No tocante à extensão da devolução, análise que deve ser feita em primeiro lugar, é determinada a devolução a partir da matéria impugnada pelo recorrente, podendo o recurso ser total ou parcial. É correto mencionar nesse momento os capítulos da decisão que geram sucumbência à parte, sendo dela a escolha de impugnar todos eles, devolvendo-os ao tribunal, ou impugnar somente alguns, limitando assim tal devolução. Trata-se de aplicação do art 1.013, caput, do CPC, dispositivo legal que consagra a máxima do direito romano tantum devolutum quantum appellatum. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.676.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

3.    PROFUNDIDADE DA DEVOLUÇÃO

Uma vez fixada a extensão do efeito devolutivo, a profundidade será uma consequência natural e inexorável de tal efeito, de forma que independe de qualquer manifestação nesse sentido pelo recorrente. O art 1.013, § 1º, deste CPC especifica que a profundidade da devolução quanto a todas as questões suscitadas e discutidas, ainda que não tenham sido solucionadas, está limitada ao capítulo impugnado, ou seja, à extensão da devolução. Trata-se da antiga lição de que a profundidade do efeito devolutivo está condicionada à sua extensão (STJ, 3ª Turma, AgRg no REsp 1.318.479/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 09/09/2014, DJe 25/09/2014).

Conforme correto entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação do art 1.013, §§ 1º e 2º, deste CPC independe de qualquer alegação no recurso ou nas contrarrazões, ainda que equivocadamente o julgado tenha qualificado tal efeito como translativo, e não com a profundidade da devolução, como teria sido o mais adequado (Informativo 465/STJ: 2ª Turma, REsp 1.125.039/RS, rel. Min. Humberto Martins, j. 01/03/2011, DJe 15.03.2011; Informativo 468/STJ: 1ª Turma, REsp 1.201.359/AC, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 05.04.2011, DJe 15.04.2011).

A devolução de todas as questões e fundamentos que digam respeito ao capítulo da decisão devidamente impugnado e devolvido no plano horizontal é automática, decorrendo da própria lei e não da vontade das parte. Dessa forma, o órgão competente para o julgamento do recurso está obrigado a aplicar as regras do art 1.013, §§ 1º e 2º, deste CPC, cuja omissão inclusive causa vício processual corrigível por meio de embargos de declaração. Cumpre observar, entretanto, que o enfrentamento de tais questões e alegações somente poderá ser realizado diretamente pelo órgão julgado quando o processo estiver “maduro para julgamento”.

Entendo que, em razão da regra geral prevista no art 1.013, § 2º, do CPC, a previsão específica contida no § 4º do mesmo dispositivo legal é inútil. Afinal, o tribunal passar a analisar as demais questões quando afasta prescrição ou decadência que fundamentou a sentença recorrida é consequência da profundidade do efeito devolutivo. A prova maior do alegado é que mesmo durante a vigência do CPC/1973, sem qualquer norma expressa nesse sentido, os tribunais já vinham atuando dessa maneira com fundamento nos §§ 1º e 2º do art 515 do diploma legal revogado, devolvendo o processo ao primeiro grau somente no caso de as outras matérias não estarem maduras para imediato julgamento (STJ, 3ª Turma, REsp 1.172.707/AL, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 28/05/2013, DJe 05/11/2013). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.676/1.677.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

4.    PEDIDO PREJUDICADO E PROFUNDIDADE DA DEVOLUÇÃO

Enquanto o § 1º do art 1.013 deste CPC trata de questões vinculadas ao capitulo impugnado, e o § 2º do mesmo dispositivo dos fundamentos do pedido ou de defesa, não há menção expressa quanto a devolução, pela profundida, de pedido não enfrentado pelo juízo inferior. A questão é interessante porque o juízo pode deixar de enfrentar pedido que tenha restado prejudicado em razão do acolhimento ou rejeição de outro pedido. Havendo recurso e reforma dessa decisão, o pedido não enfrentado pelo juízo inferior terá que ser decidido, mas qual órgão será competente para tanto?

Não resta dúvida que a ratio da profundidade da devolução leva à conclusão de que esse pedido deve ser decidido originariamente pelo tribunal, desde que maduro para imediato julgamento. Por outro lado, realmente a hipótese não é consagrada no art 1.013 do CPC. O Enunciado 103 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) consagra corretamente o primeiro entendimento: “A decisão parcial proferida no curso do processo com fundamento no art 487, I, sujeita-se a recurso de agravo de instrumento”.

Realmente parece ser a melhor solução, ainda mais se for levado em conta o art 1.013, § 3º, III deste CPC que prevê a possibilidade de decisão originária pelo tribunal na apelação na hipótese de ser constatada omissão no exame de um dos pedidos. São situações diferentes, porque, no pedido não julgado por estar prejudicado, ao há qualquer vício na sentença (o pedido não deveria mesmo ter sido julgado), enquanto a omissão gera sentença viciada (pedido que deveria ser decidido e não o foi). A analogia, entretanto, é inevitável. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.677.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

5.    JULGAMENTO IMEDIATO DO MÉRITO

O art 1.013, do CPC prevê hipótese em que o tribunal, após anular a sentença, julga imediatamente – novamente ou de forma originária, a depender do caso – o mérito da ação. Nos quatro incisos do dispositivo legal, portanto, sendo anulada a sentença impugnada por apelação, o processo não retornará ao primeiro grau de jurisdição, sendo a decisão de mérito que substituirá a sentença impugnada proferida pelo próprio tribunal.

Nos termos do caput do § 3º do art 1.013 do CPC o tribunal decidirá desde logo o mérito quando o processo estiver em condições de imediato o julgamento, consagrando a chamada “teoria da causa madura”, consagrada no revogado art 515, § 3º do CPC/1973. Essa exigência, entretanto, só tem razão de ser na hipótese prevista no inciso I do dispositivo legal, porque somente na hipótese de anulação – e não reforma conforme incorretamente previsto – da sentença terminativa, deve se analisar no caso concreto se o processo já pode ser julgado ou se deve ser devolvido ao primeiro grau para a tomada de alguma providencia antes da prolação da decisão de mérito. Nos demais incisos essa questão não se coloca, porque não há nesses casos sentença prematuramente proferida, mas sim sentença viciada proferida no momento adequado.

Anulada a sentença terminativa porque o tribunal entendeu que o processo não deveria ter sido extinto sem a resolução do mérito deve se analisar se o processo está pronto para o imediato julgamento de mérito. É possível que não, como na hipótese de apelação contra sentença que indefere a petição inicial. Como é possível que esteja, como na hipótese de sentença terminativa proferida após o encerramento da fase probatória.

Essa análise, entretanto, não é necessária na hipótese de anulação de sentença de mérito viciada nos termos do s incisos II, III e IV do § 3º do art 1.013, deste CPC. Nesses casos o processo estará sempre pronto para imediato julgamento, tanto assim que já foi julgado em seu mérito, ainda que por sentença formalmente viciada. Para essas hipóteses, portanto, a exigência prevista no caput do § 3º deste CPC é inócua, não sendo adequado tratar essas três hipóteses de julgamento imediato do mérito da ação pelo tribunal no julgamento da apelação de teoria da causa madura.

O mesmo, entretanto, não pode ser dito da hipótese prevista no art 1.013, § 3º, II, do atual CPC, porque tendo sido a sentença extra petita, é possível que o pedido elaborado pelo autor e não decidido pelo juiz ainda não esteja pronto para imediato julgamento. Nesse caso o disposto no caput do dispositivo ora analisado não só tem aplicabilidade como deverá ser analisado no caso concreto pelo tribunal. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.678.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

6.    TEORIA DA CAUSA MADURA

Para que seja aplicada a teoria da causa madura nos termos do art 1.013, § 3º, I, do CPC, o processo deve estar em condições de imediato julgamento. Nesse caso, sendo anulada a sentença terminativa, poderá o tribunal passar ao julgamento originário do mérito da ação. Nesse caso a sentença é anulada e não reformada como previsto no dispositivo legal ora comentado, cabendo ao tribunal, após julgar o mérito recursal, passar a julgar, de forma originária, o mérito da ação. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a regra não afronta o princípio da ampla defesa, nem mesmo impede a parte de obter o prequestionamento, o que poderá ser conseguido com a interposição de embargos de declaração (Informativo 477/STJ, REsp 874.507/SC, rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 14.06.2011, DJe 01.07.2011).

É possível nesse caso se fazer uma analogia com o art 355 do mesmo Livro do CPC, ou seja, sendo hipótese de julgamento antecipado do mérito, o tribunal poderá aplicar o art 1.013, § 3º, I, deste CPC, sendo irrelevante se a demanda versa sobre questões apenas de direito ou também de fato. Não havendo provas a serem produzidas – porque são desnecessárias ou já foram produzidas -, a causa estará “madura” para julgamento, cabendo ao tribunal julgar imediatamente o mérito da demanda (Informativo 528/STJ, Corte Especial, EREsp 874.507-SC, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 19.06.2013, DJe 01.07.2013; Informativo 520/STJ, 4ª Turma, REsp 1.082.964-SE, rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 05.03.2013, DJe 01.04.2013).

A aplicação da regra ora comentada se mostra dependente exclusivamente de uma circunstância: sendo anulada a sentença de primeiro grau em razão do equívoco do juiz em extinguir o processo sem a resolução do mérito, o tribunal passará ao julgamento imediato do mérito sempre que o único ato a ser praticado for a prolação de uma nova decisão a respeito do mérito da demanda. Havendo qualquer outro ato a ser praticado antes da prolação da nova decisão, o tribunal deverá devolver o processo ao primeiro grau de jurisdição. Em razão disso, é inaplicável o art 1.013, § 3º, I, deste CPC na hipótese de indeferimento da petição inicial (art 330, deste CPC).

Outra interessante questão a respeito da teoria da causa madura diz respeito à possibilidade de o tribunal passar imediatamente ao julgamento do mérito da demanda após a anulação da sentença terminativa, mesmo sem pedido expresso do apelante ou diante de pedido expresso do apelante para que não seja aplicada a regra.

Ainda que a teoria da causa madura esteja prevista como parágrafo do art 1.013, deste CPC, que trata do efeito devolutivo dos recursos, parece que a sua mera colocação em tal local não é suficiente para que se defina tratar-se de uma extensão da devolução de matérias ao conhecimento do tribunal. Tal entendimento levaria à forçosa conclusão de que vontade do recorrente seria determinante para a devolução ou não do mérito da demanda para o órgão de segundo grau, o que geraria a exigibilidade do pedido expresso do recorrente para que o tribunal aplique a teoria da causa madura. Consagrada a regra do tantum devolutum quantum appellatum, somente sendo devolvida essa matéria por vontade do recorrente poderia o tribunal reconhecê-la. Registre-se que há corrente doutrinária no sentido de que se tratando da profundidade do efeito devolutivo, dispensa-se o pedido expresso da parte.

Esse entendimento parte da equivocada premissa de que a norma trata de matéria afeita ao efeito devolutivo, de forma a depender da vontade do recorrente para ser aplicada. Na realidade, o objetivo da norma não é a proteção do interesse particular do recorrente, e sim a otimização do julgamento de processos, em nítido ganho de celeridade e economia processual. Ainda que se critique a forma legal para a obtenção desse objetivo, é inegável que o propósito da norma é o oferecimento de uma tutela jurisdicional de melhor qualidade. O propósito da norma, portanto, é de ordem pública, porque o seu objetivo não é a proteção do interesse das partes, mas sim o interesse na prestação de um serviço jurisdicional de melhor qualidade.

Esse entendimento, inclusive, afasta a alegação de parcela da doutrina no sentido de que a ausência de pedido expresso do recorrente, aliada ao julgamento de improcedência do pedido, geraria uma ilegal reformatio in pejus, o que não se poderia admitir. Parece não haver qualquer dúvida de que, partindo-se de uma sentença terminativa e chegando-se num acórdão de improcedência do pedido, com capacidade de fazer coisa julgada material em desfavor do autor, é natural que o recorrente terá piorado sua situação em razão do julgamento de seu próprio recurso. É natural que tenha ocorrido a reformatio in pejus, mas nenhuma ilegalidade ocorrerá nessa hipótese, considerando-se que a natureza de ordem pública da norma permite ao tribunal não só a sua aplicação de ofício, como também a piora da situação do recorrente. Conforme ensina a melhor doutrina, o conhecimento de matérias de ordem pública de ofício pelo tribunal pode gerar a reformatio in pejus. Por essa razão, apesar da alocação da teoria da causa madura no art 1.013, § 3º, I, do CPC parece que a sua aplicação deriva do efeito translativo do recurso, e não do efeito devolutivo.

Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a teoria da causa madura está incluída na profundidade do efeito devolutivo do recurso, e que é admissível a reformatio in pejus do apelante STJ, AgRg no Ag 867.885/MG, 4ª Turma, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 25.09.2007, DJ 22.10.2007. Informativo 375/STJ, 4ª Turma, REsp 836.932-RO, rel. Fernando Gonçalves, j. 06.11.2008, DJe 24.11.2008).

Conforme se nota da expressa previsão do art 1.013, § 3º, I, deste CPC, a norma diz respeito à apelação, sabidamente uma das espécies recursais. Ocorre, entretanto, que parcela considerável da doutrina entende ser a regra pertencente à teoria geral dos recursos. Dessa forma, defende-se a aplicação da regra em todo e qualquer recurso, em especial no agravo de instrumento, recurso ordinário constitucional (STJ, 2ª Turma, RMS 17.126/ES, rel. Min. Humberto Martins, j. 15.04.2008, DJ 25.04.2008; STJ, 3ª Turma, RMS 20.541/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 08.03.2007, DJ 28.05.2007) e recurso inominado nos Juizados Especiais, sem, entretanto, desprezar a priori outras espécies recursais, tais como o recurso especial e o recurso extraordinário, por mais particular que seja o caso concreto.

A visão ampliativa, entretanto, vem recebendo resistência dos tribunais superiores, em especial quanto à aplicação da causa madura ao recurso ordinário constitucional (Informativo 540/STJ, Plenário, RMS 26.959/DF, rel. Min. Eros Grau, rel. p/acórdão Menezes Direito, 26.03.2009; STJ, 4ª Turma, RMS 37.775/ES, rel. Min. Marco Buzzi, j. 06/06/2013, DJe 02/09/2013; STJ, 2ª Turma, RMS 33.640/MS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 07.02,1012, DJe 14.02.2012). Também não se admitiu sua aplicação em sede de recurso especial (Informativo 504/STJ, 4ª Turma, REsp 1.294.166-GO, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 18/09/2012, DJe 22.10.2012; STJ, 2ª Turma, REsp 988.870/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 27.11.2007, DJ 10.12.2007). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.678/1.680.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

7.    HIPÓTESES DE NOVO JULGAMENTO DO MÉRITO DA AÇÃO DIRETAMENTE PELO TRIBUNAL

Nas hipóteses previstas pelos incisos II, III e IV do § 3º do art 1.013 deste CPC tem-se uma sentença de mérito viciada anulada pelo julgamento da apelação com a permissão ao tribunal de, ao invés de encaminhar o processo novamente ao primeiro grau para a prolação de uma nova sentença de mérito, julgar imediatamente o mérito da ação. Trata-se de novidade sem correspondência no revogado CPC/1973.

A incongruência da sentença com os limites do pedido ou da causa de pedir é motivo de anulação de sentença pelo recurso de apelação e julgamento imediato de mérito pelo tribunal. Dessa forma, reconhecendo o tribunal ser a sentença extra petita ou extra causa petendi, o processo não deve retornar ao primeiro grau, cabendo ao tribunal, após a anulação da sentença, julgar novamente o me´rito da ação. A previsão legal contraria a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça formada na vigência do CPC/1973 (Informativo 504/STJ, 4ª Turma, REsp 1.294.166-GO, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 18.09.2012, DJe 22.10.2012; STJ, 2ª Turma, REsp 988.870/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 27.11.2007, DJ 10.12.2007).

Na hipótese de sentença ultra petita (não existe sentença ultra causa petendi) também haverá um incongruência entre os limites do pedido e a sentença, mas nesse caso não há como se aplicar o dispositivo legal em razão da previsão de seu caput. Não haverá nesse caso decisão desde logo de mérito, porque constatando o tribunal ser a sentença ultra petita anula-se apenas a parte excedente da decisão (STJ, 5ª Turma, AgRg nos EDcl no REsp 1.004.687/DF, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 02/12/2010, DJe 13/12/2010: STJ, 1ª Turma, REsp 721.741/PR, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 03/11/2009, DJe 13/11/2009).

A segunda hipótese de julgamento imediato do mérito da ação pelo tribunal no julgamento da apelação é a sentença citra petita, quando o juízo de primeiro grau deixa de decidir um ou mais dos pedidos formulados pelas partes. Nesse caso a previsão do art 1.013, § 3º, III, do CPC, permite ao tribunal a complementação do julgamento, passando a enfrentar de forma originária os pedidos que deixaram de ser decididos em primeiro grau em razão da omissão do juiz singular. Mas uma vez a novidade legislativa contraria a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema na vigência do CPC/1973 (STJ, 4ª Turma, EDcl no REsp 1.120.322/RS, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 04.06.2013, DJe 17/06/2013; STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp 166.848/PB rel. Min. Castro Meira, j. 26/02/2013, DJe 05/03/2013).

Por fim, o inciso IV, do § 3º do art 1.013 do CPC, permite o julgamento imediato do mérito da ação pelo tribunal no julgamento de apelação que anula a sentença em razão da falta de fundamentação. Nesse caso, ao invés de devolver o processo ao juízo que prolatou a sentença viciada para lhe dar uma segunda chance de prolatar sentença devidamente fundamentada, o próprio tribunal anula a sentença e passa a decidir de forma fundamentada o mérito da ação.

Nesse caso o tribunal não reforma a sentença, mas a anula e profere uma nova decisão de mérito (Enunciado 307 do FPPC: “Reconhecida a insuficiência da sua fundamentação, o tribunal decretará a nulidade da sentença e, preenchidos os pressupostos do § 3º do art 1.013, decidirá desde logo o mérito da causa”). (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.680/1.681.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

8.    TUTELA ANTECIPADA NA SENTENÇA

Num primeiro momento pode parecer incongruente o julgamento de procedência do pedido do autor e a concessão de tutela antecipada na mesma decisão. Pode-se imaginar que, sendo a procedência do pedido a concessão da tutela definitiva, fundada em cognição exauriente (juízo de certeza), não teria nenhuma utilidade a antecipação de tutela na sentença, tutela provisória que deve existir justamente enquanto não advir a tutela definitiva. Se o autor já obteve a tutela definitiva, como entender que ao mesmo tempo receba também a tutela antecipada?

A dúvida só tem alguma justificativa para aqueles que desconsideram que o instituto processual chamado comumente de tutela antecipada na realidade não antecipa a tutela, mas seus efeitos executivos, ou seja, a tutela só pode ser concedida definitivamente, sendo objeto de antecipação somente os efeitos práticos dessa tutela. Dessa forma, sempre que o recurso contra a sentença de procedência tiver efeito suspensivo, o autor, apesar de ter obtido a tutela definitiva em sentença, não terá recebido os efeitos executivos de tal tutela, porque o recurso impedirá a geração de efeitos da sentença, obstando a satisfação imediata de seu direito. A utilidade da tutela antecipada nesse caso mostra-se evidente, entregando ao autor algo que ele não ganhou com a sentença de procedência os efeitos práticos da tutela obtida. Dessa forma, restou pacificado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pelo cabimento da antecipação de tutela na sentença (STJ, AgRg no Ag 940.317/SC, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19/12/2007, DJ 08/02/2008, p. 677).

Ocorre, entretanto, que nem todo recurso contra a sentença tem efeito suspensivo, de forma que, ausente esse efeito do recurso, como ocorre com o recurso inominado dos Juizados Especiais Estaduais, a sentença de procedência passa imediatamente a gerar efeitos, inclusive os executivos, sendo nesse caso absolutamente desnecessário antecipar a tutela na sentença. Como se diz na gíria popular, será “chover no molhado”.

Há problemas a resolver a respeito do recurso cabível ao réu, que, além de perder a demanda, tem contra si concedida uma tutela antecipada na sentença. Esses problemas, entretanto, jamais poderão servir de desculpa ou impedimento para que o juiz não conceda a tutela antecipada na sentença, ou, como preferem alguns doutrinadores, monte uma pequena encenação, com a concessão por decisão interlocutória momentos antes da prolação da sentença, ainda que numa mesma folha de papel. Funcionaria assim o engodo estando o processo pronto para julgamento, o juiz chama os autos à conclusão e profere antes uma decisão interlocutória concedendo a tutela antecipada e depois uma sentença julgado procedente o pedido do autor. Quem sabe abre até duas conclusões para formalizar de forma indiscutível a existência de duas decisões diferentes e autônomas. O problema recursal estaria resolvido, mas à custa de um encenação, uma simulação que não pode ser saudavelmente admitida.

Ainda pior a opinião doutrinária a defender que mesmo que o juiz tenha materialmente proferido somente uma decisão, que naturalmente será uma sentença com um capítulo de concessão da tutela antecipada, deve-se imaginar que existem duas decisões, uma de natureza interlocutória e outra de natureza sentencial. Afirma-se que formalmente há somente uma decisão, mas materialmente existem duas. Nesse verdadeiro exercício de ficção jurídica o problema recursal estaria novamente resolvido, mas enxergar duas decisões onde só existe uma não parece ser a técnica mais apropriada para solução de problema de qualquer natureza.

Não resolve o problema recursal a adoção da elegante teoria dos capítulos da sentença, imaginando-se recorrível por agravo de instrumento o capítulo da sentença que concedeu a tutela antecipada e por apelação o capítulo que julgou procedente o pedido do autor. O princípio da singularidade impede a divisão da decisão em capítulos para fins de recorribilidade, de forma que da sentença, independentemente de conter capítulos que resolvem questões incidentais, caberá a apelação.

O § 5º do art 1.013, do CPC, prevê expressamente que o capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela antecipada é impugnável por apelação, como já vinha decidindo o Superior Tribunal de Justiça na vigência do CPC/1973 (STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp 394.257/SP, rel. Min. Herman Benjamin, j. 18.03.2014, DJe 27/03/2014).

O único recurso cabível ao réu, portanto, será a apelação, mas nesse caso, o recurso não terá efeito suspensivo, de forma que mesmo impugnada a sentença o capítulo que antecipou os efeitos da sentença terá eficácia imediata. Como deve o réu proceder se pretender impedir a geração de tais efeitos? Entendo que a forma procedimental para atingir tal objetivo dependerá fundamentalmente da urgência do réu no caso concreto.

Sendo hipótese de urgência extrema, a solução está prevista expressamente no art 1.012, § 3º, I, deste CPC. Poderá o réu apelar e imediatamente ingressar com uma petição autônoma devidamente instruída perante o tribunal competente requerendo a concessão de efeito suspensivo à apelação no tocante ao capítulo da sentença que concedeu a tutela antecipada. Uma vez distribuída a petição, o órgão colegiado que a receber Torna-se prevento para a apelação, que será a ele encaminhado quando finalmente os autos chegarem ao tribunal. É a melhor forma entre todas as possíveis, sem a necessidade de interposição de recursos ou de outras ações judiciais: forma mais rápida, simples, barata e em sintonia com o sincretismo processual.

Ainda que extremamente improvável, o juízo de primeiro grau até pode receber a apelação no duplo efeito quanto ao capítulo que antecipou a tutela, e nesse caso a providencia acautelatória tomada pelo tribunal tornar-se-ia prejudicada. Mas essa improvável circunstância não retira do tribunal a competência de analisar antes do recebimento da apelação o pedido do réu, lembrando-se que, mesmo que a apelação seja recebida no duplo efeito, o tempo necessário para que isso ocorra já pode ser suficiente para o perecimento do direito. É melhor proteger o direito do réu, ainda que no futuro a proteção não seja mais necessária, do que negá-la com a suposição de que ela virá, de forma eficaz, por uma decisão futura e eventual que provavelmente nem existirá.

Na hipótese de o réu ter uma urgência média, pode aguardar o recebimento da apelação. Como já afirmado, é improvável que o juiz sentenciante a receba no duplo efeito quanto ao capítulo da sentença que antecipou a tutela e isso por uma razão evidente: o juiz que antecipa a tutela na sentença quer que a sua decisão gere efeitos imediatamente, não havendo muito sentido lógico antecipar a tutela e suspender os efeitos de sua decisão quando a apelação é interposta. De qualquer forma, se o ré se dispuser a aguardar esse momento procedimental, vale a pena pedir ao juiz de primeiro grau a concessão de efeito suspensivo, acreditando que as razões recursais possam convencê-lo do equívoco na concessão da antecipação de tutela.

Como o juízo de primeiro grau antecipa a tutela na sentença por meio de cognição exauriente (juízo de certeza), dificilmente receberá a apelação no duplo efeito. De qualquer forma, o réu terá obtido uma decisão interlocutória recorrível por agravo de instrumento, podendo levar a questão ao tribunal por meio desse recurso. Fundamentalmente as razoes e o pedido desse agravo de instrumento serão os mesmos da ação cautelar ou mera petição que teriam sido interposta antes da decisão de recebimento da apelação: relevância da fundamentação da apelação, perigo de grave dano irreparável ou de difícil reparação e pedido para que o capítulo da sentença que antecipou a tutela tenha seus efeitos suspensos até o julgamento da apelação.

Na remota hipótese de uma urgência mínima, o réu poderá aguarda a chegada dos autos ao tribunal após a interposição da apelação. Nesse caso, poderá realizar o pedido de concessão do efeito suspensivo quanto ao capítulo da sentença que antecipou a tutela em favor do autor como mero tópico da apelação, que será apreciado pelo relator ao qual o recurso for distribuído. Até se pode suspeitar que a disposição de aguardar esse momento procedimental já demonstre que o réu não tem nenhuma urgência, mas apesar de ser comum a demora da remessa dos autos ao tribunal, ainda mais demorado é o julgamento da apelação, de forma que o réu pode não sofrer grave dano se esperar a manifestação do relator, mas o suportará se tiver que aguardar o julgamento de seu recurso. (Apud Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 1.681/1.683.  Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016. Ed. Juspodivm).

Este CAPÍTULO II – “DA APELAÇÃO" continua no artigo 1.014, que vem a seguir.