DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 145, 146, 147 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do Dolo
-
VARGAS, Paulo S. R.
Livro III – Dos Fatos
Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio
Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do
Negócio Jurídico – Seção II – Do
Dolo
- vargasdigitador.blogspot.com
Art 145. São
os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa. 1,
2
1.
Conceito de dolo
Dolo é o emprego de um artifício
malicioso utilizado para induzir ou manter alguém em erro, levando-o à prática
de um negócio jurídico que não teria sido praticado sem essa maliciosa indução,
como forma de obter vantagem para si próprio ou para terceiro. “O dolo civil (não penal) é a conduta de quem
intencionalmente provoca, reforça ou deixa subsistir uma ideia errônea em outra
pessoa, com a consciência de que esse erro terá valor determinante da emissão
de sua declaração de vontade”. (1) Enquanto que o erro é uma
falsa percepção da realidade ocasional e ocorrida sem a influência de terceiro,
o dolo é o erro intencionalmente provocado por uma pessoa.
2.
Elementos do dolo
Para que se caracterize o dolo como vício de consentimento, apto a anular
um negócio jurídico, é necessário que concorram os seguintes requisitos: (a) a intenção
de induzir o declarante em erro. Se o outro contratante também desconhece a
realidade e age acreditando que está prestando informações corretas e
verdadeiras, não existe intenção de levar o declarante a erro. O elemento
subjetivo malicioso é indispensável para a caracterização do dolo. (b) a
utilização de recursos fraudulentos graves. Por outro lado, uma vez presente o
elemento subjetivo, caracterizar-se-á o dolo independentemente da estratégia
adotada para induzir o declarante a erro. A prestação de informações falsas, a
sonegação da verdade, até mesmo o silêncio intencional a respeito de alguma
circunstância relevante ao negócio jurídico podem configurar o comportamento
doloso. É necessário, todavia, que o meio fraudulento empregado seja grave; que
seja reprovável pela moral das práticas negociais (dolus malus). As pequenas espertezas da autopropaganda exagerada (dolus bonus), facilmente perceptíveis
não autorizam a anulação do negócio jurídico (c) de todo modo, é necessário que
o emprego doloso desse recurso fraudulento tenha contribuído de maneira
determinante para a celebração do negócio jurídico. Se a vítima do dolo se
apercebe do ardil e ainda assim realiza o negócio jurídico, não se poderá dizer
que o dolo concorreu de modo determinante para a realização do negócio
jurídico. Nas palavras do legislador, é necessário que o dolo seja a causa do
negócio jurídico. Ou seja, é necessário que o dolo tenha sido determinante para
a própria realização do negócio. Se o dolo influir apenas sobre a forma com que
o negócio se concretizou (dolo acidental), não dará ensejo à anulação, mas à
mera reparação das perdas e danos (CC, art 146). (Direito Civil Comentado apud
Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 16.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
(1)
Humberto Theodoro Júnior, coord. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, Comentários ao
Código Civil: das pessoas, (arts. 138 a 184),
Vol. III, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 114.
Art 146. O
dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando,
a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo. 1
1.
Dolo acidental
Se
o dolo não tiver concorrido de modo determinante para a realização do negócio
jurídico, a vítima não poderá pedir sua anulação. Apenas o dolo que recaia
sobre a causa do negócio jurídico justifica sua anulação. Se o dolo recair
sobre elementos colaterais do negócio jurídico, este não será passível de
anulação, cabendo à vítima buscar apenas a reparação das perdas e danos que
tiver sofrido. É o que ocorre quando, a despeito da conduta fraudulenta do
outro contratante ou de terceiro, ainda assim o negócio seria realizado, embora
por outro modo. (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina.
Material coletado no site Direito.com
em 16.01.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações (VD)).
No ritmo de Roberto Gonçalves, in,
“Dolo é o artifício ou expediente astucioso, empregado pra induzir alguém à
prática de um ato que o prejudica, e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro.
Consiste em sugestões ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma
parte, a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe traga
proveito, ou a terceiro. (Clóvis
Beviláqua, Código Civil, cit., p. 339, Caio Mario da silva
Pereira, Instituições, cit., v. I, p.
332, apud Direito
Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V.
I, p. 413, 2010, Saraiva – São Paulo).
O dolo difere do erro porque este é
espontâneo, no sentido de que a vítima se engana sozinha, enquanto o dolo é
provocado intencionalmente pela outra parte ou por terceiro, fazendo com que
aquela também se equivoque.
Segundo os irmãos Mazeaud, “la victime
du dol non seuleument s’est trompée, mas a été trompée” (“a vítima do dolo não
está só enganada, mas também foi enganada”). A rigor, o dolo não é vício de
vontade, mas causa do vício de vontade. (João de Castro
Mendes, Direito civil: teoria geral, v.
3, p. 158; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 487, apud Direito Civil
Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V.
I, p. 413, 2010, Saraiva – São Paulo).
O dolo civil não se confunde com o dolo
criminal, que é a intenção de praticar um ato que se sabe contrário à lei.
No direito penal, diz-se doloso o crime quando o agente quis o resultado ou
assumiu o risco de produzi-lo (CP, art 18, I). Dolo civil, em sentido amplo, é todo artifício empregado para enganar
alguém. Distingue-se, também, do dolo
processual, que decorre de conduta processual reprovável, contrária à
boa-fé e que sujeita, tanto o autor como o réu que assim procedem, a sanções
várias, como ao pagamento de perdas e danos, custas e honorários advocatícios
(CPC, arts 16 a 18). (Instituições de direito civil, v.
I, p. 352, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, V. I, p. 414, 2010 Saraiva – São Paulo).
Art 147. Nos
negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a
respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui
omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado. 1
1.
Omissão dolosa como modalidade de dolo
São diversos os meios
fraudulentos que o ardil humano é capaz de conceber. Além da conduta positiva
voltada a induzir alguém a erro, muitas vezes basta a omissão dolosa acerca de
alguma circunstância importante para a realização do negócio jurídico pra que
se configure o dolo. Além da conduta positiva, a conduta omissiva, consistente
no silêncio de alguma informação relevante pode caracterizar o dolo do agente.
É o que ocorre, por exemplo, quando alguém dolosamente omite o real estado da
coisa alienada (TJ-SP, apelação 0004013-19.2004.8.26.0126, rel. Des. Salles
Rossi, j. 19.09.12). Além disso, apesar de o artigo 147 referir-se ao silêncio
intencional como forma de dolo apenas quando recair sobre fato ou qualidade
essencial à celebração do negócio (dolo essencial), nada impede que a omissão
dolosa recaia sobre elemento circunstancial (dolo acidental), justificando a
reparação por perdas e danos (RT 785/243). (Direito
Civil Comentado apud Luís Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 16.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Características
Já foi dito que há íntima ligação entre o erro e o dolo, porque num e
noutra caso a vítima é iludida. Diferem, contudo, pelo fato de que, no erro,
ela se engana sozinha, enquanto no dolo, o equívoco é provocado por outrem.
A rigor, portanto, o negócio seria anulável por erro e por dolo. Todavia,
como o erro é de natureza subjetiva e se torna difícil penetrar no íntimo do
autor para descobrir o que se passou em sua mente no momento da declaração de
vontade, as ações anulatórias costumam ser fundadas no dolo. Ademais, esta
espécie de vício do consentimento pode levar o seu autor a indenizar os
prejuízos que porventura tiver causado com seu comportamento astucioso. Tais as
razões, segundo Coviello, por que a lei disciplina separadamente erro e dolo. (Apud Eduardo Espínola, Dos fatos jurídicos, in Manual do Código
Civil brasileiro, de Paulo de Lacerda, v. 3, 1ª parte, p. 307, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, V. I, p. 414, 2010 Saraiva – São Paulo).
O dolo distingue-se da simulação.
Nesta, a vítima é lesada sem participar do negócio simulado. As partes fingem
ou simulam uma situação, visando fraudar a lei ou prejudicar terceiros. No caso
do dolo, a vítima participa diretamente do negócio, mas somente a outra conhece
a maquinação e age de má-fé.
O dolo também não se confunde com a fraude,
embora ambos os vícios envolvam o emprego de manobras desleais. A fraude se
consuma sem a participação pessoal do lesado no negócio. No dolo, este concorre
para a sua realização, iludido pelas referidas manobras. Tanto a fraude como a
simulação são mais graves do que o dolo, a ponto de a última trazer, como
consequência, a nulidade do negócio (CC, art 167), enquanto o dolo acarreta
apenas a sua anulabilidade.
A coação também apresenta maior
gravidade do que o dolo, pois, não bastasse o emprego de grave ameaça, age
aquela diretamente sobre a liberdade da vítima, enquanto este atua
exclusivamente sobre sua inteligência. (Carmelo Scutto, Instituzioni di diritto privato: parte
generale, v. I, p. 387, apud Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. I, p. 205, apud Direito Civil
Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V.
I, p. 415, 2010, Saraiva – São Paulo).