segunda-feira, 27 de abril de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 939, 940, 941 - continua - Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 939, 940, 941 - continua
Da Obrigação de Indenizar - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título IX – Da Responsabilidade Civil
(Art. 927 a 954) Capítulo I – Da Obrigação de Indenizar
– vargasdigitador.blogspot.com

Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro.

Sem novidade, como aponta Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito é exata repetição do art. 1530 do Código anterior e tenciona responsabilizar quem se arvore à cobrança de débito antes de vencimento, a não ser que amparado em uma das hipóteses do CC 333, que autorizam seja cobrada a dívida antes de vencido o prazo para tanto estipulado. O dispositivo pressupõe que a cobrança, para ensejar as consequências nele previstas, tenha sido já levada a uma demanda judicial. Tanto é assim que, de um lado, uma das sanções é a devolução em dobro das custas do processo e, de outro, o CC 941, a seguir examinado. Dispõe sobre isentar-se o credor das penalidades de desistir da ação antes da contestação.

Se se cuida de cobrança extrajudicial, a hipótese deve ser subsumida à regra geral da responsabilidade por danos que sejam comprovados, como o moral ou material, decorrentes de restrição de acesso ao crédito, por exemplo, ou, se for o caso, tendo havido pagamento de dívida de consumo, ao preceito do art. 42, parágrafo único, do CDC.

No sistema do Código Civil, sempre se entendeu, majoritariamente, que a cobrança prematura, para justificar as sanções aplicáveis, deveria provir de conduta maliciosa, sob pena de inibir o ajuizamento de demandas. Melhor, porém, é a orientação da legislação do consumidor, que exime da penalidade o credor apenas quando ele demonstre que a cobrança derivou de cobrança justificável, quer dizer, aquele que, a despeito de todas as cautelas razoáveis exercidas, acabou por se manifestar (cf. Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do prometo, 7 ed. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001, p. 349). Aliás, já na vigência do CC/1916, Aguiar Dias sustentava que o autor de cobrança de dívida não vencida, e também de dívida já paga, o objeto do artigo seguinte, deveria responder não só por dolo mas já, e ao menos, por mera culpa, vida de regra por imprudência, inclusive presumida, malgrado de forma relativa, permitindo-se-lhe demonstrar erro escusável (Da responsabilidade civil, 4 ed. Rio de Janeiro, 1960, v. II, p. 518). Também Caio Mário defendia, já antes do Código Civil de 2002, tratar-se de caso de ato ilícito indenizável por culpa presumida do credor, no mínimo, porque ele sabe ou deveria saber qual a data de vencimento da obrigação (Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 175).

Ou seja, a tendência é, segundo se crê, a extensão à responsabilidade de que ora se agita da mesma sistemática do CDC 42, parágrafo único, dando-se a sanção como regra, apenas se permitindo ao agente a demonstração de engano justificável na cobrança indevida e, mais, objetivamente apurada. A proposito, vale até não olvidar que a própria tese sobre o exercício abusivo de direitos se expressou objetiva, no CC/2002, nessa senda remetendo-se ao comentário ao CC 187. Tem-se no caso, afinal, a fata de dever de cuidado de quem cobra, corolário do princípio da boa-fé objetiva, em sua função supletiva, de seu turno, de revelação da eticidade, um dos três princípios cardeais da nova legislação, ao lado da operabilidade e socialidade. Ao assunto se tornará no comentário no artigo subsequente. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 945-946 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza aponta este dispositivo, bem como os CC 944 e o 941, como formas de liquidação do dano acarretado por cobrança indevida, que é havido como ato ilícito. Segundo tais dispositivos presume-se a culpa do agente na prática desse ilícito, cuja indenização é preestabelecida. Há expressiva jurisprudência pela qual a vítima deve provar a malícia ou dolo do autor da ação, sob pena de não serem aplicadas as sanções nestes dispositivos cominadas. Argumenta que a aplicação pura e simples de tais dispositivos criaria graves entraves ao direito de acionar, pelo receio dos litigantes quanto à aplicação das penalidades deles constantes (STJ, 3’ T., Recurso Especial n. 184822/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; 3’ T., Recurso Especial n. 171393/SP/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; STJ, Recurso Especial n. 99683/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 25.11.1997). Críticas severas são realizadas a esse pensamento jurisprudencial, baseadas nos princípios que norteiam a responsabilidade civil, na qual seus pressupostos são tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito: negligência, imperícia e imprudência, de modo que sem sentido estabelecer uma exceção a tais princípios, impondo-se à vítima a difícil prova da intenção do autor da ação (dentre os defensores da aplicação do dispositivo sem a necessidade de demonstração do dolo, v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. I, p. 96-104). Como ato ilícito praticado, a responsabilidade civil pela cobrança indevida recebe nestes dispositivos uma prefixação do valor da indenização. No entanto, acórdão em Ri’, 138/184 chegou a decidir que não há impedimento à cumulação da aplicação dessas penas com a condenação em indenização por perdas e danos, já que elas independem da verificação do prejuízo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 484, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em respeito a Responsabilidade por dívida não vencida, afirmam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira que, fora dos casos expressamente admitidos (CC 333, CC 1,425, CC 1.465 e demais hipóteses específicas), não pode o credor demandar por dívida ainda não vencida. Caso o credor faça tal indevida cobrança, deverá esperar o tempo que faltava para o vencimento, período em que serão descontados os juros correspondentes. Nesta hipótese, deverá o credor pagar em dobro as custas da respectiva ação de cobrança. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Como leciona Cláudio Luiz Bueno De Godoy, de igual fundamento, punitivo, sancionatório (cf. Azevedo, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social” O Código Civil e sua interdisciplinaridade, Coords. José Geraldo Brito Filomeno; Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior e Renato Afonso Gonçalves, Belo Horizonte, Del Rey, 2004, p. 372), àquele que anima o dispositivo antecedente, este artigo do CC/2002, na mesma esteira do que já previa o Código anterior, em seu art. 1.531, e com idêntica redação, responsabilizou quem demande por dívida já paga ou peça mais que o devido, determinando que, no primeiro caso, pague em dobro ao devedor o que haja cobrado e, no segundo, pague o equivalente à exigência indevida, salvo se prescrito seu direito.

Da mesma forma como se afirmou no comentário ao artigo precedente, é preciso, para que incida a pena, que tenha havido cobrança judicial, ao revés do que prevê o art. 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90, aplicável para quando se cuide de dívida de consumo.

Para a responsabilização presente, havia sido sumulado, ainda sob a égide do CC/1916, o entendimento de que a sanção somente pudesse ser exigida quando a cobrança indevida ou excessiva dimanasse de má-fé do credor (Súmula n. 159 do STF), orientação a que não se acede, reiterando-se, como já dito em comentário ao CC 939, que melhor se considera que incida a penalidade por princípio, ressalvando-se ao credor apenas a demonstração de que foram tomadas todas as medidas razoáveis esperadas para evitar a ocorrência, mesmo assim consumada. Veja-se, a proposito, a observação de Caio Mário de que já o anterior art. 1.531 parecia haver abraçado a teoria objetiva (Responsabilidade civil, 9 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 176), na verdade, segundo o mesmo autor, abrandando-se esse rigor na hermenêutica dada à exacerbação da penalidade, mas valendo a advertência de Aguiar Dias de que, no caso concreto, se exagerada a pena, deveria caber ao juiz sua redução por equidade, para a hipótese concreta (Da responsabilidade civil, 4 ed. Rio de Janeiro, forense, 1960, v. II, p. 521).

Na verdade, de novo como se disse no comentário ao artigo precedente, deve-se considerar que, a exemplo do CDC 42, parágrafo único, a sanção somente seja infirmada pela demonstração de que a cobrança excessiva decorreu de erro justificável, objetivamente aferido, como se perquire, de resto, a questão do exercício abusivo de direitos (CC 187). Afinal, tanto quando no Código de Defesa do Consumidor, posto que lá se o aprecie considerando a desigualdade entre as partes, e à luz do intuito protetivo da parte vulnerável, há nas relações entre iguais também um dever de cuidado, corolário mesmo do solidarismo que deve presidir a relação entre as pessoas. Saliente-se que a incidência da sanção independe de qualquer verificação de efetivo prejuízo ao devedor, sendo costume asseverar haver no caso uma indenização fixada a priori, com presunção de um dever de segurança para com o demandado, quando, a bem dizer, se crê dispor o Código Civil, aqui, tanto quanto no dispositivo precedente, sobre uma verdadeira pena civil, como já acentuava Clóvis Bevilaqua, a propósito do Código Civil de 1916 (Código Civil comentado, 4 ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1939, v. V, p. 312), e como Aguiar Dias lembra provir mesmo das Ordenações, fonte da norma (op. cit., n. 847, p. 515).

Aliás, tanto é assim que, ao ver de Pontes de Miranda, não se veda ao prejudicado pela cobrança indevida postular indenização suplementar ao que, na sua expressão, é uma pena privada, com presunção de culpa (Tratado de direito privado, 3 ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1972, t. LIV, § 5.534, p. 47). É certo que essa conceituação pode sofrer abalo se se considerar, como está no artigo seguinte, que a indenização se postulará se a penalidade não se aplicar em virtude da desistência da ação de cobrança indevida, daí se podendo inferir a intenção de o legislador tratar de uma indenização a forfait no dispositivo presente e no antecedente. De qualquer forma, no comentário ao artigo seguinte se tornará ao assunto.

A cobrança da sanção, entendia-se, não se podia dar nos próprios autos da demanda indevida, senão por meio de reconvenção, facultando-se sua exigência, ainda, por ação própria. Mais recentemente, conforme item a seguir, relativo à jurisprudência, vem-se admitindo a tanto idôneo qualquer meio processual, mesmo a defesa. Nem se reputa que sua higidez se infirme pela eventual aplicação das penalidades da litigância de má-fé, prevista nos CPC/2015, 80 e 81, dada a órbita diversa de subsunção de ambas as normas (cf. Diniz, Maria Helena. “Análise Hermenêutica do art. 1.531 do CC/1916 e dos arts. 16 a 18 do CPC/1973”. In: Jurisprudência brasileira 147/13). (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 947- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Publicado por Vitor Guglinski no site Jusbrasil em 2.015, acessado em 22.04.2020 por VD, “Conforme posicionamento consolidado na 4ª Turma do STJ, para que se reclame a restituição em dobro da quantia paga, disciplinado pelo CC 940, exige-se que o devedor indevidamente cobrado já tenha quitado a dívida, e que, além disso, haja má-fé do credor. Ademais, o acórdão cujos comentários seguem adiante reafirma a desnecessidade de reconvenção ou propositura de ação própria para que a parte lesada seja favorecida pelo instituto”.

Conforme se depreende da leitura da regra, duas são as situações possíveis: (i) o credor pretende receber dívida já paga, hipótese em que responderá pagando ao devedor o dobro do que lhe houver cobrado e (ii) o credor pretende receber mais do que lhe é devido, caso em que responderá pagando ao devedor o excesso cobrado.

O primeiro ponto a ser estudado, conforme destacado, é a judicialidade da cobrança. O dispositivo utiliza o vocábulo demandar, significando que o credor deve, necessariamente, movimentar a máquina judiciária, articulando tal pretensão, i.é, deve provocar o Estado-Juiz, de modo a ter satisfeito seu suposto crédito.

Deve-se tomar cuidado para não confundir a sanção imposta pelo Código Civil com aquela prevista no CDC 42, parágrafo único, tema sobre o qual Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin possui didática lição, a qual transcreve-se: “A sanção do art. 42, parágrafo único, dirige-se tão somente àquelas cobranças que não têm o múnus do juiz a presidi-las. Daí que, em sendo proposta ação visando a cobrança do devido, mesmo que se trate de dívida de consumo, não mais é aplicável o citado dispositivo, mas, sim, não custa repetir, o Código Civil.

No sistema do Código Civil, a sanção só tem lugar quando a cobrança é judicial, ou seja, pune-se aquele que movimenta a máquina judiciária injustificadamente” (In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 395).

O segundo ponto diz respeito à existência de dívida já paga, o que faz presumir a conduta maliciosa do credor, ou seja, sua má-fé. Sobre isso, é pertinente observar que desenvolvemos nossas relações jurídicas. Sendo assim, em regra, a boa-fé nas relações jurídicas. Sendo assim, em regra, a boa-fé é que se presume, salvo naqueles casos em que a própria lei diz, expressamente, que presume-se de má-fé quem age de determinada maneira. Nos dizeres de Adroaldo Leão, “não pode a parte ou seu procurador invocar a tutela jurisdicional para prejudicar outrem ou desvirtuar a finalidade do seu direito. O abuso existe, mesmo não tendo havido dano à parte contrária” (Leão, Adroaldo. O Litigante de Má-fé. 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1986, p. 11).

A presunção de má-fé que gravita em torno da regra do CC 940 é uma exceção. E ainda, uma presunção que está ínsita no dispositivo, não constando expressamente do texto legal. O credor, mesmo sabendo que o débito fora devidamente quitado pelo devedor, ainda assim movimenta o Judiciário em busca de pretensão ilegítima. A esse respeito, cabe destacar o teor da súmula n. 159 do STF, prevendo que “a cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil” (atual CC 940).

No tocante à necessidade de reconvenção, a própria 4ª T. do STJ já assinalou no sentido de sua desnecessidade, por ocasião do julgamento do REsp n. 229.259/SP, em que pese a maioria da doutrina possuir entendimento contrário, consoante informa Flávio Tartuce (Direito Civil v. 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, 7 ed. São Paulo, Método, 2012. P. 535). (Vitor Guglinski no site Jusbrasil em 2.015, acessado em 22.04.2020 por VD).

Em relação cobrança indevida do credor, apontam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, buscando coibir o abuso no exercício do direito de cobrança, o legislador explicitou que aquele que cobrar por dívida já paga, no todo ou parte ou ainda cobrar mais do que lhe for devido deverá ser apenado na exata medida da cobrança indevida. Assim, se já tiver recebido alguma quantia indevida deverá pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado (a restituição do indevido, além da pena correspondente à cobrança indevida). Por outro lado, se valor algum houver sido pago, caberá apenas pagar a pena relativa a uma vez o montante indevidamente exigido, sem que restituição alguma seja necessária.

Considerando que nada há de abusivo na cobrança de dívidas prescritas – tanto que sequer é possível qualquer restituição decorrente do pagamento de dívidas prescritas – o legislador expressamente ressalvou essa situação, afastando a incidência da multa. Não é, porém, toda e qualquer cobrança que dará ensejo à aplicação da pena prevista neste artigo. Além da cobrança superior ao devido (elemento objetivo) é necessário ainda que o credor tenha agido com dolo (elemento subjetivo). O Código Civil de 1916 tinha disposição semelhante (art. 1.531), cuja interpretação levou o Col. Supremo Tribunal Federal a edita uma súmula nesse sentido “Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil” (STF, súmula 159). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 941. As penas previstas nos CC 939 e 940 não aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.

Segundo parecer de Cláudio Luiz Bueno De Godoy, o preceito repete, na primeira parte, o art. 1.532 do Código anterior, eximindo o autor da cobrança antecipada e da cobrança indevida das penalidades respectivas se este desistir da ação antes da contestação, de maneira geral sustentando-se que, com isso, demonstra sua boa-fé, seu arrependimento ou que laborava em erro de que se apercebeu. Reitera-se, todavia, o entendimento, já externado nos comentários aos artigos precedentes, de que, a despeito da relevante posição em contrário, até mesmo sumulada, as sanções lá previstas não têm sua aplicação subordinada à demonstração da malícia, considerando-se, a afastar a incidência do que é verdadeira pena privada, que, havida a desistência, não se levou a pretensão indevida a processo cuja relação se tenha completado, com citação e presença do réu no feito.

De toda sorte, a inovação está na segunda parte do dispositivo em comento, que ressalva a possibilidade de o demandado, mesmo havida a desistência da ação, postular indenização por danos que demonstrar haver sofrido. Mas, resta indagar se, mesmo inocorrida a desistência da ação de cobrança indevida, não poderia o demandado, ainda assim, pleitear perdas e danos. Isso porquanto, a uma interpretação literal do dispositivo, acorre a ideia de que a indenização somente seja devida se não couber a incidência da sanção dos CC 939 e 940, pela desistência da demanda.

Porém, se se defende, como examinado no comentário aos CC 939 e 940, que as quantias neles previstas encerrem verdadeira pena privada, então por consequência a indenização, com diversa finalidade, poderia ser sempre cumulada, tal qual, de resto, ocorre com a litigância de má-fé, no sistema processual civil (CPC 81, caput e § 3º de 2015), revertendo multa e indenização em favor do demandante inocente. Pois a situação é a mesma com as sanções em comento, ao que se crê, salvo quanto à maior extensão da pena civil em relação à processual. Mas aí caberia a redução equitativa de que se deve cogitar de resto bem ao sabor da eticidade que, no Código Civil de 2002, se revela muito claramente com a constante remissão à equidade, em especial na responsabilidade civil, e conforme já defendia Aguiar Dias, como salientado no comentário ao artigo anterior, a que se remete o leitor, e em que também se colaciona a posição de Pontes de Miranda, igualmente no sentido da possibilidade da cumulação da pena e da indenização.

Mas, se se quer que tenham as importâncias do CC 939 e, sobretudo, do CC 940, natureza satisfativa ou compensatória, consubstanciando verdadeira indenização a forfait, ao menos será de admitir que o prejudicado, provando prejuízo maior a este presumido, postule a diferença. (Cláudio Luiz Bueno De Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 947-48- Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/04/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em histórico, acoplado à doutrina de Ricardo Fiuza, o dispositivo em tela não foi atingido por qualquer espécie de modificação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados no período final de tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto. Trata-se de mera repetição do art. 1.532 do Código anterior, com pequena melhoria de redação.

Na Doutrina, aponta-se para nota ao CC 939, como se repete: Em sua Doutrina, Ricardo Fiuza aponta este dispositivo, bem como os CC 944 e o 941, como formas de liquidação do dano acarretado por cobrança indevida, que é havido como ato ilícito. Segundo tais dispositivos presume-se a culpa do agente na prática desse ilícito, cuja indenização é preestabelecida. Há expressiva jurisprudência pela qual a vítima deve provar a malícia ou dolo do autor da ação, sob pena de não serem aplicadas as sanções nestes dispositivos cominadas. Argumenta que a aplicação pura e simples de tais dispositivos criaria graves entraves ao direito de acionar, pelo receio dos litigantes quanto à aplicação das penalidades deles constantes (STJ, 3’ T., Recurso Especial n. 184822/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; 3’ T., Recurso Especial n. 171393/SP/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 14.10.1999; STJ, Recurso Especial n. 99683/SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 25.11.1997). Críticas severas são realizadas a esse pensamento jurisprudencial, baseadas nos princípios que norteiam a responsabilidade civil, na qual seus pressupostos são tanto o dolo quanto a culpa em sentido estrito: negligência, imperícia e imprudência, de modo que sem sentido estabelecer uma exceção a tais princípios, impondo-se à vítima a difícil prova da intenção do autor da ação (dentre os defensores da aplicação do dispositivo sem a necessidade de demonstração do dolo, v. José de Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, 6 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979, v. I, p. 96-104). Como ato ilícito praticado, a responsabilidade civil pela cobrança indevida recebe nestes dispositivos uma prefixação do valor da indenização. No entanto, acórdão em Ri’, 138/184 chegou a decidir que não há impedimento à cumulação da aplicação dessas penas com a condenação em indenização por perdas e danos, já que elas independem da verificação do prejuízo.” (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 484, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/04/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como explanam Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, do afastamento das penas previstas nos CC 939 e 940 em caso de desistência da ação antes da contestação. Fundado na premissa de que o credor que desiste da ação antes da contestação reconheceu o próprio erro com a cobrança indevida, evidenciando não ter agido com dolo ou má-fé, o legislador expressamente afastou a incidência das penas previstas nos CC 939 e 940 nesta hipótese. Trata-se, como é evidente, de uma presunção legal da ausência de dolo ou má-fé, o que impede a aplicação das penas civis.

Da cumulação das penas previstas nos artigos supra citados, CC 939 e 940, com perdas e danos, diante da natureza punitiva (e não reparatória), a aplicação das penas civis previstas nestes casos, não dependem de prova do prejuízo. O contrário ocorre com a reparação dos prejuízos sofridos pelo devedor injustamente demandado, em que a prova do dano é essencial para que surja o dever de reparar. Diante ainda da diferente natureza das penas previstas nos artigos em epígrafe, e da reparação civil, é plenamente possível ainda a cumulação dessas verbas. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 27.04.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).