Direito Civil Comentado
- Art. 547, 548, 549 - continua
- Da
Doação – VARGAS, Paulo S. R.
Parte
Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo IV – Da Doação
Seção I –
Disposições Gerais
- vargasdigitador.blogspot.com
Art. 547. O doador pode estipular que
os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.
Parágrafo único. Não
prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.
Conforme entendimento de Nelson Rosenvald, a doação com
cláusula de reversão é uma espécie de doção sob propriedade resolúvel, pois o
donatário adquire a propriedade da coisa, sendo ela subordinada à condição
resolutiva de o donatário falecer antes do doador. Tratar-se-ia de termo se
fosse subordinada ao evento certo da morte, mas exige ainda que esta se dê em
período anterior ao passamento do doador (evento incerto).
Essa modalidade de doação atende aos interesses de quem
deseja doar com cunho intuitu personae, evitando que após a morte
donatário os bens doados sejam distribuídos entre os seus sucessores. O doador
se converte em princípio e fim da doação. A mesma cláusula de reversão pode ser
concebida na doação em prol de pessoa jurídica, subordinando-se o retorno do
bem doado ao cancelamento de seu estatuto, antes da morte do doador.
Certamente poderá o donatário alienar os bens recebidos
graciosamente, pois não há cláusula de inalienabilidade. Mas, diante da
publicidade do registro do instrumento, o eventual adquirente do bem será
sujeito passivo de ação reivindicatória após o óbito do alienante, na medida em
que a resolução da propriedade conduz à extinção dos direitos reais concedidos
pelo proprietário, volvendo ao doador isenta de ônus e restrições (CC 1.359).
No Código Civil de 1916 nada impedia que a cláusula de
reversão beneficiasse terceira pessoa. Exemplificando: A realiza doação em prol
de B, asseverando que, como o seu óbito, a coisa seria destinada a C. O
parágrafo único do artigo em comento proibiu tal prática. Agiu corretamente o
legislador, pois se tratava de uma modalidade de fideicomisso inter vivos,
modelo apenas viável na substituição testamentária, hoje restrita em favor dos
não concebidos ao tempo da morte do testador (CC 1.962).
Se houver a comoriência (CC 8º), exclui-se qualquer
relação entre doador e donatário, sendo os bens atribuídos ao donatário
transmitidos a seus sucessores.
Por fim, cumpre
admitir a possibilidade de prefixação pelo doador de outro evento futuro como
marco para a reversão, anterior ao óbito do donatário. Assim como é viável
estipular doação sob condição suspensiva, resolutiva e encargo, não encontramos
razão para a autonomia privada desenhar a modalidade do termo para a doação. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 599 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 03/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Usando o enfoque de Ricardo Fiuza, a doação a retorno é a
estipulada pelo doador, quando no contrato de doação é incluída cláusula
(resolutiva) de reversão que assegura o regresso da coisa doada ao seu patrimônio,
caso sobreviva ao donatário. Pouco importa tenha ele deixado ou não herdeiros. Eles
terão direito, apenas, aos frutos oriundos da utilização do bem, durante o
período da condição.
O efeito retroator da cláusula, revertendo o bem doado ao
doador, por morte do donatário, alcança a alienação que tenha ocorrido sobre a
coisa doada, tendo-se a venda por anulada.
O parágrafo único introduzido ao artigo elucida antiga divergência
doutrinária sobre a reversão em proveito de terceiro, vedando cláusula a
respeito. O CC de 1916 na literalidade do art. 1.174 apenas concede o retorno
ao próprio doador. Por ser a norma clara e exata, restringe a hipótese. Essa, a
compreensão de Caio Mário da Silva Pereira, por não admitir tenha a regra interpretação
extensiva e, doutro aspecto, “porque seria modalidade de fideicomisso por ato inter
vivos, em contrário aos princípios.” O mestre Clóvis Beviláqua sustentou,
todavia, opinião contrária, assinalando o direito pátrio reconhecer e regular
os fideicomissos até o segundo grau. Agora, o pacto de reversibilidade do bem –
afastada a controvérsia – não pode, expressamente, ser praticado em benefício
de terceiro. (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil. 4.
ed., Forense, 1978, v. 3 (p. 227); Clóvis Beviláqua, Código Civil dos
Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro, Francisco Aires, 1917
(p. 341) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 290-291
apud Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 03/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida da doação
reversível. A propriedade é, em regra, perpétua, i.é, permanece indefinidamente
com o proprietário e somente deixa de lhe pertencer com a superveniência de um
dos modos de aquisição ou de perda do domínio. A lei admite, no entanto, que o
direito de propriedade fique subordinado a uma condição resolutiva que deve ser
prevista em lei.
Não
é válida a doação subordinada a termo ou condição resolutiva não-prevista em
lei, em razão da tipicidade dos direitos reais, salvo nas doações de execução continuada
e desde que não esteja prevista a volta do bem ao doador.
O
artigo 547 institui a possibilidade de resolução do domínio em favor do
alienante, em razão do falecimento do donatário, se tal condição for inserida
expressamente no ato da liberalidade. É exceção à máxima: donner et retenir
de vaut.
Se
a morte do doador preceder a do donatário, a propriedade se consolida para
este, beneficiando seus herdeiros quando de seu falecimento.
A
condição resolutiva tem eficácia real e acompanha a coisa, mesmo que esta venha
a ser alienada pelo donatário.
O parágrafo
único veda a chamada doação fideicomissária, i.é, que, tal como ocorre no
fideicomisso, a que preveja que a transmissão da propriedade seja atribuída a
terceiro quando da morte do donatário. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 03.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda
suficiente para a subsistência do doador.
Em prisma de Nelson Rosenvald, a norma possui forte conteúdo
ético, pois impede que o ser humano seja privado do chamado “patrimônio mínimo”,
ou seja, de um mínimo de bens de onde possa extrair rendas ou alimentos
imprescindíveis à sua sobrevivência.
A vedação à prodigalidade é uma aplicação do princípio da
dignidade da pessoa humana (CF, 1º, III), eis que abaixo de certo patamar
material a pessoa perde a sua dignidade e se torna uma coisa, é reificada e
instrumentalizada.
Há uma tendência no Estado Democrático de Direito de conceber hipóteses
análogas a essa, como na impenhorabilidade do bem de família (Lei n. 8.009/90)
e na impossibilidade de a reparação do dano atingir o patrimônio mínimo do
incapaz e de seus responsáveis (CC 928).
Em suma, a vedação à doação universal é uma forma de tutelar a sobrevivência
do doador que não mede as consequências futuras de suas liberalidades. Lembre-se
de que a dignidade não é um conceito pessoal, porém social, e envolve uma noção
de solidariedade.
A doação universal será facultada em três ocasiões: quando houver
reserva de parte do patrimônio que lhe assegure renda; mesmo não havendo
reserva, a existência de fontes alternativas de renda que prestigiem o mínimo
essencial (v.g., salário, pensão); ou, mesmo se fixado o encargo do donatário,
este fornecer ao doador os alimentos indispensáveis. Normalmente, a reserva
parcial do patrimônio é consequência do usufruto de parcela dos bens em prol do
doador, que obterá a renda necessária à sua sobrevivência. Com a morte do doador
é extinto o usufruto, consolidando-se a propriedade plena dos donatários.
A nulidade textual do
dispositivo (CC, 166, VII) será aferida na diretriz da concretude. Em cada
circunstância será aferido o limite entre o possível e o vedado em termos de
disponibilidade patrimonial, perquirindo-se as circunstâncias econômicas do
doador. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 599 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 03/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
No raciocínio de Ricardo Fiuza, a norma impede a doação de todos
os bens (doação universal), inibindo o ato de dissipação patrimonial, que expõe
o doador à falta de condições de sua própria subsistência. Trata-se de tutela
de amparo ao doador irrefletido, sob o risco de penúria, capaz, pela
liberalidade arrimada em total desprendimento, de comprometer o mínimo
existencial para viger a vida.
Afasta-se a restrição e, com ela, a invalidade da doação, se
houver reserva de usufruto vitalício, ou reserva de parte que assegure ao doador
os meios de sustento de vida, o que ocorre ainda, quando disponha de renda
suficiente de aposentadoria (RI’. 511/512) ou constituída por terceiro
(art. 803). Dita a jurisprudência: “Civil. Doação sem reserva de bens. Nulidade.
Art. 1.175 do CCB. Não há que se reconhecer alegação de nulidade de doação, fundamentada
no art. 1.175 do CCB, se o doador se reserva usufruto de bens ou renda
suficiente a sua subsistência. Recurso não conhecido” (STJ, VI., REsp
34.271-SP, rel. Min. Cláudio Santos, DJ de 23-8-1993). 2. “Ao donatário se
transfere o direito decorrente da doação de ações, passando o mesmo a figurar
como acionista. A reserva de usufruto diz com os rendimentos das ações doadas,
bem assim das distribuídas em bonificações ao acionista donatário (...)” ISTJ,
V 1., REsp 2.648-CE, DJ de 18-2-1991) (Direito
Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 291 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 03/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Usando os ensinamentos de Marco Túlio de Carvalho Rocha,
por ser contrato gratuito, a doação provoca o empobrecimento de uma parte em
benefício de outra. Esse efeito faz com que sobre ela haja a necessidade de incidência
de normas de proteção a todos os que podem ser afetados por ela: doador, seu cônjuge,
seus credores e seus herdeiros necessários.
O dispositivo
protege o doador, estabelecendo a nulidade absoluta (Martinho Garcez, Nulidade
dos Atos Jurídicos, p. 168; Agostinho Alvim, Da Doação, p. 166) de
doação que prejudique sua subsistência, como costuma ocorrer quando pessoa
pobre doa o único imóvel de que é proprietária a entidade religiosa. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 03.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o
doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Como aponta Nelson Rosenvald, enquanto o dispositivo precedente
acautelava os direitos da personalidade do doador, a presente norma objetiva
preservar a expectativa patrimonial dos herdeiros necessários do coador, evitando
a doação inoficiosa.
A doação inoficiosa consiste em todas as liberalidades que
ultrapassem a metade do disponível do doador ao tempo da liberalidade. Qualquer
alienação gratuita que alcance a metade indisponível dos herdeiros necessários será
passível de nulificação por esses interessados – descendentes, ascendentes e cônjuge
-, eis que eles detêm de pleno direito à legítima (CC 1.789 e 1.846).
O fundamento da proteção da legítima é um encontro entre a
autonomia privada e a solidariedade familiar. O primeiro princípio se
desenvolve na possibilidade de o doador ou testador determinar o destino da
metade disponível. O segundo, na proteção da família, visando ao bem comum.
Ora, se ao tempo da morte são redutíveis as disposições testamentárias
que excedam a metade disponível (CC 1967), simetricamente não se poderá
alcançar tal excesso mediante doações, eis que a tutela da metade indisponível dos
herdeiros necessários já existe em vida do doador e não apenas para o tempo de
seu óbito.
Perceba-se que a nulidade alcança apenas a derradeira doação, em
que houve o excesso, e não as doações anteriores que se encontravam no limite
das legítimas. Portanto, se A possuía R$ 100.000,00 e realizou uma primeira doação
a B de R$ 20.000,00, uma segunda doação a C de R$ 30.000,00 e uma terceira
doação em prol de D, no valor de R$10.000,00, apenas a última será nulificada,
preservando-se as anteriores em que não há necessidade de redução. Eventuais variações
patrimoniais a maior ou a menor posteriores à liberalidade não validam o que é
inválido ou invalidam o válido. Fundamental é a aferição do valor do patrimônio
contemporânea cada ato dispositivo, servindo o art. 2007 e parágrafos como guia
para a exata apreciação da temática.
Havendo um único herdeiro necessário, aplica-se o dispositivo em toda
a sua intensidade. Certamente, excluiremos os bens doados antes do surgimento
desse herdeiro, bem como as doações remuneratórias e onerosas.
O sistema da vedação às doações inoficiosas apenas não se aplica
quando a liberalidade é realizada por ascendentes a descendentes e entre cônjuges,
no patrimônio particular de cada um. Índice nessas hipóteses, qualquer que seja
o valor da doação com relação ao patrimônio, o regramento do adiantamento da
legítima e posterior colação, conforme o observado no CC 544.
Por fim, a ação de redução
das doações inoficiosas poderá ser ajuizada em vida. Equivocam-se os que pensam
se tratar de discussão sobre herança de pessoa viva (CC 426). Em verdade, temos
um contrato de doação, negócio jurídico inter vivos cuja nulidade surge
ao tempo da liberalidade. Aí nasce a pretensão imprescritível (CC 169) à
redução do excesso, pois se deu a violação do direito subjetivo à legítima do
herdeiro necessário. Não se confunda a hipótese com o testamento, negócio jurídico
cuja eficácia é postergada para o tempo da morte, só então passível de discussão
quanto ao seu conteúdo. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado:
Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar
Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 600 - Barueri, SP: Manole,
2010. Acesso 03/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).
Como cita a doutrina de Ricardo Fiuza, é cediço na jurisprudência
o comando legal: “A doação naquilo que ultrapassa a parte de que poderia o
doador dispor em testamento é de que se qualifica inoficiosa e, portanto, nula”
(STX 43 T., REsp 86.518-MS, Rel. Min. Sálvio de figueiredo, DJU de
3-11-1998). Diferentemente da nulidade cogitada pelo artigo anterior,
alcançando a totalidade dos bens doados, a da doação inoficiosa afeta somente
os bens excedentes, i.é, a porção que supere o montante disponível do doador no
momento da liberalidade, reduzindo-se-lhe à sua correta proporção. É a
magistral lição de Pontes de Miranda: “se o de cujus dispôs, em vida, de
mais do que podia dispor, há invalidade da disposição, tal como se dispôs, testamentariamente,
de mais do que cabia na porção disponível. Aí não se trata de colação”.
Entenda-se, assim, como doação inoficiosa o excesso da parte disponível, e nula
a doação no que exceder, com a redução, ao seu limite legal.
Opera-se o excesso da doação quando, ultrapassada a metade
disponível do doador, é prejudicada a legítima dos herdeiros necessários,
constituída pela metade dos bens da herança (CC 1.846, ~I~, e 1857, e arts. 1.576
e 1.721 do CC de 1916). Sublinhe-se, de imediato, de nenhuma importância, para
tal consequência, a hipótese de adiantamento da legítima: “(...) o fato de ter
eventualmente ocorrido um adiantamento da legítima não implica em nenhum
aumento da parte disponível do doador no momento da liberalidade. Isto porque o
artigo 1.785 do CC de 1916, segunda parte (correspondente ao NCC 2.202 e
parágrafo único), estabelece que os bens conferidos não aumentam a metade
disponível” (TJSP, Y Cam. de Direito Privado, Apel. Cível 254.359, rel. Des. Luís
Carlos de Barros, JT.JSP. 195/50). Em síntese, a quota disponível do
doador é a mesma prevista para a disposição testamentária.
Questão interessante versa sobre o cabimento da ação de
redução em vida doador, nutrida de dissensão doutrinaria e jurisprudencial. Posição
mais conservadora sustentou somente admissível ser intentada a ação anulatória com
o momento da abertura da sucessão, por advir da herança o direito do reclamante,
sendo defeso litigar sobre herança de pessoa viva (nulla viventis hereditas)
(RI’, 446/98, 415/170 e 426/67). Vem da doutrina portuguesa: “a
inoficiosidade supõe a existência de herdeiros legitimários ao tempo da morte
do doador”.
A maioria dos civilistas entende, porém, que a ação pode
ser ajuizada a partir da liberalidade, coerente com a aferição da
inoficiosidade ao tempo da doação. Essa posição – assevera Silvio Rodrigues – “melhor
atende ao interesse da sociedade, que não pode tolerar que a ameaça de revogação
dos negócios jurídicos se prolongue por muitos anos”. O acerto é acrescido da
reflexão do notável jurista: “De fato, se a doação excessiva tiver por autor homem
moço, que só venha falecer trinta ou quarenta anos mais tarde, seus herdeiros poderão
ajuizar a anulatória do negócio quase meio século mais tarde, de modo que a
propriedade adquirida pelo donatário estará ameaçada de resolução por todo esse
período. Ora, isto constitui um inconveniente, com o qual o ordenamento jurídico
e não pode compartecer”.
Mas não é só. Impõe-se, de pronto, a diligente advertência
de Agostinho Alvim, na sua célebre obra Da doação: “o tempo mais ou
menos longo que decorra permitirá ao beneficiário dissipar os bens recebidos,
tornando a colação sem efeito, do prisma econômico, que é o único que interessa”.
Nessa linha, colhe-se o brilhante voto do Ministro Costa
Leite, atual presidente do Superior Tribunal de Justiça (à época) no REsp
7.879-0-SP (3’ 1.), atento ao fato, segundo ensinança de Washington de Barros
Monteiro, de o legislador brasileiro haver imprimido “ao direito do herdeiro
lesado a nota de atualidade e não de mera expectativa”, não envolvendo, destarte,
qualquer situação sucessória, como, aliás, antecipou de há muito, o eminente
Arnoldo Wald (RI’, 262/130), aclamando a orientação dominante de que
seja a ação anulatória ou de redução intentada em vida do doador. No mesmo
sentido: RI’, 492/110.
O legislador omitiu-se de não mais permitir o dissidio
jurisprudencial e doutrinário, a dirimir, por definitivo, a vexata quaestio,
máxime pela urgente necessidade de se demarcar, com exatidão, o prazo
prescricional, em favor da segurança jurídica dos negócios.
Sugestão legislativa: em face do exposto
e diante do acertamento dado pelo REsp 7.879-0-SP (DJ de 20-6-1994), oferecemos
ao Deputado Ricardo Fiuza sugestão no sentido de acrescentar o seguinte
parágrafo único ao dispositivo:
Parágrafo único. A ação de nulidade pode ser intentada
mesmo em vida do doador
Jurisprudência: 1. “(...) o excesso deve
ser considerado no momento da liberalidade” (STJ, 2’ Seção. EREsp 160.969-PE,
rel. Min. Rui Rosado de Aguiar, DJ de 29-5-2000), como, aliás, diz
expressamente a norma. 2. “Doação inoficiosa. Ação de anulação. CC 1.176.
Momento de aferição. A validade da liberalidade, nos termos do CC 1.176, é
verificada no momento em que feita a doação e, não, quando da transcrição do
título no registro de imóveis. Recurso não conhecido. (Pontes de Miranda, Tratado
de direito civil; parte especial, 3.ed., Rio de Janeiro, Borsói, 1972, t.
60 (p. 341); Silvio Rodrigues, Direito civil; dos contratos e das
declarações unilaterais da vontade, 27.ed., rev., São Paulo, Saraiva, 2000
(p. 194-6); Dias Fentira, Código Civil português, v. 1, com., apud Silvio
Rodrigues, Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da
vontade, 27.ed., rev., São Paulo, Saraiva, 2000 (p. 195); Agostinho Alvim, Da
doação, São Paulo, Revista dos Tribunais. 1963.) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 292 apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 03/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Também nos ensinamentos de Marco Túlio de Carvalho Rocha,
se o doador tiver herdeiros necessários (ascendentes, descendentes ou cônjuge, (CC
1.845) somente pode doar a metade de seus bens (CC 1.789 e 1.846), sob pena de
nulidade absoluta da parte excedente e de redução da liberalidade (CC 2.007). O
limite vale para as subvenções periódicas. A doação que ultrapassa esse limite
legal é chamada de inoficiosa.
O herdeiro necessário pode ajuizar a ação enquanto ainda
vive o doador. Neste sentido e a Súmula 494 do STF que permite aos descendentes
anular a venda feita pelo ascendente comum a outro descendente sem a sua anuência.
Silvio Rodrigues manifesta-se conta esse entendimento ao argumento de que não se
admite a disputa de herança de pessoa viva.
Salvo disposição expressa, a doação a descendente e ao cônjuge
é considerada adiantamento da legítima (CC 544). Os bens doados ficam sujeitos
à colação.
Conforme
o Enunciado n. 119 da Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários
do Conselho da Justiça Federal, realizada de 11 a 13-9-2002), para evitar o
enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com base no valor da época da
doação, nos termos do CC 2004, caput, exclusivamente na hipótese em que
o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se, ao contrário, o
bem ainda integrar o patrimônio, a colação se fará com base no valor do bem na
época da abertura da sucessão, de modo a preservar a quantia que efetivamente
integrará a legítima quando esta se constituiu, ou seja, na data do óbito (resultado
da interpretação sistemática do CC 2.004 e seus parágrafo, bem como CC 1.832 e
884, respectivamente) (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 03.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).