terça-feira, 24 de março de 2015

DIREITO ECONÔMICO: HISTÓRICO – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADO PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC- BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR

DIREITO ECONÔMICO: HISTÓRICO – OBRA DE EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO E APLICADO PELO PROFESSOR FELIPE NOGUEIRA NO CURSO DE DIREITO 8º PERÍODO FAMESC- BJI – 1º SEMESTRE / 2015 - VARGAS DIGITADOR

CAPÍTULO 5

HISTÓRICO


É possível dizer que o Direito Econômico surge com maior nitidez na Primeira Guerra Mundial. O conflito demonstrou a  necessidade de concentrar todos os esforços da sociedade, não sendo lícito ao Estado desconsiderar a dinâmica das atividades econômicas (produção, distribuição, circulação e consumo) ou as decisões dos agentes econômicos (trabalhadores, consumidores, empresários e Estado), permitindo então o surgimento de minuciosa regulamentação da economia que alterou a tradicional presença episódica do estado como agente interventor no domínio econômico.


Outro fato de relevo foi a crise de 1929 com a quebra da bola de Nova Iorque, gerando níveis altíssimos de desemprego com a brusca e profunda paralisação da economia, cujo efeito recessivo afugentou os agentes econômicos do mercado, exigindo por parte deste a atitude de reimpulsionar as atividades econômicas dispondo sobre moeda, crédito, relações trabalhistas, produção agrícola, concessões administrativas, comércio exterior, criação e funcionamento de bancos e seguradoras através  da incorporação, no ordenamento jurídico, de inúmeras disposições de ordem pública.


Sucedendo a referida crise, o advento da Segunda Guerra Mundial fez com que o Estado lançasse mão de novos meios de captação da poupança popular, do empréstimo compulsório, da emissão de títulos da dívida pública, ao lado de regras impositivas de contingenciamento, estocagem, licenciamento da produção, venda ou comércio exterior, tornando a economia ainda mais disciplinada, é dizer: jurídica.


Diferentemente do estado liberal que limitava-se aos aspectos meramente conjunturais da economia, o novo Direito Econômico surgiu como um conjunto de técnicas jurídicas utilizado pelo Estado na realização de sua política econômica, disciplinando a ação estatal sobre as estruturas do sistema econômico coordenadas num quadro geral denominado plano econômico.


Operou-se, dessa forma, a mudança. O Estado ao qual no sistema capitalista estava atribuída, fundamentalmente, a função de produção do direito e segurança, não se admitindo que interviesse na “ordem natural” da economia, passou para a seguinte fase intervencionista, produzindo um conjunto de normas compreensíveis como uma ordem econômica, onde o direito passou a funcionar como instrumento de implementação de políticas públicas.

É preciso deixar claro que o direito não só harmoniza conflitos e legitima poderes, mas também implementa políticas públicas, evidenciando que o Estado sempre atuou no campo econômico, ainda que o tenha feito, por vezes, no interesse exclusivo do capital.


O surgimento dos monopólios, as crises cíclicas, a exacerbação do conflito x trabalho e a incapacidade de autorregulação dos mercados conduziram o Estado às suas novas atribuições de interventor, aplainando mas não suprimindo as imperfeições do liberalismo econômico.


Diante da flagrante inviabilidade do capitalismo liberal, o Estado passou a desempenhar importante papel de agente regulador da economia, instituindo, por exemplo, o monopólio estatal da emissão de moeda, o exercício do poder de polícia e a ampliação dos serviços públicos.


Desse breve histórico, constata-se que o nascimento do Direito Econômico derivou da superação do liberalismo econômico, onde a regra era a ausência de intervenção estatal, para a intervenção do Estado no domínio econômico, impulsionado por fatos políticos e econômicos os quais fizeram disparar a necessidade de planejamento das atividades econômicas, bem como de seus agentes.


Autonomia do Direito Econômico.


Sabemos que um ramo do direito é autônomo quando se torna possível visualizar um conjunto de normas referentes a uma determinada área institucionalizada da vida social, suscetível de constituir um subconjunto organizado em torno de princípios comuns e técnicas reguladoras.


A Constituição Federal, no art. 24, inciso I, anunciou a competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre Direito Econômico, sendo lícito afirmar que ao Município, quando o interesse local o exigir, poderá editar normas de intervenção no domínio econômico, bem como suplementar a legislação federal e estadual com base nos arts. 18 e 30, incisos I e II, da Constituição Federal.


Inúmeros foram os autores que se lançaram na tarefa de conceituar o Direito Econômico; todos, no entanto, apontaram para o aspecto macroeconômico e macrojurídico da política econômica viabilizada pela intervenção estatal no campo da economia.


Celso Ribeiro Bastos o define como:

          “ramo do direito que se destina a normatizar as medidas adotadas pela política econômica através de uma ordenação jurídica, é dizer, a normatizar as regras econômicas, bem como a intervenção do estado na economia”.


Para Eros Roberto Grau ele vem a ser:

          “o sistema normativo voltado à ordenação do processo econômico, mediante a regulação, sob o ponto de vista macrojurídico, da atividade econômica, de sorte a definir uma disciplina destinada à efetivação da política econômica estatal”.


Cabral de Moncada anota que: “é o direito público que tem por objetivo o estudo das relações entre os entes públicos e os sujeitos privados, na perspectiva do Estado na vida econômica”.


Para Cristiane Derani ele pode ser entendido como:

          “a normatização da política econômica como meio de dirigir, implementar, organizar e coordenar práticas econômicas, tendo em vista uma finalidade ou várias e procurando compatibilizar fins conflituosos dentro de uma orientação macroeconômica. Em primeiro plano está o funcionamento do todo e não a regulamentação do comportamento individual isolado. Neste sentido é o direito um instrumento utilizado pela política econômica. Porém, não se esgota nesta direção o seu relacionamento com a economia. A plítica econômica é também orientada pelo direito econômico, o qual se revela como seu funcionamento”.


Por fim, excelente é a conceituação de Antonio Carlos Santos, Maria Eduarda Gonçalves e Maria Manuel Leitão Marques:

          “conjunto de normas, princípios e instituições que regem a organização e direção da atividade econômica nas suas diversas manifestações (produção, circulação, distribuição, consumo), impondo limites, condicionando ou incentivando os agentes econômicos ou mesmo alterando, de um ponto de vista estrutural, algumas tendências que resultam do livre funcionamento do mercado. Este conjunto de normas, princípios e instituições de origem pública visaram colmatar as insuficiências ou disfunções do direito privado clássico e constituem o núcleo originário e ainda hoje mais relevante do Direito Econômico”.


O que dever-se-á ter sempre em mente, para a adequada compreensão do Direito Econômico, é que ele tem por objeto as regras jurídicas que disciplinam a intervenção do Estado na economia, não se configurando no direito geral da atividade econômica, mas sim, no direito especial da intervenção estatal, refletindo e dialogando com os demais ramos do direito.


Objeto.

Já ficou explicitado que a missão do Direito Econômico, é a regulamentação da política econômica que, para que não caia no arbítrio ou na frustração de direitos sociais, deve ser juridicamente disciplinada, evitando-se abusos tanto do Poder Público quanto do poder econômico do capital.

Nesta perspectiva é que Eros Grau alude ao objeto do Direito Econômico como sendo:

          “a regulação do processo econômico, através da atuação do Estado nele e sobre ele, desde uma visão macroeconômica, tendo em vista a realização dos objetivos de sua política, sob a inspiração dos ideais de justiça social e desenvolvimento, em condições de mercado administrado”.


Por outro lado, Antonio Carlos Santos et allii define o seu objeto como sendo:


          “o estudo da ordenação (ou regulação) jurídica específica, a organização e direção da atividade econômica pelos poderes públicos e (ou) poderes privados, quando dotados de capacidade de editar ou contribuir para a edição de regras com caráter geral, vinculativas dos agentes econômicos”.


Método.


Esta relação ao modo de atuar do Direito Econômico, esclarece Eros Roberto Grau que ele:


          “apresenta características que o distinguem dos demais ramos do Direito. Seja porque é diferenciado o processo de elaboração das suas normas, construído desde uma visão prospectiva e não retrospectiva – por isso impondo qualificação técnica no seu elaborador; seja por que tem caráter conjuntural as suas normas e, por isso mesmo, reclama-se sejam elas flexíveis e dinâmicas; seja porque o caráter dessas normas é nitidamente instrumental, transformando-as numa ferramenta para a execução de determinados fins – com o que se afirma que o Direito Econômico não apenas concilia interesses, mas dirige e condiciona comportamentos”.


Imagine o Direito Econômico como uma barra de ferro que pode, em razão de sua dutibilidade (caráter de conduzir coisas), passar calor, frio ou mesmo corrente elétrica, dependendo do uso que se necessite dar ao metal e ao fim desejado.


Ordem Jurídica.


É preciso ter em mente que a ordem jurídica implica num complexo de regras e princípios ditados pelo Poder Público, como normas obrigatórias, para que se discipline e se proteja todas as relações e interesses dos cidadãos entre si e entre eles e o próprio Estado, no intuito de manter a própria ordem social e política.

Exprime, assim, o conjunto de regras e princípios que devem ser coativamente observados por todos quantos residam ou habitem o território do Estado. (Plácido e Silva).


Ordem Econômica.


Fixado o conceito de ordem jurídica, importa saber que a ordem econômica constitui-se de um conjunto de regras constitucionais disciplinadoras da atividade econômica. A interpretação, aplicação e execução dos preceitos que a compõem reclamam o diálogo permanente com as demais partes da Constituição, posto que a ordem econômico-financeira é indissociável dos princípios fundamentais da República Federativa e do Estado Democrático de Direito.

Inúmeras são as relações (no campo rico dos fatos da vida) entre as forças econômicas que se desenvolvem pelas regras próprias da economia, sendo certo que tais relações serão moldadas pelas normas constitucionais que vão atuar neste ambiente específico, naquilo que interessar ao Estado.

Considera-se, então, ordem econômica o conjunto de normas de intervenção protetora ou restritiva a atividades econômicas, em busca de certas finalidades e por intermédio de certos meios.


Princípios Constitucionais da Ordem Econômica.


Passaremos a analisar os princípios constitucionais da atividade econômica, os quais, como já esclarecido, não só amoldam o Capítulo da Ordem Econômica, mas servem de verdadeiro facho de luz a iluminar todo o ordenamento constitucional e infraconstitucional em vigor.


Valorização do Trabalho Humano.

O trabalho é o meio, por excelência, de subsistência do ser humano, faz parte da sua personalidade. Valorizar o trabalho implica em prestigiá-lo em detrimento do capital não com ações meramente filantrópicas, mas criando as condições necessárias à garantia do direito de influenciar nas relações e condições de trabalho, através de uma remuneração digna, da proibição do trabalho escravo, do oferecimento de um ambiente de trabalho sadio, sendo certo que a Constituição Federal absorveu este postulado em vários dispositivos, dentre os quais devem ser visitados para uma leitura mais acurada os arts. 1º, IV, 3º, 5º, XIII e XCVII, “C”, 6º, 7º, 170 caput, 173 § 1º, II, 186, IV, 187, VIII, 193, 203, III, 218, § 3º, 227 caput e § 1º, II.


Para Ricardo Antônio Lucas Camargo, deve ser considerado:


          “o descarte de interpretações de disposições constitucionais que menoscabem as formas de ganho com o trabalho, isto é, que valorizem o não trabalho, já que isto vale por desvalorizar o trabalho, dentro do princípio lógico segundo o qual a afirmação de uma proposição é a negação daquela que é oposta”.


Verifica-se que a Constituição tratou de ampliar o espaço e a importância do trabalho, considerando este como Direito Fundamental e não como mera caridade.


Livre Iniciativa.


Observadas as limitações que a própria Constituição oferece, constitui-se em fundamento de nossa ordem econômica a possibilidade concedida a todos de se lançarem no desempenho de qualquer atividade econômica.

Da leitura dos arts. 1º, IV, 5º, XIII, 170 caput, 199 e 209 da Constituição Federal, apenas para exemplificar, deduz-se a possibilidade, ampla em nosso ordenamento, do exercício de qualquer atividade econômica lícita ou que seja permitida por lei e autorizada pela autoridade competente (quando a autorização for exigida por lei).


É certo que o liberalismo defende a total liberdade do indivíduo para escolher e orientar sua ação econômica, independentemente da ação de grupos sociais ou Estado. Porem, nas condições atuais do capitalismo globalizado e neoliberal, existe a necessidade de defender o sistema das crises cíclicas, levando o Estado a impor limites à livre iniciativa, seja atuando diretamente no processo produtivo, seja agindo como elemento orientador de investimentos e controlador de desajustes sociais.


Luiz Roberto Barroso discorre sobre o tema afirmando que:


          “o princípio da livre iniciativa, do ponto de vista jurídico, pode ser decomposto em alguns elementos que lhe dão conteúdo, todos eles devidamente desdobrados no texto constitucional. Pressupõe, ele, em primeiro lutar, a existência de propriedade privada, isto é, de apropriação particular dos bens e dos meios de produção (CRFB/88, ARTS. 5º, XXII e 170, III). De parte isto, integra, igualmente, o núcleo da ideia de livre iniciativa a liberdade de empresa, conceito materializado no parágrafo único do art. 170: ‘É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei’. Em terceiro lugar situa-se a liberdade de lucro, lastro para a faculdade de o empreendedor estabelecer os seus preços, que há de ser determinados, em princípio, pelo mercado, por meio de ‘livre concorrência’, locução abrigada no art. 170, IV. E, por fim, é da essência do regime da livre iniciativa a liberdade de contratar, decorrência lógica do princípio da legalidade, fundamento das demais liberdades, pelo qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CRFB/88, art. 5º, II)”.


Ao empreendedor, dessa forma, fica garantida a liberdade de comércio e indústria, salvo restrição estatal em virtude de lei, criando e explorando qualquer atividade econômica a título privado.


Não pode ser dispensada, a título de proteção da livre iniciativa, a necessária outorga de autorização, concessão ou permissão de entidade estatal, para a exploração por empresa particular, por exemplo, dos serviços públicos previstos no art. 21, XII, “e”, da CF/88.


Existência Digna.


Em um de seus epigramas Shiller dizia: “chega de falar no assunto: dai-lhe de comer e onde morar; quando tiverdes coberto a nudez, a dignidade aparecerá sozinha.”


A dignidade da pessoa humana já foi enunciada como fundamento da República no art. 3º, III, sendo certo que a existência digna aparece novamente na ordem econômica como direito individual protetivo em relação ao Estado e aos demais indivíduos, estabelecendo um dever dundamental de tratamento igualitário.


Alexandre de Moraes esclarece que:


          “a dignidade da pessoa humana é um poder espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”.


Importa reconhecer, dessa forma, que a atividade econômica, em todas as suas manifestações, deverá observar a dignidade da pessoa humana por constituir-se para além de princípio da ordem econômica, princípio fundamental da República.

É imprescindível que seja garantido um mínimo existencial para a população como saúde, educação, habitação, empregabilidade e segurança, sem o que estaremos num eterno estado de barbárie comparável à idade da pedra em que vivem, por exemplo, as sociedades subsaarianas na África.


Justiça Social.


Sabe-se que o Brasil é um dos países com pior distribuição de renda no planeta (palavras ditas por Eugênio Rosa de Araújo, com as quais eu não concordo absolutamente – grifo de Vargas Digitador), ficando atrás de países como a Suazilândia e, grosso modo, pode-se afirmar que os 10% mais pobres auferem 1% da renda nacional, ao passo que os 10% mais “ricos” (incluindo a classe média que come três vezes ao dia) auferem 50% da renda nacional.

A erradicação da pobreza em nosso país não se dará apenas a partir da transferência de renda para os mais pobres, por meio de programas de renda mínima, microcrédito ou reforma agrária. É preciso expandir ao máximo as políticas de educação, saúde, habitação e saneamento básico, já que a ausência de justiça social não representa apenas insuficiência de renda, mas, principalmente, a falta de acesso aos diversos serviços públicos. (Palavras ditas por Eugênio Rosa de Araújo, com as quais eu não concordo absolutamente – grifo de Vargas Digitador).


É urgente, portanto, superar o atual modelo de quase total exclusão social, evoluindo-se para um estado de bem-estar social e melhor distribuição de riquezas tomando-se como pauta mínima os arts. 6º e 7º da Constituição Federal. Não há pós-modernidade para o homem das cavernas que passa fome debaixo do viaduto. (Remanescentes de governos pré/1990 – grifo de Vargas Digitador).


Pode-se dizer, com Américo Luis Martins da Silva, que:


          “justiça social tem por finalidade a proteção aos mais pobres e aos desamparados, mediante a adoção de critérios que favoreçam uma repartição mais equilibrada das riquezas. Pela Justiça social ressalta a necessidade de, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo aqueles que estão, na maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. Como disse João Paulo II, é estrito dever de justiça e verdade impedir que as necessidades humanas fundamentais permaneçam insatisfeitas e que pereçam os homens por elas oprimidos. Além disso, é necessário que esses homens carentes sejam ajudados a adquirir conhecimentos, a entrar no circulo de relações, a desenvolver suas aptidões para melhor valorizar as suas capacidades e recursos”.


Soberania Nacional.


A soberania é um dos fundamentos da República Federativa e do Estado Democrático de Direito (art. 1, I), sendo que o que se trata no inciso I do art. 170 da Constituição Federal é a soberania nacional econômica, visando estabelecer, no plano externo, a independência, a coordenação e a não submissão em relação à economia e tecnologia estrangeiras.


José Afonso da Silva avisa que:


          “O constituinte de 1988 não rompeu com o sistema capitalista, mas quis que se formasse um capitalismo nacional autônomo, isto é, não dependente. Com isso, a Constituição criou as condições jurídicas fundamentais para a adoção do desenvolvimento autocentrado, nacional e popular, que, não sendo sinônimo de isolamento ou autarquização econômica, possibilita marchar para um sistema econômico desenvolvido, em que a burguesia local e seu Estado tenham o domínio da reprodução da força de trabalho, da centralização do excedente da produção, do mercado e da capacidade de competir no mercado mundial dos recursos naturais e, enfim, da tecnologia”.


Muitas vezes se tem dito que nossa soberania econômica foi posta de lado em razão das exigências de política fiscal, gastos públicos e cortes salariais exigidos pelo FMI para concessão de empréstimos para pagamento de juros da dívida externa.


Tais argumentos têm muito de viés ideológico, posto que o recurso ao FMI nunca foi obrigatório, mas facultativo e bem se sabe que a política de austeridade fiscal de gastos públicos é uma necessidade para o cumprimento do princípio da eficiência insculpido no art. 37 da Constituição Federal.

Propriedade Privada.


Imagine uma praia deserta onde alguém tivesse jogado fora uma tesoura e um par de sapatos novos.


Tais bens não são propriedade de ninguém e, no entanto, têm utilidade, podendo satisfazer uma eventual necessidade ou suprir uma carência, pois se constituem em bens econômicos: a tesoura como bem de capital, pode servir para a confecção de roupas, e o par de sapatos – bem de consumo – servirá para eventual uso de quem dele se aproprie.


A propriedade, como se vê, é um fato econômico e designa a qualidade que é inseparável de uma coisa ou que a ela pertence em caráter permanente; é possível, então, dizer, no caso da tesoura e dos sapatos, que estas propriedades não têm dono, já que não pertencem a exclusivamente ninguém, ou que, não tendo dono, não são propriedade de ninguém.


Conclui-se, por conseguinte, que propriedade e direito de propriedade não se confunde. É na qualidade de direito subjetivo que a propriedade interessa ao jurista, considerado como poder do proprietário sobre a coisa, tornando-se um dos direitos fundamentais da pessoa humana.


É o ordenamento jurídico, portanto, que determina a amplitude e o desenho básico das diversas propriedades; bens móveis, imóveis, patentes, direitos autorais, marcas, herança, servidões, garantias reais etc.


Assim, o direito de propriedade tem seus contornos esboçados na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional e corresponde ao poder atribuído pelo Estado a alguém para usar, gozar, dispor e reivindicar das coisas. Esse poder conferido aos indivíduos pela ordem constitucional encontra-se no Texto Magno, fonte primária e imediata de todo o ordenamento jurídico.


A Constituição Federal garante, assim, no art. 5º, XXII, o direito de propriedade, referindo-se a ele ainda nos incisos XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII “a” e “b”, XXIX, XXX, XLV, XLVI e LIV.


Assim, no dizer de Alexandre de Moraes:


          “Toda pessoa, física ou jurídica, tem direito à propriedade, podendo, o ordenamento jurídico, estabelecer suas modalidades de aquisição, perda, uso e limites. O direito de propriedade, constitucionalmente consagrado, garante que dela ninguém será privado arbitrariamente, pois somente a necessidade ou utilidade pública ou o interesse social permitirão a desapropriação. Dessa forma, a Constituição Federal adotou a moderna concepção de direito de propriedade, pois, ao mesmo tempo em que o consagrou como direito fundamental, deixou de caracterizá-lo como incondicional e absoluto”.


No campo da legislação infraconstitucional, o novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002) tratou do tema no Livro III – Direito das Coisas – nos art. 1.196 a 1.510.


Função Social da Propriedade.


Estabelecida a proteção do direito de propriedade, consistente no direito de usar, dispor e reivindicar a coisa (art. 1.228 do CCB/2002), terá ela de atender a sua função social, conforme o mandamento dos arts. 5º, XXIII, art. 170, III, 182, § 2º e 186 da Constituição Federal, o que significa dizer que tais mandamentos constitucionais impõem ao proprietário o uso da propriedade em prol do interesse coletivo, da segurança e bem-estar dos cidadãos, dela não fazendo uso nocivo, ou que degrade o meio ambiente e, ainda, respeitando as disposições que regulam as relações de trabalho.


Para Alexandre de Moraes, a referência constitucional à função social como elemento estrutural da definição do direito à propriedade privada e da limitação legal de seu conteúdo demonstra a substituição de uma concepção abstrata de âmbito meramente subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade por uma concepção social de propriedade privada, reforçada pela existência de um conjunto de obrigações para com os interesses da coletividade, visando também à finalidade ou utilidade social que cada categoria de bens objeto de domínio deve cumprir.


Há, portanto, uma limitação ao direito de propriedade, visando coibir abusos e evitando seu exercício em detrimento do bem-estar da sociedade.


Dessa forma, a propriedade desempenha sua função econômico-social, cujo direito deve, ao ser exercido, conjugar os interesses do proprietário, da sociedade e do Estado, afastando seu uso egoístico e o uso abusivo do domínio.


Livre Concorrência.


Trata-se de desdobramento do princípio da livre iniciativa, complementando-o com sua ponderação e, para garanti-la o legislador constituinte, no § 4º do art. 174, dispôs que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.


Note   que a Constituição Federal não condena o exercício do poder econômico; apenas seu abuso suscita a intervenção estatal, coibindo os excessos tais como os cartéis e monopólios de fato que venham a turbar o livre funcionamento das estruturas do mercado.


Fazendo-se uma imagem para a concreta visualização da conjugação da livre iniciativa com a livre concorrência, podemos imaginar, por exemplo, uma corrida como a de São Silvestre, onde qualquer pessoa pode se inscrever para correr: velhos, adolescentes, paraplégicos e as grandes vedetes internacionais. A livre iniciativa é a possibilidade de todos se inscreverem para a corrida, ao passo que as regras estipuladas para as filas, a proibição de atropelo de uma faixa de atletas por outra, a prestação de serviço médico para os que caem pelo caminho, se constituem nas regras limitadoras da organização do evento para que a corrida não se transforme em um massacre.


Nesse sentido a Lei n. 8.884/94, que dispõe sobre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, tratou da prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais da liberdade de iniciativa e da livre concorrência, protegendo a própria estruturação do mercado e seu livre funcionamento, bem como os empresários vitimados por práticas lesivas, consumidores e trabalhadores.


Defesa do Consumidor.


Realmente, a Constituição Federal cuidou de envolver o consumidor em cuidadosa e eficiente proteção, determinando imperativamente ao Estado a promoção de sua defesa (art. 5º, XXXII, da CRFB/88), possibilitando a competência legislativa concorrente sobre Direito Econômico (art. 24 da CRFB/88), produção e consumo (art. 21, V, CRFB/88), a criação de juizados especiais (arts. 21, X e 98 parágrafo único da CRFB/88), incluindo a defesa do consumidor como princípio de ordem econômica (art. 170, V, da CRFB/88), oferecimento de serviço público que observe os direitos dos usuários  com a manutenção de serviço adequado (art. 175, parágrafo único, II e III, CRFB/88) e a obrigatoriedade, hoje exaurida, de elaboração do Código de Defesa do Consumidor (art. 48 do ADCT da CRFB/88).


Nesse giro, vê-se que o legislador constituinte, ao inserir a proteção do consumidor no campo dos direitos individuais, demonstrou grave preocupação com sua proteção, não só através de princípios conformadores, mas indo além, impondo a obrigação de regrar sua proteção através de um código, bem como a criação de órgãos judiciários vocacionados a esse tipo de tutela.


A Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – no art. 2º define consumidor como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” ao passo que a figura do fornecedor é descrita como “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviço”. Define ainda serviço como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.


Em síntese, a proteção constitucional se volta para a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza um bem, ou ainda, um serviço como consumidor final, é dizer, sem que tais bens ou serviços sirvam de meio ou insumo para atividades profissionais previstas no art. 2º da Lei n. 8.078/90, quando então, incidirá o Direito Civil ou Comercial, ordenações voltadas à regulamentação das relações entre iguais, ao contrário do Direito Consumerista onde a tônica é o tratamento entre desiguais.


Defesa do Meio Ambiente.


Como princípio da ordem econômica, a defesa do meio ambiente implica dizer que qualquer atividade econômica, seja ela de cunho industrial, comercial, de serviços ou mesmo as atividades informais desamparadas pelo contrato formal de trabalho, não poderá redundar em depredação e degradação do meio ambiente, servindo este princípio como dique para todas as atividades econômicas, formais e informais, posto que, como salienta José Afonso da Silva:


          “O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portando, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, paisagístico e arqueológico”.


Conceituou a Lei n. 6.938/81 o meio ambiente em seu art. 3º como “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, bem como persegue, através dos arts. 1º e 4º, a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, redundando na promoção do chamado desenvolvimento sustentável que consiste na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem-estar à presente geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futuras.


Conforme se pode perceber, atividade econômica e meio-ambiente deve seguir de mãos dadas e, como bem salientou Cristiane Derani:


          “Isto faz com que as normas do direito econômico e ambiental tenham na política econômica uma fonte fundamental. A política econômica trabalha necessariamente com a coordenação da atividade de mercado, com a concorrência, com a prestação de serviços do Estado. Ela abraça também questões de caráter ambiental, tais como: reaproveitamento de lixo, exigências de equipamento industrial para uma produção limpa, aproveitamento de recursos naturais, o quanto de reserva natural é desejável e qual seu regime social”.


O sentido limitativo da ordem econômica pela proteção ao meio ambiente conta, ainda, com a eficácia normativa do art. 225, que contém, pontuadamente, o regime jurídico constitucional do meio ambiente, dando conteúdo específico ao inciso V do art. 170 da CRFB/88, devendo naquele dispositivo procurar-se o fundamento constitucional da proteção ao meio ambiente e, neste, o fundamento constitucional de que toda atividade econômica se submete à sua preservação, num constante diálogo e interação harmônica.


O texto constitucional permite a diferenciação do tratamento jurídico de produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação, em vista do impacto que possam causar no meio-ambiente. Poderá a lei, por exemplo, diante do impacto ambiental detectado nas plantações de soja transgênica fazer exigências sanitárias e outras mais rigorosas do que em relação à mesma cultura desenvolvida sem as sementes transgênicas...


Redução das Desigualdades Regionais e Sociais.


Em um país de dimensões continentais como o Brasil, inserido em contexto socioeconômico e geográfico de país subdesenvolvido, por vezes pré-histórico, com graves distorções de distribuição de renda e diferenças climáticas e culturais significativas, importante foi a iniciativa do constituinte originário em dotar o texto constitucional de mecanismos de equalização de desigualdades regionais impedindo a manutenção de regiões em flagrante desnível em relação a outras do país, permitindo políticas públicas orientadas para um processo de desiconomia seletiva, isto é, conferindo tratamento diferenciado a determinadas regiões ou determinadas atividades econômicas como meio de promover o desenvolvimento o mais equilibrado possível.


Nosso texto constitucional, além desta passagem, possui dispositivos que visam à diminuição das desigualdades sociais através de mecanismos fiscais e financeiros, a teor dos arts. 43, 151, I, 152, 165 § 7º e 192, caput e VII, aos quais nos reportamos, recomendando a leitura atenta e sistemática, relacionando-os entre si para a compreensão do por quê muitas vezes certos benefícios fiscais são oferecidos em determinadas regiões ou para determinadas atividades econômicas.


Busca do Pleno Emprego.

Critica-se muito este dispositivo constitucional que traz como princípio da ordem econômica a busca do pleno emprego, por ser este objetivo inalcançável na ordem econômica capitalista globalizada e neoliberal.

Ocorre, no entanto, que o referido princípio tem caráter de norma programática, contendo, no mínimo, eficácia negativa no sentido de impedir a adoção, por parte do Poder Público, de políticas econômicas e salariais recessivas e geradoras de desemprego e subemprego (verdadeira praga em nossa economia) ou que desestimulem a ocorrência de quaisquer ocupações lícitas, bem como, impõe ao setor privado o respeito aos direitos sociais (art. 6º da CRFB/88) e trabalhistas (art. 7º da CRFB/88).


No campo específico da atividade econômica, a busca do pleno emprego conjuga-se com a função social da propriedade e, no campo dos direitos sociais, desestimula a despedida arbitrária ou sem justa causa (art. 7º da CRFB/88), permite a redução da jornada de trabalho mediante acordo ou convenção coletiva, como forma de manutenção dos postos de trabalho (art. 7º, XIII, da CRFB/88), proteção em face da automação (art. 7º da CRFB/88), participação dos trabalhadores nos colegiados dos órgãos públicos (art. 10 da CRFB/88), e a eleição de representantes dos trabalhadores nas empresas com mais de duzentos empregados (art. 11 da CRFB/88).


Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.


Outros seres desprotegidos lembrados no Capítulo da Ordem Econômica foram a pequena e a microempresa.


O art. 170, no seu inciso IX, aponta para um tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, princípio retomado com maior ênfase no art. 179, segundo o qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas tratamento jurídico diferenciado, visando incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.


Conjuga-se o tratamento para microempresas e empresas de pequeno porte com os princípios da valorização do trabalho e da busca pelo emprego, tendo em vista que, em inúmeros casos, as microempresas constituem-se apenas no meio pelo qual, por exemplo, costureiras, sapateiros, doceiras, perueiros e uma infinidade de cidadãos exercem pequenas atividades de manufatura ou serviços, constituindo um fator de enorme importância para a renda nacional.


Para a definição de pequena ou de microempresa, a lei poderá conjugar critérios regionais (norte, sul, sudeste, centro-oeste e nordeste), populacionais (empresas situadas em cidades de baixa, média ou alta densidade demográfica), setoriais (comércio, indústria e serviços) ou, ainda, faturamento, permitindo conciliar o favorecimento da pequena empresa com o combate às desigualdades sociais e regionais.


No campo da legislação infraconstitucional, a Lei Complementar n. 123, de 14/12/06, regulamentou o dispositivo do que se tem denominado de estatuto da Microempresa, bem assim o novo Código Civil, no seu art. 970, afirma que “A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes”.


Livre Exercício de qualquer atividade, salvo autorização exigida em lei.


Em primeiro lugar é preciso distinguir a hipótese do art. 5º, XIII, da Constituição, que trata do livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, com a presente hipótese que diz respeito à liberdade de iniciativa e início de qualquer atividade econômica, salvo se dita atividade estiver submetida, por lei, a algum tipo de outorga por parte do Poder Público em decorrência do poder de polícia.


No primeiro caso, trata-se de dispositivo que cuida de situações individuais, onde o indivíduo, caso queira exercer profissão juridicamente disciplinada (medicina, advocacia, arquitetura, contabilidade etc), deverá preencher os requisitos legais para que não exerça a profissão de forma irregular, submetendo-se, nos casos supra, à fiscalização inerente ao poder de polícia dos respectivos conselhos regionais.


No caso de atividade econômica, o empresário pode optar por lançar-se à atividade que suponha algum tipo de outorga por parte dos órgãos públicos (saúde, educação, bancária, previdência) sem que tenha, necessariamente, a qualificação para atuar especificamente na atividade explorada, ou até mesmo no caso em que isso seja desnecessário, como, por exemplo, o grande acionista de instituição financeira ou o cotista de grande colégio ou universidade.



Assim, no caso em comento, o Estado exercerá a denominada polícia administrativa, assim definida por Celso Antonio Bandeira de Mello como sendo “a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e propriedade dos indivíduos, mediante a ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares em dever de abstenção (“non facere”) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais no sistema normativo”.