sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.145, 1.146, 1.147 - continua Do Estabelecimento - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 1.145, 1.146, 1.147 - continua
Do Estabelecimento - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro II – (Art. 966 ao 1.195) Capítulo Único –
Disposições gerais (Art. 1.142 a 1.149) Título III – do estabelecimento
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Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação.

Sujeitando à apreciação Marcelo Fortes Barbosa Filho, feita uma avaliação acerca do potencial surgimento da insolvência do alienante do estabelecimento empresarial, pode ser verificada grave inaptidão patrimonial, vislumbrando-se prejuízo vultoso para os credores, desfalcada, irremediavelmente, a garantia geral oferecida a seu pagamento. No conjunto dos ativos, o estabelecimento cuja titularidade está sendo transmitida pode apresentar tal relevância que, sem ele, o valor do passivo acumulado superaria aquele atribuído aos demais bens. Nesse caso, para que seja possível extrair todos os efeitos da alienação desejada, exige-se, como fator de eficácia, o adimplemento antecipado das dívidas do empresário alienante ou, efetuada a notificação judicial ou extrajudicial de cada um de seus credores, não seja oferecida, no prazo de trinta dias, qualquer oposição, o que será equivalente a uma aquiescência tácita. O contrato celebrado, caso não seja materializada uma das situações propostas, será válido, mas não apresentará plena eficácia, não podendo atingir a esfera jurídica de credores do empresário alienante. Frise-se que a hipótese prevista no presente artigo pode fornecer suporte à decretação da falência do empresário, porquanto a alienação onerosa ou gratuita do estabelecimento, de acordo com o art. 94, III, c, da Lei n. 11.101/2005 (antigo inciso V do art. 2º do Decreto-lei n. 7.661/45), constitui uma das causas singulares de caracterização do estado falimentar, quando realizada sem aquiescência dos credores e não sobrarem bens suficientes ao saldo das dívidas. Ademais, persiste correspondência com o disposto no art. 129, VI, da Lei n. 11.101/2005 (antigo art. 52, VIII, do Decreto-lei n. 7.661/45), que prevê, ante a falta de prévio adimplemento ou de aquiescência dos credores, o ajuizamento de ação revocatória, por meio da qual é postulado o reconhecimento judicial da ineficácia da alienação de um estabelecimento, deixando o negócio de produzir efeitos perante os ditos credores. A ação revocatória é proposta contra o adquirente do estabelecimento e pretende trazer tal universalidade à massa falida, integrando procedimento concursal em andamento. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.109. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No parecer apresentado na Doutrina de Ricardo Fiuza, na alienação do estabelecimento comercial, o alienante deve possuir bens suficientes para o pagamento das dívidas contraídas junto a seus credores existentes até a data da alienação. Se os bens do alienante foram insuficientes, isto é, inferiores a seu passivo, a alienação somente poderá ser efetuada se todos os credores forem pagos ou se consentirem na realização da operação. Para tanto, nesse caso, antes da conclusão do processo de alienação, o alienante deverá notificar todos os seus credores da operação. Não se manifestando o credor no prazo de trinta dias, haverá presunção de concordância tácita. Se ocorrer manifestação contrária, de qualquer credor, ao processo de alienação do estabelecimento, este não poderá ser concretizado, salvo mediante o pagamento do passivo existente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 593, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comentando o assunto, Marcelo Gazzi Taddei leciona que além dessas formalidades, o CC 1.145, reforçando a proteção dos interesses dos credores, prevê que se ao alienante não restarem bens suficientes para o pagamento do passivo relacionado ao estabelecimento vendido, a eficácia do contrato ficará na dependência do pagamento de todos os credores ou do consentimento (anuência) destes. O empresário que deseja alienar o seu estabelecimento deve solicitar o prévio consentimento dos seus credores, mediante notificação judicial ou pelo oficial de registro de títulos e documentos. O consentimento pode ser expresso (dado por escrito) ou tácito (caracterizado pela inércia do credor nos 30 dias seguintes à notificação judicial ou extrajudicial). O alienante somente se encontra dispensado dessa exigência legal se permanecer solvente mesmo após a alienação.

O trespasse pode, eventualmente, caracterizar sinal de insolvência em razão da supressão da garantia comum dos credores. Constitui ato de falência se realizado sem a anuência dos credores (Lei n° 11.101/2005, art. 94, III, “c”) e não restar ao devedor patrimônio suficiente para saldar o passivo. Caso contrário, ou seja, ficando com bens suficientes, o consentimento dos credores é dispensável. A prova da insuficiência do ativo remanescente incumbe ao autor do pedido de falência. Além disso, se a formalidade prevista no CC 1.145 não for cumprida, a consequência também será prejudicial ao adquirente. O art. 129, VI, da Lei n° 11.101/2005 prevê: “Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores: (…); VI. A venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial de registro de títulos e documentos”; Diante do previsto, o trespasse poderá ser considerado ineficaz perante a massa falida e o adquirente deverá entregar o estabelecimento para a massa falida. O parágrafo único, art. 129, Lei n° 11.101/2005 prevê que “A ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do processo”.


O reconhecimento da ineficácia não exige a má-fé do adquirente do estabelecimento, o simples desatendimento da previsão expressa no inciso VI do art. 129 autoriza a declaração da ineficácia do trespasse, não importando o intuito fraudulento do ato. De acordo com o art. 136 da Lei n° 11.101/2005, reconhecida a ineficácia do ato, as partes retornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores entregues ao devedor. O § 2º do referido art. 136 prevê ser garantido ao terceiro de boa-fé, a qualquer tempo, propor ação por perdas e danos contra o devedor ou seus garantes. Cumpre ressaltar que o art. 1145 estabelece uma norma genérica sobre a ineficácia do trespasse perante os credores, quando desatendida a previsão legal, não sendo, nesse caso, necessária a declaração da falência do empresário alienante. De acordo com Marcelo Andrade Féres, “o credor, mesmo sem promover a execução concursal, poderá pleitear, em qualquer processo, o reconhecimento da ineficácia do negócio” (FÉRES, 2007, p.129).


A sucessão empresarial decorrente do trespasse - A transferência do estabelecimento empresarial produz uma série de efeitos obrigacionais, dentre os quais destacam-se aqueles que atingem as dívidas contraídas pelo empresário alienante e sua transferência ao empresário adquirente, caracterizando-se a sucessão empresarial. Portanto, há sucessão empresarial quando o empresário adquirente responde pelas dívidas referentes ao estabelecimento empresarial contraídas pelo empresário alienante. (Marcelo Gazzi Taddei, Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca, SP, Professor de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I da UNIP – Universidade Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de Direito Empresarial da ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio Preto, SP. , O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


 Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

No entendimento de Marcelo Fortes Barbosa Filho, celebrado contrato resultante na alienação gratuita ou onerosa do estabelecimento empresarial, o adquirente assume a titularidade da universalidade de fato no estado em que ela se encontrar e, por isso, responde pelas dívidas já constituídas pelo alienante, desde que persista, evidentemente, nexo de finalidade entre seu surgimento e a administração do conjunto patrimonial enfocado. Diante do trespasse ou da doação, o adquirente sucede, pura e simplesmente, o alienante e deve pagar as referidas dívidas, como se tivessem nascido de sua própria atuação. A regra não admite exceção e apresenta natureza cogente, não sendo válida cláusula contratual em sentido diverso, para excluir ou limitar a responsabilidade do adquirente. Uma única ressalva foi feita, com o fim de resguardar a posição do adquirente de boa-fé. O adquirente permanece isento de responsabilidade quanto a dívidas não contabilizadas, não podendo ser surpreendido por débitos não lançados nos livros do alienante. A alienação pressupõe tenha sido feito um exame da situação econômico-financeira da atividade empresarial realizada pelo estabelecimento, o que, no mais das vezes, só é viável com a leitura e a análise dos lançamentos contábeis, que devem ser elaborados com a estrita observância das regras legais e técnicas. Caso haja dívidas não contabilizadas, a responsabilidade exclusiva recai sobre o alienante, que usou, supostamente, de malícia no curso das tratativas do contrato celebrado. De toda maneira, o alienante, em decorrência do texto legal expresso, mantém-se vinculado a todas as dívidas antigas, permanecendo, por um lapso de tempo certo e determinado, solidariamente obrigado, como forma de proteção suplementar dos credores. A solidariedade remanesce vigente durante um ano, prazo este que pode ostentar dois diferentes marcos iniciais de contagem. Para as dívidas vencidas antes da celebração do contrato de trespasse ou de doação, o prazo de um ano é contado a partir da publicação prevista no CC 1.144, feita pela imprensa oficial, enquanto, para as demais dívidas, seu vencimento constitui o marco de início da contagem do prazo de um ano. Ressalte-se que as regras estratificadas pelo presente artigo apresentam grande importância, suprindo antiga lacuna da legislação nacional e evitando a proliferação de soluções díspares para as questões controvertidas derivadas da alienação do estabelecimento empresarial. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.110. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina Ricardo Fiuza dá nome aos bois. A hipótese tratada na norma é denominada doutrinariamente cessão da clientela. Junto com o estabelecimento comercial e seus atributos, a alienação ou arrendamento abrange a clientela que normalmente com ele realizava negócios, em razão de seu nome empresarial, do seu ponto comercial, das marcas de seus produtos e de outros elementos corpóreos e incorpóreos que servem de referencial para a prática mercantil. Na alienação do estabelecimento, o alienante fica obrigado, pelo prazo de cinco anos, a não continuar exercendo a mesma atividade que era objeto do estabelecimento, no mesmo ramo de atividade comercial, salvo disposição expressa no contrato de alienação permitindo que o alienante possa concorrer, na mesma praça, disputando clientela com o adquirente. Nas hipóteses de arrendamento ou usufruto do estabelecimento comercial, a cessão da clientela deverá ser observada pelo mesmo prazo de vigência do contrato que instituiu o arrendamento ou usufruto. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 594, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  

A seleção de Marcelo Gazzi Tadei elimina dúvidas quanto ao artigo em comento O Código Civil de 2002 disciplina a sucessão empresarial no CC 1.146:“ O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento” O contrato de trespasse não pode excluir ou limitar a responsabilidade do empresário adquirente pelas dívidas do estabelecimento empresarial adquirido. O CC 1.146 do Código Civil não admite exceção, tem natureza cogente, não havendo espaço para a autonomia de vontade das partes restringir os interesses dos credores. Cláusula que contraria o disposto no CC 1.146 não terá validade.

A sucessão empresarial está disciplinada pelo Código Civil brasileiro de forma semelhante à prevista no direito italiano, conforme se observa pelo conteúdo do art. 2.560, in verbis:2.560. Debiti relativi all’azienda ceduta – L’alienante nom è liberato daí debiti, inerenti all’esercizio dell’azienda ceduta anteriori al trasferimento, se non risulta che i creditori vi hanno consentito (1273). Nel transferimento di un’azienda comerciale risponde dei debiti suddetti anche l’acquirente dell’azienda (2112) se essi risultano daí libri contabili obbligatori (2214-2220;Trans.220).”

(Codice Civile, 2007, p.409) - De acordo com o Codice Civile, o empresário adquirente do estabelecimento torna-se solidariamente responsável com o empresário alienante pelas dívidas da azienda, desde que elas se encontrem regularmente escrituradas nos livros comerciais obrigatórios. No direito italiano, o empresário adquirente assume a responsabilidade pelas dívidas regularmente escrituradas, mas, elas não são transferidas para ele, salvo se o contrato de trespasse assim determinar. Portanto, no silêncio contratual, o empresário alienante é o principal obrigado pelas dívidas do estabelecimento, respondendo o adquirente de forma solidária pelo seu pagamento. Entretanto, esse entendimento não é pacífico no direito italiano, alguns doutrinadores atribuem ao empresário adquirente do estabelecimento a qualidade de devedor principal (FÉRES, 2007, p. 110).


No Código Civil brasileiro, o empresário adquirente responde pelas dívidas regularmente escrituradas referentes ao estabelecimento empresarial negociado, ficando o empresário alienante responsável por essas dívidas de forma solidária com o adquirente, mas, por tempo limitado. De acordo com o CC 1.146, o empresário adquirente é o devedor principal pelas dívidas do estabelecimento adquirido, respondendo o alienante de forma solidária pelo tempo limitado de um ano contado do vencimento ou da publicação, conforme se trate de dívida vincenda ou vencida.


Durante o prazo legal, os credores podem responsabilizar o empresário adquirente e o empresário alienante do estabelecimento. Após o prazo previsto de um ano (do vencimento da dívida ou da publicação do trespasse, conforme o caso), apenas o empresário adquirente pode ser responsabilizado pelas dívidas do estabelecimento. Embora a previsão legal demonstre a preocupação do legislador com os interesses dos credores, a limitação temporal da responsabilidade do alienante pode gerar uma situação prejudicial aos credores do estabelecimento, conforme observa Marcelo Andrade Féres em obra específica sobre o tema: “Imagine-se, por exemplo, uma sociedade empresária que aliena um de seus quatro estabelecimentos para outra pessoa jurídica, cujo patrimônio se limita à universalidade em negociação. Na espécie, após o decurso do prazo decadencial de sobrevida da responsabilidade do trespassante – sociedade abastada -, os credores serão prejudicados pela disposição da lei. Perceba-se, assim, que a opção do Código Civil pela transmissão do estabelecimento com todas as suas vicissitudes para o trespassário, episodicamente, pode acarretar situação prejudicial aos credores, embora ela pretenda resguardá-los” (Féres, 2007, p. 114).


As dívidas comuns que não se encontrem regularmente escrituradas não são de responsabilidade do empresário adquirente, que não teve oportunidade de conhecer sua existência, pela ausência na escrituração ou pela sua irregularidade. O empresário adquirente, nos termos do CC 1.146, assume responsabilidade nos limites da escrituração apresentada pelo empresário alienante. As dívidas existentes que não fazem parte da escrituração apresentada ao adquirente, são de responsabilidade do empresário alienante. Referido entendimento, entretanto, permite adequações diante da comprovação de elementos indicativos de fraude contra credores, hipótese em que o adquirente pode ser responsabilizado.


Cumpre ressaltar que o CC 1.146 aplica-se às dívidas comuns, não abrange as dívidas trabalhistas e tributárias, que possuem tratamento legal específico. Caracterizam-se como dívidas comuns, por exemplo, aquelas ligadas aos parceiros comerciais (fornecedores de matéria-prima, de embalagem, campanhas publicitárias) e também as de natureza financeira (empréstimos bancários, contratos de leasing, financiamento). Nas outras hipóteses de sucessão empresarial, a responsabilidade do adquirente por obrigações do alienante decorre da lei trabalhista e fiscal, não se exigindo nesses casos a regular contabilização da dívida para fins de responsabilização do adquirente em relação aos passivos tributários e trabalhistas.


O art. 448 da CLT dispõe que mudanças na propriedade da empresa não afetam os contratos de trabalho existentes, possibilitando ao empregado duas opções: a de demandar o antigo proprietário do estabelecimento empresarial em que trabalhava, ou o atual. Em qualquer hipótese, o empresário não poderá opor-se à pretensão do empregado, com base no contrato de trespasse, já que elas geram efeitos apenas entre os empresários participantes do negócio. Assim, se o adquirente é responsabilizado perante antigo empregado do alienante, e por meio do contrato de trespasse, não havia expressamente assumido o passivo trabalhista dele, terá direito de regresso para se ressarcir do prejuízo. No que se refere ao passivo fiscal com base no art. 133 do CTN, distinguem-se duas situações: se o alienante deixa de explorar qualquer atividade econômica; ou se continua a exploração de alguma atividade (não importando o gênero) nos seis meses seguintes à alienação. O art. 133 do CTN prevê: “A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato:

I. Integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;


II. Subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis) meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão”.


Perante o fisco são inoponíveis também os termos do contrato de trespasse, que apenas eventualmente podem fundamentar o direito de regresso. Em matéria de sucessão empresarial, ressalta-se o tratamento atribuído pela Lei de Falência e Recuperação de Empresas aos casos de aquisição judicial de estabelecimento do devedor em crise em processos de recuperação judicial e de falência, em que a responsabilidade do adquirente pelas dívidas referentes ao estabelecimento adquirido, inclusive as de natureza tributária e trabalhista, foi afastada (art. 60, parágrafo único e art. 141, II, Lei n° 11.101/2005).


No âmbito da recuperação judicial de empresa, se o plano de recuperação aprovado abranger a alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização na forma do art. 142 da LF (leilão com lances orais, propostas fechadas ou pregão), sendo que o objeto da alienação encontra-se livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária (art. 60, LF). Na falência, o art. 141, I, dispõe que todos os credores se sub-rogam no produto da realização do ativo, de forma que o bem adquirido está isento de responder por dívidas do falido. O inciso II do referido artigo prevê que na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.


No âmbito tributário, a aplicação de referidos dispositivos tornou-se possível diante da alteração do art. 133, CTN, pela Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, que acrescentou um §1° ao artigo, in verbis:


“§1°. O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: I – em processo de falência; II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial”.


Foi incluído também o §2° ao art. 133, prevendo que a isenção do §1° não se aplica quando o adquirente for sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido em recuperação judicial, ou ainda parente em linha reta ou colateral até o 4° grau, consanguíneo ou afim, do devedor ou qualquer de seus sócios, ou ainda para aquele identificado como agente do falido ou devedor em recuperação judicial, com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.


O art. 133 também recebeu o acréscimo do §3°:


Em processo de falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo da falência pelo prazo de 1 ano, contado da data da alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extra concursais ou de créditos que preferem ao tributário”.


Em relação à sucessão trabalhista, certamente encontrará severa resistência da justiça especializada do trabalho, diante da natureza alimentar do crédito trabalhista, conforme se verificou no caso da recuperação judicial da Varig. Entretanto, é necessário lembrar que um dos grandes temores de quem arremata um bem em juízo é tornar-se sub-rogado nos ônus incidentes sobre o bem. Como incentivo à existência de interessados na compra, a lei afasta o bem de quaisquer ônus ou sucessão, blindando-o.


Para evitar fraudes, o §1°, art. 141, da Lei n° 11.101/2005 afasta essa blindagem quando a aquisição tenha sido feita por pessoas próximas ao devedor: sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; parente, em linha reta ou colateral até o quarto grau, consanguíneo ou afim (por afinidade), do falido ou de sócio da sociedade falida; identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. Nesta lista, embora a legislação não preveja, devem ser incluídos o cônjuge e o companheiro do falido ou de seus sócios.


Cláusula de não-restabelecimento (interdição da concorrência) - O alienante do estabelecimento empresarial que se restabelece em concorrência com o adquirente, em geral atrai para o novo local de seus negócios a clientela que formou no antigo. Ulhoa destaca que o desvio de clientela na atualidade deve-se menos ao contato pessoal entre o consumidor e o empresário e mais às informações que o empresário alienante detém sobre a realidade do mercado em que opera (COELHO, v. 1, 2007, p. 101).


Como o adquirente pagou ao alienante um valor baseado no aviamento do estabelecimento, e não na simples soma dos bens que o compõem, o restabelecimento do alienante importa prejuízo ao adquirente, podendo caracterizar enriquecimento indevido, daí a razão da cláusula de não-restabelecimento, que tem por finalidade impedir que o empresário alienante se restabeleça em concorrência com o adquirente (na mesma atividade, em local que disputam a mesma clientela e nos 5 anos seguintes ao trespasse).

A cláusula de não restabelecimento, também denominada de cláusula de interdição da concorrência, constitui uma obrigação de não fazer assumida contratualmente pelo empresário alienante do estabelecimento que se compromete a não concorrer com o empresário adquirente. São fundamentos para a previsão legal da cláusula de não restabelecimento: o princípio da boa-fé na execução dos contratos (CC 422, o princípio da equidade e da concorrência leal. (Marcelo Gazzi Taddei, Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca, SP, Professor de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I da UNIP – Universidade Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de Direito Empresarial da ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio Preto, SP. , O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência. Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.

No embalo de Marcelo Fortes Barbosa Filho, até o início da vigência do Código Civil de 2002, era muito comum a inserção, nos contratos de trespasse, de uma cláusula de interdição de concorrência, explicitando estar o alienante proibido de organizar novo estabelecimento similar ao transmitido e, assim, impor substancial prejuízo ao adquirente, dada a depreciação decorrente de inevitável perda de clientela e diminuição do aviamento. Agora, a proibição está subentendida, ostentando caráter geral e vigorando por um prazo certo, de cinco anos contados da celebração de contratos onerosos ou gratuitos resultantes na transferência da titularidade de um estabelecimento, de trespasse ou de doação. A regra possui, contudo, natureza dispositiva e as partes negociais (alienante e adquirente) podem dispensar, limitar ou ampliar a interdição legal, mediante cláusula inserida no instrumento contratual elaborado, cuja averbação está prevista no CC 1.144. Deixa-se espaço para que o interesse privado prevaleça e construa uma disciplina concreta para o período imediatamente posterior à transferência da titularidade de um estabelecimento empresarial, preservado um regramento mínimo. O parágrafo único estende, também, a incidência da regra geral de interdição da concorrência ao contrato de arrendamento e à instituição de usufruto do estabelecimento empresarial, fixando-se apenas um prazo diverso, posto que a proibição deve perdurar enquanto o arrendamento estiver em curso ou o direito real de usufruto continuar onerando o bem coletivo. Equiparam-se, assim, o arrendatário e o usufrutuário ao adquirente do estabelecimento empresarial, pois suas posições jurídico-econômicas são, ao menos quanto à concorrência, equivalentes, ficando protegido quanto à atuação do arrendante ou do nu-proprietário, instituidor do direito real limitado. (Marcelo Fortes Barbosa Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.111. Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Enquanto o histórico aponta O enunciado por este artigo manteve a redação do projeto original. Não tem precedente no Código Civil de 1916. A Lei de Falências (Decreto-Lei n. 7.661/45, art. 52, parágrafo único) estabelecia o prazo de dois anos a cessação da responsabilidade do alienante do estabelecimento comercial na condição de sócio de responsabilidade solidária.

Em sua Doutrina Ricardo Fiuza demonstra que na alienação ou trespasse, o estabelecimento é transferido em sua totalidade, compreendendo todos os seus bens corpóreos e incorpóreos e seu ativo e passivo. O adquirente assume a responsabilidade, perante os credores da empresa, pelas dívidas devidamente contabilizadas na data da alienação. O alienante do estabelecimento, devedor primitivo, ficará solidariamente responsável junto ao adquirente pelas dívidas vencidas e vincendas contabilizadas na data da alienação, pelo prazo de um ano. Para as dívidas vencidas, esse prazo é contado da data da publicação do ato de arquivamento da alienação no Registro Público de Empresas Mercantis. Para as dívidas vincendas, o prazo de um ano se inicia a partir do vencimento do título correspondente. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 594, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 07/08/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).  

Lecionando Marcelo Gazzi Taddei, de acordo com o caput do CC 1.147, baseado no art. 2.557 do Codice Civile, se o contrato de trespasse é omisso em relação ao restabelecimento, presume-se no direito brasileiro implícita a cláusula de não restabelecimento pelo prazo de 5 (cinco) anos seguintes ao trespasse: “Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência.”

Em razão do art. 170, Constituição Federal de 1988, a cláusula de não restabelecimento deve apresentar limites materiais (ramo de atividade), territoriais (âmbito geográfico) e temporais (prazo de não concorrência) para não ofender os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência. A cláusula de não restabelecimento que vede a exploração de qualquer atividade econômica ou não estipule restrições temporais ou territoriais não gera o efeito pretendido pelas partes. Marcelo Andrade Féres destaca que além dos elementos temporal, territorial e material, a cláusula de não restabelecimento deve indicar o elemento pessoal, que se refere às partes signatárias do trespasse. De acordo com o caso concreto, mostra-se oportuna a vedação da concorrência sobre outras pessoas, como os administradores e sócios controladores da sociedade empresária alienante do estabelecimento, vedação que se estende aos seus herdeiros e cônjuges (FÉRES, 2007, p. 159).


De acordo com o art. 2.557 do Código Civil italiano, se o contrato de trespasse indica um prazo maior que 5 anos ou esse prazo não é previsto, a interdição da concorrência vale pelo período de cinco anos da transferência. O mesmo artigo ainda prevê que a cláusula de interdição da concorrência prevista em limites mais amplos que os materiais ou geográficos é válido, desde que não impeça toda e qualquer atividade profissional do alienante, entretanto, não pode exceder o prazo de 5 anos da transferência. 

A legislação brasileira não estabeleceu um limite temporal máximo para o não restabelecimento do empresário, o prazo de 5 anos previsto no CC 1.147 está previsto para os casos em que o contrato de trespasse não trata da questão, servindo de referência.
Diante da lacuna legal, admite-se a possibilidade do contrato de trespasse estabelecer um limite temporal superior ao prazo de 5 anos, desde que exista uma compensação econômica ao empresário alienante e não exista ofensa ao princípio constitucional da livre iniciativa. Conforme se observa, a questão exige a análise cautelosa do caso concreto para verificar a validade do excesso de prazo previsto. De qualquer forma, havendo a configuração das hipóteses previstas no art. 54 da Lei n° 8.884/1994, o ato deve ser submetido à apreciação do CADE.

O CC 1.147 do CC 2002 permite o afastamento da cláusula de não restabelecimento pela vontade das partes, desde que expressa no contrato de trespasse. O restabelecimento do alienante em concorrência com o adquirente somente é possível se o contrato de trespasse apresentar cláusula de autorização expressa. Omisso o contrato, presume-se vedado o restabelecimento do empresário alienante pelo prazo de 5 anos. Na hipótese de violação da cláusula de não restabelecimento pelo empresário alienante, o empresário adquirente poderá promover execução específica de obrigação por meio da Ação Cominatória prevista no art. 461 do Código de Processo Civil, (correspondendo ao art. 497 do CPC/2015) que permite a fixação de multa diária (astreintes) para coibir a continuação da concorrência vedada. Se ao descumprimento da cláusula de não restabelecimento somarem-se outras condutas caracterizadoras de concorrência desleal, o empresário alienante também poderá sofrer sanções penais, diante da configuração de crime de concorrência desleal (art. 195, Lei n° 9.279/1996). (Marcelo Gazzi Taddei, Advogado, Parecerista, Mestre em Direito pela UNESP de Franca, SP, Professor de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Civil I da UNIP – Universidade Paulista, de São José do Rio Preto, SP e Professor de Direito Empresarial da ESA – Escola Superior de Advocacia de São José do Rio Preto, SP. , O Código Civil de 2002 e a disciplina legal do estabelecimento empresarial, Acessado 07/08/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).