quarta-feira, 25 de março de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 876, 877, 878 - continua Do Pagamento Indevido - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 876, 877, 878 - continua
 Do Pagamento Indevido - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
(Art. 233 ao 965) - Título VII – Dos Atos Unilaterais
(Art. 854 a 886) Capítulo III – Do Pagamento Indevido
– Seção III – (art. 876 a 883) – vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.

Medindo com a régua de Hamid Charaf Bdine Jr, o valor recebido por quem não é credor deve ser restituído, sob pena de enriquecimento injustificado. Do mesmo modo, se o recebimento se verifica sob condição – i.é, dependendo de fato futuro e incerto -, caso o evento condicionante não se verifique, o pagamento efetuado deixa de ser devido, de modo que deve ser restituído (CC 125).

Carlos Roberto Gonçalves, ao comentar o presente dispositivo, anota: “Nessa matéria vigora o tradicional princípio de que todo enriquecimento sem causa jurídica e que acarrete como consequência o empobrecimento de outrem induz obrigação de restituir em favor de quem se prejudica com o pagamento” (Direito civil brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2004, v. III, p. 580).

Trata-se de uma modalidade de enriquecimento sem causa, tratado especificamente a partir do CC 884. Newton de Lucca registra que os requisitos para a configuração do pagamento indevido são os seguintes: “a) animus solvendi, ou seja, a intenção de pagar; b) inexistência do débito ou pagamento endereçado àquele que não seja o credor” (Comentários ao novo Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XII, P. 79). (Hamid Charaf Bdine Jr., apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 893 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No dizer de Ricardo Fiuza, pagamento indevido é aquele feito voluntariamente, e por erro, sobre débito inexistente. Quem recebe pagamento indevido (accipiens) deve devolvê-lo, sob pena de locupletamento. Essa regra também se aplica na hipótese de pagamento de dívida condicional sem que tenha sido cumprida a condição. Em se tratando de pagamento de tributos indevidos, a regra a ser aplicada é a mesma (v. art. 165 do CTN). O instrumento hábil para o recebimento do valor pago indevidamente, não sendo a restituição voluntária ou administrativa, é a ação de repetição do indébito.

Esse artigo repete o de n. 964 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. Sobre a matéria, vide Carlos Alberto Dabus Maluf. Pagamento indevido e enriquecimento sem causa. Revista da Faculdade de Direito da USP, v. 93, p. 115, 1998, e Pressupostos do pagamento indevido, RF, 257/379. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 454 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conforme Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o pagamento indevido é a principal espécie de enriquecimento sem causa (CC 884 a 886).

O pagamento indevido é o realizado por erro de quem supõe a existência de obrigação inexistente. O pagamento é indevido nos seguintes casos: a) Desacordo sobre a causa (ex.: alguém paga empréstimo sem perceber que a prestação que h avia recebido lhe havia sido paga a título de doação); b) ilicitude (ex.: pagamento realizado por absolutamente incapaz ou contra proibição legal relativa à forma ou o fundo do direito); c) Pagamento anterior à realização da condição suspensiva.

O pagamento anterior ao vencimento do termo não é indevido nem pode ser repetido, porque a obrigação sujeita a atermo existe desde o momento em que contraída (CC 131). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 25.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de não tê-lo feito por erro.

No dizer de Hamid Charaf Bdine Jr, para que o valor recebido indevidamente seja restituído, aquele que efetuou o pagamento deverá comprovar que o fez por erro. A demonstração de que o pagamento foi feito por equívoco acarretará a conclusão de que não foi espontâneo, consciente e intencional. Vale dizer: foi feito apesar da consciência de que o valor não era devido. Pois, se o valor não era conscientemente devido e o pagamento se fez mesmo assim, não há oportunidade de repetição, na medida em que se equipara a uma liberalidade ou renúncia de direito.

Como se verifica, o Código Civil adotou a teoria subjetiva, tornando indispensável a demonstração do erro. Contudo, se não houve erro, a repetição pode encontrar fundamento no enriquecimento sem causa (CC 884 a 886).

O ônus da prova do erro, segundo o presente dispositivo, é daquele que efetuou o pagamento. Acrescente-se, com amparo na lição de Newton de Lucca, que, caso o pagamento tenha se verificado involuntariamente – por coação, exemplificativamente -, não será o caso de incidência do presente dispositivo, mas de defeito do negócio jurídico (CC 171, II), suscetível de anulação (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XII, p. 83).

O art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece a obrigação de o fornecedor restituir em dobro ao consumidor aquilo que este pagou indevidamente, com correção monetária e juros de mora, salvo engano justificável. A disposição tem natureza distinta do pagamento indevido contemplado no Código Civil, pois não exige o erro do consumidor, limitando-se a estipular uma única hipótese de exclusão de responsabilidade do fornecedor: o engano justificável. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 895 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

No pensar de Ricardo Fiuza, para se receber a restituição do pagamento feito indevidamente é necessário que este tenha sido feito por erro. O ônus da prova do erro incumbe a quem fez o pagamento indevido voluntariamente (solvens).

Este dispositivo repete o art. 965 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dispensado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 454 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na pauta de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, como espécie de enriquecimento sem causa, o pagamento indevido exige que haja o enriquecimento de uma pessoa, o prejuízo de outra pessoa e o nexo causal entre o enriquecimento  de uma e o prejuízo da outra.

Para que seja indevido o pagamento é necessária a ausência de íntima justificação para o fenômeno (atribuição patrimonial defectiva de causa).

Não é necessária a capacidade para o enriquecido e para o enriquecedor, por se tratar de fato jurídico em sentido estrito.

Se o enriquecedor for capaz e o enriquecimento decorrer de ato seu, é necessário que tenha agido por erro.

A jurisprudência exclui o direito à repetição se o pagamento visar ao cumprimento de prestação de cunho alimentar, se o enriquecido o tiver recebido de boa-fé, com base nos princípios da segurança jurídica e da confiança (ex.: pensão alimentícia, vencimentos de servidor público, pensões e benefícios de aposentadoria). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 25.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 878. Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto neste Código sobre o possuidor de boa-fé, conforme o caso.

No entender de Hamid Charaf Bdine Jr, a coisa dada em pagamento indevido fica em poder daquele que a recebeu sem ter direito ao bem. Esse falso credor pode ter agido de boa-fé ou de má-fé e poderá ter percebido frutos do bem ou ter incorporado acessões a ele. Pode ser, ainda, que o bem recebido tenha se deteriorado.

Caso o credor tenha agido de boa-fé, a hipótese se regerá pelo disposto no CC 1.214 e seu parágrafo único, CC 1.217 e CC 1.219. Se tiver agido de má-fé, a questão rege-se pelo disposto no CC 1.214, parágrafo único, CC 1.216, CC 1.218 e CC 1.220. (Hamid Charaf Bdine Jr, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 897 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina mostra que, aquele que recebeu o pagamento indevido de boa-fé (accipiens   de boa-fé) deverá devolver a coisa recebida indevidamente, mas terá direito de conservar os frutos percebidos e de ser indenizado relativamente às benfeitorias úteis e necessárias. Quanto às voluptuárias, poderá levanta-las, desde que não altere a substância da coisa. O accipiens de má-fé deverá devolver tudo que recebeu, juntamente com seus frutos, não tendo direito a indenização por benfeitorias úteis e necessárias, não podendo, ainda, levantar as voluptuárias. De resto devem ser aplicadas as regras dos possuidor de boa-fé e do possuidor de má-fé (v. CC 1.214 a 1.220). O artigo é mera repetição do art. 966 do Código Civil de 1916, com pequena melhoria de redação, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 455 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD.

No parecer de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o possuidor é de boa-fé ou de má-fé conforme ignore ou não o vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa (CC 1.201).

O dispositivo manda aplicar esse critério à coisa que é indevidamente entregue ao enriquecido para o cumprimento de obrigação, relativamente a seus frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações. Ou seja, se o enriquecido recebe a coisa com o conhecimento de que ela lhe está sendo entregue por erro, será possuidor de má-fé e responderá por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde momento em que se constituiu de má-fé, conforme o CC 1.216, responde pela perda ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do enriquecedor (CC 1.218) e somente pode cobrar ressarcimento pelas benfeitorias necessárias (CC 1.220). o enriquecido de boa-fé é também possuidor de boa-fé e, por isso, não responde pela perda ou deterioração da coisa a que não der causa (CC 1.217), tem direito aos frutos percebidos (CC 1.214) e tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis (CC 1.219). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 25.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).