sexta-feira, 23 de julho de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.829, 1.830, 1.831 Da Ordem da Vocação Hereditária - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com

Direito Civil Comentado – Art. 1.829, 1.830, 1.831
Da Ordem da Vocação Hereditária - VARGAS, Paulo S. R.
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Livro V – Do Direito das Sucessões - Título II – Da Sucessão Legítima
– Capítulo I – Da Ordem da Vocação Hereditária - (Art. 1.829 a 1.844)

 

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I — aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II— aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III— ao cônjuge sobrevivente

IV — aos colaterais.

Este artigo corresponde ao art. 1.876 do Projeto de Lei a. 634/75. O Código Civil de 1916, art. 1.603, indica a ordem em que se defere a sucessão legítima.

A doutrina apresentada pelo relator Ricardo Fiuza, inaugurando a normatividade da sucessão legítima — assim denominada porque a vocação hereditária é feita pela própria lei — este artigo indica a série hierárquica em que são convocados os familiares do falecido à sua sucessão. Nesta ordem, os herdeiros legítimos são situados em classes: descendentes (filhos, netos, bisnetos etc.), em concorrência com o cônjuge sobrevivente; ascendentes (pais, avós, bisavós etc.), em concorrência com o cônjuge; cônjuge sobrevivente; colaterais.

 

Trata-se de uma ordem de preferência, que tem de ser rigidamente obedecida, não se admitindo desvios ou saltos. Um parente jamais será chamado à sucessão se existe outro de classe precedente (clichê BGB, art. 1.930). Os descendentes são chamados em primeiro lugar, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, observado o inciso I do CC 1.829. Não havendo nenhum descendente, são convocados os ascendentes, em concorrência com o cônjuge (inciso lido CC 1.829). Não existindo parentes em linha reta, i.é, não deixando o falecido descendentes, nem ascendentes, o cônjuge sobrevivente herda sozinho. Finalmente, se não houver parentes na linha reta, nem cônjuge sobrevivente, são chamados à herança os colaterais, até o quarto grau (CC 1.839).

 

Na linha reta — descendente ou ascendente —, não há limite de grau. Contam-se os graus, na linha reta e na colateral, conforme o disposto no CC 1.594.  Dentro de cada classe — descendentes, ascendentes, colaterais —. os parentes de grau mais próximo excluem os de grau mais afastado, salvo o direito de representação, quando este é possível (CC 1.851 e ss).

 

Pode ocorrer de um parente de grau mais afastado ser chamado à sucessão antes de outro parente, de grau mais próximo. Se, por exemplo, o de cujus deixou a mãe (parente do primeiro grau) e um neto (parente do segundo grau), quem tem a preferência é o neto, porque este é descendente (CC 1.829, I), integrando a primeira classe dos sucessíveis, enquanto a mãe do falecido, embora parente do primeiro grau, pertence à segunda classe — ascendente (CC 1.829, II).

 

O cônjuge ocupa a terceira classe dos sucessíveis, mas concorre com os descendentes do de cujus, na primeira classe dos sucessíveis, e com os ascendentes do falecido, na segunda classe das sucessíveis.

 

No entanto, o cônjuge sobrevivente não concorre com os descendentes, se foi casado com o falecido no regime da comunhão universal (CC 1.667 e ss) ou no da separação obrigatória de bens (CC 1.641). Também não concorrerá, caso o regime tenha sido o da comunhão parcial (CC 1.658 e ss), se o autor da herança não houver deixado bens particulares.

 

A concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do de cujus vai depender, portanto, do regime de bens do casamento. Na concorrência com os ascendentes, todavia (CC 1.829, II), não há essas ressalvas. O cônjuge concorrerá com os ascendentes, em qualquer caso.

 

Neste artigo é que devia ter sido referida a sucessão dos companheiros, regulada, tecnicamente, no CC 1.790, já anotado e devidamente criticado. Ao mencionar o regime da separação obrigatória de bens, o inciso I deste dispositivo faz remissão ao CC 1.640, parágrafo único. Trata-se de um equívoco. A referência devia ter sido ao CC 1.641, que é o que regula o assunto.


Sugestão legislativa: Para correção, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para que seja dada a redação seguinte ao CC 1.829: Art. 1.829, I — aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (CC 1.641); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 946-47, CC 1.829, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 23/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Roberta Madeira Quaranta, em artigo faz uma “Análise crítica do CC 1.829, I, à luz do REsp n. 992.749 do STJ”, onde subjaz a  ordem de vocação hereditária como sequência preferencial que deve ser observada no caso de o autor da herança (de cujus) falecer ab intestato ou, mesmo tendo deixado testamento, no caso de possuir herdeiros necessários, situações em que, necessariamente, ocorrerá a sucessão legítima, ou seja, aquela decorrente da lei.

 

O Código Civil de 2002, dentre as muitas inovações observadas no tocante ao ramo do Direito das Sucessões, estabeleceu uma nova ordem de vocação hereditária, no CC 1829, inovando em três pontos primordiais: 1º) a inserção do cônjuge no rol dos herdeiros necessários, passando a herdar em concorrência com as demais classes (descendentes e ascendentes) que o precedem; 2º) a exclusão dos entes estatais do rol dos herdeiros legítimos. Com a nova sistemática legal esses só recolhem a herança após a verificação do seu respectivo estado de jacência e posterior conversão em patrimônio vago; 3º) ausência de previsão de direito real de usufruto ao cônjuge supérstite, consequência lógica de sua possível concorrência com os descendentes (dependendo do regime de bens estabelecidos no casamento) e de sua concorrência certa com a classe dos ascendentes.


Na sucessão legítima, consoante já explicitado, a convocação dos sucessores faz-se segundo essa ordem tida como "preferencial", de tal forma que uma classe só é chamada quando não existem herdeiros da classe precedente, ressalvado, entretanto, a concorrência sucessória do cônjuge supérstite com os demais herdeiros.

Dessa forma, dúvidas não existem de que o Código Civil de 2002 beneficiou o cônjuge sobrevivente do falecido casado, vez que o diploma legal que o antecedeu (CC de 1916) não continha nenhuma previsão acerca da concorrência sucessória do mesmo frente aos descendentes e ascendentes do morto, bem como pelo fato de que o cônjuge sequer compunha o rol dos herdeiros necessários, como ocorre atualmente.

Assim, caso o falecido fosse casado, o cônjuge sobrevivente, que compõe a terceira classe, concorrerá tanto com os descendentes, quanto com os ascendentes, observadas as exceções contidas no inciso I, do artigo 1829.

Finalmente, no caso de não haver nenhuma dessas duas classes acima citadas (descendentes e ascendentes), o cônjuge – necessariamente – herdará pelo menos a metade do acervo hereditário do "de cujus" (a legítima – art. 1846 CC) e, caso o falecimento tenha ocorrido "ab intestato", herdará em sua totalidade, na qualidade de único herdeiro, portanto, universal.

De acordo com as exceções contidas no inciso I do referido artigo, o cônjuge sobrevivente não concorre com os descendentes se foi casado na comunhão universal ou no da separação obrigatória de bens. Também não haverá concorrência no caso do regime da comunhão parcial, se o autor da herança não tiver deixado bens particulares. Sendo assim, fácil concluir que a existência da concorrência sucessória entre os descendentes e o cônjuge do falecido depende do regime de bens do casamento. Já no tocante à concorrência do cônjuge com os ascendentes (2ª classe na ordem de vocação hereditária), essa sempre é observada, variando o montante conforme o número de ascendentes e graus respectivos, na forma do artigo 1837 do CC/2002.

Na esteira do esposado acima, foi o Superior Tribunal de Justiça – STJ instado a se manifestar acerca de um ponto crucial envolvendo o direito de concorrência do cônjuge sobrevivente, nos autos do REsp nº 992.749, da 3ª Turma do STJ, cuja relatoria coube à Ministra Nancy Andrighi.

O Recurso Especial foi interposto contra acórdão exarado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, que deferiu pedido de habilitação de viúva como herdeira necessária. A lide em comento destinava-se a definir se o cônjuge supérstite, que fora casado com o autor da herança sob o regime da separação total de bens (convencional), participaria - ou não – da sucessão em concorrência com os descendentes do falecido, na qualidade de herdeira necessária. Consoante destacado pela Min. Relatora, em seu voto, é de conhecimento geral a intensa controvérsia que tem sido gerada em torno da interpretação das novas regras de sucessão, notadamente a disposta na redação do art. 1829, I do CC/02.

Com efeito, na data da convolação das núpcias, que teve duração de dez meses, o falecido padecia de doença incapacitante e já havia construído todo seu patrimônio. Os contraentes escolheram, voluntariamente, realizar o casamento pelo regime da separação convencional, através de pacto antenupcial lavrado em escritura pública, com a incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do enlace conjugal, inclusive frutos e rendimentos.

Por ocasião da análise do caso concreto, a Min. Relatora ressaltou que o regime de separação obrigatória de bens previsto no art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, é gênero que agrega duas espécies: a separação legal e a separação convencional. Uma decorre da lei, enquanto a outra da vontade das partes, obrigando os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância, tanto na vida quanto na morte. Não tem direito, portanto, o cônjuge casado sob o regime de separação de bens, à meação e, tampouco, à concorrência sucessória. Nesses dois casos, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário. Entendimento em sentido diverso geraria clara antinomia entre os artigos 1.829, I, e 1.687 do Código Civil de 2002, e o fim do regime de separação de bens.

Assim, o regime de separação de bens fixado por livre vontade entre a recorrida (cônjuge sobrevivente) e o falecido está contemplado nas restrições previstas no art. 1.829, I, do Código Civil, em interpretação combinada com o art. 1.687 também do CC/2002, o que retira da viúva a condição de herdeira necessária do falecido em concorrência com os recorrentes.

Nesse mesmo sentido, o que foi devidamente observado no voto constante do relatório, entendeu o Professor Miguel Reale,  nesses termos:

"[...] duas são as hipóteses de separação obrigatória: uma delas é a prevista no parágrafo único do art. 1.641, abrangendo vários casos; a outra resulta da estipulação feita pelos nubentes, antes do casamento, optando pela separação de bens. A obrigatoriedade da separação de bens é uma consequência necessária do pacto concluído pelos nubentes, não sendo a expressão 'separação obrigatória' aplicável somente nos casos relacionados no parágrafo único do art. 1.641."

Foi ressaltado, ainda, que a regra que prevê o direito sucessório de concorrência ao cônjuge supérstite não se aplica aqueles que decidiram possuir núcleos patrimoniais totalmente distintos, sob pena de violação ao art. 1687 do CC/02, notadamente quando tal incomunicabilidade for resultante de convenção voluntária firmada pelos nubentes antes das núpcias.

 

Ora, é fundamental o respeito e a observância estrita à livre manifestação de vontade dos nubentes, consignada no pacto antenupcial, vez que este possui força normativa e é dotado de publicidade e eficácia oponível perante terceiros. Pensar em sentido contrário seria desprezar o princípio da autonomia da vontade, contrariando a vontade das partes que, ao escolherem o regime de bens através de um instrumento solene (escritura pública), sabiam exatamente o que estavam fazendo. Nas palavras na Ministra Nancy Andrighi:

 

"Não há como violentar a vontade do cônjuge – o mais grave – após sua morte, concedendo a herança ao sobrevivente com quem ele nunca quis dividir nada, nem em vida. Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria".

 

Por fim, foi invocada a boa fé objetiva, como sendo um postulado básico inserido de forma expressa pelo advento da novel legislação civil, corporificando-se na exigência de lealdade e honestidade na conduta das partes.

 

Nesse ponto, ressalta-se que o postulado da boa fé objetiva impõe diretrizes às ações ocorridas no intenso tráfico de negócios ocorridos cotidianamente, sendo, diante do caso concreto posto sob análise, qualificada como aquela que impede que o cônjuge que firmou pacto antenupcial em determinado sentido, de forma livre e lícita, possa se furtar ao cumprimento da avença e, após a morte do outro, reivindicar um direito ao qual de forma solene havia declinado em momento anterior, uma vez que no processo de habilitação para o casamento, durante a feitura do pacto antenupcial (por escritura pública) - em consenso com o autor da herança – houve a opção pelo regime da separação convencional de bens.

 

Com efeito, a vida do casal rege-se por diversos postulados constitucionais, dentre eles o princípio da exclusividade, que veda interferências indevidas de terceiros, e até mesmo do próprio Estado, nas opções feitas de maneira lícita pelos consortes, no exercício de seu planejamento familiar.

 

Outro não foi o fundamento da aprovação da recente reforma constitucional, realizada através da EC nº 66, mais conhecida como "Emenda do Divórcio" que visou, nas palavras de Pablo Stolze, "permitir a obtenção menos burocrática da dissolução do casamento, facultando, assim, que outros arranjos familiares fossem formados, na perspectiva da felicidade de cada um". Buscou-se, em outras palavras, diminuir a influência legislativa estatal sob os arranjos familiares.


Isso só confirma que esta é a única interpretação cabível do art. 1829, I do CC/2002, em interpretação sistemática com o art. 1687 do mesmo diploma legal, no sentido de não ser o cônjuge casado sob o regime da separação total (convencional) de bens herdeiro necessário do autor da herança, em concorrência com os descendentes daquele. [...]. (Roberta Madeira Quaranta, em artigo faz uma “Análise crítica do CC 1.829, I, à luz do REsp n. 992.749 do STJ, publicado no site jus.com.br em novembro de 2010, acessado em 23/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Gabriela Justo, em 2015, publicou no site jusbrasil.com.br, artigo intitulado “Vocação hereditária e análise crítica do artigo 1.829 do Código Civil”, agregando conhecimentos ao discutido artigo 1829 do Código Civil Brasileiro, que traz em seus incisos a ordem de vocação hereditária, sendo que, em relação às disposições anteriores do Código de 2002, a principal modificação existente é a inserção do cônjuge entre os herdeiros necessários.

 

Inicialmente, deve-se tecer breves considerações acerca da existência de herdeiros necessários e seu impacto na abertura da sucessão. Como é sabido, pode a pessoa natural dispor de seus bens em vida, através de ato de disposição de última vontade – testamento -, fazendo-se tal disposição de forma livre, exceto nos casos em que há herdeiros necessários, que consoante artigo 1845 do Código Civil, são descendentes, ascendentes e cônjuges. Diante de tal situação, a lei limita a disposição testamentária, sendo permitida, conforme artigo 1.789 do Código Civil, a disposição somente da metade da herança, a chamada “parte disponível”, sendo a outra metade, reservada aos herdeiros necessários, chamada de “legítima”.

 

Conforme mencionado, o rol contido no CC 1.829 determina a preferência sobre a qual deve incidir a convocação dos sucessores, sendo que, a existência de sucessor em grau mais próximo exclui os demais, salvo se em concorrência com o sucessor estiver o cônjuge sobrevivente, e ainda, em determinados casos, dependendo do regime de bens que foi atribuído ao casamento.

 

Sobre o inciso I do artigo supramencionado, cabe especial destaque ao adendo que é feito com relação ao regime de bens do casamento entre o falecido e o cônjuge sobrevivente, sendo este, fator indispensável à análise de concorrência ou não no caso concreto. Da mera leitura do inciso, podemos verificar três situações:

 

1) Se casado no regime da comunhão universal, o cônjuge não concorrerá com os descendentes, posto que, sua parte encontra-se garantida através da meação. Neste sentido, vale mencionar que meação não é direito sucessório, mas sim o recebimento por parte do cônjuge sobrevivente dos frutos oriundos da constância do casamento. É um direito que sempre deteve.

 

2) Se casado na separação obrigatória, não concorrerá com descendentes. Por separação obrigatória, deve-se entender aquela prevista no CC 1.641, aplicada no casos de pessoas que se casam contrariando as causas suspensivas da celebração do casamento, a pessoa maior de 70 anos e de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial, ou seja, aquele que não possui a idade núbil. Nos casos do regime de separação total de bens, livremente escolhido pelos cônjuges, há grande divergência doutrinária. O próprio STJ não tem o entendimento pacificado acerca da matéria, sendo que, há diversos julgados no sentido de que seria aplicado por analogia, a proteção patrimonial prevista na separação obrigatória aos casos de separação pactuada. Em contrapartida, há entendimentos diversos, no sentido de que por se tratar de regime diferente do trazido no inciso I do artigo 1.829, seria aplicada a regra de concorrência.

 

Conforme Simão (SIMÃO, José Fernando. Direito CivilDireito de Família. 2ª ed, 2012, Atlas, São Paulo), o correto seria a aplicação da concorrência para os casos em que o regime da separação é pactuado entre os cônjuges. “Esta regra tem como objetivo garantir o sustento do cônjuge supérstite, para que em caso de ausência de patrimônio não fique à míngua”.

 

A Ministra Nancy Andrighi, por sua vez, manifestou sua opinião no voto do Recurso Especial nº 992.749, da 3ª Turma do STJ, de sua relatoria, com a seguinte fundamentação:

 

"Não há como violentar a vontade do cônjuge – o mais grave – após sua morte, concedendo a herança ao sobrevivente com quem ele nunca quis dividir nada, nem em vida. Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria".

 

Sobre a divergência acima apontada, seguem acórdãos de um mesmo ano com divergências de opinião acerca do tema.

 

“Inventário. Ordem de vocação hereditária. Concorrência do cônjuge supérstite com os filhos. Cabimento. 1. A lei que rege a capacidade sucessória é aquela vigente no momento da abertura da sucessão. Inteligência dos art. 1.787 do CCB. 2. Tendo o casamento sido realizado pelo regime da separação convencional de bens, o cônjuge supérstite deve ser chamado para suceder, concorrendo com os filhos do casal aos bens deixados pelo falecido. Inteligência do art. 1.829, inc. I, do CCB. 3. Depois de ter sido nomeado perito e oferecido o laudo com a apuração dos haveres, descabe oportunizar a nomeação de assistentes técnicos. Recurso desprovido." (AI 1.047.549 - RS (2008/0102277-7) Rel.: MM Aldir Passarinho Junior, DJe 05/11/2010).

 

"Direito Das Sucessões. Recurso Especial. Pacto Antenupcial. Separação De Bens. Morte Do Varão. Vigência Do Novo Código Civil. Ato Jurídico Perfeito. Cônjuge Sobrevivente. Herdeiro Necessário. Interpretação Sistemática. 1. O pacto antenupcial firmado sob a égide do Código de 1916 constitui ato jurídico perfeito, devendo ser respeitados os atos que o sucedem, sob pena de maltrato aos princípios da autonomia da vontade e da boa-fé objetiva. 2. Por outro lado, ainda que afastada a discussão acerca de direito intertemporal e submetida a questão à regulamentação do novo Código Civil, prevalece a vontade do testador. Com efeito, a interpretação sistemática do Codex autoriza conclusão no sentido de que o cônjuge sobrevivente, nas hipóteses de separação convencional de bens, não pode ser admitido como herdeiro necessário. 3. Recurso conhecido e provido." (4ª Turma, REsp n. 1.111.095/RJ, Relator para Acórdão Ministro Fernando Gonçalves, DJe de 11.02.2010). 3) Na comunhão parcial, concorrerá com os descendentes somente quanto aos bens particulares, não concorrendo, portanto, quanto aos bens comuns. Neste caso, aplica-se o mesmo princípio utilizado nos casos de comunhão universal. Quanto aos bens comuns, a parte que cabe ao cônjuge sobrevivente será atribuída a título de meação, incidindo sobre a herança deste unicamente os bens sobre os quais, teoricamente, não contribuiu.

 

Sobre o inciso “II” do artigo 1.829, deve-se ressaltar que o cônjuge sobrevivente sempre irá concorres com os ascendentes, não importando, para tanto, o regime de bens a que o casamento se submeteu.


Importante mencionar, ainda, que há a possibilidade de o cônjuge sobrevivente, quando meeiro, ser, conjuntamente, herdeiro do falecido. Esta hipótese é justamente a previsão contida no inciso “III” do artigo 1.829, que traz na ordem da vocação hereditária o cônjuge sobrevivente como sendo a terceira pessoa na ordem de sucessão, ou seja, vale dizer que, mesmo nos casos em que o falecido era casado pelo regime de comunhão universal, além de o cônjuge sobrevivente ficar com 50% do patrimônio a título de meação, na inexistência de descendentes e ascendentes será o herdeiro da totalidade da herança deixada pelo cônjuge falecido. (Gabriela Justo, em 2015, publicou no site jusbrasil.com.br, artigo intitulado “Vocação hereditária e análise crítica do artigo 1.829 do Código Civil”, acessado em 23/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

 

Apensando, este corresponde ao art. 1.877 do Projeto de Lei n. 634/75 que na redação original, mencionava “desquitados” e separados de fato há mais de “cinco” anos. Na Câmara dos Deputados, trocou-se “desquitadas” por “separados judicialmente”. No Senado, a emenda n. 473-R, do Senador Josaphat Marinho, diminuiu o prazo de cinco para dois anos.

 

O Código Civil de 1916, art. 1.611, in fine, só reconhece direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal. A separação de fato, para este efeito, não está prevista.

 

Na prédica do relator Ricardo Fiuza, o art. 1.611 do Código Civil de 1916 não concede legitimação do cônjuge para suceder se, ao tempo da morte do outro, estava dissolvida a sociedade conjugal.

 

O novo Código Civil prevê, igualmente, o afastamento do cônjuge separado judicialmente. Mas inova, não reconhecendo direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo em que o outro faleceu, estava o casal separado de fato. Entende o legislador que, estando desfeitos os laços da afeição, rompida a convivência conjugal, falece razão para existir sucessão hereditária entre cônjuges separados de fato, ou de corpos.

 

Porém, ainda que o casal não estivesse mais convivendo, o cônjuge sobrevivente pode ser chamada à sucessão, se provar que não teve culpa na separação.

 

Em muitos casos, não será fácil produzir a prova de quem teve culpa pela extinção da convivência, considerando, especialmente, que um dos parceiros já morreu. Este artigo, com suas regras e exceções, dará margem para inúmeras questões, para discussões intermináveis.


Na legislação estrangeira, embora as soluções não sejam uniformes, encontra-se, também, regras prevendo que o cônjuge sobrevivente não será chamado à sucessão, se estiver separado judicialmente ou de fato — cf. Código Civil francês, art. 767; 53GB. art. 1.933; Código Civil espanhol. art. 834; Código Civil italiano, art. 585; Código Civil português, au. 2.133, 3; Código Civil argentino, arts. 3.574 e 3.575; Código Civil paraguaio, art. 2.587; Código Civil chileno, art. 994, Art. 1º.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 948, CC 1.830, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 23/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Marcelo Rodrigues, no artigo intitulado “O cônjuge e o direito sucessório face ao artigo 1.830 do Código Civil”, agregando conhecimentos ao estudo em linha, Diante das novas feições dadas à sucessão dos cônjuges pelo Código Civil de 2002 e a relevância do tema para toda a coletividade que o presente artigo tem o objetivo de apresentar os principais aspectos sobre o tema à partir da interpretação do CC 1830, não exaurindo o assunto, mas servindo de arcabouço para o melhor entendimento da vocação sucessória do cônjuge sobrevivente, através da análise doutrinária e jurisprudencial.

 

O artigo 1.830 do Código Civil estabelece os requisitos que o cônjuge sobrevivente deverá atender para que veja reconhecido o direito a suceder na sucessão de seu cônjuge falecido. O artigo possui a seguinte redação:

 

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

 

Verifica-se, portanto, que para ver reconhecido o direito sucessório, o legislador criou três hipóteses diferentes, devendo o cônjuge sobrevivente se encaixar em uma delas para fazer jus ao recebimento da herança.

 

Na primeira hipótese, se estabelece que o cônjuge sobrevivente só terá o direito sucessório reconhecido se, ao tempo da morte do de cujus, não estivesse separado judicialmente dele. Sobre esse respeito, importante frisar que somente se considera que os cônjuges estão formalmente separados judicialmente com o trânsito em julgado da sentença da ação de separação ou da ação de divórcio. Ainda se considera que não há direito sucessório quando formalmente realizada a lavratura de escritura pública de separação ou divórcio extrajudiciais pelo cartório competente. Portanto, na pendência da certificação do trânsito em julgado no processo de separação ou divórcio judiciais ou havendo somente atos preparatórios para a separação ou divórcio extrajudiciais perante o cartório, quando da morte do de cujus, o cônjuge sobrevivente será considerado viúvo e sucederá. Essa é a posição defendida por Carlos Roberto Gonçalves:

 

O direito sucessório do cônjuge, todavia, só estará afastado depois de homologada a separação consensual ou passada em julgado a sentença de separação litigiosa ou de divórcio direto, que só produz efeitos ex nunc, ou ainda depois de lavrada a escritura pública de separação ou divórcio consensuais, que produz seus efeitos imediatamente [...].

 

Morrendo o cônjuge no curso da ação de divórcio direto, de conversão de separação em divórcio ou de separação judicial, extingue-se o processo. Nessa hipótese, o estado civil do outro não será de separado judicialmente ou divorciado, mas de viúvo. (Gonçalves, 2015, p. 182).

 

Na mesma linha de raciocínio, José Francisco Cahali ressalta que é imprescindível haver o trânsito em julgado da ação para que se prive o cônjuge sobrevivente do direito sucessório:

 

“Pela literalidade do texto legal, a interpretação direciona-se no sentido de não bastar a pendência de ação, ou mesmo a sentença ou acordo homologado, sendo imprescindível o trânsito em julgado de decisão para privar o cônjuge do direito sucessório, adotando-se, pois, solução diversa de outras legislações. Assim, se antes de se operar a coisa julgada no processo, quer seja de separação judicial, quer seja de divórcio direto, qualquer dos cônjuges vier a falecer, subsiste ao outro o potencial direito hereditário. (CAHALI, 2012, p. 204).

 

Já na segunda hipótese, exige-se que à época da morte do de cujus, ele e o cônjuge sobrevivente não estivessem separados de fato há mais de dois anos. Alguns doutrinadores defendem a ideia de que, em havendo a separação de fato, independente de decurso de prazo, já opera-se o afastamento do direito sucessório do cônjuge sobrevivente. Vê-se, portanto, que para os adeptos dessa ideia, inclusive na primeira hipótese de separação e divórcio judiciais ou extrajudiciais, já teria deixado de existir o direito de suceder com a separação de fato.

 

É o que esclarece José Francisco Cahali sobre este posicionamento: Mesmo que contrariamente à expressa previsão na norma, deve ser ignorada a condição imposta, retirando a condição de herdeiro do cônjuge separado de fato, independente do prazo da ruptura ou de sua causa, em qualquer situação (beneficiando ascendentes ou descendentes). (CAHALI, 2012, p. 206).

 

Sobre à terceira hipótese, em que se reconhece direito sucessório ao cônjuge sobrevivente separado de fato há dois anos ou mais, caso reste comprovado que a convivência se tornou impossível por culpa do de cujus, há muita rejeição doutrinária à sua aplicação. Diversos autores afirmam que com o advento da EC nº 66/2010, que dispôs sobre a possibilidade de divórcio direto, sem requisito de comprovação de separação judicial ou de fato, não há mais que se discutir a culpa, tanto no direito de família, quanto no direito das sucessões. Corroborando esse entendimento, Carlos Roberto Gonçalves afirma que “com o fim da separação de direito, a culpa não poderá ser discutida, inclusive para os fins do retromencionado art. 1.830 do Código Civil.” (Gonçalves, 2015, p. 186).

 

Na mesma linha de ideia, Maria Berenice Dias comenta que: Em face da E C 66/2010, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, a única forma de dissolver o casamento é o divórcio. Em face disso desapareceu o instituto da separação e com ele a necessidade de identificação de causas ou a exigência do curso de prazos para a concessão do divórcio. Eliminada a culpa para a dissolução do casamento, também caíram por terra todas as referências legais à culpa em sede de direito sucessório. (DIAS, 2013, p. 62).

 

Ainda sobre a questão da culpa, muitos autores suscitam que ela também se mostra descabida pelo fato de discutir-se pela sua ocorrência ou não, após a morte do de cujus, sem possibilidade de analisa-la de forma adequada. Neste sentido, afirma Maria Helena Daneluzzi que: “O artigo merece algumas críticas, principalmente no que se refere à segunda parte, qual seja, a de rediscutir ou discutir a culpa do cônjuge sobrevivente, em situações muitas das vezes sedimentadas e que o tempo cicatrizou, mas que, em se tratando de patrimônio, poderão vir à baila e, pior, com a ausência da parte contrária, justamente o autor da herança a contestar ou confirmar fatos eventualmente alegados. (Daneluzzi, 2004, p. 194-195)”.

 

Na mesma toada, Maria Helena Diniz, citando Rolf Madaleno aduz que: “Esse artigo é um retrocesso, afirma Rolf Madaleno, pois como seria possível comprovar culpa funerária ou culpa mortuária? Como perquirir a causa daquela separação, provando inocência do viúvo, se o autor da herança não mais está presente para defender-se das acusações que lhe serão feitas? (DINIZ, M Helena, 2015, p. 142)”.

 

Apesar das considerações apresentadas, que demonstram a doutrina majoritária entender que não cabe mais averiguação de culpa do “de cujus” o que impossibilita a sucessão do cônjuge sobrevivente caso esteja separado de fato há mais de dois anos, é oportuno considerar a possibilidade de reconciliação, mesmo depois da separação judicial, neste sentido Maria Helena Diniz citada por (Daneluzzi, 2004, p. 197, dispõe que: “O ato de restabelecimento da sociedade conjugal deverá ser averbado no Registro Civil, entendemos ainda que, havendo reconciliação fática, estarão os ex-cônjuges vivendo em união estável e, em caso de morte de um deles, o outro herdará nas condições previstas no artigo 1.790 do Código, quer dizer, como convivente, e não como cônjuge sobrevivente”.

 

Outra hipótese consiste na possibilidade do separado de fato vir a constituir união estável antes do período de dois anos de sua separação, na ocorrência de seu óbito, surge um conflito sucessório, se houver adquirido bens durante o estado de convivência, haverá a concorrência sucessória entre o convivente e o cônjuge, bem como com os descendentes do de cujus.

 

Faz-se oportuno destacar também que na ocorrência da separação de fato, seja ela judicialmente ou de corpos, terá o cônjuge direito somente à meação dos bens adquiridos no período da constância da vida em comum, como bem expressa (DIAS, Maria Berenice, 2013, p. 59): “Caso um deles, depois da separação, tenha constituído nova entidade familiar, a meação dos bens adquiridos durante a união estável é de ser deferida ao companheiro sobrevivente. Excluídas as meações do cônjuge e do companheiro, com relação aos bens que cada um auxiliou a amealhar, a herança é atribuída aos herdeiros. No entanto, o direito de concorrência há que ser assegurado somente ao companheiro sobrevivente e não ao ex-cônjuge. Também é o companheiro que faz jus à totalidade da herança na inexistência de descendentes e ascendentes. Afinal, com a separação, ainda que de fato, perde o cônjuge a condição de herdeiro. Absolutamente equivocada a possibilidade de ser reconhecido o direito sucessório ao cônjuge até dois anos da separação de fato”

 

Não seria razoável permitir o direito sucessório ao cônjuge separado, haja vista que a própria lei permite a união estável daquele que é separado de fato, desta forma, ao cônjuge cabe os bens que foram adquiridos na constância de sua sociedade conjugal, por sua vez, ao companheiro cabe à meação dos bens adquiridos no período que viveu em comum com o “de cujus”.

 

Neste mesmo sentido, complementa (GONÇALVES, 2015, p 203): “Outras soluções alvitradas, como a divisão salomônica, partilhando-se os bens da herança meio a meio entre o cônjuge e o companheiro sobrevivente, ou a entrega ao companheiro de um terço dos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, apresentam o inconveniente acima apontado de assegurar a um dos concorrentes direito sucessório sobre um bem adquirido pelo esforço comum do outro”.

 

Ainda sobre o mesmo tema, conclui Pereira: “Melhor mesmo seria, diante da inviabilidade da concorrência entre cônjuge e convivente supérstites, excluir o separado de fato da vocação hereditária” (PEREIRA, 2013, p. 221).

 

Importante também situar a condição de convivente ante as pessoas casadas, enquanto o CC 1830 dispõe de condições para a sucessão do cônjuge, quanto ao convivente a lei ainda é omissa, havendo tratamentos diferentes que nos termos de (CAHALI, 2012, p. 215-216): “Embora omissa a legislação, apenas se atribui direito sucessório ao convivente se falecido o outro na constância da união estável. Diverge aqui da situação das pessoas casadas, pois o matrimônio exige processo necessário à sua desconstituição, surgindo as implicações decorrentes do falecimento de um dos cônjuges durante o processo de separação ou divórcio, e ainda quando da separação apenas de fato do casal, como acima tratado. Na união estável, basta o rompimento de fato do vínculo, para de imediato privar-se o companheiro do direito sucessório, independentemente de estar ou não em curso ação de reconhecimento e dissolução da união” (CAHALI, 2012, p. 215-216). [...]. (Marcelo Rodrigues, em artigo postado no site jusbrasil.com.br, em 2015, intitulado “O cônjuge e o direito sucessório face ao artigo 1.830 do Código Civil”, acessado em 23/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Para Guimarães e Mezzalira, cada classe está inserida em um inciso, e o chamamento de uma implica a exclusão das demais; a lei não faz distinção entre nacionais e estrangeiros e todos recebem igualmente.

 

O inciso XXXI, do art. 5º da CF, enuncia regra básica de sucessão especial, assim redigida: “A sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoa do de cujus.” Idêntica disposição está na Lei de Introdução às Normas do direito brasileiro, no art. 10, caput e seus parágrafos.

 

Para entender melhor, divide-se os regimes de bens em seis, ou seja: Comunhão universal, comunhão parcial sem bens particulares, separação obrigatória, comunhão parcial com bens particulares, separação convencional e participação final nos aquestos.

 

Nos três primeiros regimes, o cônjuge supérstite não concorre com os descendentes; nos outros três, no entanto, o sobrevivente concorre e tira dos descendentes boa parcela do seu quinhão. Resta, contudo, lembrar sempre a norma contida no CC 1.830: o sobrevivo não estava separado de direito ou de fato, por mais de dois anos do falecido, salvo prova de que ele não deu causa a esta separação. Volta a teoria da culpa, cabendo aos interessados a prova da causa da separação de fato.

 

No regime de comunhão universal e, igualmente, de comunhão parcial sem bens particulares, o sobrevivente terá a meação (Direito de Família), mas não concorrerá com os descendentes. Se o regime é de separação obrigatória, o sobrevivente não terá meação nem concorrerá com os descendentes.

 

Costuma o autor, por didática, abordar primeiramente, os descendentes, o que facilita o aprendizado na concorrência.

 

Desde a mais remota história da civilização, o homem sempre dedicou afeição maior a seus filhos, descendentes direitos, mesmo sangue, mesma carne, imaginando, muitas vezes ser possível o filho seguir os passos do pai, em autêntico prolongamento da vida post mortem.

 

A afeição que os pais têm pelos filhos é o reflexo da própria natureza, encontrando-se entre os animais irracionais idêntica afeição protetiva pelos filhos, a ponto de perder a própria vida na defesa de sua ninhada.

 

A lei humana segue os passos da natureza e os filhos estão colocados em primeiro lugar, na ordem da vocação hereditária, na classe dos descendentes. A filiação passou a ser tratada de forma diferente; a Constituição federal de 1988 não só proibiu qualquer designação discriminatória, como estabeleceu em seu favor os mesmos direitos e qualificações, reunindo todos os filhos, qualquer que seja sua origem, em dispositivo constitucional, dando-lhes plena e total igualdade: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (CF. art. 227, § 6º). Não há, portanto, necessidade de alongar-se sobre os direitos dos filhos legítimos ou ilegítimos, naturais ou incestuosos. Essas diferenças foram afastadas do CC/2202, estabelecendo que todos os filhos são iguais.


É bem verdade que cresce, em todos os países do mundo ocidental, a valorização do filho socioafetivo. No Brasil não se faz distinção entre os filhos biológico e os adotivos. Constata-se que, na maioria das vezes, sempre que impossível a filiação consanguínea, os pais dão muita atenção aos adotivos, como força de compensar os desígnios da natureza. Esses filhos escolhidos, eleitos, oriundos de vontades dos pais adotantes e não mero resultado de uma relação sexual são benvindos aos novo lar. [...] (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.830, acessado em 23/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

 

Consagradamente, este corresponde ao art. 1.878 do Projeto de Lei n. 634/75, que, entretanto, só reconhecia o direito real de habitação, se o cônjuge sobrevivente fosse casado sob o regime da comunhão universal ou parcial de bens, ou de separação obrigatória de bens. Na Câmara dos Deputados, na primeira fase da tramitação do projeto, foi aprovada subemenda do Relator Parcial, Deputado Celso Barros, estabelecendo que o direito real de habitação será conferido ao cônjuge sobrevivente “qualquer que seja o regime de bens”. Ver art. 1.611, § 2º , do Código Civil de 1916.

 

Na crítica do relator, a fonte deste artigo é o § 2º do art. 1.611 do Código Civil de 1916, introduzido pela Lei n. 4.121, de 1962. Mas, nos termos do aludido § 2º , o direito real de habitação só era concedido se o cônjuge sobrevivente tivesse sido casado sob o regime da comunhão universal, e sob a condição de continuar viúvo.

 

O CC 1.831 confere ao cônjuge o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, qualquer que seja o regime de bens. Não menciona que o direito real de habitação se extingue se o beneficiário convolar a novas núpcias.

 

O requisito legal é o de que o imóvel residencial seja o único dessa natureza a inventariar. Se existirem outros bens imóveis da mesma natureza no espólio, que possam ser utilizados para moradia do cônjuge sobrevivente, não incide o aludido direito real de habitação.

 

O direito real de habitação é concedido sem prejuízo da participação da viúva ou do viúvo na herança. Mesmo que o cônjuge sobrevivente seja herdeiro ou legatário, não perde o direito de habitação.

 

Não assiste direito aos demais herdeiros e condôminos de cobrar aluguel da viúva ou do viúvo pelo exercício do direito real de habitação imóvel residencial deixado pelo de cujus. Sem dúvida, isso significa restrição ao direito dos coproprietários, mas o legislador quis privilegiar o cônjuge sobrevivente, manter seu status, suas condições de vida, garantindo-lhe o teto, a morada.

 

O direito real de habitação é personalíssimo e tem destinação especifica de servir de morada ao titular, que portanto, não pode alugar, nem emprestar o imóvel, devendo ocupá-lo, direta e efetivamente (art. 1.434). Esse direito é um usufruto em miniatura, como dizem alguns ou, até melhor, um uso limitado.

 

Se o imóvel residencial for o único bem do espólio, exercendo o cônjuge sobrevivente sobre ele o direito real de habitação, há perda substancial do direito dos demais herdeiros.

 

Não parece ser uma solução justa, nem haver razão para manter o direito real de habitação, se o cônjuge sobrevivente constituir nova família. “Quem casa faz casa”, proclama o dito popular. Acho melhor e mais previdente a restrição do art. 1.611, § 2º, do Código Civil de 1916.


Sugestão legislativa: Pelos fundamentos expostos, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alteração deste artigo, o qual, uma vez aprovada a proposta pela Câmara dos Deputados, passaria a redigir-se: Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, enquanto permanecer viúvo ou não constituir união estável, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 949, CC 1.831, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 23/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Joseval Martins Viana, em artigo publicado no site ambitojuridico.com.br, Revista 167, em Dezembro de 2017, referencia o Art. 1.831: O direito real de habitação é o direito que tem o cônjuge supérstite, de permanecer residindo na morada do casal após o falecimento de seu consorte desde que este imóvel fosse o “único do gênero a inventariar”, conforme preceitua o CC 1.831.

“Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.”

Para Rodrigues (p 116), “o legislador quer preservar as condições de vida, o ambiente, as relações, enfim, evitar que a viúva ou o viúvo tenha de se mudar, de ser privado de sua moradia.”

No Código Civil de 1916, o direito permanecia com o titular enquanto durasse o estado de viuvez. No entanto, esta restrição não foi mantida pelo Código Civil de 2002, ou seja, mesmo após contrair novas núpcias o titular do direito real de habitação continua com este direito assegurado. Além disso, o direito real de habitação não é um direito exercido automaticamente, nem mesmo pode ser presumido ou tácito, bem como não o pode ser sua renúncia. Este direito deve ser requerido pelo cônjuge sobrevivente, preferencialmente, no processo de inventário, ou ao termino deste, desde que tempestivamente.

Em se tratando de direito real sobre coisa alheia, após sua concessão judicial, ele deverá constar na matricula do imóvel. Após o estabelecimento judicial o direito real de habitação retroage ao momento da morte do autor da herança, de forma que, desde a abertura da sucessão, o cônjuge titular do direito à habitação já o detém, mesmo que não tenha exercido.

Portanto, ainda que o cônjuge sobrevivente não tenha requerido expressamente o direito à habitação, fazendo dentro do prazo, poderá opor o seu direito contra terceiros ou, até mesmo, contra os herdeiros e interessados no inventário e na partilha dos bens. Ressalta-se ainda que o direito ora tratado é de moradia e não de usufruto, não podendo o cônjuge sobrevivente transferir sua posse direta, de maneira onerosa ou gratuita.

Por fim, quanto ao valor do imóvel no qual recairá o direito real de habitação, não há na legislação um limite previsto, não cabendo os argumentos de que o cônjuge não necessitará daquele imóvel por ser muito grande ou de valor muito alto.

Desta forma, quanto ao direito real de habitação, conclui-se que os companheiros terão os mesmos direito dos cônjuges, seguindo o que dispõe o CC 1.831. Ou seja, o companheiro também terá o direito de residir no imóvel destinado à residência da família, desde que este seja o único bem desta natureza a inventariar, até o seu falecimento, ainda que constitua união estável com outra pessoa ou mesmo se case novamente. [...]. (Joseval Martins Viana, Mestre em Comunicação e Letras pela Mackenzie, em artigo publicado no site ambitojuridico.com.br, Revista 167, em Dezembro de 2017, intitulado “Direito real da habitação na união estável”, ref. CC 1831, acessado em 23/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na conceituação de Guimarães e Mezzalira, o CC 1.831 criou uma situação diferente, conferindo ao cônjuge sobrevivente, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. 

O legislador não estabeleceu restrições pelo regime de bens adotado pelos cônjuges na época do casamento. Qualquer que seja o regime de bens permanecerá válido o direito do cônjuge à habitação do imóvel que é destinado à residência da família. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.831, acessado em 23/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).