segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 682, 683, 684 - continua - Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 682, 683, 684 - continua
- Da Extinção do Mandato - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo X – Do Mandato -
(art. 682 a 691) Seção IV – Da Extinção do Mandato –
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Art. 682. Cessa o mandato:

I – pela revogação ou pela renúncia;
II – pela morte ou interdição de uma das partes;
III – pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer;
IV – pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.

Conforme leciona Claudio Luiz Bueno de Godoy, o Código, no artigo presente, tal como disposto pelo CC/1916 no art. 1.316, e mercê de idêntica redação, dispõe sobre as causas de extinção do contrato de mandato, a começar por duas que se podem dizer voluntárias: a revogação e a renúncia.

A revogação é ato unilateral por meio do qual o mandante exerce faculdade potestativa de destituir o mandatário do encargo que lhe havia cometido. Essa potestade é da essência do mandato, ressalvadas as hipóteses excepcionais a seguir examinadas (CC 683 a 685), se, afinal, o contrato é daqueles fiduciários, portanto baseados em confiança, a qual pode desaparecer, ademais instituído no interesse do mandante, também passível de cessação. Não há forma especial, nem mesmo aquela por que consumado o mandato, para a revogação, que pode ser total ou parcial, bem assim expressa ou tácita, como quando o mandante nomeia outro mandatário para cumprir o mesmo encargo (CC 687), ou quando ele próprio pratica o ato para o que havia outorgado poderes. A revogação deve ser comunicada ao mandatário e a terceiros (CC 686). Se existente mandato com procuração lavrada por escritura pública, a revogação deve ser averbada no mesmo instrumento e, se lavada a efeito em outras notas, deve haver comunicação ao tabelionato em que consumado o ato revogado, para a referida averbação (no Estado de São Paulo há determinação administrativa a respeito, consubstanciada nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça – Provimento CG n. 58/89, nesta parte com redação dada pelos Provimentos n. 13/94 e 21/994 -, Capítulo XIV, itens 22.1 a 22.3). os efeitos da revogação são ex nunc e, portanto, não afetam os negócios já entabulados pelo mandatário.

Havendo mais de um mandante, a revogação por um só não desfaz a relação existente com os demais, salvo se o negócio cometido ao mandatário for indivisível. Se o negócio principal não for de interesse comum dos mandantes, a revogação por um deles, da mesma forma, não afeta os demais, a rigor tratando-se de relações individualizadas, ainda que instrumentalizadas por ato único.

O mandante que revoga o mandato sujeita-se ao ressarcimento das despesas adiantadas pelo mandatário, sem prejuízo, na advertência de Caio Mário da Silva Pereira, mesmo que o mandato seja por prazo indeterminado, de indenização se, malgrado discricionária (ad nutum), sua conduta for abusiva (Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, v. III, p. 263), lembrando-se que, hoje, a teoria do abuso não se liga apenas aos atos dolosos, deliberados ou propositadamente voltados a causar danos (CC 187). Destarte, ao caso, entende-se, deve ser aplicado o mesmo princípio de solidarismo, de boa-fé objetiva que anima a previsão do CC 473, parágrafo único.

Já se o mandato for oneroso, tem-se entendido que o mandante submete-se à composição dos prejuízos causados pelo exercício da revogação, quando não se justificar por conduta culposa do mandatário (ver, por todos: De Plácido e Silva. Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro, Forense, 1989, v. II, p. 837), de resto como sucede no Direito italiano, em que, textualmente, se estatui obrigação indenizatória afeta ao mandante que revoga, sem justa causa, mandato oneroso, conferido por tempo determinado ou para determinado negócio, estabelecendo, mais, igual indenização quando o ajusto seja por prazo indeterminado, porém revogado sem razoável aviso prévio (CC 1.725). Tudo sem prejuízo de, ainda no mandato oneroso, se pagar a remuneração proporcional ao quanto já cumprido do ajuste, quando revogado depois de iniciada a sua execução. E sem prejuízo, ainda, da indenização que, em caso de revogação de mandato irrevogável, se prevê no artigo seguinte.

Outra causa voluntária de extinção do mandato é a renúncia, ato unilateral praticado pelo mandatário, cuja possibilidade se funda nos mesmos pressupostos que fazem da revogabilidade a regra no mandato. Mas, também aqui, excepcionalmente, pode haver a irrenunciabilidade, que se considera ocorrer nos mesmos casos em que o mandato for irrevogável (cf. De Plácido e Silva. Op. cit., p. 870-1). A renúncia não guarda exigência de forma especial, podendo-se mesmo inferir a respectiva intenção do mandatário a partir de sua conduta, como a de devolver a procuração ao mandante, todavia devendo, em qualquer hipótese, haver sempre comunicação ao outorgante, e a tempo de haver proveitosa substituição, pena de indenização, que adiante se examinará (ver CC 688). A renúncia em mandato conjunto, por um dos mandatários, extingue o contrato, eis que necessária, ao seu cumprimento, a interferência de todos os mandatários.

Já uma causa legal de extinção do mandato é a morte, e de qualquer dos contratantes, afinal não se olvidando cuidar-se de ajuste fiduciário e intuitu personae. Não só a morte natural, como também a presumida, em sentido amplo, abrangendo a ausência, deve-se entender extintiva do mandato. Da mesma forma se subsume à espécie a dissolução e liquidação da pessoa jurídica. A despeito de se tratar de causa extintiva que opera de pleno direito, portanto independentemente de qualquer notificação, se falecer o mandatário, seus herdeiros, cientes do ajuste, darão aviso ao mandante, pendente ainda o negócio principal (CC 690), certo que, ao revés, morto o mandante, serão validados os atos posteriores praticados pelo mandatário insciente do falecimento, diante de terceiros de boa-fé (CC 689, infra). Mais, e como já se examinou (CC 674), mesmo havida a morte do mandante, ou mesmo mudança de seu estado, deve o mandatário concluir negócios já iniciados, se houver perigo de demora na sua interrupção.

De modo excepcional, não se extinguirá pela morte do mandante o mandato em causa própria (CC 685) e aquele estabelecido no interesse comum, portanto também do mandatário. Outra hipótese é a de o mandante já ter quitado o mandatário de todas as suas obrigações antes do falecimento. Havendo mais de um mandatário, extingue-se com a morte de um deles o mandato conjunto. Tudo afora as hipóteses dos CC 674, 689 e 691.

Outra causa legal de cessação do mandato é a interdição do mandante ou mandatário, dada a limitação de capacidade que ela induz, mas desde quando haja sido judicialmente declarada, de resto aplicando-se lhe as mesmas regras e ressalvas válidas para a morte.

A terceira causa legal extintiva do mandato é a mudança do estado de qualquer das partes, que as inabilitem a conferir poderes ou a exercer os poderes recebidos. Aqui devem ser compreendidos não só os casos que afetem a capacidade da parte, muito mais ligados à interdição, como outros que digam com a legitimação para a prática de determinado ato. Por exemplo o casamento, que não seja no regime da separação (CC 1.647), afeta o mandato outorgado para venda, por alguém então solteiro. Da mesma forma, o mandato ad judicia cessa se o mandatário ingressa em concurso incompatível com a advocacia.

A falência do mandatário será também causa extintiva da espécie em exame, excetuada a outorga para atos estranhos ao comércio; já a falência do mandante, que antes não extinguia o mandato conferido para prática de negócios que interessassem à massa, salvo revogação pelo síndico, na forma do disposto no art. 49 do Decreto-lei n. 7.661/45, agora, nos termos do art. 120 da Lei n. 11.101/2005, faz cessar seus efeitos, ressalvado o mandato conferido para representação judicial do devedor, que continua em vigor até que seja expressamente revogado pelo administrador judicial.

Por fim, são causas naturais de extinção do mandato o término de seu prazo e a conclusão do negócio para o qual foi outorgado. O que pressupõe, no primeiro caso, tenha sido estabelecido termo ad quem, o que não é obrigatório, podendo-se pactuar o mandato por prazo indeterminado, e no segundo que o mandato tenha sido outorgado para negócio ou negócios específicos, assim esgotando-se o ajuste pela ultimação do encargo conferido. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 705-706 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No lecionar de Ricardo Fiuza, os autores costumam ainda lembrar outras extintivas, que são de caráter geral, como a impossibilidade do objeto, a nulidade do contrato, a resolução por inadimplemento, a verificação de condição resolutiva (Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 262-3).

Desta valiosa lição doutrinária dessume-se que a extinção do mandato compreende, a rigor, três ordens de fatores: natural (quando decorre do seu integral cumprimento, pela expiração do prazo para que se perfez ou pela feitura do negócio sobre que versava seu objeto), voluntária (por manifestação ou acordo das partes para ultimá-lo) e legal (quando a própria lei indica algum(uns) fato(s), cuja(s) ocorrência(s) invalida(m) o contrato).

Via de regra, o mandato pode, a qualquer tempo, ser revogado simplesmente porque, além de se fundar na confiança do mandante para com o mandatário, é sempre constituído no interesse do primeiro, que, exatamente por isso, pode revoga-lo a seu livre alvedrio, quando bem lhe aprouver. Deveras trata-se de faculdade que lhe assiste, a ser exercitada a qualquer momento, ensejando, sem embargo, uma espécie de resilição unilateral, prescindindo de qualquer justificativa para tanto, desde que não mais lhe convenha o negócio (revogação ad nutum). Diz-se “via de regra”, porquanto as partes podem estipular cláusula de irrevogabilidade, prevista no CC 683, a seguir.

A revogação não produz efeitos retroativos, atingindo, apenas, os atos futuros (ex nunc), em respeito aos já praticados.

Se a manifestação de vontade provier do mandatário, haverá renúncia ao mandato, a qual, a exemplo da revogação, também detém cunho unilateral, mas há de ser comunicada a tempo, embora prescinda de sua justificação, a fim de que o mandante providencie a sua substituição.

A morte do mandante, como a do mandatário, configura outra causa extintiva do mandato, haja vista se tratar de contrato intuitu personae. A interdição de mandante ou de mandatário, por seu turno, também tem o condão de aniquilar o mandato, à medida que incapacita o agente de exercê-lo, desalijando-o dos poderes necessários para continuar o contrato a si confiado. O interdito, como sabido, não pode atingir os atos da vida civil, já que declarada judicialmente a sua incapacidade.

A hipótese trazida pelo inciso III – convém salientar – atina, em verdade, aos casos de estado de pessoa, precisamente no seu aspecto civil, e não à perda de capacidade propriamente dita.

Se o mandato foi outorgado por prazo determinado, quando o próprio instrumento assim estipular, cessará o contrato de pleno direito no momento em que expirar tal período. De igual modo, conferido o mandato somente para algum ato específico, ocorrendo este ato também extinguir-se-á. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 365-366 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na ilustração de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a) revogação e renúncia são os negócios jurídicos unilaterais que cabe, respectivamente, ao mandante e ao mandatário, para resilir o mandato. O andante extingue o mandato mediante a revogação dos poderes que concedeu ao mandatário; o mandatário pode, igualmente, extinguir o mandato mediante a renúncia dos poderes que recebeu. São atos unilaterais e, portanto, dependem da manifestação de vontade de apenas uma das partes. São, no entanto, negócios receptícios: para tornarem-se eficazes é necessário que deles tenham conhecimento os respectivos destinatários; b) Morte ou interdição de uma das partes. A morte do mandante ou do mandatário extingue o contrato imediatamente, mesmo antes de chegar ao conhecimento da outra parte. No caso de morte do mandante, no entanto, são válidos os atos que o mandatário praticar em seu nome, de boa-fé, antes de tomar conhecimento do óbito (CC 689); c) Mudança de estado. Incapazes podem ser mandantes uma vez que se façam representar ou sejam assistidos por seu representante legal. Se, no entanto, o mandante capa vier a se tornar incapaz, essa mudança de estado determina a extinção do mandato. Do mesmo modo, se o mandatário capaz tornar-se incapaz, cessa o mandato. Os negócios eventualmente praticados após a mudança de estado do mandante e do mandatário, mediante o uso do mandato, são nulos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 683. Quando o mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandato o revogar, pagará perdas e danos.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, como se vem de examinar nos comentários ao artigo precedente, o mandato, por encerrar ajuste fiduciário, assim intuitu personae, é, em essência, revogável pelo mandante. Mas, disse-se também que há hipóteses excepcionais de irrevogabilidade, que começam a ser tratadas, pelo Código, no artigo presente. Com efeito, e tal como já constava do art. 1.317, I, do CC/1916, prevê a lei, antes de tudo, que as próprias partes possam, corolário de sua autonomia privada, convencionar a irrevogabilidade.

A diferença, porém, está em que, no anterior Código, expressava-se no artigo mencionado, sem mais, sem qualquer ressalva, a irrevogabilidade de mandato ajustado com cláusula dessa jaez, destarte abrindo-se a discussão sobre se haveria um direito de o mandatário executar o ajuste, ainda que de forma coativa, negando-se qualquer efeito à revogação que, a despeito de cláusula vedatória, viesse a ser externada pelo mandante (de resto tal qual é a solução, de ineficácia, para a hipótese de revogação alvitrada no artigo seguinte, infra, a cujos comentários se remete).

Na verdade, contudo, já avultava o entendimento de que, malgrado a irrevogabilidade convencionada, poderia, ainda assim, o mandante revogar os poderes conferidos, ante a natureza do contrato de mandato, só que, nesse caso, obrigando-se a compor perdas e danos, se não houvesse justa causa para a revogação.

Por outra, já se defendia que a cláusula de irrevogabilidade impunha uma obrigação de não fazer, mas sem consequência outra, resultante de seu descumprimento, que não fosse a composição de perdas e danos (v.g., Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil – direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 1956, v. II, p. 301; Mário Caio da Silva Pereira. Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 265).

Pois agora, com a redação dada ao CC 683, do Código Civil de 2002, positiva-se esta orientação, ou seja, no sentido de que, quando convencionada a irrevogabilidade, a revogação, mesmo assim opera efeito, por ser da essência do mandato, mas sujeitando o mandante, e aí a consequência, a compor perdas e danos como qualquer contratante inadimplente.

Por fim, vale a ressalva de que a leitura a contrário do preceito não deve levar à conclusão de que, se não pactuada a irrevogabilidade, a revogação exima o mandante, sempre, de qualquer consequência indenizatória. Consoante se advertiu nos comentários ao artigo antecedente, a que ora se remete, a revogação do mandato, mesmo se não vedada pelo ajuste, e ainda que a entabulação tenha sido por prazo indeterminado, pode também suscitar composição de perdas e danos, mas mercê de diferente cognição, que envolve a verificação de abuso, segundo o paradigma da boa-fé objetiva, vale dizer, de padrão de comportamento leal que se espera dos contratantes. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 706-707 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Lecionando Fiuza, sendo a regra a possibilidade de revogação do mandato, pela sua própria natureza jurídica, a cláusula de irrevogabilidade, eventual e explicitamente inserta no contrato, deverá ser observada em toda a sua plenitude, justamente por estar presente, tão-somente, em caráter excepcional, a que, sponte sua, anuíram os interessados. Vale dizer, se acordada pelas partes interessadas a sua previsão no contrato, há ela de ser rigorosamente cumprida, sob pena de o mandante responder pelas perdas e danos desta inobservância advindos.

O percuciente Caio Mário, já antevendo uma eventual problemática que poderia surgir nesse particular, asseverou que, “tendo as partes em vista a natureza do negócio ou seus recíprocos interesses, podem convencionar que o mandante não tem a faculdade de cassar os poderes. Em tal caso, adquire o mandatário o direito de exercer o mandato, sem ser molestado. Mas, sendo a cassação da própria essência do mandato, tem-se entendido que, se o constituinte o revogar, não obstante a proibição convencionada, estará sujeito a pagar ao procurador a remuneração total, ou indenizá-lo dos prejuízos resultantes da revogação inoportuna ou injusta, como qualquer outro contratante inadimplente” (Instituições de direito civil, 10. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 265). Em outras palavras, “com essa estipulação, ele assume obrigação de não fazer, que, violada, dá lugar à composição dos prejuízos” (RT 150/525 e 178/168). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 367 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o mandato é, em regra, revogável. A lei admite que seja outorgado com a cláusula de irrevogabilidade. Presente a cláusula, duas situações podem se apresentar, segundo a natureza do negócio a que se destina o mandato: a irrevogabilidade pode tornar ou não eficaz eventual ato revocatório.

A revogação será ineficaz somente se a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio jurídico bilateral ou se tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, conforme determina o CC 684, a seguir.

A compreensão da norma exige ter em mente que, apesar de o mandato ser exercido em nome do mandante, a outorga pode visar a atender ao interesse concreto de qualquer pessoa: do próprio mandante, do mandatário ou de terceiros. Assim, p. ex., se A promete vender a B um imóvel e, paralelamente, outorga a B poderes para representar A na escritura de compra e venda, esse mandato terá sido outorgado no interesse do próprio mandatário.

Desse modo, uma vez que cláusula de irrevogabilidade não estabelecida em mandato estipulado em benefício do próprio mandatário, ela somente implicará a responsabilidade do mandante por indenizar os prejuízos causados ao mandatário pela revogação; não impedirá a eficácia dela. Assim, p. ex., se A outorga poderes a B para defende-lo em juízo, tal mandato será no interesse do mandante. Se dele constar a cláusula de irrevogabilidade, ela não retirará a eficácia de eventual revogação; obrigará o mandante a indenizar o mandatário pelos danos que tiver sofrido com a revogação. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 684. Quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral, ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, a revogação do mandato será ineficaz.

No diapasão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, segue o Código, no dispositivo presente, e como já se disse no comentário ao artigo anterior, tratando de excepcionais hipóteses de irrevogabilidade do mandato. Só que, agora, diversamente do que se previu no preceito antecedente, e reforçando a conclusão lá externada, a propósito da consequência da revogação de que cuida, estabelece o Código a sanção de ineficácia para a revogação que se venha a externar quando a irrevogabilidade, no dizer do artigo ora em comento, for condição de um negócio bilateral ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário. Vale dizer, se se cuida de revogação de mandato pactuado, sem mais, com cláusula de irrevogabilidade, a consequência é indenizatória, mas operando efeitos o ato revocatório (CC 683). Já se a irrevogabilidade é condição de negócio bilateral ou interessa só ao mandatário, então a revogação será, antes, ineficaz (CC 684).

Essa é a diversidade de tratamento que o novo Código reservou às hipóteses descritas, genericamente, sob a única rubrica da irrevogabilidade, no art. 1.317 do CC/1915. O mandato que seja condição de um negócio jurídico bilateral não se revoga como decorrência da própria irrevogabilidade deste negócio principal.

Na explicação de Pontes de Miranda, a hipótese se refere à contratação, em um ajuste bilateral, de um mandato que sirva ao cumprimento de prestações convencionadas (Pontes de Miranda. Tratado de direito privado, 3. ed. São Paulo, RT, 1984, t. XLIII, § 4.690, n. 2, p. 86). Da mesma forma, se o mandato é estabelecido no interesse exclusivo do mandatário, como quando contém a cláusula in rem suam (v. artigo seguinte) ou quando já se lhe tenha dado integral quitação de suas obrigações (ver comentário ao CC 682), igualmente haverá irrevogabilidade e ineficácia da revogação que, apesar disso, manifeste-se.

O mandato conferido no interesse comum do mandante e do mandatário, ou do mandante e de terceiro, via de regra, como observa De Plácido e Silva (Tratado do mandato e prática das procurações. Rio de Janeiro, Forense, 1989, v. II, p. 892), subsume-se à hipótese da primeira parte do preceito ou, então, significa forma de cumprir qualquer obrigação ou negócio preliminar, o que se contemplou no CC 686, parágrafo único, adiante examinado. Aliás, em virtude desse preceito, não se repetiu, no artigo em comento, a segunda parte do inciso II do art. 1.317 do CC/1916, não se tendo repetido seu inciso III por concernir a matéria de direito societário. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 708 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 23/12/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo a doutrina de Ricardo Fiuza, nesta hipóteses, a cláusula de irrevogabilidade representa, verdadeiramente, uma condição acessória de um contrato principal, de natureza bilateral, ou funciona como um meio para cumprir o fim: a realização da obrigação contratada.

Doutra banda, a revogação do mandato não surtirá quaisquer efeitos, juridicamente considerados, quando a cláusula de irrevogabilidade houver sido constituída em benefício do mandatário. A razão de ser dessa restrição reside, essencialmente, na necessidade de se resguardar e tutelar os interesses do mandatário, que se inclinou a aceitar a incumbência de representar o mandante, se, a contrapartida de perceber qualquer bônus para tanto. Nada mais razoável, portanto, do que fornecer-lhe tal garantia, para não ser surpreendido com a repentina e injustificada resilição do mandato. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 367 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 23/12/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entender de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a compreensão desta norma exige ter em mente que, apesar de o mandato ser exercido em nome do mandante, a outorga pode visar a atender ao interesse concreto de qualquer pessoa: do próprio mandante, do mandatário ou de terceiros. Assim, v.g., se A promete vender a B um imóvel e, paralelamente, outorga a B poderes para representa-lo na escritura de compra e venda, esse mandato terá sido outorgado no interesse do próprio mandatário que, como comprador, é o maior interessado na escritura de compra e venda.

Desse modo, se o mandante manifestar a vontade de revogar o mandato, tal revogação não terá eficácia, permanecendo os poderes outorgados ao mandatário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 23.12.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).