sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 589, 590, 591, 592 - Do Mútuo - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 589, 590, 591, 592
- Do Mútuo - VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo VI – Do Empréstimo - Seção II –
Do Mútuo - vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 589. Cessa a disposição do artigo antecedente:

I – se a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o ratificar posteriormente;
II – se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais;
III – se o menor tiver bens ganhos como o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do credor não lhes poderá ultrapassar as forças;
IV – se o empréstimo reverteu em benefício do menor;
V – se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.

Como a ponta Nelson Rosenvald, pela própria lógica e sistematização do Código Civil, observa-se que a regra do art. 588 será derrogada em diversas situações:

a) Quando o próprio incapaz confirma o negócio jurídico ao alcançar a maioridade (CC 172). Não se trata propriamente de uma convalidação, pois, se o negócio anulável não vem a ser anulado, equipara-se ao válido, e os seus efeitos provisórios são preservados, como se jamais houvesse o vício.

b) Se houver ratificação do mútuo pelos responsáveis (CC 176). No CC/2002, o termo ratificação é empregado apenas nas hipóteses em que há um assentimento posterior de um terceiro, integrando o negócio, até então incompleto.

c) Caso o menor tenha contraído o empréstimo para prover os seus alimentos, na ausência do responsável. Aqui, a restituição se justifica pelo fato de o empréstimo ser contraído com fins relevantes e não para estimular o ócio ou o vício. o termo alimentos aqui abrange os naturais (necessários ao mínimo vital) e só civis (despesas de educação, vestuário). Caberá ao representante do menor realizar a restituição, excluindo-se a cobrança de juros, pois não nos parece lógico que alguém se prevaleça do estado de necessidade alheia para auferir proveito econômico. Aliás, o credor será reputado como gestor de negócios e, a teor do CC 871, poderá reaver do devedor a importância que desembolsou a título de alimentos prestados em prol do incapaz.

d) Aqui desponta uma contradição. Se o menor tiver bens ganhos como consequência de seu trabalho, provavelmente será emancipado em razão de possuir economia própria (CC 5º, V), convertendo-se em capaz e, portanto, sendo os seus empréstimos passíveis de restituição, como outro qualquer. Mas, se eventualmente se entenda que não houve a emancipação, pois o exercício do trabalho foi transitório, a execução do credor não ultrapassará o valor que o devedor auferiu em sua atividade econômica.

e) Adiante, na hipótese de o credor demonstrar que o empréstimo foi revertido em benefício do incapaz que não foi representado, poderá se dirigir ao represente para obter o valor pago. Aqui, a inovação do CC/2002 acentua a diretriz da eticidade, pois haveria enriquecimento injustificado na conduta daquele que se recusa a restituir quando fora beneficiado economicamente em situação alheia a qualquer liberalidade (CC 884).

f) A última situação em que o empréstimo será devolvido é aquela em que o incapaz se apresente dolosamente como maior, induzindo o outro contratante a erro quanto à sua condição (CC 180). Trata-se da aplicação da regra de ouro do tu quoque, vale dizer, quem viola uma norma não pode por ela ser posteriormente beneficiado. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 630 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Esmiuçado na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a lei estabelece algumas exceções à regra do art. 588, outorgando a validade do mútuo contraído pelo menor, desde que a pessoa de cuja autorização necessitava o ratificar posteriormente se, estando ausente essa pessoa, for obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais; se o menor tiver bens adquiridos com o seu trabalho, se o empréstimo foi revertido em seu benefício ou se obteve o empréstimo maliciosamente.

De salientar a extensão do inciso IV, e o seu sentido ético, quando viabiliza a cobrança da coisa mutuada, à consideração do resultado de benefício ao menor em face do empréstimo~ garantindo ao mutuante o direito de exigir o que emprestou, não podendo o beneficiado, por consequência, sem qualquer justa causa, se enriquecer à custa de outrem (CC 884).

Por seu turno, o inciso IV arrola, como causa excludente da norma impeditiva de o mutuante reaver o mútuo, à malícia do mutuário menor para lograr o empréstimo. A doutrina já exaltava que “o menor que declara ser maior torna-se responsável pelo débito em virtude do estabelecido no CC 155” (Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro; obrigações e contratos, 14. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 445).

Nesse sentido, recolhe-se o magistério de Maria Helena Diniz:

“Essa norma deixará de ser aplicada se (...) o menor dolosamente, ocultar a sua idade para obter empréstimo; não poderá invocar a menoridade para eximir-se da obrigação (CC 155) e para socorrer-se do benefício do CC 1259, pois ninguém pode invocar a própria milícia” (Curso de direito civil brasileiro; teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16. ed. São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 279). O CC/2002 veio inserir expressamente tal comando no CC 589, como uma das hipóteses em que deixa de incidir a restrição do CC 588. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 315 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No raciocínio de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo estabelece as exceções à regra que determina não ser restituível o mútuo feito a menor, sem a devida anuência de seu representante legal. A primeira é a ratificação, possível em todo negócio anulável por ausência da devida assistência. Os incisos II e III cuidam de reversão do empréstimo em benefício do menor. A exceção contida no inciso V equivale ao que prevê o CC 180 para os atos jurídicos em geral. Finalmente, o inciso III é antinômico em relação ao inciso V do CC 5º, uma vez que a aquisição de bens com o próprio trabalho do menor é causa de emancipação e, por isso, não há que se perquirir de falta de assistência capaz de impedir que lhe seja cobrado empréstimo de que tenha se beneficiado. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 25.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 590. O mutuante pode exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer notória mudança em sua situação econômica.

Na esteira de Nelson Rosenvald, considerando o imperativo da justiça contratual e a tutela da obrigação como um todo indivisível, poderá o contratante se acautelar para o caso de insolvência ou redução das garantias de cumprimento pela contraparte, pelo fato de o mutuário sofrer alteração em sua situação econômica.

Apesar do silêncio dessa norma, a redução da posição patrimonial do contratante impõe o vencimento antecipado das suas obrigações perante o credor (CC 333), sob pena de praticamente inviabilizar a posição daquele que teme no futuro não receber a contraprestação. A saída para o impasse será a substituição ou reforço das garantias reais (hipoteca, penhor), ou pessoais (aval, fiança), restaurando-se o sinalagma rompido pelo risco do inadimplemento antecipado.

A exemplo do CC 477, o dispositivo em exame tangencia a chamada “quebra antecipada do contrato”, ou inadimplemento antecipado. Consiste na evidência de um dos contratantes implicitamente demonstrar, por meio de sua situação patrimonial, que descumprirá futuramente a prestação que lhe incumbe. Na espécie, a prestação do contrato de mútuo a ser adimplida ainda não é exigível pelo credor, mas provavelmente não será realizada ao seu tempo. O rompimento antecipado poderá ser pleiteado caso o contratante fragilizado não obtenha as novas garantias que lhe são exigidas. Poderá ele, imediatamente ajuizar ação de resolução com pedido de indenização, ou executar a prestação da contraparte antes do prazo previsto mediante a tutela específica das obrigações de dar, fazer ou não fazer (CPC/1973, art. 461, com correspondência no CPC/2015, art. 497). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 631 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No entendimento de Ricardo Fiuza, um dos efeitos jurídicos decorrentes do mútuo é o de permitir ao mutuante exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer notória mudança em sua situação econômica.

A norma tem o preciso alcance de resguardar a pessoa do credor, em segurança do negócio realizado. É que “o credor consente no mútuo tendo em vista as condições de solubilidade do mutuário. Se estas pioram a ponto de tornar duvidoso o seu reembolso, permite o legislador sejam exigidas garantias de restituição” (Silvio Rodrigues, Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27. ed. São Paulo. Saraiva. 2000, v. 3, p. 254).

Não prestada a garantia, abstendo-se o mutuário de cumprir tal exigência, torna-se possível ao mutuante considerar antecipadamente vencida a obrigação, descontando da importância os juros legalmente cabíveis. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 316 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD

No ritmo de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o sentido do dispositivo é claro: uma vez que o tomador do empréstimo tenha sua condição financeira reduzida a pondo de justificar temor de inadimplemento da obrigação, pode o mutuante exigir que o mesmo lhe dê garantia de que não haverá descumprimento. O dispositivo não explicita os efeitos jurídicos de tal exigência. Ela cria para o mutuário o dever legal de dar garantia ao mutuante e, por consequência, uma vez que o mutuário descumpra o dever de dar a garantia que lhe é exigida, o contrato terá sido violado permitindo-se ao mutuante cobrar antecipadamente a dívida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 25.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.

Na visão de Nelson Rosenvald, temos aqui a mais importante inovação do Código Civil no tocante ao contrato de mútuo. O mútuo feneratício é tratado de forma substancialmente renovada, conforme as considerações alinhavadas nos próximos tópicos.

Na vigência do art. 1.262 do Código Civil de 1916, o contrato de empréstimo era, em regra, gratuito, sendo a sua onerosidade excepcional, pois dependia de cláusula expressa. Todavia, no direito em vigor, o tráfego jurídico impõe a presunção da cobrança de juros nos empréstimos de finalidade econômica. A onerosidade apenas será afastada por convenção em sentido contrário. Portanto, se A e B contraem um contrato de empréstimo, os juros serão devidos ao tempo da restituição do capital mutuado, somente sendo elidida a sua exigência quando da natureza do contrato se inferir a gratuidade normalmente em relações fraternas (v.g., A e B são amigos de longa data), prevalecendo assim o mútuo comum, de fins não econômicos.

Outrossim, além de converter o mútuo com fins econômicos (exceção) em regra, o legislador não mais o restringiu ao empréstimo de dinheiro ou de coisas fungíveis, como o fez o Código Beviláqua (art. 1.262). Assim, é possível pensar em uma extensão do objeto de tais contratos para outros bens.

Os juros a que alude o dispositivo são os denominados compensatórios ou remuneratórios, vale dizer aqueles recebidos pelo mutuante como compensação pela privação do capital emprestado por um certo período. A remuneração do credor equivale aos frutos civis, por ser privado temporariamente da posse do bem (v.g., aluguéis, rendas, dividendos).

Não devemos confundir os juros compensatórios com os moratórios, que se imputam ao mutuário como sanção pela mora no pagamento do débito, verdadeira pena civil estipulada pela lei para o caso de inadimplemento das obrigações (CC 395).

O Decreto n. 22.262/33 – Lei de Usura – determinou o teto de 12% como percentual máximo para a imposição de juros contratuais anuais – no silêncio das partes seria de 6% ao ano -, como forma de reprimir os excessos praticados por aqueles que buscavam remuneração abusiva nas relações de mútuo feneratício.

Com a edição da Lei n. 4.595/64, exclui-se da aludida limitação qualquer instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional – não se incluem aí administradoras de cartões de crédito (art. 17) -, cabendo ao Conselho Monetário Nacional disciplinar a extensão dos juros. Em 1976, através da Súmula n. 596, o Supremo Tribunal Federal ratificou tal entendimento, bem como na ADIn n. 4/DF, de 1991, na qual o Excelso Pretório entendeu que não seria autoaplicável o art. 192, § 3º, da Constituição Federal – que limitava os juros reais a 12% ao ano -, pois a expressão juros reais  carecia de integração mediante legislação regulamentar. Lembre-se, por necessário, da revogação do art. 192, § 3º, da CF pela Emenda Constitucional n. 40/2003.

A regra em enfoque não é direta, pois nos remete ao art. 406 para o alcance exato da taxa de juros. Ali constatamos que a taxa será a que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional

Por aí passamos por dois caminhos. Podemos afirmar, com base na Lei n. 9.065/95, que os juros compensatórios se filiam à taxa Selic, de natureza variável e fixada pelo Banco Central com valor bem superior ao previsto na Lei de Usura. Todavia, é possível o recurso ao art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, considerando o teto de 1% ao mês.

Endossamos a segunda tese, inclusive pelos argumentos expendidos no Enunciado n. 20 do Conselho de Justiça Federal: a Selic não é juridicamente segura, pois impede o prévio conhecimento dos juros, não sendo prefixada, mas volátil e frequentemente alterada; ademais, não é taxa pura de juros, pois já abrange a atualização monetária; assim, não é operacional, dificultando o cálculo. Nem se discute, por fim, a excessiva onerosidade que impõe ao valor da obrigação.

No que concerne à capitalização de juros, o art. 5º da MP n. 2.170-36/2001 admitia a prática do anatocismo com periodicidade inferior a um ano. Todavia, a parte final do artigo em exame permite somente a capitalização anual, sendo revogada a referida medida provisória. Aliás, a vedação à contagem de juros dos juros mensais ou semestrais já era referida na Lei de Usura – Decreto n. 22.626/33 -, bem como na Súmula n. 121 do Supremo Tribunal Federal.

Em princípio, as instituições financeiras estariam liberadas da limitação imposta pela legislação ordinária e, particularmente, pela norma em apreciação. Mas, a nosso viso, fundamental é perceber que a adoção das cláusulas gerais da boa-fé objetiva (CC 133); do abuso do direito (CC 187) e da função social do contrato (CC 421) permite que o magistrado possa limitar o exercício excessivo do direito subjetivo ao crédito pelas instituições financeiras.

Lembre-se de que as cláusulas gerais não são apenas normas abertas, mas também móveis, pois circulam pelo sistema jurídico, sendo aplicadas pelo julgador de modo a atenuar o rigor e a rigidez de determinadas regras do Código. Assim, poderá o juiz, a qualquer tempo e de ofício – eis que as cláusulas gerais são normas de ordem pública (CC 2.035, parágrafo único) -, reduzir juros extorsivos, modificando cláusulas contratuais que ultrapassem os limites éticos do sistema e aniquilem direitos fundamentais do contratante.

Aliás, não haverá necessidade de discutir se o Código de Defesa do Consumidor incide sobre contratos bancários – ADIn do art 3º, § 2º, do CDC -, pois até mesmo nos contatos civis e empresariais as aludidas cláusulas gerais impedem o desequilíbrio contratual, sendo facultada ao magistrado a utilização de seu poder integrativo para desenhar a solução mais adequada à especificidade do caso, como demanda a diretriz da concretude, tão cara a Miguel Reale. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 632 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, o dispositivo introduz novidades em confronto com a norma correspondente do Código Civil de 1916. Presume devidos juros, independente de cláusula expressa, como, a rigor, era antes exigida. O percentual correspondente ao limite legal não é mais definido no texto do Código, conforme dispunha o Art. 1.602 d0 CC de 1916, sendo este conforme “a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (CC 406), o que se revela mais dinâmico e realista. Ratifica, ademais, a regra da capitalização, nos casos de mútuo destinados a fins econômicos.

Embora a gratuidade seja a regra, quando o mútuo se destina a fins econômicos, os juros devem ser cobrados, como expressão de rendimento ou remuneração pelo empréstimo do dinheiro. Trata-se do denominado “mútuo feneratício”. Isto porque, como leciona o ilustre jurista Silvio Rodrigues, “no crédito à produção, a ideia de gratuidade é inconcebível. Com efeito, o empresário que toma dinheiro emprestado, e o reaplica, obtém ou visa obter um ganho” (Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 22. ed. São Paulo. Saraiva. 1994, v. 3, p. 256).

Presente o mútuo oneroso, dele tratou o CC art. 1.262 de 1916, ao permitir a estipulação dos juros, embora somente através de cláusula expressa, ao empréstimo de dinheiro ou outras coisas fungíveis, cuja fixação acentuou-se admitida abaixo ou acima da taxa legal, assim estabelecida em 6% (seis por cento) ao ano (Art. 1.062), permitindo, outrossim, a capitalização (Art. 1.262). segue-se que o Decreto n. 22.626/33 (Lei da Usura) veio submeter a incidência dos juros a um limite correspondente ao dobro da taxa legal prevista, impedindo, ademais, a sua capitalização.

Na interpretação do alcance da nonna (interposição de recursos), a jurisprudência adotou temperamentos, atenuando a aplicação da Lei de Usura. Convém conferir: 1. “No caso de contrato de empréstimo contraído junto a Instituição Financeira, a taxa de juros remuneratórios não está sujeita ao limite estabelecido pela Lei da Usura (Decreto n. 22.626/33). A capitalização dos juros somente é permitida nos contratos previstos em lei, entre eles as cédulas e notas de créditos rurais, industriais e comerciais, mas não para o contrato de mútuo bancário. Precedentes” (STJ, 3 ~t., REsp 184.958/RS, rel. Mm. Waldemar Zveiter, DJ de 10-2-1990); 2. “Na forma de precedentes indiscrepantes, os juros no contrato de mútuo de eu cuida este feito não são limitados, sendo, entretanto, vedada a capitalização” 9STJ, 3~ T., REsp 248.266/RS, rel. Mm. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 6-11-2000). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 317 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Conforme estende-se Marco Túlio de Carvalho Rocha, o contrato de mútuo pode ser oneroso ou gratuito, conforme preveja ou não a cobrança de juros. Em regra, a obrigação de pagar juros deve ser expressa no contrato. O dispositivo cria, no entanto, presunção de que juros tenham sido contratados sempre que o mútuo destine-se a fins econômicos, como ordinariamente ocorre nos empréstimos feitos visando ao fomento de atividade empresarial.

O dispositivo estabelece limite pra os juros convencionais remuneratórios do contrato de mútuo: não podem ultrapassar a taxa dos juros legais, tal coo prevista no CC 406 e somente podem ser capitalizados anualmente.

O art. 1.262 do Código Civil de 1916 permitia a livre-fixação dos juros convencionais. O art. 1º do Decreto n. 22.626/33 limitou-os ao dobro dos juros legais (revogado pelo Código Civil de 2002). A jurisprudência entendeu que esse limite não se aplicava às instituições financeiras e outras autorizadas a funcionar pelo Banco Central (Súmula 596 do STF: “As disposições do Decreto n. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o Sistema Financeiro Nacional)”. O art. 192, § 3º, da Constituição da República de 1988 limitou os juros a 12% ao ano. O STF entendeu necessária lei complementar para tornar eficaz esse limite (ADI n. 4, RDA 195/85; RE n. 163.069, RDA 195/81; RE 131.620, RTJ 151/599; RE n.162.879, RTJ 151/644; RE n. 160.960, RTJ 151/998; Contra: EI n. 329.112-3/01, TAMG, Minas Gerais, 11.10.01. O referido dispositivo foi revogado pela Emenda à Constituição n. 40/2003.

Há controvérsia quanto à taxa de juros legais. O CC 406 estabelece como parâmetro “a que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. O critério geral, previsto no art. 161, § 1º do Código Tributário Nacional, é a taxa de 1% ao mês. A taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia) passou, no entanto, a incidir na cobrança dos tributos da Fazenda nacional conforme as Leis ns. 8.212/91, art. 34 (INSS), 9.430/96 (IR), Resolução Bacen n. 1.124/86; Circulares Bacen ns. 1.594/90; 2.311/93; 2.671/96; 2.727/96 (cálculo); 2.868/99; 2.900/99. (cf. Franciulli Netto Domingos. Da inconstitucionalidade da taxa SELIC para fins tributários. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 58, p. 7-30, fev. 2000). A incidência da SELIC na cobrança de tributos e contribuições federais tornou-se geral, a partir de 01.04.95 (art. 13, Lei n. 9.065/95) e na compensação ou restituição de tributos e contribuições federais, a partir de 01.01.96 (art. 39, § 4º, da Lei n. 9.250/95).

Do ponto de vista normativo, no entanto, os juros estabelecidos no Código Tributário Nacional continuam a ser o que, em regra, devem ser aplicados, apesar da abundância de dispositivos da legislação ordinária que estabelece a SELIC como critério para incidência de juros nas obrigações devidas à Fazenda nacional. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 25.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).


Art. 592. Não se tendo convencionado expressamente, o prazo do mútuo será:

 I – até a próxima colheita, se o mútuo for de produtos agrícolas, assim para o consumo, como para semeadura;
II – de trinta dias, pelo menos, se for de dinheiro;
III – do espaço de tempo que declarar o mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível.

Na afirmação de Nelson Rosenvald, temos aqui a imposição de prazos legais supletivos para o caso de as partes nada haverem ajustado acerca do termo do contrato de mútuo. Observe-se que estamos diante de exceção enfatizada no início do CC 331; eis que nas obrigações sem prazo se aplica, em regra, o princípio da satisfação imediata, pelo qual o mutuante poderia exigir imediatamente a restituição do empréstimo.

Cuidando-se de mútuo de instrumentos agrícolas, é natural que na ausência de prazo se determine ser este o da época da colheita seguinte, momento em que o mutuário terá apurado o capital necessário para restituir o empréstimo. Aqui, segue-se a linha do comodato sem prazo, quando adverte o CC 51 que “presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido”. Quando o mútuo incidir em dinheiro, fixa-se o prazo de trinta dias para a sua restituição. A norma se aplica tanto ao mútuo gratuito como ao oneroso.

Por fim, não versando o mútuo acerca de pecúnia ou produtos agrícolas, o mutuante poderá, a qualquer tempo, interpelar o mutuário, demarcando-lhe prazo para a restituição, a partir do qual poderá exercitar a pretensão ao crédito. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 634 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 25/10/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

A doutrina de Ricardo Fiuza fala da temporariedade que caracteriza o mútuo, sujeito prazo certo ou variável. Não convencionado o prazo como termo do empréstimo, o que comumente é fixado, a limitação temporal submete-se a prescrições especificadas em lei. Tal é o proposito da norma, regular o prazo adequado à falta de sua expressão contratual. O mútuo agrícola haverá de atender a próxima colheita; o de dinheiro, observará trinta dias, no mínimo, e, em se tratando de qualquer outra coisa fungível, o lapso temporal que vier a declarar o mutuante.

Assim, recorde-se o axioma: “não havendo estipulação, o prazo varia conforme a natureza da coisa emprestada” (José Lopes de Oliveira, Contratos, Recife, Livrotécnica. 1978, p. 163), caso em que o mutuário deverá restituir a coisa no prazo estatuído conforme a natureza do mútuo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 317 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 25/10/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Ensina Marco Túlio de Carvalho Rocha que o mútuo é contrato de duração e pode ser estabelecido por prazo determinado ou indeterminado. Se por prazo determinado, o credor somente pode cobrar a dívida no vencimento do prazo. O devedor pode, no entanto, devolver a qualquer tempo, salvo se o prazo houver sido estabelecido também em benefício do credor (CC 133; Silvio Salvo Venosa. Direito civil: Contratos em espécie e responsabilidade civil. São Paulo. Atlas, 2001, p. 212).


Se por prazo indeterminado o mutuante pode cobrar a dívida a qualquer tempo, desde que respeitado tempo razoável segundo as circunstâncias, em atendimento ao princípio da boa-fé objetiva (Caio Mário. Instituições..., v. III, n. 246, p. 244). O dispositivo estabelece que se o mútuo for de produtos agrícolas presume-se feito até a próxima colheita e que se for de dinheiro o prazo razoável mínimo é de 30 dias. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 25.10.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).