segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 837, 838, 839 - DA EXTINÇÃO DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 837, 838, 839
- DA EXTINÇÃO DA FIANÇA - VARGAS, Paulo S. R.
vargasdigitador.blogspot.com –

digitadorvargas@outlook.com

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

(art. 481 a 853) Capítulo XVIII – Da Fiança

– Seção III – Da Extinção da Fiança (art. 837 a 839) –

 

Art. 837. O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.

 

Na visão de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o artigo presente, inaugurando as hipóteses de extinção da fiança, mas sem exauri-las, como se pode constatar pela existência de causas exoneratórias já antes examinadas, fora da seção (v.g., CC 835 e 836), e a exemplo do que continha o seu correspondente no CC/1916, (art. 1.502), cuida das defesas, como tal compreendida a expressão exceção, que pode o fiador opor ao credor da dívida que tenha afiançado. E, de início, faculta a lei, por evidente, a oposição pelo fiador, diante do credor, de todas as exceções pessoais, i.é, das defesas atinentes ao vínculo de garantia que entre ambos se estabeleceu. Assim, por exemplo, pode o fiador opor ao credor tudo quanto se relacione com vício de vontade que acaso tenha ocorrido. Lembre-se, ainda, das questões de forma, de exoneração, de termo da fiança, conforme comentário aos CC 819 e 835, todas exceções pessoais oponíveis pelo fiador. Da mesma forma, as restrições específicas que tocam a algumas pessoas para a prestação de fiança (ver comentário ao CC 818). Sem contar os meios indiretos extintivos da própria obrigação fidejussória, como a novação, compensação ou remissão, que ao fiador se refiram.

 

Mas, além de todas essas exceções pessoais, também é lícito ao fiador opor ao credor qualquer exceção que, posto não pessoal, destarte ainda que deduzível pelo devedor principal, seja extintiva da obrigação. Importa, aqui, não olvidar que a fiança constitui obrigação acessória que, assim, não persiste se a obrigação principal se extingue.

 

Tem-se, nesse passo, o que em doutrina se convencionou chamar de extinção indireta da fiança. Abre-se, destarte, ao fiador, em primeiro lugar, a possibilidade de alegar, perante o credor, que a dívida principal foi paga pelo devedor. a propósito, porém, há duas ressalvas a serem feitas. Uma é a do pagamento parcial feito de uma dívida parcialmente garantido em relação ao total da dívida, resta saber se, no silêncio, considera-se paga a parte da dívida afiançada ou da dívida livre da fiança. Para Lauro Laertes de Oliveira a situação se resolve com a regra geral de imputação do pagamento sempre na dívida mais onerosa (CC 355, parte final), que considera ser aquela parte afiançada (Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 83), decerto o que se faz em prejuízo do credor e da garantia que favorece seu crédito, razão até de defender, por exemplo, Carvalho Santos, a posição oposta (Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, v. XIX, p. 488), mas desde que não se reconheça a prévia prerrogativa que tem o credor, inerte o devedor, de imputar, ele próprio, o pagamento.

 

A segunda ressalva diz respeito ás formas especiais de pagamento. Quanto ao pagamento por consignação, vale lembrar a regra contida no CC 339, segundo a qual, acolhida a demanda consignatória, ao devedor já não será dado levantar a prestação que depositou, mesmo que o credor o consinta, sem a anuência do fiador, sob pena de se ter esse último por exonerado. De idêntica forma se, mesmo antes do julgamento, credor e devedor ajustam o levantamento da coisa depositada por este, autor da ação. Quanto ao pagamento feito por terceiro, é de ver que, havida a sub-rogação (CC 346 e ss.), se preserva a responsabilidade do fiador, portanto a quem não se reconhecerá a possibilidade de se valer daquela quitação (CC 349). Já se houver pagamento por dação, a repristinação da obrigação pela evicção da coisa dada em pagamento, prevista no CC 359, não autoriza que se reconheça o restabelecimento da fiança (ver CC 838, III, infra).

 

Também a novação da dívida principal pode ser oposta pelo fiador ao credor. Conforme disposição do CC 366, a novação levada a cabo sem a anuência do fiador implica a sua exoneração. É idêntica a solução legal para quando haja transação entre credor e devedor sem a anuência do fiador (CC 844, § 1º). Quanto à compensação, outro dos meios indiretos de extinção da obrigação, o caso do fiador é justamente a exceção à regra da reciprocidade entre credor e devedor, de tal sorte que a um terceiro na relação creditícia, no caso o fiador, será dado recorrer a crédito do devedor afiançado contra o credor para opor, diante deste, a compensação (CC 371). A remissão concedida ao devedor afiançado igualmente aproveita ao fiador. Já a prescrição, embora não extinga a dívida principal, propriamente dita, prejudicando a pretensão respectiva, de coativa satisfação, tem-se entendido beneficiar o fiador, que pode, portanto, alega-la em seu favor (v.g., Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, t. XLIV, § 4.796, n. 7, p. 223; Oliveira, Lauro Laertes de. Da fiança. São Paulo, Saraiva, 1986, p. 85). Mas é bem de ver que a interrupção da prescrição operada contra o devedor principal prejudica o fiador (CC 204, § 3º).

 

Por fim, ressalva o dispositivo em comento que a incapacidade pessoal do devedor não pode ser alegada pelo fiador, em seu proveito, salvo no caso do mútuo, que, quando feito a menor, não pode ser reavido nem mesmo do garantidor fidejussório (ver CC 588, com as ressalvas do CC 589). A regra complementa aquela já contida no CC 824, em que a matéria foi já examinada, portanto a cujo comentário ora se remete o leitor. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 860-61 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Há um histórico na toada de Ricardo Fiuza que aponta a redação ser a mesma do projeto. O CC de 1916 traz um artigo correspondente, de n. 1.502, cuja redação é: “O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que compitam ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do art. 1.259”. O referido art. 1.259, por sua vez, refere-se ao mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver.

 

Na doutrina, o presente artigo enfoca um dos modos extintivos próprios da natureza da fiança. A fiança resulta extinta pela ocorrência de exceções pessoais ou extintivas, que excluem a responsabilidade do garante, salvo se advindas de incapacidade do garante, excepcionada a hipótese do mútuo feito a pessoa menor.

 

Exemplos de exceções pessoais são: a novação feita sem consenso do fiador com o devedor originário, a interrupção da prescrição produzida contra o principal devedor etc. Exemplos de exceções que extinguem a obrigação pagamento prescrição, nulidade da obrigação principal, dentre outras. (Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3.) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 440 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a fiança pode ser extinta em virtude de fato relativo a ela própria e, como é um contrato acessório, em regra, as causas que extinguem o contrato principal causam igualmente a extinção da fiança.

 

São causas de extinção da fiança: a) a anulação da obrigação principal ou da própria fiança. A fiança é, contudo, válida se a nulidade da obrigação principal decorre de incapacidade do devedor, menos no caso de mútuo feito a menor, quando, apesar da nulidade da obrigação principal, a fiança será válida (CC 824); b) a extinção da obrigação principal pelo pagamento, dação em pagamento, remissão, transação, novação, compensação, confusão etc.; c) a confusão entre credor e fiador; d) a compensação, isto é, quando o fiador torna-se credor do credor; e) distrato; f) término do prazo na fiança por prazo determinado; g) morte do fiador ou do afiançado; h) exoneração do fiador em casos de: h.1) renúncia do fiador na fiança por prazo indeterminado. O fiador continua responsável por 60 dias após a notificação (CC 835); h.2) moratória dada ao devedor (CC 838, I); h.3) impossibilidade de sub-rogação nos direitos do credor (CC 838, II); h.4) aceitação de dação em pagamento (CC 838, III); h.5) se, por negligência do credor, os bens livres do devedor não forem executados (CC 839) e h.6) na locação de imóveis, denúncia do fiador, quando da prorrogação do contrato por prazo indeterminado. O fiador continua a responder pelas obrigações pelo prazo de 120 dias. O locador pode notificar o locatário para que apresente fiador no prazo de 30 dias sob pena de rescisão da locação. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 838. O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:

 

I – se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;

 

II – se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências;

 

III – se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perde-lo por evicção.

 

No luzir de Claudio Luiz Bueno de Godoy, o Código, no artigo em comento, trata de hipóteses em que, agora, por atos de iniciativa do credor, fica o fiador, ainda que solidário (ver CC 828), exonerado da obrigação fidejussória. No primeiro inciso, determina a lei que, concedida pelo credor moratória ao devedor, sem o consentimento do fiador, dá-se a sua exoneração, ficando ele desobrigado pela fiança prestada.

 

A moratória, propriamente, é a concessão de prazo suplementar para que o devedor cumpra sua obrigação. Para grande parte da doutrina, essa hipótese legal deve ser entendida, verdadeiramente, como uma novação. É certo que, havida a novação, sem a aquiescência do fiador, extinta estará a fiança, tanto quanto ela se extingue se havida a transação (CC 844, § 1º). Como ainda vale lembrar, o que é muito frequente em contratos de locação, e o que já se mencionou no comentário ao CC 819, também não responde o fiador, aí mesmo que sem a extinção da fiança, por reajustes convencionados a que não tenha anuído (Súmula n. 214 do STJ).

 

Bem de ver, porém, que, se com a novação se extingue a originária obrigação, crê-se ter-se exigido menos no preceito em exame. Foi pretensão do legislador figurar caso em que, mesmo sem aquela indireta extinção, persista a dívida, todavia com novo e dilargado prazo para pagamento, o que coloca em risco a situação do fiador, com a eventual insolvência do devedor, já reconhecidamente inapto a pagar no prazo, daí que se exigindo a respectiva anuência do garantidor, sob pena de extinção da fiança. Não se deve confundir essa situação de formal alargamento de termo final de cumprimento da obrigação com mera inércia ou demora do credor em cobrar seu crédito. Nesse caso o sistema disponibiliza ao fiador a medida do CC 834, sempre ao mesmo fundamento de preservação das circunstancias de concessão da garantia. Também não se confunde com a moratória a mera suspensão de ação acaso já em curso, se afinal não implicar acordo para prorrogação de prazo da dívida.

 

O segundo inciso do artigo presente versa sobre o prejuízo que, por ato doo credor, possa o fiador ter experimentado na sub-rogação que o favorece, mercê da regra contida no CC 831, sempre quando pague o débito afiançado. Trata-se de terceiro juridicamente interessado no pagamento que, ao fazê-lo, se sub-roga nos direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo credor, que lhe são transferidos, como se contém no CC 349. Pois sempre que de alguma maneira, por ato do credor, essa sub-rogação se prejudicar, extingue-se a fiança. Pense-se, por exemplo, em crédito garantido por penhor cujo objeto o credor deixa perecer. Ou na sua inércia em registrar hipoteca, permitindo, com isso, a alienação, pelo devedor, do imóvel hipotecado. Todas hipóteses em que, por fato atribuível ao credor, o fiador vê frustrada a sub-rogação decorrente do pagamento que fez da dívida afiançada.

 

Por último, e tal como já se deduziu no comentário ao artigo antecedente, extingue-se a fiança se o credor aceita dação em pagamento de seu crédito, mesmo que venha a perder, por evicção, o respectivo objeto, o que restabelece a obrigação primitiva mas, como está no inciso último, em exame, não repristina a fiança, permanecendo desobrigado o fiador. A ideia, malgrado por alguns criticada, é a de que, afinal, acedeu o credor ao recebimento de uma forma de pagamento cujo risco não garantiu o fiador, por isso que exonerado. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 862 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No pontuar de Ricardo Fiuza, o dispositivo cuida das causas em que, mesmo solidário com o obrigado principal liberar-se-á o fiador de sua obrigação acessória. A moratória que o credor, sem o seu assentimento, concede ao devedor. O fato de o credor que torne impossível a sub-rogação do fiador em seus acessórios opor evicção, são causas extintivas da fiança por liberação do fiador. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 440 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No diapasão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo enumera as causas de exoneração do fiador antes do término da fiança. A fiança não admite interpretação extensiva (CC 819). A vinculação do fiador ao cumprimento das obrigações assumidas pelo afiançado depende da manutenção das condições iniciais do contrato, pois não se obriga por mais ou por condições diferentes, ainda que mais favoráveis ao afiançado. Para que o fiador seja mantido vinculado ao cumprimento das obrigações, deve anuir expressamente às alterações que as partes pretendam introduzir nas condições iniciais do contrato.

 

Desse modo, a moratória que o credor concede ao devedor modifica o prazo em que a obrigação deve ser cumprida; se o credor libera o devedor de alguma outra garantia que tenha recebido do devedor, impede que o fiador possa se sub-rogar na mesma garantia, caso venha a adimplir a obrigação; se o credor aceita do devedor dação em pagamento, altera-se o objeto da prestação. Todas essas alterações acarretam, ipso facto, a exoneração do fiador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 839. Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada.

 

Segundo parecer de Claudio Luiz Bueno de Godoy, estabelece o Código, no presente artigo, outra causa de extinção da fiança, por conduta imputável ao credor, móvel, afinal, do agravamento da situação jurídica do fiador, por isso que então exonerado. A hipótese é a do fiador que, invocando em seu favor benefício de ordem, nomeia bens livres e desembaraçados do devedor, na exata forma do que está contido no CC 827, e parágrafo, o que, porém, se prejudica pela inércia do credor, sem justa causa, em promover o regular andamento da demanda satisfativa, sobrevindo, nesse meio tempo, a insolvência do devedor. ou seja, por fato injustificável, atribuível ao credor, frustra-se, a constrição de bens do devedor, indicados pelo fiador e comprovadamente suficientes, à época em que nomeados, para solução da dívida afiançada.

 

A ideia fundamental, destarte, é que o retardo do credor obviou a regular penhora de bens do devedor, livres, desembaraçados e suficientes, quando nomeados pelo fiador. Ou, de qualquer forma, tem-se hipótese em que, por incúria do credor, operou-se uma piora, em virtude da superveniente insolvência do devedor, na situação do fiador que, regularmente, havia cumprido o ônus que lhe impunha o parágrafo único do CC 827, providência, todavia, enfim frustrada por conduta do credor. É certo que a disposição do artigo não exclui a prerrogativa que, havendo retardo do credor na demanda de cobrança, se defere ao fiador de promover-lhe o andamento, conforme está no CC 834, o que, por evidente, todavia não encerra uma imposição, mas mera faculdade. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 863 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 06/03/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na doutrina de Ricardo Fiuza, em exercendo o fiador o benefício de ordem, na forma do parágrafo único do CC 821, com a indicação dos bens do devedor principal, a circunstância de operar-se atraso na execução com a superveniente insolvência do devedor e executado tem a aptidão legal de exonerar uma vez provando este que a nomeação feita dos bens do devedor ao tempo da penhora era eficaz suficiente para garantir o juízo da execução e, em consequência satisfazer o débito a ele afiançado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 440 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 06/03/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

 No saber de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a demora do credor em executar o devedor pode causar alteração relevante nas condições do contrato se, conforme prevê o dispositivo, o devedor cair em insolvência. Exonera-se o fiador de sua responsabilidade mediante a prova de que o devedor possuía bens suficientes para o pagamento da dívida no momento em que ocorrer a penhora de bens do fiador.

 

Melhor solução seria a de se permitir a exoneração do fiador uma vez que este provasse que o devedor era solvente quando do vencimento da obrigação, pois, tomando como marco temporal o momento da penhora, permite a regra que o credor demore-se no ajuizamento da ação de cobrança contra o devedor, com possível prejuízo para o fiador. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 06.03.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comentários ao Código Penal – Art. 71 Crime continuado – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com –

 

Comentários ao Código Penal – Art. 71
Crime continuado VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Geral –Título V – Das Penas –
Capítulo III – Da Aplicação da Pena

 

Crime Continuado (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código. (Redação dada pela Lei na 7.209, de 11/7/1984)

Iniciando pela origem, com Bettiol, Rogério Greco. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Crime continuado” – Art. 71 do CP, que afirma “A figura do crime continuado não é de data recente. As suas origens ‘políticas’ acham-se sem dúvida no favor rei que impeliu os juristas da Idade Média a considerar como furto único a pluralidade de furtos, para evitar as consequências draconianas que de modo diverso deveriam ter lugar: a pena de morte ao autor de três furtos, mesmo que de leve importância. Os nossos práticos insistiam particularmente na contextualidade cronológica da prática dos vários crimes, para considerá-los como crime único, se bem que houvesse também quem se preocupasse em encontrar a unidade do crime no uno impetu com o qual os crimes teriam sido realizados. Da Idade Média, a figura do crime continuado foi trasladada para todas as legislações [...]” (BETTIOL, Giuseppe. Direito penal, v. II, p. 312).

Da natureza jurídica: Três principais teorias disputam o tratamento sobre a natureza jurídica do crime continuado, a saber: a) teoria da unidade real; b) teoria da ficção jurídica e c) teoria mista.

A teoria da unidade real entende como crime único as várias condutas que, por si sós, já se constituiriam em infrações penais. Na escorreita proposição de Vera Regina de Almeida Braga, “intenção e lesão únicas dariam lugar a um único delito, composto de várias ações. O crime continuado consistiria em um ens reale”. (BRAGA, Vera Regina de Almeida. Pena de multa substitutiva no concurso de crimes, p. 59).

A teoria da ficção jurídica entende que as várias ações levadas a efeito pelo agente que, analisadas individualmente, já consistiam em infrações penais, são reunidas e consideradas fictamente como um delito único. Finalmente, a teoria mista reconhece no crime continuado um terceiro crime, fruto do próprio concurso.

Nossa lei penal adotou a teoria da ficção jurídica, (Conforme esclarece Alcides da Fonseca Neto, “a natureza jurídica da continuidade delitiva é explicada peia teoria da ficção jurídica, peia qual ela é resultante de uma aglutinação legal tão só para fins de aplicação de uma pena, muito embora existam, no plano ontológico, vários delitos, ou seja, a unificação não retira a autonomia dos crimes componentes da cadeia delituosa” (O crime continuado, p. 342), entendendo que, uma vez concluída pela continuidade delitiva, deverá a pena do agente sofrer exasperação. O julgado HC a seguir explica:

A continuidade delitiva, segundo posição majoritária da doutrina e da jurisprudência, é uma ficção jurídica criada para beneficiar o criminoso eventual, de sorte que, não obstante a pluralidade de crimes, considera-se a existência de um só, conforme o preenchimento dos requisitos objetivos (delitos da mesma espécie, condições de tempo, lugar e modo de execução semelhantes) e subjetivos (unidade de desígnios) (STJ, HC 141239/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Mais Filho, 5ª T., DJe 15/3/2010).

Dos requisitos e consequências do Crime continuado: Requisitos: a) mais de uma ação ou omissão; b) prática de dois ou mais crimes, da mesma espécie; c) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes; d) os crimes subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro.

Consequências: a) aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada de um sexto a dois terços; b) aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada de um sexto a dois terços; c) nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada até o triplo; d) nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada até o triplo.

Quanto aos Crimes da mesma espécie: O agente pode, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes da mesma espécie. A primeira dúvida em relação ã redação do artigo em estudo é justamente saber o que significa crimes da mesma espécie. Várias posições foram ganhando corpo ao longo dos anos, sendo que duas merecem destaque, porque principais. A primeira posição considera crimes da mesma espécie aqueles que possuem o mesmo bem juridicamente protegido, ou, na linha de raciocínio de Fragoso, "crimes da mesma espécie não são apenas aqueles previstos no mesmo artigo de lei, mas também aqueles que ofendem o mesmo bem jurídico e que apresentam, pelos fatos que os constituem ou pelos motivos determinantes, caracteres fundamentais comuns”. (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, p. 351). Assim, furto e roubo, roubo e extorsão seriam da mesma espécie. A segunda posição aduz que crimes da mesma espécie são aqueles que possuem a mesma tipificação penal, não importando se simples, privilegiados ou qualificados, sé tentados ou consumados. Esta é a posição de Aníbal Bruno quando diz que “cada ação deve fundamentalmente constituir a realização punível do mesmo tipo legal, i. é, essas ações repetidas devem representar dois ou mais crimes da mesma espécie, podendo reunir-se a forma consumada com a tentativa, a forma simples com a agravada. Os bens jurídicos podem ter o mesmo ou diverso titular”. (BRUNO, Anibal. Direito penal, t. 2º, p. 302. Ao contrário, portanto, da posição anterior, para esta não poderia haver continuidade entre furto e roubo, uma vez que tais infrações penais encontram moldura em figuras típicas diferentes. Para nós, crimes da mesma espécie são aqueles que possuem o mesmo bem juridicamente protegido. (Nesse sentido, com maestria, sentencia Patrícia Mothé Glioche Béze: “Adotada a teoria da ficção jurídica, que é a posição majoritária na doutrina jurisprudencial, o crime continuado é modalidade de concurso de crimes e não haveria obstáculo para se reconhecer como crimes da mesma espécie os que ofendem o mesmo bem jurídico, desde que presentes os outros requisitos do crime continuado (dentre eles a maneira de execução). Assim, podem ser crimes da mesma espécie aqueles que estão em artigos de lei diferentes, desde que sejam semelhantes entre si, adotando-se a teoria objetiva pura ou objetivo-subjetiva" (Concurso formal) e crime continuado, p. 148).

Confirmando o julgado: Impossibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva entre os delitos de estelionato praticado contra entidade de direito público e corrupção ativa, pois são infrações penais de espécies diferentes, que não estão previstas no mesmo tipo fundamental. Precedentes (STJ, HC 8361 l/SP, Relª. Minª. Laurita Vaz, 5ª T., DJe 01/3/2010).

Bem como os quatro seguintes que completam a ideia: Os crimes de homicídio qualificado e latrocínio são espécies delituosas distintas, não se configurando entre elas a continuidade delitiva, mas sim o concurso material (STJ, HC 140936/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJe 22/2/2010).

Tendo em vista que os crimes de roubo e extorsão, apesar de serem do mesmo gênero, são de espécies diversas, não se aplica a continuidade delitiva (STJ, REsp. 1.052.447/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe 01/o2/10).

Não se aplica a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e latrocínio, eis que, apesar de serem do mesmo gênero, não são da mesma espécie, pois possuem elementos-objetivos e subjetivos distintos, não havendo, portanto, homogeneidade de execução. Precedentes desta Corte e do STF. (STJ, HC 68137/RJ, Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 12/3/2007).

Não há como reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de estelionato, receptação e adulteração de sinal identificador de

veículo automotor, pois são infrações penais de espécies diferentes, que não estão previstas no mesmo tipo fundamental. Precedentes do STF e STJ (STJ, REsp. 738337/DF. REsp. 2005/0030253-6, Relª. Minª Laurita Vaz, j. 17/11/2005, DJ 19/12/2005, p. 466).

A posição majoritária de nossos Tribunais Superiores é no sentido de considerar como crimes da mesma espécie aqueles que tiverem a mesma configuração típica (simples, privilegiada ou qualificada).

Das condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras semelhantes: Exige o art. 71 do Código Penal que o agente atue em determinado tempo, a fim de que sejam aplicadas as regras relativas ao crime continuado. Também com relação a esse ponto existe divergência doutrinária e jurisprudencial, em razão da ausência de um critério rígido para a sua aferição, pois, conforme assevera Ney Moura Teles, “como mensurar essa quantidade de tempo, com base em quais critérios? Este problema é de difícil solução. Não se pode realizar análise meramente aritmética, mas entre os crimes deve mediar tempo que indique a persistência de um certo liame psíquico que sugira uma sequência entre os dois fatos”. (TELES, Ney Moura. Direito penal - Parte gerai, v. 2. p. 187. Não há, portanto, como determinar o número máximo de dias ou mesmo de meses para que se possa entender pela continuidade delitiva. Deverá, isto sim, segundo entendemos, haver uma relação de contexto entre os fatos, para que o crime continuado não se confunda com a reiteração criminosa. Apesar da impossibilidade de ser delimitado objetivamente um tempo máximo para a configuração do crime continuado, o STF já decidiu: Quanto ao fator ‘tempo’ previsto no art. 71 do Código Penal, a jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Federal é no sentido de observar-se o limite de trinta dias que, uma vez extrapolado, afasta a possibilidade de se ter o segundo crime como continuação do primeiro. Precedentes - HC nº 62.451, relatado pelo Min. Aldir Passarinho perante a Segunda Turma, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça, de 25 de abril de 1985, à página 5.889, e HC nº 69.305, do qual foi Relator o Min. Sepúlveda Pertence, cujo acórdão, na 1ª T., restou veiculado no DJe 5/6/1992 (STF, HC 69.896-4, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 2/4/1993, p. 5.620).

Também existe controvérsia quanto à distância entre os vários lugares nos quais os delitos foram praticados. Discute-se sobre a possibilidade de se verificar o crime continuado somente em um mesmo bairro, em uma mesma cidade, comarca ou em até Estados diversos. O STF já entendeu que o fato de serem diversas as cidades nas quais o agente perpetrou os crimes (São Paulo, Santo André e São Bernardo do Campo) não afasta a reclamada conexão espacial, pois elas são muito próximas uma da outra, e integram, como é notório, uma única região metropolitana (RE, Rel. Xavier de Albuquerque, RT 542/455). Em sentido contrário, já se posicionou o extinto TACrim./SP, ao afirmar que não se admite a continuidade delitiva entre crimes praticados em cidades diversas, ainda que integrantes da mesma região metropolitana (Rel. Brenno Marcondes, JUTACrim./SP 84/162). A nosso ver, da mesma forma que o critério temporal, no que diz respeito ao critério espacial deverá haver uma relação de contexto entre as ações praticadas em lugares diversos pelo agente, seja esse lugar um bairro, cidade, comarca ou até Estados diferentes. Nada impede que um grupo especializado em roubo a bancos, ekzemple resolva, num mesmo dia, praticar vários assaltos em cidades diferentes que, embora vizinhas, não pertençam ao mesmo Estado.

A maneira de execução dos delitos, ou seja, o modus operandi do agente ou do grupo, também é um fator importante para a verificação do crime continuado. Um estelionatário que pratica um mesmo golpe, como o do bilhete premiado, ou aquele que comumente leva a efeito os delitos de furto valendo-se de sua destreza utilizam o mesmo meio de execução. O critério, contudo, não é tão simples como se possa imaginar. O agente, embora possa ter um padrão de comportamento, nem sempre o repetirá, o que não poderá impedir o reconhecimento da continuidade delitiva, desde que, frisamos mais uma vez, exista uma relação de contexto, de unicidade entre as diversas infrações penais.

 

Permite o Código Penal, ainda, o emprego da interpretação analógica, uma vez que, após se referir às condições de tempo, lugar e maneira de execução, apresenta outras semelhantes. Isso quer dizer que as condições objetivas indicadas pelo artigo devem servir de parâmetro à interpretação analógica por ele permitida, existindo alguns julgados, conforme noticia Alberto Silva Franco, que “têm entendido que o aproveitamento das mesmas oportunidades e das mesmas relações pode ser incluído no conceito de condições semelhantes" (FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudenciaI - Parte gerai, v. 1, t. I, p. 1139).

 

Os crimes subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro: Exige o art. 71 do Código Penal, ainda, que, em razão das condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, ou seja, as infrações penais posteriores devem ser entendidas como continuação da primeira. Embora seja clara a redação do artigo, que com ela procura fazer a distinção entre o crime continuado e a reiteração criminosa, paradoxalmente, segundo entendemos, a Exposição de Motivos da nova parte geral do Código Penal adota a chamada teoria objetiva no crime continuado.

 

Para que se possa melhor conhecer a discussão, é preciso saber que três teorias disputam o tratamento do crime continuado,

a saber:

 

a) teoria objetiva;

b) teoria subjetiva; e

c) teoria objetivo-subjetiva.

 

A teoria objetiva preconiza que para o reconhecimento do crime continuado basta a presença de requisitos objetivos que, pelo art. 71 do Código Penal, são as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Não há, para essa teoria, necessidade de se aferir a unidade de desígnio, por nós denominada de relação de contexto, entre as diversas infrações penais. Presentes os requisitos do art. 71 do Código Penal, impõe-se o reconhecimento da continuidade delitiva, independentemente da ocorrência da unidade de desígnios. O legislador pátrio somente exigiu requisitos de caráter objetivos, levando a crer que se adotou tão só a teoria objetiva, desprezando-se a unidade de desígnio como elemento da continuação delitiva (STJ, HC 120042/DF, Relª. Minª, Jane Silva. 6ª T-, DJe 2/2/2009).

 

Diz a teoria subjetiva que, independentemente dos requisitos de natureza objetiva (condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras semelhantes), a unidade de desígnio ou, para nós, a relação de contexto entre as infrações penais é suficiente para que se possa caracterizar o crime continuado.

 

A última teoria, que possui natureza híbrida, exige tanto as condições objetivas como o indispensável dado subjetivo, ou seja, deverão ser consideradas não só as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, como também a unidade de desígnio ou relação de contexto entre as ações criminosas.

 

Acreditamos que a última teoria – objetivo-subjetiva - é a mais coerente com o nosso sistema penal, que não quer que as penas sejam excessivamente altas, quando desnecessárias, mas também não tolera a reiteração criminosa. O criminoso de ocasião não pode ser confundido com o criminoso contumaz.

 

Para a caracterização da continuidade delitiva, faz-se imprescindível a comprovação da unidade de desígnios do agente, não se satisfazendo com a só convergência dos requisitos objetivos (crimes de mesma espécie e mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes) (STJ, RHC 22800/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª T., 2/8/2010).

 

Para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva – mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução - e subjetiva - unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos (art. 71 do CP) (teoria mista ou objetivo-subjetiva). Constatada a reiteração criminosa, inviável acoimar de ilegal a decisão que negou a incidência do art. 71 do CP, pois, na dicção do Supremo Tribunal Federal, a habitualidade delitiva afasta o reconhecimento do crime continuado (STJ, HC 128756/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., Dje 29/3/2010).

 

Patrícia Mothé Glíoche Béze, traçando a diferença entre crime continuado e a reiteração criminosa, assevera: “O fundamento da exasperação da pena não visa com certeza, beneficiar o agente que, reiteradamente, pratica crimes parecidos entre si, como o estelionatário, que vive da prática de ‘golpes’. Fundamentando-se no critério da menor periculosidade, da benignidade ou da utilidade prática, a razão de ser do instituto do crime continuado não coaduna com a aplicação do benefício da exasperação da pena para aquele agente mais perigoso, que faz do crime profissão e vive deliberadamente à margem da lei.

 

A habitualidade é, portanto, diferente da continuação. A culpabilidade na habitualidade é mais intensa do que na continuação, não podendo, portanto, ter tratamento idêntico”. (BÉZE, Patrícia Mothé Glioche. Concurso formal e crime continuado, p. 155).

 

Nesse sentido, já se posicionou o STJ, conforme se verifica nas ementas abaixo transcritas:

 

Para a caracterização do crime continuado não basta a simples repetição dos fatos delituosos em breve espaço de tempo, pois a atual teoria penal, corroborada pela jurisprudência dominante nos Tribunais Superiores, preconiza a exigência de unidade de desígnios, em que os atos criminosos estejam entrelaçados, ou melhor, necessário se torna levar em conta tanto os elementos objetivos, como os subjetivos do agente. Continuidade delitiva não reconhecida (STJ, RE 39.883-5, Rel. Min. Fláquer Scartezzini, DJU 28/2/1994, p. 2.911).

 

Crime continuado - Caracterização - Exigência de unidade de desígnio ou dolo total - Para a caracterização do crime continuado, torna-se necessário que os atos criminosos isolados apresentem-se enlaçados, os subsequentes ligados aos antecedentes (art. 71 do CP): 'devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro’ - ou porque fazem parte do mesmo projeto criminoso, ou porque resultam de ensejo, ainda que fortuito, proporcionado ou facilitado pela execução desse projeto, o aproveitamento da mesma oportunidade. (STJ, Rel. Min. Assis Toledo, DJU Í6/3/1992, p. 3.075).

 

A expressão contida no art. 71 do Código Penal - devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro - mais do que nos permitir, nos obriga a chegar a essa conclusão. ("Sob a égide do antigo paradigma causal de fato punível, o critério do legislador para determinar a relação descontinuação deveria ser, necessariamente, objetivo e, por isso, a relação de continuação dos fatos típicos devia ser interpretada de um ponto de vista objetivo. Mas, adotado pelo legislador o sistema finalista como paradigma da parte geral do Código Penal, a estrutura das ações típicas continuadas - como, aliás, a estrutura de qualquer ação típica, inclusive das ações típicas em concorrência material e formal -, é constituída de elementos objetivos e subjetivos, cujo exame é necessário para determinar não só a existência de crimes da mesma espécie, mas, também, para verificar a existência da relação de continuação da ação típica anterior através das ações típicas posteriores” (SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 340-341).

 

Assim se posicionou o STF nesse sentido: Penal. Crime continuado. Código Penal, art. 71.1- Para que ocorra a continuidade delitiva é necessário que os delitos tenham sido praticados pelos agentes, com a utilização de ocasiões nascidas da situação primitiva, devendo existir, pois, nexo de causalidade com relação à hora, lugar e circunstâncias (HC 68890/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª T. (DJU 30/3/2001).

 

E também o STJ: Nos termos do art. 71 do Código Penal, aplica-se a regra do crime continuado, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro. No caso, se os delitos de estelionato foram praticados dentro de idêntico contexto, em harmônicas condições de tempo, lugar e maneira de execução, guardando entre si unidade de desígnio, o fato.de ter sido praticado contra vítimas distintas não afasta a incidência da regra da continuidade delitiva. Precedentes do STJ (STJ, HC 114549/SP, Rel. Mín. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJe 2/3/2009).

 

Crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa: O parágrafo único do art. 71 do Código Penal diz que nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código, permitindo expressamente, portanto, a aplicação da ficção jurídica do crime continuado nas infrações penais praticadas contra vítimas diferentes, cometidas com violência ou grave ameaça à pessoa.

 

Com a redação trazida pela Parte Geral de 84, cai por terra a Súmula nº 605 do STF, que dizia não se admitir a continuidade delitiva nos crimes contra a vida. Hoje, portanto, será perfeitamente admissível a hipótese de aplicação das regras do crime continuado àquele que, por vingança, resolve exterminar com todos os homens pertencentes a uma família rival à sua, ou, na hipótese de roubo, julgada pelo STF, cuja ementa merece ser transcrita: Habeas corpus - Crime de roubo qualificado em diversos apartamentos do mesmo edifício - Ocorrência de crime continuado qualificado (CP, parágrafo único do art. 71) - Presente a pluralidade de condutas e a de crimes dolosos da mesma espécie, praticados com emprego de armas, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, ocorre a hipótese de crime continuado qualificado, ou específico, previsto no par. único do art. 71 do Código Penal (STF, HC 72.280-6, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJU 26/4/1996, p. 13.114).

 

Crime continuado simples e crime continuado qualificado: A possibilidade de haver a continuidade delitiva nas infrações penais em que o agente tenha atuado com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, contra vítimas diferentes, fez surgir a distinção entre o crime continuado simples e o crime continuado qualificado. Diz-se simples o crime continuado nas hipóteses do caput do art. 71 do Código Penal; qualificado é o crime continuado previsto no parágrafo único do art. 71 do mesmo diploma repressivo, que permite aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo.

 

O parágrafo único do art. 71 do Código Penal determina sejam observadas as regras do parágrafo único do art. 70, que prevê o chamado concurso material benéfico, bem como a do art. 75, que cuida do limite das penas. O concurso material benéfico será visto mais adiante. A referência ao art. 75 do Código Penal não impede de ser aplicada uma pena superior a trinta anos ao agente, pois o mencionado artigo diz textualmente que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos, ou seja, à primeira vista, o condenado não poderá cumprir ininterruptamente mais do que trinta anos, podendo, contudo, ser condenado a uma pena bem superior àquela a que devera efetivamente cumprir.

 

Em sentido contrário, a continuidade delitiva específica, prevista no parágrafo único do art. 71 do Código Penal, relaciona-se com os crimes continuados cometidos contra os bens personalíssimos, praticados dolosamente e com violência ou grave ameaça à pessoa, diferente da continuidade delitiva propriamente dita, prevista no seu caput, que cuida do tratamento jurídico penal relativo aos demais crimes praticados em continuidade delitiva. Hipótese em que houve pluralidade delitiva de natureza dolosa e ofensa a vítimas diferentes, com emprego de violência, merecendo tratamento penal mais severo. Aplicabilidade da regra prevista no parágrafo único do art. 71 do Código Penal. O acréscimo não pode ser ilimitado, i. é, não pode superar a margem prevista para o concurso material de crimes, nem o limite de trinta anos de reclusão (STJ, HC 69779/SP, HC 2006/0245213-0, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T„ DJ 18/6/2007, p. 283).

 

Consequências do crime continuado: Nas hipóteses de crime continuado simples, determina a lei a aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

 

No caso do chamado crime continuado qualificado, o juiz, após considerar a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, poderá aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo. O triplo da pena para uma das infrações cometidas pelo agente será o teto máximo para o aumento correspondente ao crime continuado. Sendo que seria o aumento mínimo: Fazendo-se uma interpretação sistêmica do Código Penal, o aumento mínimo será de um sexto, o mesmo previsto para o caput do art. 71, uma vez que não seria razoável que o juiz procedesse a aumento inferior ao determinado na hipótese de crime continuado simples que, em tese, se configura em situação menos grave do que a do parágrafo único.

 

Do concurso material benéfico: O parágrafo único do art. 71 determina que seja observada a regra relativa ao concurso material benéfico, prevista no parágrafo único do art. 70 do Código Penal. O mesmo raciocínio que fizemos ao analisar o concurso formal pode ser transportado para o tema correspondente ao crime continuado. A ficção do crime continuado, por razões de política criminal, foi criada em benefício do agente. Assim, não seria razoável que um instituto criado com essa finalidade viesse, quando da sua aplicação, prejudicá-lo. Se o juiz, portanto, ao levar a efeito os cálculos do aumento correspondentes ao crime continuado, verificar que tal instituto, se aplicado, será mais gravoso do que se houvesse o concurso material de crimes, deverá desprezar as regras daquele e proceder ao cúmulo material das penas.

 

Da Dosagem da pena no crime continuado: Da mesma forma que o concurso formal, no crime continuado, seja simples ou qualificado, o percentual de aumento da pena varia de acordo com o número de infrações penais praticadas.

 

Segundo os três próximos julgados: Para o aumento da pena pela continuidade delitiva dentro o intervalo de 1/6 a 2/3, previsto no art. 71 do CPB, deve-se adotar o critério da quantidade de infrações praticadas. Assim, aplica-se o aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações (STJ, H C 127679/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T., DJe 15/12/2009).

 

O aumento da pena pela continuidade delitiva se faz, basicamente, quanto ao art. 71, caput do Código Penal, por força do número de infrações praticadas. Qualquer outro critério, subjetivo, viola o texto legal enfocado. Logo, no caso de sete ou mais infrações, o aumento deve dar-se na fração de 2/3 (dois terços) (Precedentes do STF e do STJ) (REsp. 773487/GO, REsp 2005/0132289-0, 5ª T., Min. Felix Fischer, publicado no DJ em

12/2/2007, p. 294).

 

Uma vez reconhecida a existência de continuidade delitiva entre os crimes praticados pelo paciente, o critério de exasperação da pena é o número de infrações cometidas. Em se tratando de condenação por três delitos, o aumento da pena deve, por questão de proporcionalidade, aproximar-se do mínimo legal (HC 83632 / RJ - Rio de Janeiro, HC, 1ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, publicado no DJ em 23/4/2004, p. 25).

 

Crime continuado e novatio legis in pejus: Pode acontecer que, durante a cadeia de infrações penais praticadas pelo agente, parte dela seja cometida durante a vigência de uma lei nova, que agravou, par example, a situação anterior. Ou seja, parte das infrações penais foi praticada durante a vigência da Lei A, e outra parte durante a vigência da Lei B, sendo a lei posterior mais gravosa.

 

Pode-se fazer diante dessa situação o seguinte: Sabe-se que a ficção do crime continuado foi criada com a finalidade de beneficiar o agente, desde que presentes todos os seus requisitos, dando-se a ideia, fictamente, de infração única. Também afirmou-se, com base no disposto na parte final do parágrafo único do art. 70 do Código Penal, que se a regra relativa a continuidade delitiva for prejudicial ao agente, deverá eia ser desprezada, aplicando-se, pois, o chamado concurso material benéfico. No que diz respeito à sucessão de leis no tempo, respondendo à nossa indagação, o STF tem decidido reiteradamente no sentido de que a lei posterior, mesmo que mais gravosa, será aplicada a toda cadeia de infrações penais, conforme se observa nos julgados abaixo colacionados, posição com a qual nos filiamos, haja vista que, mesmo conhecedores da nova lei penal, os agentes que, ainda assim, insistiram em cometer novos delitos deverão ser responsabilizados pelo todo, com base na lei nova.

 

Se o paciente praticou a série de crimes sob o império de duas leis, sendo mais grave a posterior, aplica-se a nova disciplina penal a toda ela, tendo em vista que o delinquente já estava advertido da maior gravidade da sanção e persistiu na prática da conduta delituosa (STF, HC 76680, Rel. Min. Ilmar Galvão, 12 T., DJU 12/6/1998).

 

A reiteração das decisões do Supremo Tribunal Federal levou aquela Corte Suprema, na sessão plenária de 24 de setembro de 2003, a aprovar a Súmula na 711, que diz:

 

Súmula n° 711. A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

 

Em sentido contrário, Alcides da Fonseca Neto assevera que, “na sucessão de leis no tempo, para o caso de crime praticado em continuidade delitiva, em cujo lapso sobreveio lei mais severa, deve ser aplicada lei anterior - lex mitior (FONSECA NETO, Alcides da. O crime continuado, p. 147), - reconhecendo-se a sua ultratividade em favor do réu (art. 5º, XL, da CF).


Suspensão condicional do processo: Processo Penal. Infrações cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva. Suspensão condicional do Processo. Art. 89 da Lei n° 9.099/95. Não aplicação. O benefício da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da Lei n. 9.099/95, não é admitido nos delitos praticados em concurso material quando o somatório das penas mínimas cominadas for superior a 1 (um) ano, assim como não é aplicável às infrações penais cometidas em concurso formai ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada ao delito mais grave aumentada da majorante de 1/6 (um sexto), ultrapassar o limite de um 1 (um) ano (STF, HC 83163/SP, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJ 19/6/2009, p. 153). (Greco, Rogério. Código Penal comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários ao: “Crime continuado” – Art. 71 do CP, p.179-186. Ed. Impetus.com.br, acessado em 26/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Segundo a doutrina, buscada no site www.tjdft.jus.br, Comentários ao Crime continuado, art. 71 do CP, tem-se que:

“O crime continuado, ou delictum continuatum, dá-se quando o agente pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, mediante duas ou mais condutas, os quais pelas condições de tempo, lugar, modo de execução e outras, podem ser tidos uns como continuação dos outros. Ekzemple: uma empregada doméstica, visando subtrair o faqueiro de sua patroa, decide furtar uma peça por dia, até ter em sua casa o jogo completo, 120 dias depois, terá completado o faqueiro e cometido 120 furtos! Não fosse a regra do art. 71 do CP, benéfica ao agente, a pena mínima no exemplo proposto corresponderia a 120 anos de reclusão!

Classifica-se em comum ou simples (caput): quando presentes os requisitos acima; o específico ou qualificado (parágrafo único): quando, além disso, tratar-se de crimes dolosos, praticados com violência ou grave ameaça à pessoa e contra vítimas diferentes.” (ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral (arts. 1º ao 120), 6ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 462).

“Há quem defina como unidade real de crimes (crime único) e há quem prefira a tese da ficção jurídica (crime único, por ficção). Outros ainda se referem a uma teoria supostamente mista, que consistiria em considerar a existência de ainda outro crime, resultante da continuação. A discussão com o devido respeito a todos os seus autores, não oferece maiores proveitos.

Na verdade, o que resta nesse campo é o tratamento que o ordenamento jurídico escolhe para a punibilidade de fatos criminosos praticados pelo mesmo agente. No concurso material o critério escolhido foi o da cumulação de crimes, reconhecendo a autonomia geral entre eles. No concurso formal, prevaleceu a exasperação de uma das penas (a mais grave) em atenção à unidade da conduta, embora a mais de um resultado (crime). E, no crime continuado, como se verá, optou-se também pela regra da exasperação da pena, ainda que evidenciada a pluralidade de ações e de crimes.

A Lei, CP, portanto, trata a questão como se houvesse uma unidade de ações, em continuidade, fazendo, então daquilo que lhe oferece a realidade fática – a pluralidade de fatos efetivamente acontecidos – uma ficção normativa, considerando-as ou regulando-as como uma mesma ação a ser punida com a pena agrava de um dos crimes.” (PACELLI, Eugênio. Manual de direito Penal. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 414).

“A conceituação legal da espécie de crime continuado nos traz requisitos que também se encontram presentes na espécie do concurso material ou real de crimes, pois ambos ocorrem ‘quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes (...)’, porém, a continuidade delitiva se diferencia por exigir:

1º) que os crimes cometidos sejam da mesma espécie: crimes da mesma espécie são aqueles que possuem a mesma tipificação legal, não importando se simples, privilegiados ou qualificados, se tentados ou consumados;

2º) que os crimes tenham sido cometidos pelas mesmas condições de tempo: predomina o entendimento na jurisprudência da possibilidade de se reconhecer a espécie de crime continuado entre infrações praticadas em intervalo de tempo não superior a trinta dias (STF, HB 107636 e 69896);

3º) que os crimes tenham sido cometidos com identidade de lugar: permite-se o reconhecimento da espécie de crime continuado entre os delitos praticados na mesma rua, no mesmo bairro, na mesma cidade ou até mesmo em cidades vizinhas (limítrofes) RT 542/455);

4º) que os crimes tenham sido cometidos pelo mesmo modo de execução: exige-se que ocorra identidade quanto ao modus operandi do agente ou do grupo;

5º) que os crimes subsequentes sejam tidos como continuação do primeiro: exige-se que as ações subsequentes devam ser tidas como desdobramento lógico da primeira, demonstrando a existência de unidade de desígnios.

O artigo 71 do Código Penal nos fornece, portanto, os requisitos indispensáveis à caracterização do crime continuado ou da continuidade delitiva, que se constituem na prática de mais de uma ação ou omissão, tendo como resultado dois ou mais crimes da mesma espécie, que pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, os crimes subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro, o que conduzirá a aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentadas de 1/6 até 2/3, ou a aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada de 1/6 até 2/3, ou ainda, nos crimes dolosos contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, a aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a aplicação da mais grave das penas se diversas, aumentadas em quaisquer hipóteses até o triplo.” (SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória: Teoria e Prática. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 315).

“Crime continuado e unidade de desígnio: Há duas teorias no que diz respeito à necessidade de o crime continuado ser praticado pelo agente com unidade de desígnio: Teoria objetivo-subjetiva ou mista: não basta a presença dos requisitos objetivos previstos no art. 71, caput, do CP. Reclama-se também a unidade de desígnio, i.é, os vários crimes resultam de plano previamente elaborado pelo agente. É a posição adotada, entre outros, por Eugênio Raúl Zaffaroni, Magalhães Noronha e Damásio E. de Jesus, e amplamente dominante no âmbito jurisprudencial. Esta teoria permite a diferenciação entre a continuidade delitiva e a habitualidade criminosa. 2ª Teoria objetiva ou puramente objetiva: Basta a presença dos requisitos objetivos elencados pelo art. 71, caput, do CP. Sustenta ainda que, como o citado dispositivo legal apresenta apenas requisitos objetivos, as “outras semelhantes” condições ali admitidas devem ser de natureza objetiva, exclusivamente. Traz ainda o argumento arrolado pelo item 59 da Exposição de Motivo da Nova Parte Geral do CP: ‘O critério da teoria puramente objetiva não revelou na prática maiores inconvenientes, a despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva’. Em suma, dispensa-se a intenção do agente de praticar os crimes em continuidade. É suficiente a presença das semelhantes condições de índole objetiva. É a posição, na doutrina, de Roberto Lyra, Nélson Hungria e José Frederico Marques”. (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2019. P. 430).

a) não se deve confundir o crime continuado com o crime habitual. No crime continuado, há diversas condutas que, separadas, constituem crimes autônomos, mas que são reunidas por uma ficção jurídica dentro dos parâmetros do art. 71 do Código Penal. O crime habitual é, normalmente, constituído de uma reiteração de atos, penalmente indiferentes de per si, que constituem um todo, um delito apenas, traduzindo geralmente um modo ou estilo de vida. Ekzemple: exercer ilegalmente a Medicina (art. 282 do CP); estabelecimento em que ocorra exploração sexual (art. 229 do CP); participar dos lucros da prostituta (art. 230 do CP) ou se fazer sustentar por ela.

b) Não se deve confundir crime continuado com o crime permanente. No crime continuado, há diversas condutas que, separadas, constituem crimes autônomos, mas que são reunidas por uma ficção jurídica dentro dos parâmetros do art. 71, do Código Penal. No crime permanente há apenas uma conduta, que se prolonga no tempo, till exempel: sequestro ou cárcere privado (art. 148 do CP).

c) Não se deve confundir o crime continuado com a habitualidade criminosa (perseveratio in crimine). No crime continuado, há diversas condutas que, separadas, constituem crimes autônomos, mas que são reunidas por uma ficção jurídica dentro dos parâmetros do art. 71 do Código Penal. o delinquente habitual faz do crime uma profissão e pode infringir a lei várias vezes, do mesmo modo, mas não come crime continuado com reiteração das práticas delituosas”. (ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 192-193).

“No crime continuado, o único critério a ser levado em conta para dosar o aumento (1/6 a 2/3, no caput, e até o triplo, no parágrafo único, do art. 71) é o número de infrações praticadas. É a correta lição de Fragoso. Lições de direito penal, p. 352. Sobre o aumento, Flávio Augusto Monteiro de Barros fornece uma tabela: para 2 crimes, aumenta-se a pena em um sexto; para 3 delitos, eleva-se em um quinto; para 4 crimes, aumenta-se em um quarto; para 5 crimes, eleva-se em um terço; para 6 delitos, aumenta-se na metade; para 7 ou mais crimes, eleva-se em dois terços. (Direito Penal – parte geral, p. 447).” NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, 15ª ed. Rio de Janeiro: forense, 2019, p. 488). Segundo a doutrina, buscada no site www.tjdft.jus.br, Comentários ao Crime continuado, art. 71 do CP, tema criado em 15/12/2019 rev. em 15/02/2020, acessado em 26/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).