quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 502, 503, 504 - Da compra e Venda - Disposições Gerais – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 502, 503, 504
- Da compra e Venda - Disposições Gerais –
VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo I – Da Compra e Venda
Seção I – Disposições Gerais –
vargasdigitador.blogspot.com

Art. 502. O vendedor, salvo convecção em contrário, responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição.

Para Nelson Rosenvald o dispositivo é um consectário lógico da própria posição dos contratantes diante da compra e venda: antes da tradição ou do registro a propriedade é do vendedor; após, transfere-se ao comprador (CC 1.245 e 1267). Assim, é natural que todos os débitos que onerem os bens moveis e imóveis sejam de exclusiva responsabilidade do seu titular. Nada obstante, a ressalva do caput indica que os contraentes podem dispor da norma, convencionando uma forma diversa de distribuição dos débitos, capaz de melhor atender aos seus interesses particulares.

Existe uma categoria que não se enquadra perfeitamente entre os direitos reais e os direitos obrigacionais. São as obrigações propter rem ou obrigações mistas. Como diz a própria denominação, são obrigações que recaem sobre uma pessoa pelo fato de ser titular de um direito real, sendo transferidas imediatamente a quem quer que lhes suceda nessa posição. Daí também serem conhecidas como obrigações ambulatórias. Adimplir o imposto predial urbano, imposto territorial rural, imposto de propriedade de veículos e o condomínio do prédio é uma obrigação que recai sobre o titular da propriedade. Todavia, em caso de tradição do bem móvel ou registro do bem imóvel, eventuais débitos anteriores recairão sobre o novo proprietário, pois as ditas obrigações incidem sobre a coisa em si e não sobre as pessoas que contraíram os débitos. Certamente haverá o direito de regresso perante o alienante sobre os valores relativos ao período anterior à tradição.

Aliás, a nosso viso, caso o comprador entre na posse efetiva do imóvel e esse fato seja de conhecimento dos demais condôminos, assumirá os débitos condominiais mesmo que não tenha efetivado o registro. Não seria justo manter a responsabilidade do vendedor – que já transferiu todas as faculdades da propriedade ao comprador – simplesmente em razão da recusa do comprador de se desincumbir do ônus do registro. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 566 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o viso de Fiuza, o dispositivo torna indene o comprador quanto aos débitos que gravem a coisa, antes de recebe-la. Dissipa controvérsias jurisprudenciais, a exemplo da que admite obrigação ao promitente-comprador de imóvel no tocante às despesas condominiais preexistentes à tradição. A responsabilidade somente lhe será atribuída havendo cláusula contratual adversa. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No enfoque de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo sobre a responsabilidade dos contratantes pelo pagamento de dívidas relativas ao bem e tomada do momento da tradição como aquele que encerra a responsabilidade do vendedor é que determina o início da responsabilidade do comprador.

O referido dispositivo não tem eficácia perante terceiros, em razão do princípio da relatividade do contrato. Em razão disso, o comprador pode vir a ser cobrado por dívidas propter rem, i. é, aquelas que acompanham a coisa e que obrigam o adquirente, tais como os débitos condominiais e as dívidas tributárias relativas ao bem. Do mesmo modo, o imóvel continua a garantir dívidas que o gravem como garantia real. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 11.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 503. Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma nãoautoriza a rejeição de todas.

A expressão “coisas vendidas conjuntamente”, sob o viso de Nelson Rosenvald, pode ser entendida de duas formas: isoladamente ou em conexão com o restante da norma. Vista isoladamente, traduziria a impossibilidade de aplicação do modelo do vício redibitório para qualquer situação em que uma pessoa compra vários bens conjuntamente quando singularmente poderiam ser adquiridos de forma separada. Assim, se alguém compra trinta garrafas de vinho e uma delas é visivelmente impropria para o consumo, somente aquela será rejeitada e não as demais.

A interpretação não é equivocada, até mesmo pelo fato de o vício não desvalorizar ou inutilizar os demais objetos que foram adquiridos na mesma ocasião. Contudo, parece-nos que o legislador quis se referir aos bens alienados em conjunto como universalidades.

A universalidade do direito é o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, dotado de valor econômico (CC. 91), como a cessão de herança (CC 1.793). já a universalidade de fato é um conjunto de bens homogêneos e indivisíveis pela sua própria natureza econômica (CC. 258). Seria o caso da aquisição de um rebanho ou de uma biblioteca.

Em todos esses casos, a causa da compra e venda está ligada ao conjunto de bens e não individualmente a cada um dos objetos que compõem o acervo. A aquisição conjunta da universalidade não se deu acidentalmente, mas é a própria razão determinante do negócio jurídico, que provavelmente não se realizaria caso os objetos fossem fracionados.

Essa interpretação se coaduna com a vedação da parte final do dispositivo à reclamação pelos vícios redibitórios. Com efeito, o vendedor garantirá a existência da universalidade, mas não a qualidade jurídica ou material de cada um dos objetos que integram o conjunto, inexistindo garantia contra a evicção ou vícios redibitórios.

Contudo, se os bens defeituosos se avultam ou se o vício de um deles provoca efetivamente uma depreciação significativa do conjunto, entendemos que poderá o comprador rescindir o negócio jurídico com base na ação redibitória ou postular o abatimento do preço (ação quanti minoris) sob pena de lesão ao princípio da proporcionalidade. de fato, sendo a razão da compra a própria importância do conjunto, caso os vícios se mostrem substanciais, toda a finalidade do negócio será desvirtuada. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 567 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 11/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na posição apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo complementa os preceitos do CC 441 e seguintes. O vício redibitório nas coisas vendidas em conjunto não autoriza a rejeição de todas, se apenas uma apresenta o defeito oculto, em se tratando de coisa singular e individualmente considerada. Mas se o defeito de uma comprometer o complexo das coisas que formem um todo incindível, pela interdependência entre elas (v.g., uma obra com sua unidade ideológica em vários tornos, um par de sapatos), o vendedor responderá integralmente pelo vício. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 11/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No dizer de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida das vendas conjuntas, i. é, quando o objeto da venda é composto de uma multiplicidade de bens com individualidade própria. Exemplo: vários animais, produtos agrícolas, ou bens industriais. Assim, o fato de haver uma laranja estragada na venda de uma dúzia não justifica a rejeição das 11 restantes que não apresentem defeito. O comprador tem direito à resolução contratual ou ao abatimento do preço proporcionalmente ao valor do bem defeituoso em relação ao todo.

Solução diversa impõe-se no caso de vendas coletivas, que ocorrem quando as coisas vendidas constituem um todo. Exemplos: parelha de cavalos, junta de bois, par de botinas (Beviláqua, Código Civil, v. 4, p. 315). Desse modo, a falta de uma única peça de um jogo de jantar para muitas pessoas autoriza o pedido de resolução contratual, pois o defeito de uma prejudica todo o conjunto. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 11.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de centro e oitenta dias, sob pena de decadência.

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida aos comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço.

No entendimento de Nelson Rosenvald, qualquer condômino pode alienar a sua parte ideal da propriedade, tendo em vista a sua condição de exclusiva titularidade de uma fração ideal da coisa, que lhe permite agir soberanamente. Mesmo nos bens indivisíveis, essa faculdade de disposição é preservada, eis que a propriedade sobre uma parte abstrata concede ao titular o poder de exercer todas as prerrogativas compatíveis com a indivisão, apenas com a inerente limitação quanto à posse, uso e gozo da coisa (CC 1.314, parágrafo único).

Todavia, ao conceder aos demais condôminos o direito de preferencia para o ato da venda da fração ideal, o legislador pretendeu conciliar os objetivos particulares do vendedor com os da comunidade de coproprietários. Certamente será mais cômodo manter a propriedade entre os titulares originários, evitando desentendimentos com a entrada de um estranho no grupo. Os consortes serão interpelados para o exercício da preferência.

Entretanto, vulnerado o direito de preferência, adiante da imediata alienação do bem ao terceiro adquirente, sobejará aos condôminos prejudicados o exercício do direito potestativo à adjudicação da fração alienada, sendo suficiente o depósito do valor correspondente ao preço da venda, no prazo decadencial de cento e oitenta dias. Nesse prazo a propriedade adquirida pelo terceiro terá natureza resolúvel, pois estará sujeita à atuação dos demais condôminos (CC 1.359).

Caso dois ou mais condôminos ofereçam o preço ajustado, prevalecerá a aquisição em favor daquele que preencher os requisitos sucessivos descritos no parágrafo único do artigo. Caso nenhum dos licitantes possua vantagens sobre os outros, a solução do legislador será a aquisição equitativa por todos os interessados qe realizarem o depósito, provocando a ampliação do condomínio.

O CPC/1973, art. 1.112, V, correspondendo hoje ao art. 725 no CPC/2015, regula a ação do condômino que deseja vender a sua fração ideal facultando o exercício, antes da venda, do direito de preferência. Nesse procedimento especial de jurisdição voluntária, as mesmas regras quanto ao exercício da preferência são respeitadas (CPC/1973, art. 1.118, sem correspondente no CPC/2015).

Considerando a natureza da herança de bem indivisível (CC 1.791, parágrafo único), o Código Civil de 2002 dirimiu antiga controvérsia e se posicionou abertamente pela necessidade de concessão de direito de preferência ao coerdeiro em caso de cessão de direitos hereditários, com fixação de prazo decadencial de cento e oitenta dias para o exercício do direito potestativo à desconstituição do negócio jurídico (CC 1.794 e 1795).

Por fim, insta acentuar que o Código nada especifica sobre a espécie de invalidade do ato resultante da alienação do imóvel a terceiro sem a observância do direito de preferência. A nosso aviso, cuida-se de anulabilidade, pois o negócio jurídico será objeto de ação desconstitutiva, de iniciativa exclusiva dos demais condôminos, com fixação de prazo decadencial sob pena de sanação do vício.

Contudo, há aqueles que defendem a existência de um tertium genus, intermediário entre a nulidade e anulabilidade, que seria a nulidade relativa. Com base na antiga lição de Gondim Filho, defende-se que seria ela uma infração à norma de ordem cogente, em relação à qual só estariam legitimadas para atacar o ato determinadas pessoas indicadas pela norma, em prazo decadencial fixado em lei. A lição se adaptaria à hipótese em apreço, pois temos uma norma cogente de caráter impositivo ao proprietário, que adota a expressão “não pode”. Seria algo distinto da anulabilidade, que não se refere a normas imperativas, mas somente àquelas de natureza dispositiva.

Apesar de estarmos diante de uma norma imperativa – pois o proprietário deverá seguir a exigência do legislador -, penso que não há a menor necessidade de recorrer a uma nova espécie de invalidade para qualificar situações que não se adaptem totalmente aos quadros teóricos da nulidade e da anulabilidade. Ora, utilize-se a nomenclatura nulidade relativa ou anulabilidade e as consequências serão as mesmas e sempre distintas daquelas atribuíveis à nulidade. Por isso, adotando a diretriz da operabilidade, tão cara a Miguel Reale, só haverá necessidade de construção de teorias e contribuições doutrinárias que possuam efetividade e vigor para a solução das demandas reais da sociedade. Qualquer raciocínio que se mantenha no plano das abstrações não poderá ser referendado pelo sistema. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 568 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 12/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No discorrer de Ricardo Fiuza, a regra atenta ao condomínio pro indiviso, assegura ao condômino o direito de preferência à aquisição de parte da coisa indivisível. Condomínio pro indiviso é aquele onde a coisa pertencente a mais de uma pessoa, por indivisão de direito, não é suscetível de divisão cômoda, por indivisão de fato, tendo cada condômino direito ideal e idêntico sobre a coisa, no seu todo e em cada parte. O condômino preterido em seu direito (~ P) exercerá ação de preferência ou de preempção, com depósito de valor do preço, no prazo decadencial, para anular a alienação a terceiro e alcançar a coisa para si. Resolve-se a concorrência condominial de interesses em favor do condômino que tiver benfeitorias de maior valor ou, inexistindo as daquele com maior quinhão. Possuindo os condôminos interessados quinhões iguais, todos haverão a parte vendida, depositando o valor correspondente ao preço. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 269, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 12/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Estudando com Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida do direito de preferência do condômino na venda da fração ideal de condomínio comum ou ordinário. O referido direito de preferência não se aplica ao condomínio especial, extraordinário ou edilício. O direito de preferência do condômino somente existe na venda, não se aplica à doação nem à troca, sendo este um dos principais aspectos que justificam a distinção entre venda e troca.

O vendedor deve notificar os demais condôminos antes da venda a terceiro para que exerçam o direito de preferência. A notificação deve conter todos os dados do negócio, o preço e a forma de pagamento. A lei não demarca prazo para a resposta do condômino notificado. Deve lhe ser assegurado prazo razoável. Para imóveis, é costume o prazo de 30 dias. O prazo de 180 dias para o requerimento de adjudicação da fração pelo condômino preterido ou não notificado conta-se da data do negócio. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 12.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).