sábado, 11 de abril de 2015

MANUAL DE PROCESSO PENAL - EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 3 – EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO -  VARGAS DIGITADOR

Em matéria de lei processual penal, o princípio estabelecido é de que ela “provee únicamente para el futuro, o sea, em orden a todos lós procediementos y a todos lós actos processuales que están aúm por cumplirse em el momento em que entra em vigor, salvo las excepciones establecidas por la misma ley” (cf. Vincenzo Manzini, Tratado de derecho procesal penal, trad. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1951, p. 230).

Entre nós, o princípio é o mesmo, isto é, a lei processual penal tem aplicação imediata. Assim dispõe o art. 2º do nosso CPP: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Infere-se, pois, que a lei processual penal não tem, como já se pensou, efeito retroativo.

O simples fato de haver o art. 2º acentuado “... sem prejuízo da validade dos atos realizados na vigência da lei anterior” indica, de logo, não ser retroativa a lei processual penal, pois, se fosse, o legislador teria invalidado os atos processuais praticados até a data da vigência da lei nova. Não o fez. Manteve-os. Logo, não há falar em retroatividade. O princípio é este: tempus regit actum (o tempo rege o ato).


Observe-se, contudo, que há normas processuais com intenso conteúdo penal. Nesses casos, admite-se sua retroatividade, em face da sua dupla natureza. Assim uma norma sobre queixa ou representação, mesmo porque, se esta ou aquela não for feita no prazo legal, haverá decadência, que é causa extintiva da punibilidade, e as normas sobre causa extintiva de punibilidade são de direito penal (logo, retroagem)... Quando surgiu a Lei n. 9.099/95, cujo art. 88 proclamou a necessidade de representação nos casos de lesão corporal leve ou culposa, os Juízes determinaram que as vítimas fosse notificadas a se manifestar, quanto ao seu interesse, ou não, em dar prosseguimento aos processos que estavam em curso. Verdadeira retroatividade. Ao lado dessa retroatividade, há mais: quando se trata de queixa ou de representação, p. ex., o prazo para o seu exercício é contado de acordo com o art. 10 do CP, e não nos termos do art. 798, §§ 1º e 3º, do CPP. E é assim precisamente em face do relevante conteúdo penal que apresentam as normas que cuidam da queixa e da representação.

MANUAL DE PROCESSO PENAL – Capítulo 2- TIPOS DE PROCESSO PENAL – DIREITO PÁTRIO - VARGAS DIGITADOR

MANUAL DE PROCESSO PENAL – FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – 9ª Edição - Editora Saraiva – Capítulo 2- TIPOS DE PROCESSO PENAL – DIREITO PÁTRIO -  VARGAS DIGITADOR

Levando em conta os princípios que o informam, o Processo Penal pode ser acusatório, inquisitivo e misto.

No processo acusatório são traços profundamente marcantes: a) o contraditório, como garantia politicojurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável pelo olho do povo (excepcionalmente se permite uma publicidade restrita ou especial); d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas, e, logicamente, não é dado ao Juiz iniciar o processo sem provocação da parte (ne procedat judex ex officio -  o Juiz não pode dar início ao processo por sua própria vontade); e) o proce3sso pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes, pois “non debet licere actori, quod reo non permititur” (não deve ser lícito ao autor o que não permitido ao réu); g) a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, que poderá Sr o ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou órgão do Estado. Presentemente, a função acusadora, em geral, cabe ao Ministério Público, mas o fato de a acusação ser conferida, também, ao ofendido, nos casos previstos em lei, ou a qualquer do povo, como na hipótese de impeachment, não desnatura o processo acusatório. Seus princípios imanentes continuam íntegros: publicidade, contraditório e, finalmente, acusação e jurisdição a cargo de pessoas distintas, “pues, la piedra de toque del sistema acusatorio es siempre la separación de acusador y juzgador” (cf. Garcia Velasco, Curso de derecho procesal penal, Ed. Universidad de Madrid, 1969, p. 8).

Nada obsta que o particular acuse. Mas o ideal é atribuir a função persecutória ao Ministério Público, como personificação da lei e representante da sociedade, permitindo-se excepcionalmente possa tal função ser exercida pelo ofendido (ação penal privada). Entre nós, também excepcionalmente, permite-se a qualquer do povo “denunciar” o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, nos crimes da mesma natureza conexos com os daqueles, bem como os Ministros do STF, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União. Nesses casos, o processo e julgamento competem ao Senado Federal. Há outras hipóteses previstas no art. 10 da Lei n. 1.079/50, introduzidas pela Lei n. 10.028/2000, que possibilitam a qualquer do povo ou ao Ministério Público ofertar denúncia em relação a outras pessoas perante o STF, o STJ, os TRFs, os três ou mesmo perante os Tribunais de Justiça (arts. 41 e 41-A da Lei n. 1.079/50).

O processo de tipo inquisitório é a antítese do acusatório. Não há o contraditório, e por isso mesmo inexistem as regras da igualdade e liberdade processuais. As funções de acusar, defender e julgar encontraram-se enfeixadas numa só pessoa: o Juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem recolhe as provas e, afinal, profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito. Nenhuma garantia se confere ao acusado. Este aparece em uma situação de tal subordinação que se transfigura e se transmuda em objeto do processo e não em sujeito de direito.

O processo inquisitivo despontou em Roma, quando já se permitia ao Juiz iniciar o processo de ofício,e, ao atingir a Idade Média, por influência da Igreja, o processo per inquisitionem passou a dominar toda ou quase toda a Europa Continental, a partir do Concílio Lateranense, de 1215. Foi introduzido, na verdade, pelo Direito Canônico, mas, em seguida, viram os soberanos, nesse tipo de processo, uma arma poderosa, e por isso espalhou-se entre os Tribunais seculares.

Finalmente o processo de tipo misto. Desenvolve-se em três partes a) investigação preliminar, a cargo da Polícia Judiciária, sob a orientação do Ministério Público; b) instrução preparatória, a cargo do Juiz Instrutor; e c) fase do julgamento. Das duas primeiras não participa a Defesa. Na fase do julgamento, o processo se desenvolve contradictoirement.

Direito pátrio

No Direito pátrio, o sistema adotado é o acusatório. Não o processo acusatório puro, mas o acusatório não ortodoxo. Tanto é verdade que o Juiz pode requisitar abertura de inquérito, decretar de ofício prisão preventiva, conceder habeas corpus de ofício, determinar a realização da prova que bem quiser e entender etc. a acusação, nos crimes de ação pública, está a cargo do Ministério Público. Excepcionalmente, nos delitos de ação privada, comete-se à própria vítima o jus persequendi in judicio – direito de perseguir (acusar) em juízo. Pode também a vítima, nos crimes de ação pública, exercer a acusação, se, porventura, o órgão do Ministério Público não intentar a ação penal no prazo previsto em lei.

O processo é eminentemente contraditório. Não temos a figura do Juiz instrutor. A fase processual propriamente dita é precedida de uma fase preparatória, em que a Autoridade Policial procede a uma investigação não contraditória colhendo as primeiras informações a respeito do fato infringente da norma e da respectiva autoria. Com base nessa investigação preparatória, o acusador, seja o órgão do Ministério Público, seja a vítima, instaura o processo por meio da denúncia ou queixa. Já agora, em juízo, nascida a relação processual, o processo torna-se eminentemente contraditório, público e escrito (sendo que alguns atos são praticados oralmente, tais como debates em audiências ou sessão). O ônus da prova incumbe às partes, mas o Juiz não é um espectador inerte na sua produção, podendo, a qualquer instante, determinar, de ofício, quaisquer diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Permite-se às partes uma gama de recursos, e, tutelando ainda mais o direito de liberdade, concedem-se à defesa recursos que lhe são exclusivos, como o protesto por novo Júri e os embargos infringentes e de nulidade. Não adotamos a revisão pro societate. Só o réu é que pode promovê-la.

Nas infrações penais de menor potencial ofensivo, assim consideradas todas as contravenções e os crimes apenados até o máximo de um ano, dês que não sujeitos a procedimentos especiais (ressalvadas as condutas tipificadas nos arts. 303, 306 e 308 do Código de Trânsito Brasileiro, que, embora apenadas com 2 ou 3 anos no seu grau máximo, são também consideradas de menor potencial ofensivo por força do parágrafo único do art. 291 do citado diploma), será possível a transação, sob os olhos do Juiz, entre o Acusador e o autor do fato, sujeitando-se este a uma multa ou pena restritiva de direito, sem gerar reincidência.


Hoje, em face da nova redação dada ao art. 61 da Lei n. 9.099/95 pela Lei n. 11.313, de 28-6-2006, são infrações de menor potencial ofensivo todas as contravenções e os crimes cuja pena máxima não exceda a 2 anos, sujeitos ou não a procedimento especial, ressalvados os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme o art. 41 da Lei n. 11.340, de 7-8-2006.