quarta-feira, 8 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 6º VARGAS, Paulo S.R.

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 6º

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil

PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que sotenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
·         Sem correspondência no CPC 1973.

1.    PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO

No art. 6º, CPC, consagra-se o princípio da cooperação, passando a exigir expressa previsão legal para que todos os sujeitos do processo cooperem entre si para que se obtenha a solução do processo com efetividade e em tempo razoável. Como o dispositivo prevê a cooperação como dever, é natural que o desrespeito gere alguma espécie de sanção, mas não há qualquer previsão nesse sentido no dispositivo ora analisado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Aspecto interessante é a indicação expressa de que a cooperação entre as partes é voltada para a obtenção de uma decisão de mérito justa, efetiva e proferida em tempo razoável. Positivamente, tem-se a consagração legal de que a decisão de mérito – decisão típica do processo – deve ser o objetivo das partes e do juízo. Negativamente, a inexplicável ausência de tal princípio para a atividade executiva, pois no cumprimento de sentença a execução ocorre depois da sentença de mérito, e no processo de execução não existe sentença de mérito, salvo em situações excepcionais de acolhimento de defesas incidentais de mérito. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 14, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Seja como for, tratando-se de princípio que independe de expressa previsão legal, a redação aparentemente limitadora do dispositivo ora analisado não é suficiente para afastar o princípio da cooperação de toda atividade jurisdicional, inclusive a executiva. Superada a incongruência do texto legal em excluir – ou apenas tentar – a execução do alcance do princípio da cooperação, o seu conteúdo não merece elogios. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Pela redação do art. 6º do CPC todos os sujeitos processuais devem colaborar entre si, o que, ao menos em tese, envolveria a colaboração das partes com o juiz, do juiz com as partes e das partes entre si.
A colaboração das partes com o juiz vem naturalmente de sua participação no processo, levando aos autos alegações e provas que auxiliarão o juiz na formação de seu convencimento. Quanto mais ativa a parte na defesa de seus interesses mais colaborará com o juiz, desde que, é claro, atue com a boa-fé exigida pelo art. 5º do CPC. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A colaboração do juiz com as partes exige do juiz uma participação mais efetiva, entrosando-se com as partes de forma que o resultado do processo seja o resultado dessa atuação conjunta de todos os sujeitos processuais. O juiz passa a ser um integrante do debate que se estabelece na demanda, prestigiando esse debate entre todos, com a ideia central de que, quanto mais cooperação houver entre os sujeitos processuais, a qualidade da prestação jurisdicional será melhor. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A doutrina nacional que já enfrentou o tema divisa fundamentalmente três vertentes desse princípio da cooperação, entendidas como verdadeiros deveres do juiz na condução do processo: (i) dever de esclarecimento, consubstanciado na atividade do juiz de requerer às partes esclarecimentos sobre suas alegações e pedidos, o que naturalmente evita a decretação de nulidades e a equivocada interpretação do juiz a respeito de uma conduta assumida pela parte; (ii) dever de consultar, exigindo que o juiz sempre consulte as partes antes de proferir decisão, em tema já tratado quanto ao conhecimento de matérias e questões de ofícios; (iii) dever de prevenir, apontando às partes eventuais deficiências e permitindo suas devidas correções, evitando-se assim a declaração de nulidade, dando-se ênfase ao processo como genuíno mecanismo técnico de proteção de direito material. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 15, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

A terceira relação de cooperação sugerida pelo art. 6º do CPC é mais complexa. Teriam realmente as partes o dever de cooperarem entre si para a obtenção de decisão de mérito justa e efetiva?
Não se pode esquecer que as partes estarão no processo naturalmente em posições antagônicas, sendo difícil crer que uma colabora com a outra tendo como resultado a contrariedade de seus interesses. Nas palavras da melhor doutrina, “não se trata da aplicação da cooperação/colaboração das partes entre si e com o juiz, proposta há muito defendida por correntes doutrinárias estrangeiras, que ainda partem da premissa estatalista (socializadora) de subserviência das partes em relação a um juiz visto como figura prevalecente. Nem mesmo de uma visão romântica que induziria a crença de que as pessoas no processo querem, por vínculos de solidariedade, chegar ao resultado mais correto para o ordenamento jurídico. Essa utópica solidariedade processual não existe (nem nunca existiu); as partes querem ganhar e o juiz dar vazão à sua pesada carga de trabalho”.
Seguir a tendência de legislações estrangeiras, em especial a alemã, na propositura de um sistema coparticipativo/cooperativo é benéfico ao processo porque, centrando-se em deveres do juiz, permite uma participação mais ativa das partes na condução do processo e aumenta as chances de influenciarem de maneira efetiva na formação do convencimento judicial. Sob esse ponto de vista, é salutar falar em princípio cooperativo e o art. 6º do CPC deve ser saudado. (Daniel Amorim Assumpção Neves, pp. 15/16, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Por outro lado, interpretar o dispositivo legal como previsão que exige das partas uma cooperação entre si, outorgando-lhes um dever que contraria seus próprios interesses defendidos em juízo, é utopia e tornará o dispositivo morto.
Por mais forte que seja a afirmação, entendo equivocada a frase estampada tempos atrás em adesivo distribuído pela Ordem de Advogados do Brasil aos advogados paulistas: “Sem advogado não se faz justiça”. Entendo que os advogados não devem procurar justiça, mas defender os interesses de seu cliente, parte no processo. Respeitando os princípios da boa-fé e da lealdade processual, cabe ao juiz fazer justiça e ao advogado buscar convencê—lo de que suas razões são as mais justas. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 16, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O art. 6º do CPC deve ser lido levando-se essa realidade em vista. Se já não é hoje mais politicamente correto afirmar que o processo é uma guerra – donde se fala em “paridade de armas” -, não se pode descartar o caráter litigioso do processo, tampouco o fato de que os interesses das partes são contrários e não tem qualquer sentido lógico, moral ou jurídico, exigir que uma delas sacrifique seus interesses em prol da parte contrária, contribuindo conscientemente para sua derrota.

Significa que será extremamente positiva a novidade consagrada no dispositivo ora comentado se sua interpretação for feita à luz de antiga e acertada lição de Piero Calamendrei: “O advogado que pretendesse exercer seu ministério com imparcialidade não só constituiria uma incômoda duplicada do juiz, mas seria deste o pior inimigo; porque, não preenchendo sua função de contrapor ao partidarismo do contraditor a reação equilibradora de um partidarismo em sentido inverso, favoreceria, acreditando ajudar a justiça, o triunfo da injustiça adversária”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 16, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).