DIREITO CIVIL COMENTADO - Arts. 158, 159, 160 -
Da Fraude Contra Credores - VARGAS, Paulo
S. R.
Livro III – Dos Fatos
Jurídicos (art. 104 a 184)
Título I – Do Negócio
Jurídico – Capítulo IV –
Dos Defeitos do
Negócio Jurídico – Seção VI–
Da Fraude Contra
Credores - vargasdigitador.blogspot.com
Art 158. Os
negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar
o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o
ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos
seus direitos. 1, 2, 3, 4
§ 1º. Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
§ 2º. Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a
anulação deles.
1.
Fraude contra credores
Requisitos gerais. Caracteriza-se a fraude contra credores quando o
devedor maliciosamente pratica atos voltados s desfalcar seu patrimônio,
frustrando a possibilidade de seus credores terem de excutir tais bens para
satisfazer seu crédito. Não havendo nenhuma garantia especial que assegure a
satisfação do crédito em caso de inadimplemento (crédito quirografário), o
patrimônio do devedor será essa única garantia. O mesmo ocorre para os credores
cuja garantia se tornar insuficiente (CC, art 158, § 2º). Isso porque, como é
até mesmo intuitivo, na parte do crédito que não puder ser satisfeita pela
garantia especial, o patrimônio do devedor também será essa única garantia. A
partir do momento em que o patrimônio do devedor torna-se inferior às suas
dívidas (estado de insolvência – CPC/1973, art 748, correspondência no CPC/2015,
art 1.052, que diz: Até a edição de lei específica, as
execuções contra devedor insolvente, em curso ou que venham a ser propostas,
permanecem reguladas pelo Livro II, Título IV, da Lei nº 5.869, de 11 de
janeiro de 1973.),
não há absolutamente nada que assegure aos credores ter seus respectivos
créditos satisfeitos. Quando alguém contrata com uma pessoa que já se encontra
em estado de insolvência, assume conscientemente esse risco de não ter seu
crédito satisfeito em caso de inadimplemento do devedor. Nesse caso, socorro
algum pode ser buscado no Judiciário. Todavia, quando esse estado de
insolvência é posterior à existência do crédito, há evidente prejuízo ao credor
que vê frustrada essa inicial e legítima expectativa de ter seu crédito
garantido pelo patrimônio do devedor. Daí a exigência da anterioridade do
crédito em relação ao estado de insolvência (CC, art 158, § 3º). Tendo tal
prejuízo ao credor sido maliciosamente arquitetado pelo devedor, caracterizada
estará a fraude. Eis, portanto, os requisitos gerais caracterizadores da fraude
contra credores: (a) a existência de um crédito quirografário, (b) a
insolvência do devedor e (c) a anterioridade do crédito em relação ao ato
fraudulento.
2.
Atos onerosos e atos gratuitos
Todo e qualquer ato, em si mesmo
lícito e válido, pode ser deturpado pelas engenhosidades humanas e empregado de
moro torpe para frustrar a satisfação do crédito de terceiros. Acertadamente,
entretanto, preferiu o legislador tratar separadamente os atos gratuitos e os
atos onerosos que podem vir a ser utilizados com essa finalidade fraudulenta. A
doutrina costuma separar os requisitos da fraude contra credores em objetivos (eventos damni), que é justamente a
redução patrimonial do devedor ao estado de insolvência, e subjetivos (consilium fraudis) que é a intenção
comum do devedor e do terceiro que com ele pratica o ato fraudulento com vistas
a prejudicar os credores do devedor insolvente. O artigo 158 cuida dos negócios
de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, presumindo de modo
absoluto a existência desse elemento subjetivo da intenção de fraudar os
credores. Para a caracterização da fraude, bastará a realização de negócio
gratuito pelo devedor que o reduza à
insolvência, pouco importando que o devedor tenha consciência de que com isso
estará lesando o direito de seus credores. Tratamento diverso é dado pelo
legislador aos negócios fraudulentos onerosos, dos quais cuida o artigo 159,
adiante.
3.
Ineficácia ou anulabilidade
O Código Civil explicitamente trata a
fraude contra credores como um vício social do negócio jurídico passível, pois,
de anulação. Essa era também a posição adotada pelo Código Civil anterior, o de
1916 e, já naquela época, tal opção era duramente criticada. Isso porque, na
fraude contra credores o negócio jurídico é indiscutivelmente válido quando
analisado fora de seu contexto fraudulento. É apenas quando analisado sob a
perspectiva do credor lesado que esse vício pode ser percebido. Por essa razão,
a doutrina moderna tem procurado analisar a questão sob o enfoque da responsabilidade patrimonial, segundo o
qual o patrimônio do devedor deve responder pela satisfação de seus credores.
Para a preservação desse escopo, entretanto, não é necessário anular o negócio
jurídico, bastando apenas reconhecer a ineficácia dos atos que importem em
redução da capacidade do patrimônio de responder pelas obrigações do devedor em
relação a seus credores. Segundo os adeptos da teoria da ineficácia dos
negócios jurídicos, o ato praticado pelo devedor insolvente permanece válido,
produzindo regularmente seus efeitos jurídicos de transmissão da propriedade.
Reconhece-se apenas, sua invalidade perante os credores, tolhendo os efeitos
desse ato em relação a eles, de modo a fazer com que esse bem alienado em
prejuízo da higidez de seu patrimônio não produza efeitos em relação a esses
credores. Inspirados em tais considerações, gradativamente a doutrina parece
caminhar no sentido de reconhecer a ineficácia do ato, e não sua anulabilidade
(Cândido Rangel Dinamarco, Humberto Theodoro Júnior). No mesmo sentido tem sido
a posição adotada pela jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de
Justiça: “A fraude contra credores,
proclamada em ação pauliana, não acarreta a anulação do ato de alienação, mas,
sim, a invalidade com relação ao credor vencedor da ação pauliana, e nos
limites do débito de devedor para com este” (STJ, REsp n. 971.884-PR, Rel.
Min. Sidnei Beneti, j. 22.03.11). No mesmo sentido: “Dessa forma, tendo restado caracterizado nas instâncias ordinárias o
conluio fraudatório e o prejuízo com a prática do ato – ao contrário do que
querem fazer crer os recorrentes – e mais, tendo sido comprovado que os atos
fraudulentos foram predeterminados para lesarem futuros credores, tenho que se
deve reconhecer a fraude contra credores e declarar a ineficácia dos negócios
jurídicos” (STJ, REsp n. 1.092.134-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j.
5.8.10). Ainda assim, contudo, parte da doutrina insiste em defender a opção
legislativa que explicitamente atribuiu à fraude contra credores a consequência
da anulabilidade (Nelson Nery Júnior e rosa Maria de Andrade Nery).
4.
Ação pauliana
É
a ação pauliana a via adequada para alegar a fraude contra credores, não os
embargos de terceiro. Nesse sentido: “Em
embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores” (STJ,
Súmula 195). Além disso, pendente ação de execução, não se cogitará mais de
fraude contra credores, e sim de fraude à execução (CPC/1973, art 593,
correspondência no CPC/2015, art 792. (Direito
Civil Comentado apud Luís Paulo
Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina. Material coletado no site Direito.com em 20.01.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações (VD)).
Art 159. Serão
igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a
insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro
contratante. 1
1.
Negócios jurídicos onerosos
fraudulentos
Na
prática, é a situação mais comum com que se deparam os tribunais ao analisar as
situações de fraude contra credores. Diferentemente do que ocorre com os
negócio s jurídicos gratuitos, cuja intenção de fraudar os credores é
absolutamente presumida, nos negócios onerosos diz o legislador que a
caracterização do consilium fraudis
depende da notoriedade da insolvência do devedor ou que o outro contratante
devesse conhecer esse estado de insolvência. É o que ocorre, por exemplo,
quando o alienante tenha diversos títulos protestados em seu nome, exista
relação de parentesco entre os contratantes, existir diversas ações judiciais
contra o alienante etc. Como perfeitamente pontuado por Sílvio Rodrigues, “a
notoriedade e a ciência da insolvência do outro contratante dependem,
exclusivamente, do caso concreto, podendo, no entanto ser traçadas balizas para
essa prova, mas nunca de forma inflexível. Importa lembrar, também faz Jorge
americano (1932, p. 56), que a alienação é o meio de converter os bens imóveis
ou móveis de difícil ocultação, em moeda corrente, facilmente ocultável. Mas,
outras vezes, é o meio procurado pelo devedor para obter fundos com que manter
o seu crédito e desembaraçar-se da má situação que considera passageira”. (1)
(Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina.
Material coletado no site Direito.com
em 20.01.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações (VD)).
(1)
Silvio de Salvo Venosa, Código Civil Interpretado, São Paulo,
Atlas, 2010, p. 176.
Nas palavras de Roberto Gonçalves, temos que o Código Civil coloca no rol
dos defeitos do negócio jurídico a fraude contra credores, não como vício do
consentimento, mas como vício social. A simulação, que assim também é
considerada e figurava ao lado da fraude contra credores no Código de 1916, foi
deslocada para o capítulo da invalidade dos negócios jurídicos, como causa de
nulidade absoluta.
A fraude contra credores ao conduz a um descompasso entre o íntimo querer
do agente e a sua declaração. A vontade manifestada corresponde exatamente ao
seu desejo. Mas é exteriorizada com a intenção de prejudicar terceiros, ou
seja, os credores. Por essa razão é considerada vício social.
A regulamentação jurídica desse instituto assenta-se no princípio do direito das obrigações
segundo o qual o patrimônio do devedor responde por suas obrigações. Segundo
Francisco Amaral, a “fraude contra credor é pertinente à matéria das obrigações
na parte referente às medidas conservatórias do patrimônio do devedor, com
garantia do pagamento de suas dívidas” (Direito
civil, cit., p. 501, nota 48, apud Direito Civil Comentado – Parte Geral,
Roberto Gonçalves, V. I, p. 448, 2010, Saraiva – São Paulo), é o princípio da responsabilidade patrimonial, previsto no art 957 do
CC/2002, nesses temos: “Não havendo
título legal à preferência, terão os credores igual direito sobre os bens do
devedor comum”.
O patrimônio do devedor constitui a garantia geral dos credores. Se ele o
desfalca maliciosa e substancialmente, a ponto de não garantir mais o pagamento
de todas as dívidas, tornando-se assim insolvente, com o seu passivo superando
o ativo, configura-se a fraude contra credores. Esta só se caracteriza, porém,
se o devedor já for insolvente, ou tornar-se insolvente em razão do desfalque
patrimonial promovido. Se for solvente, ou tronar-se insolvente em razão do
desfalque patrimonial promovido. Se for solvente, i.é, se o seu patrimônio
bastar, com sobra, para o pagamento de suas dívidas, ampla é a sua liberdade de
dispor de seus bens.
Fraude contra credores é, portanto, todo ato suscetível de diminuir ou onerar seu patrimônio,
reduzindo ou eliminando a garantia que este representa para pagamento de suas
dívidas, praticado por devedor insolvente, ou por ele reduzido à insolvência.
Como conclui Marcos Bernardes de Mello, que conceitua fraude contra credores
como “todo o ato de disposição e oneração
de bens, créditos e direitos, a título gratuito ou oneroso, praticado por
devedor insolvente, ou por ele tornado insolvente, que acarrete redução de seu
patrimônio, em prejuízo de credor preexistente (Teoria, cit., p. 163, apud Direito Civil
Comentado – Parte Geral, Roberto Gonçalves, V.
I, p. 449, 2010, pdf, Saraiva – São
Paulo).
Tendo em conta que o patrimônio do
devedor responde por suas dívidas, pode-se concluir que, desfalcando-o a ponto
de ser suplantado por seu passivo, o devedor insolvente, de certo modo, está
dispondo de valores que não mais lhe pertencem, pois tais valores se encontram
vinculados ao resgate de seus débitos. Daí permitir o Código Civil que os
credores possam desfazer os atos fraudulentos praticados pelo devedor, em
detrimento de seus interesses. (Sílvio Rodrigues, Direito civil, cit.,
v. 1, p. 229, apud,
Roberto Gonçalves,
Direito civil comentado, 2010 – p. 449 - pdf – parte geral).
Art 160. Se
o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este
for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a
citação de todos os interessados. 1
Parágrafo único. Se
inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que
lhes corresponda ao valor real.
1.
Convalidação do negócio jurídico
oneroso fraudulento
Requisito
indispensável para a caracterização da fraude contra credores é que o negócio
jurídico leve o devedor ao estado de insolvência. Sem que haja essa redução
patrimonial, não haverá fraude contra credores. Além disso, é usual que o
devedor movido pela intenção de fraudar seus credores queira se desfazer de seu
patrimônio imóvel, difícil de ser ocultado convertendo-o em dinheiro, muito
mais difícil de ser encontrado pelos credores. Ciente desses dois aspectos mais
comuns da fraude contra credores, o legislador acertadamente buscou proteger o
adquirente dos bens do devedor, facultando-lhe preservar a eficácia irrestrita
dessa aquisição quando ainda ano tiver pago o respectivo preço. Para tanto,
deverá o adquirente depositar o preço justo do bem em juízo, citando todos os
interessados. Note-se que para preservar a eficácia do negócio é necessário que
o adquirente deposite o preço justo em juízo. Daí o porquê de o parágrafo único
do artigo 160 expressamente afirmar que se o preço avençado for inferior ao
valor real do bem, deverá o adquirente complementá-lo até que se chegue ao seu
justo valor. Evitando-se, com isso, a ocultação do dinheiro e a diminuição do
patrimônio do devedor, razão alguma há para que se reconheça a ineficácia dos
negócios jurídicos. (Direito Civil Comentado, Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalina.
Material coletado no site Direito.com
em 21.01.2019, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações (VD)).
O estado de insolvência, segundo Clóvis Beviláqua, é objetivo –
existe, ou não, independentemente do conhecimento, ou não, do insolvente. .Tendo de optar
entre o direito dos credores, que procuram evitar um prejuízo, qui certant de damno vitando, e dos
donatários (em geral, filhos ou parentes próximos do doador insolvente) que
procuram assegurar um lucro, qui certant
de lucro captando, o legislador desta vez preferiu proteger os primeiros, que
buscam evitar um prejuízo.
Atos de transmissão
gratuita de bens são de diversas espécies: doações; renúncia de herança;
atribuições gratuitas de direitos reais e de retenção; renúncia de usufruto; o
que não é correspectivo nas doações remuneratórias, nas transações e nos
reconhecimento de dívidas; aval de favor; promessa de doação; deixa
testamentária e qualquer direito já adquirido que, por esse fato, vá beneficiar
determinada pessoa.
O Código Civil menciona
expressamente a remissão ou perdão de dívida como liberalidade que
também reduz o patrimônio do devedor, sujeita à mesma consequência dos demais
atos de transmissão: a anulabilidade. Os créditos ou dívidas ativas que o devedor tem a receber de
terceiros constituem parte de seu patrimônio. Se ele os perdoa, esse
patrimônio, que é garantia dos credores, se reduz proporcionalmente. Por essa
razão, seus credores têm legítimo interesse em invalidar a liberalidade, para
que os créditos perdoados se reincorporem no ativo do devedor. (Clóvis
Beviláqua, Código, cit., p. 288;
Pontes de Miranda, Tratado, cit., 1.
4, § 494, p. 460, apud, Roberto
Gonçalves, Direito civil comentado, 2010
– p. 453 - pdf – parte geral).
V.
a jurisprudência: Ação pauliana. Doação de um único
imóvel remanescente a descendente com reserva de usufruto. Solvabilidade não
demonstrada pelo devedor. Consciência de que tal ato acarretaria prejuízo ao
credor. Ação procedente” (RT. 698/180).
“Fraude contra credores. Doação aos filhos menores com reserva de usufruto e
administração. Assim agindo, os apelantes-réus deixaram patenteado o próprio
estado de insolvência, já que, dos bens que lhes restaram, um constitui-se em
moradia da família e não poderá ser objeto de constrição judicial, e outro,
adquirido posteriormente, foi alienado” (JTJ,
Lex, 185/9).