domingo, 20 de janeiro de 2019

DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 151, 152, 153 - Da Coação - VARGAS, Paulo S. R.


DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 151, 152, 153 -
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Da Coação
 - VARGAS, Paulo S. R. 

Livro III – Dos Fatos Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do Negócio Jurídico – Seção III – Da Coação -
 vargasdigitador.blogspot.com

Art 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens 1, 2, 3

Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

1.        Coação

Segundo Clóvis Beviláqua, a coação se caracteriza por um estado de espírito, em que o agente, perdendo a energia moral e a espontaneidade do querer, realiza o ato que lhe é exigido. Coação, portanto, é a pressão física ou moral que é exercida sobre o agente que realiza o negócio jurídico mediante ameaça que recaia sobre sua própria pessoa, sua família, seus bens e, eventualmente sobre outras pessoas.

2.        A coação como defeito do negócio jurídico

Diversas são as formas e a intensidade pelas quais uma pessoa pode coagir outra. Por essa razão, a doutrina costuma separar a coação física (vis absoluta) da coação moral (vis compulsiva). A importância da distinção reside nos diferentes efeitos que decorrem de uma e outra figura. Na coação absoluta o sujeito do negócio jurídico sequer tem a opção entre realizar ou não realizar o negócio jurídico. O sujeito é um mero instrumento da vontade do coator e realizar o ato sem qualquer poder de decisão entre praticá-lo ou não. É o que ocorre, por exemplo, quando alguém aponta uma arma para determinada pessoa ordenando-a que assine um documento, ou que entregue um título de crédito. Em tal hipótese, há verdadeira ausência de vontade e o negócio jurídico é considerado inexistente, e não meramente anulável. Na coação moral, por outro lado, o sujeito realiza o ato forçado pelo medo de que a ameaça feita venha a se concretizar. Em tal caso, haverá vontade do agente que realiza o ato, mas essa vontade não é livre, e sim influenciada pelo medo que lhe incutiu o coator, justificando-se a anulação do negócio jurídico. Além disso, para que a coação seja causa de anulação do negócio jurídico, é necessário que (a) a coação seja determinante para a realização do ato, (b) que provenha de um terceiro tenha agido com a deliberada intenção de coagir, (c) que a ameaça implique na ocorrência de um dano iminente às pessoas e bens protegidos pelo art 151, (d) que o mal ameaçado seja grave (igual ou superior ao dano prejuízo extorquido), (e) que o mal ameaçado seja injusto (não caracterizando coação a ameaça do exercício legítimo de um direito).

3.        Efeitos da coação

Além de ser um defeito do negócio jurídico, a coação é também um ato ilícito. Por essa razão, além de justificar a anulação do negócio jurídico, impõe-se ao agente coator a responsabilidade pela reparação das perdas e danos.  (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 18.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Nas palavras de Roberto Gonçalves, Coação é toda ameaça ou pressão injusta exercida sobre um indivíduo para força-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. O que a caracteriza é o emprego da violência psicológica para viciar a vontade. “(Por exemplo, Cheque, emissão sob coação. Garantia de dívida. Desnaturação. Se o cheque foi emitido sob coação, não com essa natureza, mas como garantia de dívida, com pleno conhecimento da financeira, impõe-se sua anulação”.

Não é a coação, em si, um vício da vontade, mas sim o temor que ela inspira, tornando defeituosa a manifestação de querer do agente. Corretamente, os romanos empregavam o termo metus (mentis trepidatio) e não vis (violência), porque é o temor infundido na vítima que constitui o vício do consentimento e não os atos externos utilizados no sentido de desencadear o medo. Nosso direito positivo, entretanto, referindo-se a esse defeito, ora o chama de coação (art 171, II), ora de violência (art 1.814, III). (Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 490; Washington de Barros Monteiro, Curso, cit.  v. 1, p. 210, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. 1, p. 422, 2010, Saraiva – São Paulo).

A coação é o vício mais grave e profundo que pode afetar o negócio jurídico, mais até do que o dolo, pois impede a livre manifestação da vontade, enquanto este incide sobre a inteligência da vítima.

No Parágrafo único deste art 151Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.” Verifica-se, assim, que nem toda ameaça configura a coação, vício do consentimento. Para que tal ocorre é necessário reunirem-se os requisitos estabelecidos do dispositivo supratranscrito. Assim, a coação: a) deve ser a causa determinante do ato; b0 deve ser grave; c) deve ser injusta; d) deve dizer respeito a dano atual ou iminente; e) deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima ou a pessoa de sua família.

a)    Deve ser a causa determinante do ato – deve haver uma relação de causalidade
entre a coação e o ato extorquido, ou seja, o negócio deve ter sido realizado somente por ter havido grave ameaça ou violência, que provocou na vítima fundado receio de dano à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens. Sem ela, o negócio não se teria concretizado.

Se alguém, porém, foi vítima de coação, mas deu seu consentimento independente da ameaça, não se configura o aludido defeito do negócio jurídico. É possível que sua concordância tenha coincidido com a violência, sem que esta gerasse aquela. (Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., p. 202. Valendo-se dessa lição, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “Se alguém foi vítima de ameaça, mas deu seu assentimento independente dela, não se configura coação. É possível que sua concordância tenha coincidido com a violência, sem que esta gerasse aquela. Em tal hipótese, o ato sobrevive imaculado, dada a espontaneidade do querer” (RT, 705/97), apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 424, 2010, Saraiva – São Paulo).

Incumbe à parte que pretende a anulação do negócio jurídico o ônus de provar o nexo de causa e efeito entre a violência e a anuência.

b)    Deve ser grave – A coação, para viciar a manifestação de vontade, há de ser de tal intensidade que efetivamente incuta na vítima um fundado temor de dano a bem que considera relevante. Esse dano pode ser moral ou patrimonial.

Para aferir a gravidade ou não da coação, não se considera o critério abstrato do vir medius, ou seja, não se compara a reação da vítima com a do homem médio, de diligência normal. Por esse critério, se a média das pessoas se sentir atemorizada na situação da vítima, então a coação será considerada grave.

Segue-se o critério concreto, ou seja, em cada caso, as condições particulares ou pessoais da vítima. Algumas pessoas, em razão de diversos fatores, são mais suscetíveis de se sentir atemorizadas do que outras. Por essa razão, determina o art 152 do Código Civil: “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela”.

Cabe verificar se a ameaça bastou para amedrontar o indivíduo contra quem foi dirigida, não qualquer outro nem a média das pessoas. Por exemplo: um ato incapaz de abalar um homem pode ser suficiente para atemorizar uma mulher, como a ameaça incapaz de perturbar pessoa jovem e sadia pode afetar profundamente pessoa doente e idosa. (Instituições de direito civil, v. I, p. 352, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 381, 2010 Saraiva – São Paulo).


Art 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela. 1

1.        Circunstâncias da coação

Diferentes pessoas apresentam diferentes reações quando ameaçadas. Ainda que em alguma medida todos estejam sujeitos a ceder ao medo incutido por uma ameaça que alguém lhe faça, algumas pessoas se mostram mais suscetíveis à coação e outras menos. Tal circunstância torna qualquer tentativa de objetivar os requisitos de caracterização da coação impossível. Por essa razão, a caracterização da força determinante e intimidadora da coação é essencialmente subjetiva, devendo ser aferida pela ótica de quem sofreu a coação. Humberto Theodoro Júnior empresta elucidativos exemplos de Caio Mário da Silva Pereira e de Clóvis Beviláqua, dizendo que “a mesma ameaça que um homem ponderado repele, cala no ânimo de uma tímida donzela; o mesmo indivíduo, que em circunstâncias normais de saúde ri de um fato a ele dirigido como veículo de intimidação, pode sentir-se aterrorizado quando debilitado por uma enfermidade. Também a surpresa, às vezes se mostra desconcertante, e pode levar à prática de atos que se evitariam se fosse possível enfrentar a situação de ânimo prevenido”. (1) Por essa razão, para apreciar a existência de coação deve o juiz levar em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.

(1)       Humberto Theodoro Júnior, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Comentários ao Código Civil: das pessoas, (arts 138 a 184), vol. III, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 188

Seguindo os ensinamentos apontados por Roberto Gonçalves, temos 7 (sete) espécies de coação, como segue:

a)    Coação absoluta ou física e coação relativa ou moral – Já o direito romano distinguia a coação absoluta ou física (vis absoluta), da relativa ou moral (vis compulsiva).

Na coação absoluta inocorre qualquer consentimento ou manifestação da vontade. A vantagem pretendida pelo coator é obtida mediante o emprego de força física. Por exemplo: a colocação da impressão digital do analfabeto no contrato, agrando-se à força o seu braço. Embora, por inexistir nesse caso qualquer manifestação de vontade, os autores em geral considerem nulo o negócio, trata-se na realidade de hipótese de inexistência do negócio jurídico, por ausência do primeiro e principal requisito de existência, que é a declaração da vontade.

O correto enfoque é feito por Moreira Alves, quando comenta as inovações do Projeto de Código Civil, nestes termos: “No que concerne à coação, o Projeto apresenta algumas alterações de relevo, embora, à semelhança do que se verifica no Código em vigor (de 1916), não aluda à coação física absoluta (caso de inexistência do negócio jurídico por ausência de vontade), mas disciplina apenas a vis compulsiva. (A parte geral, cit., p. 113, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 423, 2010, Saraiva – São Paulo).

A coação que constitui vício da vontade e torna anulável o negócio jurídico (CC, art 171, II) é a relativa ou moral. Nesta, deixa-se uma opção ou escolha à vítima; praticar o ato exigido pelo coator ou correr o risco de sofrer as consequências da ameaça por ele feita. Trata-se, portanto, de uma coação psicológica. É o que ocorre, por exemplo, quando o assaltante ameaça a vítima, apontando-lhe a arma e propondo-lhe a alternativa: “a bolsa ou a vida”.

b)    Coação principal e coação acidental - Embora o Código Civil não faça a distinção, a doutrina entende existir coação principal e acidental, como no dolo. Aquela seria a causa determinante do negócio; esta influenciaria apenas as condições da avença, ou seja, sem ela o negócio assim mesmo se realizaria, mas em condições da avença, ou seja, sem ela o negócio assim mesmo se realizaria, mas em condições menos desfavoráveis à vítima.

A coação principal constitui causa de anulação do negócio jurídico; a acidental somente obriga ao ressarcimento do prejuízo. (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 423, 2010 Saraiva – São Paulo).

Art 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial. 1

1.        Hipóteses que não caracterizam coação

A ameaça do exercício normal de um direito e o simples temor reverencial não caracterizam a coação. Para que a ameaça possa caracterizar coação, é necessário que o mal ameaçado seja injusto, sendo evidente que não existe injustiça alguma na ameaça de exercer legitimamente um direito. Além disso, é necessário ainda que o mal ameaçado seja grave, não bastando o simples temor reverencial, conceitualmente entendido como o receio de desgostar alguém a que se deva obediência ou respeito, como o pai, a mãe ou o chefe. Apesar de o simples medo de desagradar alguém por temor reverencial, sozinho, não ser suficiente para caracterizar a coação, é bem verdade, que tais pessoas se encontram em privilegiada posição para exercer pressão sobre aqueles que lhe devem respeito e obediência. Tal circunstância, portanto, não pode ser ignorada pelo juiz al analisar as circunstâncias da coação (CC, art 152). (Direito Civil Comentado apud Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 18.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).

Comentado por Roberto Gonçalves, diz o art 153, segunda parte, do novo estatuto civil, que não se considera coação “o simples temor reverencial”. Assim, não se reveste de gravidade suficiente para anular o ato o receio de desgostar os pais ou outras pessoas a quem se deve obediência e respeito, como os superiores hierárquicos. Não se anula um negócio mediante a simples alegação do empregado, do filho ou do soldado no sentido de que foi realizado para não desgostar, respectivamente, o patrão, o pai ou o coronel, quando estes constituem a contraparte ou apenas recomendaram a celebração da avença com terceiro, malgrado se reconheça a utilidade desse respeito para o relacionamento social. (Direito Civil Comentado – A Parte Geral, Roberto Gonçalves, v. I, p. 425, 2010 Saraiva – São Paulo).

Segundo Silvio Rodrigues, “quem concorda com um ato movido apenas pelo escrúpulo de desgostar parente ou superior hierárquico de certo modo se equipara ao que consente diante de ameaça infantil e irrisória, cujos feitos nenhuma pessoa normal recearia. Por isso também a lei não considera viciado o seu consenso nem permite que se desfaça o ato. (Direito civil, cit., v. 1, p. 206, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 425, 2010, Saraiva – São Paulo).

Todavia, o emprego do vocábulo “simples” no dispositivo legal supra referido evidência que o temor reverencial não vicia o consentimento quando desacompanhado de ameaças ou violências. Assim, no casamento, consideram-se coação, e não simples temor reverencial, as graves ameaças de castigo à filha, para obriga-la a casar. Do mesmo modo, nas relações trabalhistas transforma-se em coação o temor reverencial do empregado quando o patrão adiciona ameaças ao seu comportamento normal.

Em conclusão: o simples temor reverencial não se equipara à coação, mas, se for acompanhado de ameaças ou violências, transforma-se em vício da vontade. E se referidas ameaças provierem de pessoas que, por sua situação, inspirem respeito e obediência (tais como os ascendentes, o marido, os superiores hierárquicos), elas não necessitam de se revestir da mesma gravidade de que se revestiriam se emanassem de outras fontes, porque o temor reverencial é, por si mesmo, uma agravante da ameaça. (A Parte Geral, cit., p. 113, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V. I, p. 426, 2010, Saraiva – São Paulo).