sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 145, 146, 147 – Do Dolo - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 145, 146, 147 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Do Dolo
 - VARGAS, Paulo S. R.
 
Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Seção II – Do Dolo 
- vargasdigitador.blogspot.com

Art 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa. 1, 2
1.        Conceito de dolo

Dolo é o emprego de um artifício malicioso utilizado para induzir ou manter alguém em erro, levando-o à prática de um negócio jurídico que não teria sido praticado sem essa maliciosa indução, como forma de obter vantagem para si próprio ou para terceiro. “O dolo civil (não penal) é a conduta de quem intencionalmente provoca, reforça ou deixa subsistir uma ideia errônea em outra pessoa, com a consciência de que esse erro terá valor determinante da emissão de sua declaração de vontade”. (1) Enquanto que o erro é uma falsa percepção da realidade ocasional e ocorrida sem a influência de terceiro, o dolo é o erro intencionalmente provocado por uma pessoa.

2.        Elementos do dolo

Para que se caracterize o dolo como vício de consentimento, apto a anular um negócio jurídico, é necessário que concorram os seguintes requisitos: (a) a intenção de induzir o declarante em erro. Se o outro contratante também desconhece a realidade e age acreditando que está prestando informações corretas e verdadeiras, não existe intenção de levar o declarante a erro. O elemento subjetivo malicioso é indispensável para a caracterização do dolo. (b) a utilização de recursos fraudulentos graves. Por outro lado, uma vez presente o elemento subjetivo, caracterizar-se-á o dolo independentemente da estratégia adotada para induzir o declarante a erro. A prestação de informações falsas, a sonegação da verdade, até mesmo o silêncio intencional a respeito de alguma circunstância relevante ao negócio jurídico podem configurar o comportamento doloso. É necessário, todavia, que o meio fraudulento empregado seja grave; que seja reprovável pela moral das práticas negociais (dolus malus). As pequenas espertezas da autopropaganda exagerada (dolus bonus), facilmente perceptíveis não autorizam a anulação do negócio jurídico (c) de todo modo, é necessário que o emprego doloso desse recurso fraudulento tenha contribuído de maneira determinante para a celebração do negócio jurídico. Se a vítima do dolo se apercebe do ardil e ainda assim realiza o negócio jurídico, não se poderá dizer que o dolo concorreu de modo determinante para a realização do negócio jurídico. Nas palavras do legislador, é necessário que o dolo seja a causa do negócio jurídico. Ou seja, é necessário que o dolo tenha sido determinante para a própria realização do negócio. Se o dolo influir apenas sobre a forma com que o negócio se concretizou (dolo acidental), não dará ensejo à anulação, mas à mera reparação das perdas e danos (CC, art 146). (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 16.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

(1)       Humberto Theodoro Júnior, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Comentários ao Código Civil: das pessoas, (arts. 138 a 184), Vol. III, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 114.

Art 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo. 1

1.        Dolo acidental

Se o dolo não tiver concorrido de modo determinante para a realização do negócio jurídico, a vítima não poderá pedir sua anulação. Apenas o dolo que recaia sobre a causa do negócio jurídico justifica sua anulação. Se o dolo recair sobre elementos colaterais do negócio jurídico, este não será passível de anulação, cabendo à vítima buscar apenas a reparação das perdas e danos que tiver sofrido. É o que ocorre quando, a despeito da conduta fraudulenta do outro contratante ou de terceiro, ainda assim o negócio seria realizado, embora por outro modo.  (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 16.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

No ritmo de Roberto Gonçalves, in, “Dolo é o artifício ou expediente astucioso, empregado pra induzir alguém à prática de um ato que o prejudica, e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro. Consiste em sugestões ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe traga proveito, ou a terceiro. (Clóvis Beviláqua, Código Civil, cit., p. 339, Caio Mario da silva Pereira, Instituições, cit., v. I, p. 332, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 413, 2010, Saraiva – São Paulo).

O dolo difere do erro porque este é espontâneo, no sentido de que a vítima se engana sozinha, enquanto o dolo é provocado intencionalmente pela outra parte ou por terceiro, fazendo com que aquela também se equivoque.

Segundo os irmãos Mazeaud, “la victime du dol non seuleument s’est trompée, mas a été trompée” (“a vítima do dolo não está só enganada, mas também foi enganada”). A rigor, o dolo não é vício de vontade, mas causa do vício de vontade. (João de Castro Mendes, Direito civil: teoria geral, v. 3, p. 158; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 487, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 413, 2010, Saraiva – São Paulo).

O dolo civil não se confunde com o dolo criminal, que é a intenção de praticar um ato que se sabe contrário à lei. No direito penal, diz-se doloso o crime quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo (CP, art 18, I). Dolo civil, em sentido amplo, é todo artifício empregado para enganar alguém. Distingue-se, também, do dolo processual, que decorre de conduta processual reprovável, contrária à boa-fé e que sujeita, tanto o autor como o réu que assim procedem, a sanções várias, como ao pagamento de perdas e danos, custas e honorários advocatícios (CPC, arts 16 a 18). (Instituições de direito civil, v. I, p. 352, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 414, 2010 Saraiva – São Paulo).

Art 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado. 1

1.         Omissão dolosa como modalidade de dolo

São diversos os meios fraudulentos que o ardil humano é capaz de conceber. Além da conduta positiva voltada a induzir alguém a erro, muitas vezes basta a omissão dolosa acerca de alguma circunstância importante para a realização do negócio jurídico pra que se configure o dolo. Além da conduta positiva, a conduta omissiva, consistente no silêncio de alguma informação relevante pode caracterizar o dolo do agente. É o que ocorre, por exemplo, quando alguém dolosamente omite o real estado da coisa alienada (TJ-SP, apelação 0004013-19.2004.8.26.0126, rel. Des. Salles Rossi, j. 19.09.12). Além disso, apesar de o artigo 147 referir-se ao silêncio intencional como forma de dolo apenas quando recair sobre fato ou qualidade essencial à celebração do negócio (dolo essencial), nada impede que a omissão dolosa recaia sobre elemento circunstancial (dolo acidental), justificando a reparação por perdas e danos (RT 785/243). (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 16.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Características

Já foi dito que há íntima ligação entre o erro e o dolo, porque num e noutra caso a vítima é iludida. Diferem, contudo, pelo fato de que, no erro, ela se engana sozinha, enquanto no dolo, o equívoco é provocado por outrem.

A rigor, portanto, o negócio seria anulável por erro e por dolo. Todavia, como o erro é de natureza subjetiva e se torna difícil penetrar no íntimo do autor para descobrir o que se passou em sua mente no momento da declaração de vontade, as ações anulatórias costumam ser fundadas no dolo. Ademais, esta espécie de vício do consentimento pode levar o seu autor a indenizar os prejuízos que porventura tiver causado com seu comportamento astucioso. Tais as razões, segundo Coviello, por que a lei disciplina separadamente erro e dolo. (Apud Eduardo Espínola, Dos fatos jurídicos, in Manual do Código Civil brasileiro, de Paulo de Lacerda, v. 3, 1ª parte, p. 307, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 414, 2010 Saraiva – São Paulo).

O dolo distingue-se da simulação. Nesta, a vítima é lesada sem participar do negócio simulado. As partes fingem ou simulam uma situação, visando fraudar a lei ou prejudicar terceiros. No caso do dolo, a vítima participa diretamente do negócio, mas somente a outra conhece a maquinação e age de má-fé.

O dolo também não se confunde com a fraude, embora ambos os vícios envolvam o emprego de manobras desleais. A fraude se consuma sem a participação pessoal do lesado no negócio. No dolo, este concorre para a sua realização, iludido pelas referidas manobras. Tanto a fraude como a simulação são mais graves do que o dolo, a ponto de a última trazer, como consequência, a nulidade do negócio (CC, art 167), enquanto o dolo acarreta apenas a sua anulabilidade.

A coação também apresenta maior gravidade do que o dolo, pois, não bastasse o emprego de grave ameaça, age aquela diretamente sobre a liberdade da vítima, enquanto este atua exclusivamente sobre sua inteligência. (Carmelo Scutto, Instituzioni di diritto privato: parte generale, v. I, p. 387, apud Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. I, p. 205, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 415, 2010, Saraiva – São Paulo).