sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Comentários ao Código Penal – Art. 17 Crime impossível – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com – Whatsapp: +55 22 98829-9130

 

Comentários ao Código Penal – Art. 17

Crime impossível – VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título II - Do Crime

 

 

Crime impossível - (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

 

Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984.)

 

Sempre importantes as apreciações de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao Crime Impossível – Art. 17 do CP, p. 53-55: Tentativa e crime impossível - Quando o legislador inicia a redação do artigo que prevê o crime impossível, parte da premissa de que o agente já ingressara na fase dos chamados atos de execução, e a consumação da infração penal só não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade.

 

Chegamos a tal ilação porque na redação inicial do artigo está expresso que não se pune a tentativa, e somente podemos falar em tentativa quando o agente, nos termos do art. 14, II, do Código Penal, já tinha dado início aos atos de execução objetivando alcançar a consumação do crime por ele pretendido.

 

Por essa razão é que o crime impossível também é conhecido como tentativa inidônea, (esclarece Miguel Angél Nuñez Paz que “na tentativa inidônea, o autor crê erroneamente na concorrência de um elemento objetivo do tipo inexistente (dispara contra uma pessoa morta, crendo-a viva; trata-se do chamado erro de tipo ao revés” - El delito Intentado, p. 119), inadequada ou quase-crime.

 

Várias teorias surgiram com o escopo de elucidar o crime impossível. Dentre elas, podemos destacar duas: teoria subjetiva e teoria objetiva.

 

A teoria objetiva biparte-se em teoria objetiva pura e teoria objetiva temperada (moderada ou matizada).

 

Para a teoria subjetiva, de von Buri, não importa se o meio ou o objeto é absoluta ou relativamente ineficaz ou impróprio, pois, para a configuração da tentativa, basta que o agente tenha agido com vontade de praticar a infração penal. Ressalte-se que o agente, para essa teoria, é punido pela sua intenção delituosa, mesmo que no caso concreto bem algum se colocasse em situação de perigo. Segundo Hungria, mesmo de acordo com a teoria subjetiva, “deve ter-se em conta somente a vontade criminosa, desde que manifesta pela conduta do agente”. (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. I, t. Il, p. 101).

 

A teoria subjetiva atende a um sentimento natural do homem, que, em muitas situações, indaga a si próprio: Se o agente deu mostras suficientes de que queria cometer o crime, praticando atos de execução tendentes a consumá-lo, por que deverá ficar impune se não conseguir alcançar o resultado em virtude da ocorrência de uma circunstância alheia à sua vontade?

 

Em lado diametralmente oposto se encontra a teoria objetiva pura. Para essa teoria, não importa se o meio ou o objeto eram absoluta ou relativamente inidôneos para que se pudesse chegar ao resultado cogitado pelo agente, uma vez que em nenhuma dessas situações responderá pela tentativa. Na lição de Hungria, segundo essa teoria, "não se pode distinguir entre inidoneidade absoluta ou relativa: em ambos os casos, não há bem jurídico em perigo e, portanto, não existe fato punível”. (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, v. I, t. II, p. 99).

 

Em situação intermediária encontra-se a teoria objetiva temperada, moderada ou matizada, que entende somente puníveis os atos praticados pelo agente quando os meios e os objetos são relativamente eficazes ou impróprios, i.é, quando há alguma possibilidade de o agente alcançar o resultado pretendido. A teoria objetiva temperada foi a adotada pelo legislador brasileiro.

 

Meio - E todo instrumento utilizado na prática da infração penal.

 

Objeto - É a pessoa ou a coisa contra a qual recai a conduta do agente.

 

Ineficácia absoluta do meio - Diz respeito ao fato de que, por mais que o agente quisesse, o resultado jamais se consumaria levando-se em consideração o meio por ele utilizado, a exemplo daquele que dispara em alguém com uma arma sem munição.

 

Absoluta impropriedade do objeto - Significa que a coisa ou a pessoa sobre a qual recai a conduta é imprópria para efeitos de reconhecimento da figura típica, como no caso do agente que atira em um cadáver acreditando que estivesse atirando em um ser humano vivo.

 

A cártula de cheque assinada, ainda que não preenchida, pode ser objeto de crime contra o patrimônio, eis que nessas condições, diferente do cheque totalmente em branco, assume feição de título ao portador, dotado assim de valor econômico intrínseco. A caracterização de crime impossível, por absoluta impropriedade do objeto, requer, nos delitos patrimoniais, que a res seja completamente destituída de valor econômico, situação, por sua vez, não verificada na hipótese (STJ, HC 110587/DF, Rel. Min. Felix Fischer, 5a T., Dje 2/2/2009).

 

Reconhece-se o crime impossível, por absoluta impropriedade do objeto, quando o agente, tencionando subtrair dinheiro da vítima, toma-lhe a bolsa que, entretanto, não possui a res perseguida, momento em que atira o objeto não desejado na rua. Tanto o meio quanto o objeto serão considerados absolutamente ineficazes ou impróprios quando não servirem, ao menos, para traduzir um risco de dano ao valor tutelado pela norma penal. Para que seja feita a necessária avaliação do perigo que a ação realizada poderia representar para o bem jurídico, com base na teoria objetiva, a análise das circunstâncias deverá ser ex post (TJMG, AC 1.0105. 02.059433-6/001, Rel. Des. Hélcio Valentim, DJ 14/7/2006).

 

Súmula na 145 do STF - Por intermédio da Súmula nº 145 do STF que diz que não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação, foi pacificado o entendimento daquela Corte no sentido de que, em determinadas situações, se a polícia preparar o flagrante de modo a tornar impossível a consumação do delito, tal situação importará em crime impossível, não havendo, por conseguinte, qualquer conduta que esteja a merecer a reprimenda do Estado.

 

Uma vez preparado o flagrante pela polícia, a total impossibilidade de se consumar a infração penal pretendida pelo agente pode ocorrer tanto no caso de absoluta ineficácia do meio por ele utilizado como no de absoluta impropriedade do objeto. Temos visto a distinção entre o chamado flagrante preparado e o flagrante esperado. Mas qual a diferença entre os dois tipos de flagrante?

 

No primeiro, i.é, no flagrante preparado, o agente é estimulado pela vítima, ou mesmo pela autoridade policial, a cometer a infração penal com o escopo de prendê-lo. A vítima e a autoridade policial, bem como terceiros que se prestem a esse papel, são conhecidos como agentes provocadores. Já no flagrante esperado não haveria essa estimulação por parte da vítima, da autoridade policial ou mesmo de terceiros, no sentido de induzir o agente à prática do delito. O agente, aqui, não é induzido a cometer delito algum. Nesses casos, tendo a autoridade policial prévio conhecimento da intenção do agente em praticar a infração penal, o aguarda, sem estimulá-lo a absolutamente nada, e cuida de todos os detalhes de modo a evitar a consumação do crime. Fala-se, nessa hipótese, em possibilidade de tentativa.

 

Não há que se confundir flagrante forjado com esperado, em que a polícia tão somente espera a prática da infração, sem que haja instigação, tampouco a preparação do ato, mas apenas o exercício de vigilância na conduta do agente criminoso (STJ, HC 20283/SP. Rel. Min. Gilson Dipp, 5* T., DJ 4/6/2007).

 

A diferença entre esses tipos de flagrantes, como se percebe, reside no fato de que, no flagrante preparado ou provocado, o agente é induzido, é estimulado a cometer a infração penal; já no flagrante esperado não existe esse estímulo, mas o agente é impedido de praticar o delito pelo fato de ter a autoridade policial tomado conhecimento prévio da ação criminosa.

Não vislumbramos, contudo, qualquer distinção que importe em atribuir a tentativa no flagrante esperado e o crime impossível no flagrante preparado.

 

Se o agente, analisando o caso concreto, estimulado ou não a praticar o crime, não tinha como alcançar sua consumação porque dele soubera com antecedência a autoridade policial e preparou tudo de modo a evitá-la, não podemos lhe atribuir o conatus.

 

Não importa se o flagrante é preparado ou esperado. Desde que o agente não tenha qualquer possibilidade, em hipótese alguma, de chegar à consumação do delito, o caso será o de crime impossível, considerando-se a absoluta ineficácia do meio por ele empregado, ou a absoluta impropriedade do objeto.

 

Se, porventura, restar consumada a infração penal, mesmo que tenham sido tomadas todas as providências para evitá-la, o agente responderá pelo crime, haja vista que, nesse caso, tendo conseguido alcançar o resultado inicialmente pretendido, é sinal de que os meios ou os objetos não eram absolutamente ineficazes ou impróprios.

 

Diferença entre crime impossível e crime putativo - Na precisa distinção feita por Maggiore, no delito putativo “o agente crê haver efetuado uma ação delituosa que existe somente em sua fantasia; em outras palavras, julga punível um fato que não merece castigo. No delito impossível o agente crê atuar de modo a ocasionar um resultado que, pelo contrário, não pode ocorrer, ou porque falta o objeto, ou porque a conduta não foi de todo idônea” (MAGGI0RE, Giuseppe. Derecho penal, v. I, p. 545-546). (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao Crime Impossível – Art. 17 do CP, p. 53-56. Editora Impetus.com.br, acessado em 28/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na sequência, as apreciações de Victor Augusto em artigo intitulado “Crime Impossível ou tentativa inidônea, comentários ao art. 17 do CP: A forma como o autor se posiciona, o crime impossível representa uma situação de atipicidade decorrente da ineficácia absoluta do meio ou da absoluta impropriedade do objeto, situações que tornam impossível a consumação do delito. Nestes casos, não há lesividade perante o bem jurídico protegido, inexistindo também punição.

 

O crime impossível também é denominado como tentativa inidônea ou inadequada. Essa inadequação pode decorrer da ineficácia absoluta do meio ou da absoluta impropriedade do objeto.

 

A ineficácia absoluta do meio diz respeito do instrumento escolhido pelo agente para o fim criminoso. Este meio deve ser essencialmente ineficaz para a produção do resultado pretendido. Um exemplo: o indivíduo, querendo lesionar alguém, desfere um golpe com uma faca de brinquedo, retrátil.

 

A absoluta impropriedade do objeto diz respeito ao objeto ou alvo sobre o qual recai a conduta criminosa. Esse objeto deve ser, por natureza ou condição, incompatível com o resultado buscado (como um cadáver para o homicídio ou a mulher não grávida para o aborto).

 

Para o Código, a inidoneidade deve ser absoluta, adotando aquele a teoria objetiva temperada (ou intermédia). Assim, a inidoneidade relativa ainda permite a punição da tentativa. Explica Hungria:

 

Dá-se a inidoneidade relativa do meio quando este, embora normalmente capaz de produzir o evento intencionado, falha no caso concreto, por uma circunstância acidental na sua utilização. Exemplo: um indivíduo visa ao seu adversário com um revólver e dá ao gatilho, mas a arma nega fogo. Hungria, Fragoso. 1978, p. 100. (Hungria, Nelson: Fragoso Heleno Cláudio. Comentários ao código penal. V. I, Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

 

Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto. (Súmula 367, 3ª Seção, STJ. Julgado em 24/2/2016).

 

Também é possível verificar inidoneidade relativa no que diz respeito ao objeto. Um caso seria, por exemplo, a entrega de um veneno ao indivíduo que, tempos antes, tomou remédio ou substância química que, coincidentemente, neutraliza os efeitos do veneno.

 

Nas situações de inidoneidade relativa, o bem jurídico existia e foi exposto a uma lesividade real, o que permite a punição. (Victor Augusto em artigo intitulado “Crime Impossível ou tentativa inidônea, comentários ao art. 17 do CP, no site Index Jurídico, em 17 de janeiro de 2019, acessado em 28/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo entendimento de Flávio Olímpio de Azevedo, Comentários ao art. 17 do Código Penal, publicado no site Direito.com: O agente pela prática do quase crime ficava isente da pena, mas possivelmente sujeito a uma medida de segurança e obrigatoriamente submetido à liberdade vigiada durante um ano ou menos. Com as modificações introduzidas pela nova legislação penal, que adotou na íntegra a teoria objetiva, o autor de crime impossível fica isento de pena e de qualquer medida de segurança”. (Curso Completo de Direito Penal, Paulo José costa, p. 77).

 

O crime impossível. Inútil por meios absolutamente ineficazes, vislumbrando pela doutrina duas hipóteses de crime impossível:

 

Por ineficácia absoluta do meio: quando o agente escolhe um meio inadequado para o resultado pretendido, v.g., pretender matar alguém com arma descarregada. Fazer macumba para alguém ficar doente.

 

Impropriedade do objeto: É segunda parte do art. 17. O objeto material do crime que se apresenta absolutamente improprio para consumação delitiva. O exemplo clássico da doutrina: fazer aborto em uma mulher que não está grávida. Disparo de um revólver em um cadáver.

 

Súmula 145 do STF: Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação. (Flávio Olímpio de Azevedo, Formado em Direito pela FMU em 1973. Comentários ao art. 17 do Código Penal, publicado no site Direito.com, acessado em 28/10/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Direito Civil Comentado - Art. 763, 764, 765 - DO SEGURO - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 Direito Civil Comentado - Art. 763, 764, 765
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (Art. 481 a 853) Capítulo XV – DO SEGURO – Seção I

Disposições Gerais - (art. 757 a 777)


 

Art. 763. Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.

 

Saindo da tabula rasa com Claudio Luiz Bueno de Godoy, o pagamento do prêmio do seguro é a prestação principal e básica, embora não a única, a que se obriga o segurado. É a nota de onerosidade do contrato de seguro, em que, justamente mediante o pagamento do prêmio, se contrata a garantia a um interesse legítimo contra risco potencial de lesão. Ou, se se pensar no universo maior de mutualismo em que o seguro se insere, o prêmio é, a rigor, a contribuição do segurado ao fundo que a seguradora gere e de que se retira o quanto necessário a se honrar a garantia, em caso de sinistro (ver comentário a CC 757). O prêmio, conforme a convenção das partes, pode ser pago de uma só vez, ou de forma fracionada, em data também ajustada.

 

A exigência de pagamento de prêmio do seguro sempre levou alguns autores à sustentação de se tratar de contrato real, somente aperfeiçoado com aquela quitação. Contudo, de acordo com o CC 758, o contrato de seguro se forma com o consenso e se prova com a apólice ou bilhete, de maneira normal, independentemente, assim, do pagamento do prêmio, que se faz por causa de uma obrigação já assumida. A propósito do debate, vale conferir a lição de Orlando Gomes (Contratos, 9.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 474-5), para quem, afinal, o pagamento do prêmio significa condição de eficácia do contrato. E, de tal arte que, uma vez impago, inexigível a cobertura, em caso de sinistro. Essa é a regra, a rigor, disposta no artigo em discussão, mais ampla, destarte, da contida no art. 1.436 do Código revogado, adstrita ao retardo provocado por falência ou incapacidade do segurado. De resto, já a legislação especial previa que o não pagamento do prêmio inviabilizava a exigência do valor segurado, ocorrido o sinistro, permitindo mesmo o cancelamento da apólice (veja Decreto n. 60.459/67, que, nessa parte, alterou o Decreto-lei n. 73/66 e comentário ao artigo seguinte, sobre os prêmios já pagos).

 

Entretanto, algumas ressalvas se impõem. Em primeiro lugar, mesmo antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, defendia-se eu o Decreto n. 60.459/67 tivesse ido além de sua função reguladora, ao possibilitar o cancelamento da apólice no caso de não pagamento do prêmio, no prazo devido (ver, por todos: Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, 3.ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 391), tanto mais quando o art. 12 do Decreto-lei n. 73/66 estabelecia, originariamente, a suspensão da cobertura, todavia com possibilidade de purgação pelo segurado, ao mesmo tempo que o Código Civil de 1916 estipulava incidência de juros sobre o prêmio não pago (art. 1.450), chocando-se com a aceitação de uma resolução automática (ver, a respeito, Francisco Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3.ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLV, § 4.919, n. 4, p. 314). Não é só. Entendia-se, ainda, que o cancelamento tout court conflitava com a própria previsão legal de cobrança executiva. Contudo, decerto que, após a vigência da Lei n. 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, é inviável cogitar a imediata resolução do ajuste securitário, de forma automática, pelo simples fato do não pagamento (art. 51, IV e XI, e § 1º, I e III, do CDC). Em segundo lugar, evidente que, efetuada a cobrança do prêmio pela rede bancária (art. 6º, § 2º, do Decreto n. 60.459/67), eventual retardo não pode prejudicar o segurado e seu direito ao recebimento do valor segurado, em caso de sinistro. Em terceiro lugar, corriqueiramente prevista nas apólices a suspensão da cobertura na hipótese de retardo, o pagamento do prêmio, recebido sem qualquer ressalva, não pode ensejar negativa de cobertura de sinistro já ocorrido. Por fim, vale menção à tese do adimplemento substancial, típica revelação do solidarismo na relação contratual, e mercê da qual se evita a resolução quando o contrato se tiver cumprido na relação contratual, e mercê da qual se evita a resolução quando o contrato se tiver cumprido quase por inteiro, ou seja, quando suas prestações se tiverem adimplido quase de maneira perfeita, como, por exemplo, nas hipóteses em que apenas a última parcela do prêmio tenha sido inadimplida, preferindo-se, então, a cobrança coativa, mas mantendo-se o ajuste (a matéria é examinada com mais detalhe, à luz da função social do contrato e de sua operatividade (Claudio Luiz Bueno de Godoy. A função social do contrato, 2.ed. São Paulo, Saraiva, 2007), o que vale também para o contrato de seguro cumprido em parcela significativa pelo segurado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 785-786 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Aplicando a doutrina de Ricardo Fiuza, o levantamento da mora pelo segurado inadimplente ao pagamento de parcela do prêmio, antes do sinistro, constitui, pela dicção legal, pressuposto necessário para que venha a seguradora a responder pela cobertura secuntária. Acaso ocorra o sinistro, estando em mora o segurado, este não terá direito, em princípio, a qualquer indenização, porque no aludido período resultou sobrestado o contrato em seus efeitos ante a superveniência da mora, liberando, temporariamente, a seguradora da responsabilidade pelos riscos assumidos. E o que agora dita claramente a norma, quando antes tratou o CC de 1916 apenas da hipótese de falência ou interdição do segurado, estando em atraso nos prêmios (art. 1.451).

 

A jurisprudência tem oferecido solução divergentes. Vejamos: 1. “Se não for paga a última parcela do prêmio o seguro caduca. O pagamento da indenização depende do pagamento do prêmio devido, antes do sinistro” (RI’. 488/119); 2. “Nos contratos de seguro, a cláusula contratual prevendo a perda do direito à indenização pelo atraso ou falta de pagamento do prêmio, mormente se inadimplidas apenas as duas últimas prestações, é abusiva e iníqua. Pois coloca o segurado em admissível desvantagem, uma vez que lhe acarreta a perda total da cobertura securitária, embora a seguradora tenha recebido a quase-totalidade do valor do prêmio” (RI’ 773/254), a saber, ademais, reconhecido, o efeito retrooperante de reabilitação da apólice, quando satisfeitos os juros moratórios no prazo de tolerância usualmente concedido pela seguradora, não implicando, daí, a sua caducidade.

 

Em julgado paradigma, o STJ assim se posicionou: “Seguro. Inadimplemento da segurada. Falta de pagamento da última prestação. Adimplemento substancial. Resolução. A companhia seguradora não pode dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio por três razões: a) sempre recebeu as prestações com atraso, o que estava, aliás, previsto no contrato, sendo inadmissível que apenas rejeite a prestação quando ocorra o sinistro; b) a segurada cumpriu substancialmente com a sua obrigação, não sendo a sua falta suficiente para extinguir o contrato; c) a resolução do contrato deve ser requerida em juízo, quando possível será avaliar a importância do inadimplemento, suficiente para a extinção do negócio” (STJ. 4’T., REsp 76.362-M’E rel. Mm. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 1-4-1996). Nesse julgado foi sustentada a aplicação do adimplemento substancial, definido pelo Prof. Clóvis do Couto e Silva como “um adimplemento tão próximo do resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo tão-somente o pedido de indenização e/ou de adimplemento, de vez que aquela primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa fé” (apud Aneise Becker. A doutrina do adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva comparativista, Revista da FDUFRS, 9-1/60, 1993). Em consequência, admitiu-se procedente o direito da segurada à indenização, deduzido o valor do prêmio em atraso, com juros e correção monetária.

 

Pois bem: na esteira desse julgado, é de entender cabível, mesmo com o advento do dispositivo em comento, a impossibilidade da resolução do contrato, quando reiterado o exercício da seguradora em receber as prestações com atraso e/ou reconhecida a insignificância do inadimplemento em cotejo da parte substancialmente atendia pelo segurado. De tal sorte, o direito de o segurado ser credor da prestação da cobertura securitária, preponderando, em seu favor, o princípio do adimplemento substancial e descabendo a resolução. Com a palavra os doutos e os pretórios. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 401 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Segundo entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o seguro é contrato aleatório, porque as partes não têm como prever se o sinistro ocorrerá e, portanto, se haverá a obrigação de a seguradora pagar a indenização ao segurado. A incerteza quanto ao sinistro é da essência do contrato, pois o lucro da seguradora resulta da não ocorrência de sinistro em grande número dos contratos que fizer. Para que haja a incerteza, o prêmio deve ser pago antes do sinistro, pois, do contrário, se se permitir à parte o pagamento após a ocorrência do sinistro haverá sempre o risco de que o pagamento do prêmio somente será concretizado após o evento. Há, pois, razão para o rigor da regra.

 

Apesar disso, a jurisprudência admite algumas exceções com base no adimplemento substancial do contrato. Se o atraso é mínimo e resta claro a inexistência de má-fé do segurado, admite-se que a obrigação da seguradora pagar a indenização persiste:

 

É devida a cobertura do sinistro, mesmo que o segurado não pague a última parcela do prêmio, já que ocorreu adimplemento substancial (substancial performance), não admitindo o ordenamento pátrio a dissolução do vínculo fundada em inadimplemento relativo. Além do mais, a segurador recebeu outras prestações após o vencimento. Precedentes do STJ (TJRS, AC 595069923, j. 01.08.1996, Des. Araken de Assis). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 764. Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio.

 

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, este artigo repete o que já dispunha, na primeira parte, o art. 1.452 do Código de 1916, ou seja, o cálculo do prêmio se faz pela probabilidade de ocorrência do sinistro durante o período de vigência do ajuste. Por isso se paga o prêmio no interregno contratual, obrigando-se a seguradora a manter hígida a garantia contratada, i.é, a manter solvável o verdadeiro fundo que o seguro induz, com a contribuição do universo dos segurados, ao sabor do mutualismo que o caracteriza.

 

De todo modo, porém, e com a ressalva que a proposito já se efetivou no comentário ao CC 757, versando sobre a tese comutativa do seguro, tradicionalmente se vê no preceito em pauta a evidenciação da natureza aleatória do contrato. Isso porque o prêmio será devido pelo tempo do ajuste, independentemente de se verificar ou não o sinistro, ou seja, da conversão em fato do risco coberto, garantido pela contratação, o que significa dizer que o prêmio não se liga ao acontecimento futuro que é incerto, ou de data incerta, dependente da álea, e nunc da vontade exclusiva de qualquer das partes. Na verdade, como já se disse, isso se dá porque o prêmio, a rigor, destina-se à constituição de um fundo da massa de segurados, gerido pelo segurador, servindo como contrapartida da garantia contratada, pelo tempo do ajuste. Tal hipótese, todavia, não deve ser confundida, ao que se entende, com aquelas de resilição bilateral (distrato) ou mesmo de resolução do ajuste – por exemplo, por inadimplemento -, levando em conta as observações a respeito efetivadas nos comentários ao artigo antecedente, que implicam, sem prejuízo de eventual composição de perdas e danos ou de incidência de cláusula penal, a proporcionalização do prêmio pelo período de vigência, mesmo à luz da legislação consumerista. Pense-se no prêmio pago de uma só vez ou em poucas parcelas, não coincidente com o total de meses de vigência de ajuste antecipadamente resolvido. A devolução proporcional, então, deverá ser feita como imperativo de equidade no ajuste, já que não verificada a cobertura pelo tempo integral originalmente previsto, ainda que com a consideração dos danos comprovadamente provocados pela inexecução ou da cláusula penal que se tenha estabelecido, embora sem excluir a previsão de redução, se excessiva (CC 413 e CDC 53).

 

Em relação ao art. 1.452 do Código Civil de 1916, o CC/2002 tão somente suprimiu a parte final que referia o seguro marítimo, tratado pelo Código Comercial, mediante ressalva que hoje está na parte inicial do dispositivo em discussão. Aliás, pela lei comercial, já se previa a devolução do prêmio por seguro atinente a risco que não se efetivou, porque não iniciada a viagem (art. 692 do Código Comercial), assim como a devolução parcial (art. 684 do Código comercial), ou seja, exatamente o mesmo princípio de equidade, anteriormente aludido, que vale para o seguro civil, nos termos expostos. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 786-787 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Apontado pela doutrina, Judith Martins-Costa, com percuciente estudo da responsabilidade pré-negocial, em obra clássica sobre a boa-fé (A boa-fé do direito privado – sistema e tópica no processo obrigacional, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999), aponta que os fatos indutores dessa responsabilidade situam-se em fase antecedente à celebração contratual, e, pela sua relevância no iter contractus, tais relações de trato haverão de exigir uma conduta pré-contratual pontificada pela boa-fé. Realça, com fado escólio doutrinário, citando E Benatti, que “a relação dirigida à conclusão de um negócio torna-se fonte da obrigação de comportar-se com boa-fé no momento em que surge para uma ou para cada uma das partes confiança objetiva na outra”. Assim, diante do elemento da “confiança legítima” e de sua vulneração, verificamos, com a notável mestra, incluídos “os casos de dano decorrentes de informações falsas ou insuficientes acerca do objeto do contrato”, o que representa a quebra de um dever jurídico, o de informação, “em razão do contrato a celebrar”. Ora, o princípio da boa-fé permeia toda a construção dinâmica do contrato, importando, por isso, também considera-lo nos âmbitos produtivos da responsabilidade pré-negocial e da pós-execução contratual, nada justificando que a norma em comento limite-se à conclusão e execução do contrato.

 

Em atenção ao comentado no CC 422 e por identidade substancial com aquela norma, impõe-se o aperfeiçoamento do presente dispositivo, a considerar a probidade e a boa-fé em todo o sistema contratual, nele incluídas as fases: preparatória e pós executória. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Como depreende Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo não tem boa redação. No contrato de seguro, o risco, i.é, o perigo de prejuízo ao bem assegurado sempre existe, a menos que o próprio bem não exista e, então, será nulo o contrato. O que pode ou não acontecer é o sinistro, o evento danoso que atinge o bem assegurado. O segurado paga o prêmio para obter garantia contra a ocorrência do sinistro. Portanto, ainda que findo o prazo contratual sem que o sinistro ocorra, fica o segurado obrigado a pagar o prêmio, uma vez que o dever de assegurar o risco terá sido mantido pela seguradora durante todo o contrato. Há, pois, causa para o pagamento. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

 

Sugere Claudio Luiz Bueno de Godoy, este artigo, em redação mais ampla que a do art. 1.443 do Código anterior. Mas tal já lá se pretendia, exigir de maneira muito especial que, no contrato de seguro, ajam as partes com probidade e lealdade. Isso porque, como se disse nos comentários ao CC 757, o seguro encerra contrato essencialmente baseado na boa-fé. Lembre-se que, no seguro, contrata-se uma garantia contra um risco, qual seja, o de acontecimentos lesivos a interesse legítimo do segurado, mediante o pagamento de um prêmio, tudo fundamentalmente calculado com base nas informações e declarações das partes, cuja veracidade permite uma contratação que atenda a suas justas expectativas. É uma equação que leva em conta a probabilidade de ocorrência do evento que será garantido, assim impondo-se estrita observância à boa-fé dos contratantes, especialmente em suas informações e declarações (veja comentário ao artigo seguinte), pra que ambos tenham sua confiança preservada na entabulação.

 

A rigor, o presente dispositivo repete, para o contrato de seguro, a mesma exigência que, em geral, o Código estabeleceu, no CC 422, para todos os contratos, ocupando-se, porém, de especificá-lo no seguro dada sua características intrínseca de especial dependência da veracidade das partes para que a contratação se ostente equânime e solidária. E mais: se se concretiza, como dito, princípio já insculpido na parte geral dos contratos, em seu CC 422 está o preceito, tal como lá se pretendeu, a impor não só a boa-fé subjetiva, aquela cuja aferição passa, necessariamente, pela verificação do estado anímico do sujeito – por exemplo, a boa-fé da posse ou do casamento, envolvendo sempre a crença ou ignorância do indivíduo em óbice a sua posse ou a seu casamento -, mas, antes, e também, a chamada boa-fé objetiva, uma regra de conduta, um padrão de comportamento veraz, reto, honesto, que se espera de pessoas leais, solidárias. Tem-se, a rigor, verdadeiro imperativo de origem constitucional (art. 3º, I, da CF), a par de sua positivação, no Código Civil de 2002, em diversas passagens, dentre as quais as dos CC 422 e 765, aqui em discussão. É um agir independente do ânimo do sujeito, de sua proposital deliberação, de acordo com aquele imaginado padrão de conduta leal. Aliás, já no Código de 1916 entendia-se a norma do art. 1.443 como caso único de revelação positiva da boa-fé objetiva – talvez com menção explícita, uma vez que o mesmo princípio animava, só para citar um exemplo, a disposição do CC 875.

 

Vale notar, por fim, que nem só na contratação e execução do contrato as partes devem se portar conforme a boa-fé. Já antes da contratação e depois dela (post pactum finitum) devem fazê-lo, como se tenciona venha a ser redigido o CC 422 e, em sua esteira, o artigo em pauta, por meio da aprovação do Projeto de Lei n. 276/2007, já de modificação do Código Civil. O artigo seguinte trata da mesma preocupação com a boa-fé. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 788 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 31/01/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na toada de Ricardo Fiuza, só nos aparece a Sugestão legislativa: Em face do acima exposto, apresentamos ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão para alterar este texto, que passará a contar com a seguinte redação:

 

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé, a mais estrita veracidade e tudo o mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da equidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 402 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 31/01/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Sob o prisma de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, no contrato de seguro exige-se das partes especial observância ao princípio da boa-fé. A inexatidão das informações sujeita o segurado á perda do direito à indenização (CC 766; Dec.-lei n. 73/66, art. 11, § 2º), assim como o comportamento do segurado que agrava o risco (CC 768). De outro lado, a seguradora sujeita-se ao pagamento em dobro do prêmio ao segurado se, no momento da contratação, sabia não mais haver o risco. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 31.01.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).