sexta-feira, 12 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.565, 1.566, 1.567 Da Eficácia do Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.565, 1.566, 1.567

Da Eficácia do Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

 -  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Título I – Do Direito Pessoal – Subtítulo I – Do casamento –

Capítulo IX – Da Eficácia do Casamento – (Art. 1.565 a 1.570) - 

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 Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

§ Iº Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.

§ 2° O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. 

Direito anterior: art. 240 do Código Civil de 1916; art. 54 do Dec. 181/1890. Referências normativas: Igualdade jurídica dos cônjuges: art. 226, § 5º da Constituição familiar; art. 226, § 7º da Constituição e Lei 9.263/06; princípio da subsidiariedade: CC 1.513.

No lecionar de Milton Paulo de Carvalho Filho, do casamento advêm importantes consequências (ou efeitos). A primeira delas é a constituição da família legítima, base da sociedade, assim reconhecida constitucionalmente (art. 226, caput, da CF). O segundo efeito consiste na mútua assunção, pelo casal, da condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. Como já salientado em comentário ao CC 1.511, a relação matrimonial impõe a mútua convivência, a reciprocidade de interesses na organização da vida e na obrigação de atitudes ou condutas individuais, e, por fim, uma gama de direitos e deveres iguais, que irão disciplinar a vida em comum. “A comunhão de vida é a nota fulcral que marca o casamento. Sem esta, desaparecem seu sentido e sua finalidade. O enlace envolve a comunhão de afetos e dos demais componentes de uma vida em comum, como a ajuda mútua, a dedicação recíproca e a colaboração pessoal, doméstica e econômica. Mas o elo espiritual que une os cônjuges é que torna realidade a comunhão material” (Rizzardo, Arnaldo. Direito de família. Rio de Janeiro, Forense, 2004). A adoção do nome de família por qualquer dos cônjuges, autorizada pela lei (§ Iº), é exemplo da comunhão de vida exigida pelo casamento. Decorre do princípio constitucional da igualdade entre as pessoas casadas (art. 226, § 5º, c/c o art. 5º, caput e inciso I, da CF).

Outro exemplo é o planejamento familiar, em que predomina a autonomia do casal, decorrente da comunhão existente entre os cônjuges. Competirá exclusivamente aos cônjuges decidir se vão ter filhos e quantos. Ao Estado competirá apenas propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas (§ 2º). Essa regra também tem natureza constitucional (art. 226, § 7º, da CF), estando fundada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Este § 2º também se aplica aos casais que vivem em união estável, por força do disposto no art. 226, caput, §§ 3º e 7º, da Constituição Federal, e não revogou o disposto na Lei n. 9.263/96 (que regula o § 7º do art. 226 da CF, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências). 

O terceiro efeito é a imposição de deveres aos cônjuges, a partir da celebração, que serão objeto de comentários ao artigo seguinte (CC 1.566). O quarto e último efeito é a imediata vigência do regime de bens, a cujos comentários feitos ao art. 1.639, §§ Iº e 2º, remete-se o leitor. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.683-84.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Antecedendo a Doutrina de Ricardo Fiuza, há um histórico que, como se vê,  este artigo não foi objeto de emenda em sua primeira passagem pela Câmara dos Deputados. Durante a tramitação no Senado, o Relator Josaphat Marinho acrescentou o § 2º ao dispositivo em tela, mantendo a redação do caput e do § 12 do texto original, que atribuía somente à mulher o direito de adotar o patronímico do outro cônjuge. Retomando o projeto a Câmara, emenda apresentada pelo Deputado Ricardo Fiuza alterou a redação do § lº a fim de facultar também ao marido a adoção do sobrenome da mulher.

As alterações objetivaram seguir o princípio constitucional do direito ao planejamento familiar no corpo do Código, a despeito de já encontrar-se expresso no texto constitucional, e consagrar em todos os dispositivos a plena e absoluta igualdade entre os cônjuges, prevista art. 226, 5º da constituição Federal. A manutenção da família deve ser realizada por ambos os cônjuges, na proporção da capacidade e dos rendimentos do trabalho e dos bens de cada um deles. 

No regime anterior, era dever do marido, como chefe da sociedade conjugal. prover a manutenção da família, cabendo à mulher contribuir somente no regime da separação absoluta de bens (Código Civil de 1916, art. 233, inciso IV, e art. 277). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 790, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Tem-se, das observações feitas por Marco Túlio de Carvalho Rocha: 1. Da eficácia do casamento, que o presente capítulo do Código Civil (CC 1565), cuida da “eficácia do casamento”. O Código Civil de 1916 tratava dos “efeitos jurídicos do casamento” em título que incluía os direitos e deveres dos cônjuges e as disposições sobre regimes de bens (arts. 229 a 314). 

Com a infeliz técnica dotada pelo Código Civil de 2002, os efeitos do casamento foram separados em dois grupos de artigos: nos CC 1.565 a 1.570 os direitos de caráter pessoal; nos CC 1.639 a 1.688, os direitos de ordem patrimonial ou regimes de bens. 

As normas relativas aos efeitos do casamento acentuam que ele possui a natureza de ato jurídico em sentido estrito, a que se refere o CC 185: A liberdade existe quanto à celebração ou não do ato; os efeitos decorrem da lei. Dizer que o casamento é um contrato, remanesce à tradição romana e a uma época em que negócios e atos jurídicos em sentido estrito não eram diferenciados, mas não corresponde, rigorosamente, à técnica adotada pelo legislador brasileiro no rasto da pandectista (Trata-se de uma Ciência Jurídica contemporânea fundamentada por juristas da Escola Germânica que basearam seus estudos no "Direito Romano Atual", por Luiz Coelho (SP) em 23/10/2017- Fonte: dicionarioinformal.com.br/). Considerando-se a ampla liberdade que a lei estabelece para a pactuação do regime de bens, tem-se que a regulação deste é negocial, i.é, um negócio jurídico que é parte de um vínculo que tem a natureza de ato jurídico lícito.

2. Efeitos pessoais do casamento. O artigo concretiza o efeito mais importante do casamento, de natureza principiológica: o estabelecimento da comunhão de vida entre os cônjuges, da qual decorrem direitos de natureza pessoal e patrimonial (CC 1.511). A comunhão de vida atribui aos cônjuges a natureza de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. Com tais termos a legislação denota o sentido especial do casamento que o distinguem de outras associações que não possuem o mesmo sentido. 

3. Acréscimo de sobrenome do cônjuge. Por tradição, ao se casar a mulher acrescia ao seu nome o sobrenome do marido. A doutrina justificava a tradição a partir do princípio da unidade da família: a uniformização do sobrenome serviria à exteriorização dessa unidade. Com a emancipação da mulher, a justificativa perdeu força e o instituto assumiu conotação opressora. O Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/1962) transformou esse dever jurídico numa faculdade da mulher: ela poderia optar ou não por acrescer o sobrenome do marido.

A Constituição de 1988 impôs a igualdade jurídica dos cônjuges (art. 226, § 5º). O princípio fundamental permitiu que também o marido pudesse acrescentar aos seus o sobrenome da mulher. O Código Civil, ao regular a matéria no parágrafo primeiro do CC 1.565 afastou qualquer dúvida quanto a poder o marido acrescer ao seu nome o sobrenome da mulher.

Como a mudança do sobrenome liga-se à exteriorização dos vínculos de família, o entendimento mais corrente é no sentido de que somente um dos cônjuges pode assumir o sobrenome do outro não sendo possível a cessão mútua.

Do mesmo modo, embora a prática cartorária muitas vezes não observe estritamente os dizeres da lei, esta não admite a supressão de sobrenomes. O verbo “acrescer” não deixa dúvidas quanto a isso.

Registro civil. Habilitação de casamento. Possibilidade de adoção dos apelidos de família do marido e não de supressão. 1. Ao casar, o cônjuge pode acrescer aos seus os apelidos de família do outro cônjuge, inexistindo autorização legal para a supressão de apelidos de família, que são, aliás, imutáveis, inteligência do CC 1.565, § 1º, CCB e arts. 56 a 58 da LRP. 2. O sistema registral é de inclusão e não de exclusão e está submetido ao princípio da legalidade, sendo que a liberdade individual encontra limite nas disposições de ordem pública. 3. A possibilidade de alteração de nome do casamento constitui exceção dentro da regra geral de imutabilidade e sendo exceção, deve ser interpretada restritivamente. Recurso provido, por maioria (TJRS, AC 70008914483, 7ª Câmara Cível. Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, DOERS 14.09.2004, RBDFam 27/132).

Quanto à oportunidade para o exercício do referido direito, embora o costume seja o de realizar a alteração na oportunidade da celebração do casamento, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de permiti-la em momento posterior (REsp 910094/SC).

4. Direito ao planejamento familiar. O CC 1.513 estabelece o princípio da subsidiariedade, que veda a intervenção de qualquer pessoa estranha à família nos assuntos dela. É uma concretização do princípio estabelecido no art. 226, § 7º, da Constituição, que estabelece o direito fundamental do casal ao planejamento familiar. A norma foi reproduzida parcialmente no parágrafo 2º do CC 1.565. 

Por consequência, a ordem jurídica brasileira, proíbe, por exemplo, que o Estado estabeleça limite ao número de filhos que cada casal possa ter. do citado dispositivo constitucional extrai-se, igualmente, a autorização para que o casal possa se valer das mais diversas técnicas de reprodução assistida, uma vez que ele menciona o dever de o estado disponibilizar os meios científicos necessários à realização do plano familiar elaborado pelo casal. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.565, acessado em 12.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: 

I - fidelidade recíproca; 

II - vida em comum, no domicílio conjugal;

III - mútua assistência;

IV - sustento, guarda e educação dos filhos;

V - respeito e consideração mútuos.

No dizer de Milton Paulo de Carvalho Filho, este artigo estabelece os deveres comuns e recíprocos dos cônjuges, que nascem com o casamento destes. O rol legal não é taxativo. O legislador limitou-se a enumerar os deveres principais, que, descumpridos, poderão gerar a dissolução da sociedade conjugal. De outra parte, o cumprimento de tais deveres gera a estabilidade conjugal, que ainda deverá contar com o amor entre os cônjuges, a confiança, a tolerância, a abnegação, a colaboração, entre outros.

O primeiro dever, previsto no inciso I do presente artigo, é o da fidelidade recíproca. Decorre da organização monogâmica da família. Implica lealdade dos cônjuges, sob os aspectos físico e moral, quanto à manutenção de relações que visam à satisfação de seus instintos sexuais. A infração a esse dever configura adultério, motivo de impossibilidade de manutenção da vida em comum. A infidelidade virtual, o quase-adultério e o adultério científico são objeto de comentário ao inciso I do CC 1.573, a seguir.

O segundo dever, previsto no inciso II deste artigo, é o da vida em comum, no domicílio conjugal. Esse dever tem sentido mais amplo que o simples dever de coabitação - convivência sob o mesmo teto pois envolve a plena comunhão de vida, na qual se compreende a satisfação sexual (debitum conjugale), a assistência mútua, a convivência de esforços, trabalhos, desejos e realizações. As ausências temporárias em razão do exercício da profissão ou impostas por outras necessidades, tais como a assistência a filhos ou pais residentes em outra cidade, não configuram violação do dever de coabitação (v. comentário ao CC 1.569). Até mesmo a moradia em casas diferentes, havendo motivo que o justifique, não descaracteriza, necessariamente, o dever de vida em comum entre os cônjuges. O abandono injurioso (voluntário, injustificado, com ânimo de não regressar) é causa de separação litigiosa.

O inciso III traz a mútua assistência como dever a ser observado reciprocamente pelos cônjuges. A mútua assistência consiste no dever de amparo material (auxílio econômico) e moral (proteção aos direitos da personalidade do cônjuge: vida, integridade física e psíquica, honra e liberdade). O dever de mútua ajuda é, na verdade, um dever de conteúdo ético, fundado na solidariedade.

O quarto dever dos cônjuges é o sustento, a guarda e a educação dos filhos (inciso IV). Esse dever é inerente à autoridade parental e constitui encargo jurídico e moral dos cônjuges. Visa à estruturação da personalidade dos filhos.

Por fim, é dever dos cônjuges o respeito e consideração mútuos (inciso V). Para Carlos Roberto Gonçalves, o respeito e a consideração mútuos constituem corolário do princípio esculpido no CC 1.511 deste Código, segundo o qual o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Tem relação com o aspecto espiritual do casamento e com o companheirismo que nele deve existir. Demonstra a intenção do legislador de torná-lo mais humano (Direito de família. São Paulo, Saraiva, 2002, v. II). Configuram violação a esse dever a tentativa de morte, a sevícia, a injúria grave, a conduta desonrosa, a ofensa à liberdade profissional, religiosa e social do cônjuge, dentre outros atos que importem em desrespeito aos direitos da personalidade do cônjuge (SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Novo Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2002). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.686-87.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em seu histórico o presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de ,tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto, cujo Livro IV, referente ao direito de família, ficou a cargo do eminente jurista Clóvis do Couto e Silva. 

Em sua Doutrina explana Ricardo Fiuza dever de fidelidade pode ser conceituado como a lealdade sobre o aspecto físico e moral, de um dos cônjuges para com o outro e a manutenção monogâmica de relações que visem satisfazer o instinto sexual dentro da sociedade conjugal. Desse modo seu descumprimento dá-se pela prática de ato sexual com terceira pessoa e também de outros atos que, embora não cheguem à conjunção carnal, demonstram o propósito de satisfação do instinto sexual fora da sociedade conjugal (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 71).

• A vida em comum no domicílio conjugal, além da convivência sob o mesmo teto, tem o significado de contato físico entre os cônjuges, de modo que seu descumprimento não deriva apenas do abandono voluntário e injustificado do lar, mas decorre, também, da recusa quanto à manutenção de relacionamento sexual com o consorte (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, cit., p. 72 e 73).

• A mútua assistência tem duplo conteúdo: material e imaterial. No aspecto material, traduz-se no auxilio econômico necessário à subsistência dos cônjuges. No aspecto imaterial consubstancia-se na proteção aos direitos da personalidade do cônjuge, dentre os quais se destacam a vida, a integridade física e psíquica, a honra e a liberdade. Desse modo, configuram descumprimento quanto a esse dever a recusa ao fornecimento de meios materiais à subsistência do consorte e também, por exemplo, a ausência de proteção ao cônjuge doente ou idoso, a falta de consolo quando do falecimento de um ente querido do consorte, a ausência de defesa em suas adversidades com terceiros (v. Regina Beatriz Tavares da Silva. Dever de assistência imaterial entre cônjuges. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 104-10, e Reparação civil na separação e no divórcio, cit., p. 74 e 75).

• O sustento, guarda e educação dos filhos é dever inerente à autoridade parental, sejam os filhos oriundos ou não do casamento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 790, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Direito anterior: art. 231 do Código Civil de 1916. Referencias normativas: Regras sobre os deveres conjugais: CC 1.567 a 1.570; causas de separação judicial litigiosa CC 1.572; possibilidade de divórcio direto e de pedido unilateral sem alegação de culpa: art. 226, § 6º, da Constituição, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n. 66/2010; direito dos filhos em relação aos pais: art. 229 da Constituição; deveres dos pais em relação aos filhos menores: CC 1.634 e art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90).

Como destaca em seus comentários o Doutor e Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha: 1. Significado da positivação dos deveres matrimoniais. O Código Civil brasileiro seguiu o Código Civil francês na enumeração dos deveres matrimoniais (arts. 203, 212, 213 e 214). São efeitos que decorrem da lei, uma vez que o casamento seja validamente contraído, o que acentua que o casamento pertence ao gênero dos atos jurídicos em sentido estrito a que alude o artigo 185 do Código Civil brasileiro.

Na tradição jurídica, o principal efeito do estabelecimento de deveres conjugais era o de permitir o pedido de separação judicial litigiosa pelo cônjuge que fosse vítima daquele que os descumprisse, conforme ainda dispõe o CC 1.572.

Possibilitado o divórcio direto por qualquer dos cônjuges pela Emenda Constitucional n. 66/2010, que alterou o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição, a relevância jurídica desse rol de deveres restou reduzida. Servem, na atualidade, para explicitar o conteúdo mínimo e o significado jurídico da vida conjugal.

Servem, igualmente, ao estabelecimento de responsabilidade civil quando a transgressão perpetrada por um dos cônjuges ocorra de forma especialmente grave e lesiva à vítima o que se mede pelo grau incomum do sofrimento causado. Em tais casos extremos é possível à vítima reclamar indenização por danos morais.

2. Fidelidade recíproca. O dever de fidelidade dos cônjuges inclui a exclusividade na prática das relações sexuais e todo comportamento em que seja exigível o compartilhamento de propósitos próprio da comunhão de vida, que é o princípio central do casamento. Assim, por exemplo, viola o dever de fidelidade a mulher que entrega segredos comerciais do marido a um concorrente deste com o propósito de prejudica-lo ou o marido que oculta da mulher a dilapidação dos bens do casal.

3. vida em comum no domicílio conjugal. É dever dos cônjuges a vida em comum no mesmo domicílio. Sabiamente, o legislador evitou o termo tradicional “coabitação” que conduz à infindável polêmica quanto a seu significado, uma vez que na tradição canônica a palavra é um eufemismo empregado para indicar relações sexuais.

A Súmula n. 382 do Supremo Tribunal Federal dispensou a coabitação para efeito de caracterização do concubinato. O casamento, como relação formal, não depende da presença dela para ser caracterizado e, por isso, a vida em comum no domicílio conjugal foi estabelecida como um dever, não como um elemento característico da relação. Vale dizer: a ausência de vida em comum num mesmo domicílio pode representar o descumprimento de dever conjugal, mas não a inexistência ou a extinção de casamento.

O CC 1.569 estabelece que o domicílio conjugal seja escolhido por ambos os cônjuges e que a ausência em razão de encargos públicos, exercício de profissão ou interesses particulares relevantes não significa o descumprimento do referido dever. Em caso de divergência, o parágrafo único do CC 1.567 autoriza aquele que se sentir prejudicado o recurso ao juiz para dirimir o conflito e apontar a solução que melhor atenda aos interesses dos cônjuges e de sua prole.

A ausência de vida em comum num mesmo domicílio pode caracterizar a separação de fato do casal que, denota a extinção da comunhão de vida e acarreta a cessação dos efeitos do regime de bens, conforme entendimento consagrado na doutrina e na jurisprudência (cf. comentários aos CC 1.572, 1.639 e 1.671).

4. dever de mútua assistência. A mútua assistência engloba aspectos morais, espirituais, materiais e econômicos. É dever de solidariedade. No tocante à manutenção do lar, o CC 1.568 estabelece que os cônjuges participem nas despesas da família na proporção de seus rendimentos do trabalho.

5. Sustento, guarda e educação dos filhos. O artigo 229 da Constituição da República estabelece o dever de os pais assistirem, criarem e educarem os filhos menores. Sendo uma concretização do princípio da solidariedade às relações entre pais e filhos, a norma se completa ao atribuir aos filhos maiores o dever de amparar os pais em razão de velhice, carência ou enfermidade.

Como se vê, a Constituição, consentânea com o princípio da igualdade dos filhos (art. 227, § 6º), confere direitos aos filhos e aos pais, reciprocamente, sem qualquer diferenciação quanto à relação havida entre o pai e a mãe. I.é, sejam os pais casados entre si ou com terceiros, conviventes em união estável, solteiros, divorciados ou mesmo que entre eles não tenha havido qualquer vínculo familiar, têm os mesmos deveres e direitos em relação aos filhos.

A norma constitucional é completada pelo artigo 22 do Estatuto da Criança e do adolescente e pelo CC 1.634 que incumbem a ambos os pais o dever de sustente, guarda e educação dos filhos menores, o direito de tê-los em sua companhia, o de representação nos atos da vida civil, entre outros. Do mesmo modo, como a Constituição, os referidos dispositivos legais evidenciam que os direitos e deveres entre pais e filhos independem do tipo de relacionamento existente entre os pais.

Em suma, os deveres de sustente,, guarda e educação dos filhos, não derivam do casamento, mas da filiação e do poder familiar. Sua inclusão no rol dos deveres matrimoniais somente se justificava pela tradição e para permitir que seu descumprimento fosse invocado como causa da separação, numa época em que prevalecia o princípio da culpa na separação judicial. 

Como tais deveres não decorrem do casamento, mas da filiação, um cônjuge não os tem em relação a seu enteado menor (o filho menor de seu cônjuge ou companheiro que não seja seu próprio filho). O único direito que a lei lhe atribui em relação ao padrasto ou à madrasta é o de adoção de seu sobrenome, se este concordar. Quanto aos demais direitos de família, há ainda uma notável indiferença legislativa ao enteado. 

6. Respeito e consideração mútuos. Os deveres de respeito e consideração são consequência necessária da comunhão de vida. Devem ser mútuos, pois o casamento é presidido pelo princípio da igualdade. O respeito e a consideração envolvem uma imensa gama de comportamentos: a abstenção de atos que possam ofender despropositadamente a honra objetiva e subjetiva do cônjuge; a cumprimento positivo de tudo o que razoavelmente seja devida. Assim, desrespeita e falta com a consideração o cônjuge que ofenda o outro, publicamente e sem motivo justificável. Tais deveres visam à proteção da esfera moral dos cônjuges, razão pela qual sua violação pode acarretar o dever de indenizar, uma vez que ultrapasse o limite da razoabilidade própria das falhas humanas aceitáveis. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.566, acessado em 12.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. 

Parágrafo único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses.

Na toada de Milton Paulo de Carvalho Filho, o legislador pôs fim à disposição do Código Civil de 1916 que estabelecia ser o marido o chefe da sociedade conjugal. Por força do princípio constitucional da igualdade entre os cônjuges (art. 226, § 5º, da CF), a sociedade conjugal passou a ser dirigida por ambos os cônjuges. Assim, a representação da família, a administração dos bens comuns e particulares dos cônjuges, o direito de fixar o domicílio da família e o dever de prover à manutenção da família passaram a ser exercidos pelo marido e pela mulher, em colaboração (cogestão), não em conjunto - necessidade de prática conjunta -, já que existem atos de direção que dispensam a participação dos dois cônjuges.

As únicas exceções à disposição legal contida neste artigo, que atribuem a apenas um dos cônjuges a chefia plena da sociedade conjugal, estão enumeradas no CC 1.570 (v. comentário a seguir). O parágrafo único do artigo estabelece a possibilidade de intervenção judicial quando os cônjuges divergirem sobre assuntos relativos à gestão da sociedade familiar. O juiz decidirá tendo em consideração os interesses do casal e dos filhos. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.689  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o  histórico, na versão original do projeto, este artigo tinha a seguinte redação: “A direção da sociedade conjugal cabe ao marido que a exercerá, com a colaboração da mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Parágrafo único. As questões essenciais serão decididas em comum. Havendo divergência, prevalecerá a vontade do marido, ressalvada à mulher a faculdade de recorrer ao juiz, desde que não se trate de matéria personalíssima”. No período inicial de tramitação na Câmara, foi apresentada emenda alterando a redação do artigo, que passou a estabelecer: “A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Parágrafo único . Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, desde que as questões sejam essenciais, e não se trate de matéria personalíssima”. Durante a passagem do projeto pelo Senado, o Relator Geral, Senador Josaphat Marinho, propôs a supressão do parágrafo único do artigo em análise por entendê-lo desnecessário. Retornando o projeto à Câmara, optou o Relator Ricardo Fiuza por manter o parágrafo único, com nova redação, porque toma indene de dúvida a possibilidade de intervenção judicial para solução da divergência conjugal.

Desta forma, a doutrina do Relator Ricardo Fiuza resolveu:

• No que se refere à administração dos bens comuns do casal, finalmente a lei ordinária elimina a ideia da chefia marital da sociedade conjugal, em obediência ao princípio constitucional da absoluta igualdade entre cônjuges (CF, art. 226, § 52). No regime do Código Civil de 1916, o marido, como chefe da sociedade conjugal (art. 233, caput), tinha o poder de administrar os bens comuns (art. 233, inciso II), com reflexos aos bens particulares da mulher (art. 274). De acordo com o artigo cabem a ambos os cônjuges terem essa chefia e o poder de administração dos bens comuns, e devem exercê-lo em colaboração. O Relator do projeto adotou nossa sugestão quanto à utilização da expressão “em colaboração” e não “em conjunto”. Essa sugestão foi feita porque há atos que podem ser praticados unilateralmente pelos cônjuges, sem a necessidade de prática conjunta, como a alienação de bens móveis, os atos de mera administração de bens móveis e imóveis do casal, como a celebração de contrato de locação, dentre outros. Obrigar o casal a praticar todos os atos de direção da sociedade conjugal em conjunto engessaria as atividades mais comuns das pessoas casadas. Se a prática conjunta viesse a ser exigida, até mesmo o mero saque em conta bancária, por meio de simples emissão de cheque, exigiria a outorga conjugal. 

• O parágrafo único é norma relevante porque elimina qualquer dúvida sobre a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário para solucionar a contenda conjugal, embora vigore o princípio geral de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Lembre-se, a propósito, que artigo anterior dispõe que “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida constituída pelo matrimônio”; então, se suprimido o dispositivo em tela, poderia surgir a interpretação de que o Poder Judiciário não poderia solucionar conflitos na esfera da direção da sociedade conjugal. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 790-91, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Na introdução de Marco Túlio de Carvalho Rocha, do direito anterior: art. 233, caput do Código civil de 1916; art. 56 do Decreto n. 181/1890. Referências normativas: art. 226, § 5º, da Constituição; parágrafo único do CC 1.631; escolha do domicílio conjugal: CC 1.569; impedimento ou interdição de um dos cônjuges: CC 1.570. 

Ao tempo em que elaborado o anteprojeto do Código Civil, esta regra tinha conteúdo revolucionário por introduzir a igualdade dos cônjuges na regulação da família matrimonial.

Este princípio foi positivado pelo § 5º do art. 226 da Constituição da República e, portanto, sua regulamentação legal veio a ser mera repetição do que a Constituição já determinara com eficácia ampla e imediata.

A autoridade marital, existente até então, era justificada pela doutrina como necessária para se evitar litígios entre os cônjuges. Ao cônjuge descontente cabe recurso à justiça, o que demonstra quão fraco é o princípio da subsidiariedade no Direito da Família brasileiro. 

O Código Civil espanhol, sintético e preciso, determina que o marido e a mulher devem respeitar-se e ajudar-se mutuamente e atuar no interesse da família (art. 67). O português estabelece que a direção da família pertence a ambos os cônjuges, que devem acordar sobre a orientação da vida em comum (art. 1.671, n. 2). O italiano aborda implicitamente a regulamentação da chefia: estabelece que o marido e a mulher adquirem com o matrimonio os mesmos direitos e assumem os mesmos deveres (art. 143) e prevê a intervenção do juiz para o caso de desacordo (art. 145). No direito francês, os cônjuges asseguram juntos a direção moral e material da família (art. 213). O direito argentino não contém mais qualquer previsão a respeito da chefia da família. 

Na Alemanha, o § 1.534 do BGB, que atribuía a chefia da família ao marido, foi revogado pela Lei de 18 de junho de 1957. A doutrina e a jurisprudência deduziram que toda decisão necessária à vida da família deveria resultar do comum acordo dos cônjuges. Segundo LABRUSSE-RIOU, a Lei alemã não previu a possibilidade de os cônjuges recorrerem ao juiz para solucionar suas desavenças, por ter-0se considerado absurda e nefasta a intromissão do Estado (LABRUSSE-RIOU, Catherine. L’Égalité des Époux..., Paris: Librairie Génerale de Droit et de Jurisprudence, 1965, pp. 61-66).

A revogação da outorga da chefia da família ao marido e das regras correlatas, pela vigência do direito de igualdade entre os cônjuges, impõe, obviamente, a participação igualitária dos mesmos nas decisões dos assuntos do lar conjugal. 

Não há dúvida sobre a possibilidade de recurso ao juiz para a solução dos desacordos mais graves, porque o parágrafo único do CC1.567 é expresso nesse sentido, em conformidade com o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, que garante o livre acesso à Justiça. 

A cogestão da família faz surgir o problema de se definir se os atos da vida matrimonial dependem da participação de ambos os cônjuges ou se são válidos com a participação de apenas um deles. 

A resposta a essa questão varia conforme a natureza do direito a respeito do qual o ato é exercido: patrimonial ou não-patrimonial, real ou pessoa, de alienação, de garantia, de aquisição etc.

No tocante aos direitos patrimoniais, a regra é poder cada um dos cônjuges realizar sozinho todos os atos. Exige-se a participação de ambos os cônjuges apenas quando há determinação legal expressa nesse sentido.  (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.567, acessado em 12.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).