Direito Civil Comentado
- Art. 589, 590, 591, 592
- Do
Mútuo - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial
- Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI
– Das Várias Espécies de Contrato
(art. 481 a 853) Capítulo VI – Do Empréstimo -
Seção II –
Do Mútuo
- vargasdigitador.blogspot.com -
Art. 589.
Cessa
a disposição do artigo antecedente:
I – se a
pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo,
o ratificar posteriormente;
II – se o
menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo
para os seus alimentos habituais;
III – se
o menor tiver bens ganhos como o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do
credor não lhes poderá ultrapassar as forças;
IV – se o
empréstimo reverteu em benefício do menor;
V – se o
menor obteve o empréstimo maliciosamente.
Como a ponta
Nelson Rosenvald, pela própria lógica e sistematização do Código Civil,
observa-se que a regra do art. 588 será derrogada em diversas situações:
a) Quando o próprio
incapaz confirma o negócio jurídico ao alcançar a maioridade (CC 172). Não se
trata propriamente de uma convalidação, pois, se o negócio anulável não vem a
ser anulado, equipara-se ao válido, e os seus efeitos provisórios são
preservados, como se jamais houvesse o vício.
b) Se houver
ratificação do mútuo pelos responsáveis (CC 176). No CC/2002, o termo ratificação
é empregado apenas nas hipóteses em que há um assentimento posterior de um
terceiro, integrando o negócio, até então incompleto.
c) Caso o
menor tenha contraído o empréstimo para prover os seus alimentos, na ausência do
responsável. Aqui, a restituição se justifica pelo fato de o empréstimo ser
contraído com fins relevantes e não para estimular o ócio ou o vício. o termo alimentos
aqui abrange os naturais (necessários ao mínimo vital) e só civis (despesas de educação,
vestuário). Caberá ao representante do menor realizar a restituição,
excluindo-se a cobrança de juros, pois não nos parece lógico que alguém se
prevaleça do estado de necessidade alheia para auferir proveito econômico. Aliás,
o credor será reputado como gestor de negócios e, a teor do CC 871, poderá
reaver do devedor a importância que desembolsou a título de alimentos prestados
em prol do incapaz.
d) Aqui
desponta uma contradição. Se o menor tiver bens ganhos como consequência de seu
trabalho, provavelmente será emancipado em razão de possuir economia própria (CC
5º, V), convertendo-se em capaz e, portanto, sendo os seus empréstimos
passíveis de restituição, como outro qualquer. Mas, se eventualmente se entenda
que não houve a emancipação, pois o exercício do trabalho foi transitório, a
execução do credor não ultrapassará o valor que o devedor auferiu em sua
atividade econômica.
e) Adiante,
na hipótese de o credor demonstrar que o empréstimo foi revertido em benefício
do incapaz que não foi representado, poderá se dirigir ao represente para obter
o valor pago. Aqui, a inovação do CC/2002 acentua a diretriz da eticidade, pois
haveria enriquecimento injustificado na conduta daquele que se recusa a
restituir quando fora beneficiado economicamente em situação alheia a qualquer
liberalidade (CC 884).
f) A última situação em que
o empréstimo será devolvido é aquela em que o incapaz se apresente dolosamente
como maior, induzindo o outro contratante a erro quanto à sua condição (CC
180). Trata-se da aplicação da regra de ouro do tu quoque, vale dizer,
quem viola uma norma não pode por ela ser posteriormente beneficiado. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 630 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Esmiuçado na
doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a lei estabelece algumas exceções à
regra do art. 588, outorgando a validade do mútuo contraído pelo menor, desde
que a pessoa de cuja autorização necessitava o ratificar posteriormente se,
estando ausente essa pessoa, for obrigado a contrair o empréstimo para os seus
alimentos habituais; se o menor tiver bens adquiridos com o seu trabalho, se o
empréstimo foi revertido em seu benefício ou se obteve o empréstimo
maliciosamente.
De salientar
a extensão do inciso IV, e o seu sentido ético, quando viabiliza a cobrança da
coisa mutuada, à consideração do resultado de benefício ao menor em face do empréstimo~ garantindo ao mutuante o direito de exigir o que emprestou, não podendo
o beneficiado, por consequência, sem qualquer justa causa, se enriquecer à
custa de outrem (CC 884).
Por seu
turno, o inciso IV arrola, como causa excludente da norma impeditiva de o
mutuante reaver o mútuo, à malícia do mutuário menor para lograr o empréstimo. A
doutrina já exaltava que “o menor que declara ser maior torna-se responsável pelo
débito em virtude do estabelecido no CC 155” (Arnoldo Wald, Curso de direito
civil brasileiro; obrigações e contratos, 14. ed., São Paulo, Revista dos
Tribunais, 2000, p. 445).
Nesse
sentido, recolhe-se o magistério de Maria Helena Diniz:
“Essa norma deixará de ser
aplicada se (...) o menor dolosamente, ocultar a sua idade para obter empréstimo;
não poderá invocar a menoridade para eximir-se da obrigação (CC 155) e para
socorrer-se do benefício do CC 1259, pois ninguém pode invocar a própria milícia”
(Curso de direito civil brasileiro; teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais, 16. ed. São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 279). O CC/2002
veio inserir expressamente tal comando no CC 589, como uma das hipóteses em que
deixa de incidir a restrição do CC 588. (Direito
Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 315 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
No raciocínio
de Marco
Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo estabelece as exceções à regra que
determina não ser restituível o mútuo feito a menor, sem a devida anuência de seu
representante legal. A primeira é a ratificação, possível em todo negócio
anulável por ausência da devida assistência. Os incisos II e III cuidam de
reversão do empréstimo em benefício do menor. A exceção contida no inciso V
equivale ao que prevê o CC 180 para os atos jurídicos em geral. Finalmente, o
inciso III é antinômico em relação ao inciso V do CC 5º, uma vez que a aquisição
de bens com o próprio trabalho do menor é causa de emancipação e, por isso, não
há que se perquirir de falta de assistência capaz de impedir que lhe seja
cobrado empréstimo de que tenha se beneficiado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 25.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 590.
O mutuante
pode exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer
notória mudança em sua situação econômica.
Na esteira
de Nelson Rosenvald, considerando o imperativo da justiça contratual e a tutela
da obrigação como um todo indivisível, poderá o contratante se acautelar para o
caso de insolvência ou redução das garantias de cumprimento pela contraparte,
pelo fato de o mutuário sofrer alteração em sua situação econômica.
Apesar do
silêncio dessa norma, a redução da posição patrimonial do contratante impõe o
vencimento antecipado das suas obrigações perante o credor (CC 333), sob pena
de praticamente inviabilizar a posição daquele que teme no futuro não receber a
contraprestação. A saída para o impasse será a substituição ou reforço das
garantias reais (hipoteca, penhor), ou pessoais (aval, fiança), restaurando-se
o sinalagma rompido pelo risco do inadimplemento antecipado.
A exemplo do CC 477, o
dispositivo em exame tangencia a chamada “quebra antecipada do contrato”, ou inadimplemento
antecipado. Consiste na evidência de um dos contratantes implicitamente demonstrar,
por meio de sua situação patrimonial, que descumprirá futuramente a prestação que
lhe incumbe. Na espécie, a prestação do contrato de mútuo a ser adimplida ainda
não é exigível pelo credor, mas provavelmente não será realizada ao seu tempo. O
rompimento antecipado poderá ser pleiteado caso o contratante fragilizado não obtenha
as novas garantias que lhe são exigidas. Poderá ele, imediatamente ajuizar ação
de resolução com pedido de indenização, ou executar a prestação da contraparte
antes do prazo previsto mediante a tutela específica das obrigações de dar,
fazer ou não fazer (CPC/1973, art. 461, com correspondência no CPC/2015, art.
497). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e
Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários
autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 631 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/10/2019.
Revista e atualizada nesta data por VD).
No entendimento
de Ricardo Fiuza, um dos efeitos jurídicos decorrentes do mútuo é o de permitir
ao mutuante exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer
notória mudança em sua situação econômica.
A norma tem
o preciso alcance de resguardar a pessoa do credor, em segurança do negócio
realizado. É que “o credor consente no mútuo tendo em vista as condições de
solubilidade do mutuário. Se estas pioram a ponto de tornar duvidoso o seu
reembolso, permite o legislador sejam exigidas garantias de restituição” (Silvio
Rodrigues, Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da
vontade, 27. ed. São Paulo. Saraiva. 2000, v. 3, p. 254).
Não prestada
a garantia, abstendo-se o mutuário de cumprir tal exigência, torna-se possível ao
mutuante considerar antecipadamente vencida a obrigação, descontando da importância
os juros legalmente cabíveis. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 316 apud Maria
Helena Diniz Código Civil Comentado
já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD
No ritmo de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o sentido do dispositivo é
claro: uma vez que o tomador do empréstimo tenha sua condição financeira
reduzida a pondo de justificar temor de inadimplemento da obrigação, pode o
mutuante exigir que o mesmo lhe dê garantia de que não haverá descumprimento. O
dispositivo não explicita os efeitos jurídicos de tal exigência. Ela cria para
o mutuário o dever legal de dar garantia ao mutuante e, por consequência, uma
vez que o mutuário descumpra o dever de dar a garantia que lhe é exigida, o
contrato terá sido violado permitindo-se ao mutuante cobrar antecipadamente a
dívida. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 25.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 591.
Destinando-se
o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução,
não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a
capitalização anual.
Na visão de
Nelson Rosenvald, temos aqui a mais importante inovação do Código Civil no
tocante ao contrato de mútuo. O mútuo feneratício é tratado de forma
substancialmente renovada, conforme as considerações alinhavadas nos próximos tópicos.
Na vigência
do art. 1.262 do Código Civil de 1916, o contrato de empréstimo era, em regra,
gratuito, sendo a sua onerosidade excepcional, pois dependia de cláusula expressa.
Todavia, no direito em vigor, o tráfego jurídico impõe a presunção da cobrança de
juros nos empréstimos de finalidade econômica. A onerosidade apenas será
afastada por convenção em sentido contrário. Portanto, se A e B contraem um
contrato de empréstimo, os juros serão devidos ao tempo da restituição do
capital mutuado, somente sendo elidida a sua exigência quando da natureza do
contrato se inferir a gratuidade normalmente em relações fraternas (v.g., A
e B são amigos de longa data), prevalecendo assim o mútuo comum, de fins não econômicos.
Outrossim,
além de converter o mútuo com fins econômicos (exceção) em regra, o legislador não
mais o restringiu ao empréstimo de dinheiro ou de coisas fungíveis, como o fez
o Código Beviláqua (art. 1.262). Assim, é possível pensar em uma extensão do
objeto de tais contratos para outros bens.
Os juros a
que alude o dispositivo são os denominados compensatórios ou remuneratórios,
vale dizer aqueles recebidos pelo mutuante como compensação pela privação do
capital emprestado por um certo período. A remuneração do credor equivale aos
frutos civis, por ser privado temporariamente da posse do bem (v.g.,
aluguéis, rendas, dividendos).
Não devemos
confundir os juros compensatórios com os moratórios, que se
imputam ao mutuário como sanção pela mora no pagamento do débito, verdadeira
pena civil estipulada pela lei para o caso de inadimplemento das obrigações (CC
395).
O Decreto n.
22.262/33 – Lei de Usura – determinou o teto de 12% como percentual máximo para
a imposição de juros contratuais anuais – no silêncio das partes seria de 6% ao
ano -, como forma de reprimir os excessos praticados por aqueles que buscavam
remuneração abusiva nas relações de mútuo feneratício.
Com a edição
da Lei n. 4.595/64, exclui-se da aludida limitação qualquer instituição
integrante do Sistema Financeiro Nacional – não se incluem aí administradoras
de cartões de crédito (art. 17) -, cabendo ao Conselho Monetário Nacional
disciplinar a extensão dos juros. Em 1976, através da Súmula n. 596, o Supremo
Tribunal Federal ratificou tal entendimento, bem como na ADIn n. 4/DF, de 1991,
na qual o Excelso Pretório entendeu que não seria autoaplicável o art. 192, §
3º, da Constituição Federal – que limitava os juros reais a 12% ao ano -, pois
a expressão juros reais carecia
de integração mediante legislação regulamentar. Lembre-se, por necessário, da
revogação do art. 192, § 3º, da CF pela Emenda Constitucional n. 40/2003.
A regra em
enfoque não é direta, pois nos remete ao art. 406 para o alcance exato da taxa
de juros. Ali constatamos que a taxa será a que estiver em vigor para a mora do
pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional
Por aí
passamos por dois caminhos. Podemos afirmar, com base na Lei n. 9.065/95, que
os juros compensatórios se filiam à taxa Selic, de natureza variável e fixada
pelo Banco Central com valor bem superior ao previsto na Lei de Usura. Todavia,
é possível o recurso ao art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional,
considerando o teto de 1% ao mês.
Endossamos a
segunda tese, inclusive pelos argumentos expendidos no Enunciado n. 20 do
Conselho de Justiça Federal: a Selic não é juridicamente segura, pois impede o
prévio conhecimento dos juros, não sendo prefixada, mas volátil e
frequentemente alterada; ademais, não é taxa pura de juros, pois já abrange a atualização
monetária; assim, não é operacional, dificultando o cálculo. Nem se discute,
por fim, a excessiva onerosidade que impõe ao valor da obrigação.
No que
concerne à capitalização de juros, o art. 5º da MP n. 2.170-36/2001 admitia a
prática do anatocismo com periodicidade inferior a um ano. Todavia, a parte
final do artigo em exame permite somente a capitalização anual, sendo revogada
a referida medida provisória. Aliás, a vedação à contagem de juros dos juros
mensais ou semestrais já era referida na Lei de Usura – Decreto n. 22.626/33 -,
bem como na Súmula n. 121 do Supremo Tribunal Federal.
Em princípio,
as instituições financeiras estariam liberadas da limitação imposta pela
legislação ordinária e, particularmente, pela norma em apreciação. Mas, a nosso
viso, fundamental é perceber que a adoção das cláusulas gerais da boa-fé
objetiva (CC 133); do abuso do direito (CC 187) e da função social do contrato
(CC 421) permite que o magistrado possa limitar o exercício excessivo do
direito subjetivo ao crédito pelas instituições financeiras.
Lembre-se de
que as cláusulas gerais não são apenas normas abertas, mas também móveis, pois
circulam pelo sistema jurídico, sendo aplicadas pelo julgador de modo a atenuar
o rigor e a rigidez de determinadas regras do Código. Assim, poderá o juiz, a
qualquer tempo e de ofício – eis que as cláusulas gerais são normas de ordem
pública (CC 2.035, parágrafo único) -, reduzir juros extorsivos, modificando cláusulas
contratuais que ultrapassem os limites éticos do sistema e aniquilem direitos
fundamentais do contratante.
Aliás, não haverá necessidade
de discutir se o Código de Defesa do Consumidor incide sobre contratos
bancários – ADIn do art 3º, § 2º, do CDC -, pois até mesmo nos contatos civis e
empresariais as aludidas cláusulas gerais impedem o desequilíbrio contratual,
sendo facultada ao magistrado a utilização de seu poder integrativo para
desenhar a solução mais adequada à especificidade do caso, como demanda a
diretriz da concretude, tão cara a Miguel Reale. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 632 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/10/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
Segundo a
doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo introduz novidades em
confronto com a norma correspondente do Código Civil de 1916. Presume devidos
juros, independente de cláusula expressa, como, a rigor, era antes exigida. O percentual
correspondente ao limite legal não é mais definido no texto do Código, conforme
dispunha o Art. 1.602 d0 CC de 1916, sendo este conforme “a taxa que estiver em
vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (CC
406), o que se revela mais dinâmico e realista. Ratifica, ademais, a regra da
capitalização, nos casos de mútuo destinados a fins econômicos.
Embora a
gratuidade seja a regra, quando o mútuo se destina a fins econômicos, os juros
devem ser cobrados, como expressão de rendimento ou remuneração pelo empréstimo
do dinheiro. Trata-se do denominado “mútuo feneratício”. Isto porque, como
leciona o ilustre jurista Silvio Rodrigues, “no crédito à produção, a ideia de
gratuidade é inconcebível. Com efeito, o empresário que toma dinheiro emprestado,
e o reaplica, obtém ou visa obter um ganho” (Direito civil: dos contratos e
das declarações unilaterais da vontade, 22. ed. São Paulo. Saraiva. 1994, v.
3, p. 256).
Presente o mútuo
oneroso, dele tratou o CC art. 1.262 de 1916, ao permitir a estipulação dos
juros, embora somente através de cláusula expressa, ao empréstimo de dinheiro
ou outras coisas fungíveis, cuja fixação acentuou-se admitida abaixo ou acima
da taxa legal, assim estabelecida em 6% (seis por cento) ao ano (Art. 1.062), permitindo,
outrossim, a capitalização (Art. 1.262). segue-se que o Decreto n. 22.626/33
(Lei da Usura) veio submeter a incidência dos juros a um limite correspondente
ao dobro da taxa legal prevista, impedindo, ademais, a sua capitalização.
Na interpretação do alcance
da nonna (interposição de recursos), a jurisprudência adotou temperamentos, atenuando a aplicação da Lei
de Usura. Convém conferir: 1. “No caso de contrato de empréstimo contraído
junto a Instituição Financeira, a taxa de juros remuneratórios não está sujeita
ao limite estabelecido pela Lei da Usura (Decreto n. 22.626/33). A capitalização
dos juros somente é permitida nos contratos previstos em lei, entre eles as
cédulas e notas de créditos rurais, industriais e comerciais, mas não para o
contrato de mútuo bancário. Precedentes” (STJ, 3 ~t., REsp 184.958/RS, rel. Mm.
Waldemar Zveiter, DJ de 10-2-1990); 2. “Na forma de precedentes indiscrepantes,
os juros no contrato de mútuo de eu cuida este feito não são limitados, sendo,
entretanto, vedada a capitalização” 9STJ, 3~ T., REsp 248.266/RS, rel. Mm.
Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 6-11-2000). (Direito
Civil - doutrina, Ricardo
Fiuza – p. 317 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Conforme estende-se
Marco
Túlio de Carvalho Rocha, o contrato de mútuo pode ser oneroso ou gratuito,
conforme preveja ou não a cobrança de juros. Em regra, a obrigação de pagar
juros deve ser expressa no contrato. O dispositivo cria, no entanto, presunção
de que juros tenham sido contratados sempre que o mútuo destine-se a fins econômicos,
como ordinariamente ocorre nos empréstimos feitos visando ao fomento de
atividade empresarial.
O dispositivo
estabelece limite pra os juros convencionais remuneratórios do contrato de
mútuo: não podem ultrapassar a taxa dos juros legais, tal coo prevista no CC
406 e somente podem ser capitalizados anualmente.
O art.
1.262 do Código Civil de 1916 permitia a livre-fixação dos juros convencionais.
O art. 1º do Decreto n. 22.626/33 limitou-os ao dobro dos juros legais (revogado
pelo Código Civil de 2002). A jurisprudência entendeu que esse limite não se
aplicava às instituições financeiras e outras autorizadas a funcionar pelo
Banco Central (Súmula 596 do STF: “As disposições do Decreto n. 22.626/33 não
se aplicam às taxas de juros e aos encargos cobrados nas operações realizadas
por instituições públicas ou privadas que integram o Sistema Financeiro Nacional)”.
O art. 192, § 3º, da Constituição da República de 1988 limitou os juros a
12% ao ano. O STF entendeu necessária lei complementar para tornar eficaz esse
limite (ADI n. 4, RDA 195/85; RE n. 163.069, RDA 195/81; RE 131.620, RTJ
151/599; RE n.162.879, RTJ 151/644; RE n. 160.960, RTJ 151/998; Contra: EI n.
329.112-3/01, TAMG, Minas Gerais, 11.10.01. O referido dispositivo foi revogado
pela Emenda à Constituição n. 40/2003.
Há controvérsia
quanto à taxa de juros legais. O CC 406 estabelece como parâmetro “a que
estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda
Nacional”. O critério geral, previsto no art. 161, § 1º do Código
Tributário Nacional, é a taxa de 1% ao mês. A taxa SELIC (Sistema Especial de
Liquidação e de Custódia) passou, no entanto, a incidir na cobrança dos
tributos da Fazenda nacional conforme as Leis ns. 8.212/91, art. 34 (INSS),
9.430/96 (IR), Resolução Bacen n. 1.124/86; Circulares Bacen ns. 1.594/90;
2.311/93; 2.671/96; 2.727/96 (cálculo); 2.868/99; 2.900/99. (cf. Franciulli
Netto Domingos. Da inconstitucionalidade da taxa SELIC para fins tributários. Revista
Dialética de Direito Tributário, n. 58, p. 7-30, fev. 2000). A incidência da
SELIC na cobrança de tributos e contribuições federais tornou-se geral, a
partir de 01.04.95 (art. 13, Lei n. 9.065/95) e na compensação ou restituição
de tributos e contribuições federais, a partir de 01.01.96 (art. 39, § 4º, da
Lei n. 9.250/95).
Do ponto
de vista normativo, no entanto, os juros estabelecidos no Código Tributário
Nacional continuam a ser o que, em regra, devem ser aplicados, apesar da
abundância de dispositivos da legislação ordinária que estabelece a SELIC como
critério para incidência de juros nas obrigações devidas à Fazenda nacional. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 25.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 592.
Não
se tendo convencionado expressamente, o prazo do mútuo será:
I – até a próxima colheita, se o mútuo for de
produtos agrícolas, assim para o consumo, como para semeadura;
II – de
trinta dias, pelo menos, se for de dinheiro;
III – do
espaço de tempo que declarar o mutuante, se for de qualquer outra coisa
fungível.
Na afirmação
de Nelson Rosenvald, temos aqui a imposição de prazos legais supletivos para o
caso de as partes nada haverem ajustado acerca do termo do contrato de mútuo. Observe-se
que estamos diante de exceção enfatizada no início do CC 331; eis que nas
obrigações sem prazo se aplica, em regra, o princípio da satisfação imediata, pelo
qual o mutuante poderia exigir imediatamente a restituição do empréstimo.
Cuidando-se
de mútuo de instrumentos agrícolas, é natural que na ausência de prazo se determine
ser este o da época da colheita seguinte, momento em que o mutuário terá
apurado o capital necessário para restituir o empréstimo. Aqui, segue-se a linha
do comodato sem prazo, quando adverte o CC 51 que “presumir-se-lhe-á o necessário
para o uso concedido”. Quando o mútuo incidir em dinheiro, fixa-se o prazo de
trinta dias para a sua restituição. A norma se aplica tanto ao mútuo gratuito como
ao oneroso.
Por fim, não versando o
mútuo acerca de pecúnia ou produtos agrícolas, o mutuante poderá, a qualquer
tempo, interpelar o mutuário, demarcando-lhe prazo para a restituição, a partir
do qual poderá exercitar a pretensão ao crédito. (ROSENVALD
Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n.
10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e
atual., p. 634 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/10/2019. Revista e
atualizada nesta data por VD).
A doutrina de Ricardo Fiuza fala da
temporariedade que caracteriza o mútuo, sujeito prazo certo ou variável. Não convencionado
o prazo como termo do empréstimo, o que comumente é fixado, a limitação
temporal submete-se a prescrições especificadas em lei. Tal é o proposito da
norma, regular o prazo adequado à falta de sua expressão contratual. O mútuo
agrícola haverá de atender a próxima colheita; o de dinheiro, observará trinta
dias, no mínimo, e, em se tratando de qualquer outra coisa fungível, o lapso temporal
que vier a declarar o mutuante.
Assim, recorde-se o axioma: “não havendo
estipulação, o prazo varia conforme a natureza da coisa emprestada” (José Lopes
de Oliveira, Contratos, Recife, Livrotécnica. 1978, p. 163), caso em que
o mutuário deverá restituir a coisa no prazo estatuído conforme a natureza do
mútuo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 317 apud
Maria Helena Diniz Código Civil
Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf,
Microsoft Word. Acesso em 25/10/2019,
corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Ensina Marco Túlio
de Carvalho Rocha que o mútuo é contrato de duração e pode ser estabelecido por
prazo determinado ou indeterminado. Se por prazo determinado, o credor somente
pode cobrar a dívida no vencimento do prazo. O devedor pode, no entanto,
devolver a qualquer tempo, salvo se o prazo houver sido estabelecido também em
benefício do credor (CC 133; Silvio Salvo Venosa. Direito civil: Contratos
em espécie e responsabilidade civil. São Paulo. Atlas, 2001, p. 212).
Se por
prazo indeterminado o mutuante pode cobrar a dívida a qualquer tempo, desde que
respeitado tempo razoável segundo as circunstâncias, em atendimento ao
princípio da boa-fé objetiva (Caio Mário. Instituições..., v. III, n.
246, p. 244). O dispositivo estabelece que se o mútuo for de produtos agrícolas
presume-se feito até a próxima colheita e que se for de dinheiro o prazo
razoável mínimo é de 30 dias. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso
em 25.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).