segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 476, 477 - Da Exceção de Contrato não Cumprido - VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 476, 477
- Da Exceção de Contrato não Cumprido - VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título V – DOS CONTRATOS EM GERAL
 (art. 421 a 480) Capítulo II – DA EXTINÇÃO DO CONTRATO
Seção III – Da Exceção de Contrato não Cumprido - vargasdigitador.blogspot.com

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

Assimilando os ensinamentos de Nelson Rosenvald, contratos bilaterais são aqueles em que ambas as partes possuem direitos e obrigações recíprocas, sendo contemporaneamente credores e devedores. Compra e venda e locação são exemplos de contratos em que uma das partes transfere a propriedade ou a posse de um bem em troca de um preço ajustado. As obrigações nascem unidas e assim deverão se manter durante a execução da relação contratual, preservando o contrato coo um todo incindível, no qual avulta a realização integral da relação.

Já os contratos unilaterais apenas exigem esforços de um dos contraentes, que assumirá obrigações perante o outro. Doação e comodato são contratos que ilustram a matéria. Todavia, acrescida de um encargo a doação (v.g., concedo-lhe uma casa com o encargo de gerencia um orfanato por um ano), a dita modalidade transforma o contrato em bilateral, pois o donatário assume também a realização de uma obrigação.

Apenas não se pode incidir no comum equívoco de confundir o contrato bilateral com o negócio jurídico bilateral. Qualquer contrato será um negócio bilateral, que nada mais é que um encontro de manifestações de vontades destinadas à produção de efeitos jurídicos.

Uma das consequências da distinção entre contratos unilaterais e bilaterais concerne à possibilidade de neste últimos ser facultada a uma das partes o manejo da exceptio non adimpleti contractus, pela qual cada um dos contraentes deverá respeitar o conjunto indivisível da relação a ponto de não poder reclamar a prestação do outro contratante sem que esteja disposto a executar a sua. A exceção não se aplica se no contrato bilateral houver prazos distintos para o cumprimento das obrigações (v.g., CC.491).

O fundamento do instituto reside na equidade. O sistema jurídico pretende que haja uma execução simultânea das obrigações. A boa-fé objetiva e a segurança do comércio jurídico demandam o respeito pelas obrigações assumidas de modo a unir o destino das duas obrigações, de forma que cada uma só será executada à medida que a outra também o seja. Trata-se de uma verdadeira situação de interdependência, que assegura não apenas o interesse das partes na realização da finalidade comum (função social interna), mas satisfaz a ordem social que procura pelo adimplemento como imposição de justiça comutativa (função social externa).

A aplicação da exceção é a maneira de assegurar que as obrigações recíprocas se mantenham coesas, a fim de que uma das partes só possa ser compelida a prestar seu compromisso caso a outra proceda de igual modo. Note-se que, enquanto o descumprimento for temporário, a exceptio servirá como forma de pressão, hábil a compelir o devedor a executar sua obrigação, preservando a unidade indivisível do contrato, vista de maneira complexa e global, além de servir de garantia contra as consequências de uma inexecução definitiva. Todavia, constatando-se a impossibilidade total de cumprimento, deverá o credor lesado pleitear a resolução contratual pelo inadimplemento, desvinculando-se da relação obrigacional (CC. 475).

Essa distinção entre a exceptio e a resolução demonstra a impropriedade de incluir aquele instituto no capítulo relativo à extinção do contrato (CC. 472), pois a exceção de contrato não cumprido não é uma forma de desconstituição da obrigação, mas um modo de oposição temporária à exigibilidade do cumprimento da prestação.

Outrossim, a exceptio produz extensão de eficácia a terceiros, alcançando todos aqueles que no contrato substituam qualquer das partes (v.g., cessionário e credores). Vale dizer que se o objetivo contemporâneo do direito das obrigações é proteger a relação de forma global e sistêmica, a exceptio seria debilitada caso apenas pudesse ser invocada ao parceiro, mas não contra terceiros que penetram na relação sinalagmática.

Discutem-se atualmente os limites do exercício da exceptio. Em sede constitucional urge sempre precisar a proporcionalidade entre a inexecução da contraparte e o exercício da exceção. Será caracterizada como abuso do direito e, portanto, ato ilícito (CC. 187) a conduta daquele que se recusa a cumprir sua obrigação em razão de um inadimplemento mínimo praticado pela contraparte. Assim, a alegação da exceptio acaba se convertendo em uma escusa indevida ao cumprimento do contrato.

O princípio da boa-fé objetiva pretende limitar o exercício de pretensões excessivas, não sendo razoável a recusa total da prestação diante de uma falta sem maior gravidade e desprezível do pondo de vista da economia do negócio jurídico. Portanto, se A deveria entregar cinco veículos a B, mas deixa de cumprir com a remessa de um dos automóveis, não pode B se recusar a pagar o todo, amparado na inexecução de um quinto da obrigação. Justo seria a recusa do pagamento na medida proporcional.

Cuida-se de uma demonstração normativa da aplicação da máxima tu quoque – não faça aos outros aquilo que não queira que façam a ti -, regra de ouro que impede a constituição desleal de direitos subjetivos. Com base na justiça contratual, será inadmissível o exercício de uma posição jurídica que não guarde proporcionalidade com o descumprimento anterior.

Enfim, a exceptio non rite adimpleti contractus (exceção de cumprimento parcial ou defeituoso) só se encontrará justificada perante um incumprimento relativo, no qual não se poderá compelir alguém a executar totalmente a sua obrigação quando não obtém o seu crédito de forma cabal. A saída está na mais perfeita adequação entre o que se cumpre e o que se pode exigir do outro contratante.

Ao contrário do ordenamento civil de Portugal, que dispõe como norma de ordem pública a impossibilidade de renúncia antecipada ao exercício da exceção (CC. 428 português), o direito pátrio não se manifesta sobre a viabilidade de as partes inserirem nas relações civis a cláusula solve et repete.

Portanto, o legislador permite que as partes possam dispor contratualmente da renúncia à exceptio mediante a inclusão da aludida cláusula em contratos paritários. Todavia, em sede de contratos de adesão, o CC. 424 é taxativo ao impedir a elaboração de cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio – como a exceção de contrato não cumprido, ínsita aos contratos bilaterais (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 545 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Acompanhando a doutrina apresentada pelo relator Ricardo Fiuza onde aponta que o princípio exceptio non adimpleti contractus, decorrente da dependência recíproca das relações obrigacionais assumidas pelas partes, é exercido pelo contratante cobrado, recusando à sua exigibilidade (satisfazer a sua obrigação) por via da exceção do contrato não cumprido; quando a ela instado, invoca o inadimplemento da obrigação do outro. O princípio tem incidência quando ocorre uma interdependência, pela simultaneidade temporal de cumprimento (termos comuns ao adimplemento) entre as obrigações das partes, ou seja, as obrigações devem ser recíprocas e contemporâneas. Humberto Theodoro Júnior refere-se à necessidade de uma “conexidade causal entre a prestação cobrada e aquela que o excipiente invoca como não cumprida”. Maria Helena Diniz leciona o exemplo do contrato de compra e venda à vista, “onde o dever de pagar o preço e o de entregar a coisa estão ligados”.

Quando houver sido pactuada a cláusula solve et repete, opera-se a renúncia ao emprego da exceptio non adimpleti contractus.

Cumpre verificar a imprecisão técnica cometida no tratamento dado à exceptio non adimpleti contractus, incluída como causa determinante de extinção do contrato. Em verdade, constitui apenas uma oposição temporária do devedor à exigibilidade do cumprimento de sua obrigação enquanto não cumprida a contraprestação do credor. Humberto Theodoro Júnior alude, com segurança, não se tratar de “uma defesa voltada para resolver o vínculo obrigacional e isentar o réu-excipiente do dever de cumprir a prestação emergente do contrato bilateral”. Muito ao revés, reconhece, uma vez procedente, constituir mero procedimento dilatório ou, mais precisamente, “provisória condição de inexigibilidade”. Como não se preta o instituto à extinção do contrato, melhor afigura-se ter lugar próprio como seção do capitulo anterior, que cuida das Disposições Gerais, renumerando-se os artigos do presente Capítulo (II – Da Extinção do Contrato). De ver, afinal, que o artigo seguinte, da mesma seção, versa sobre hipótese não extintiva do contrato, posto que, à semelhança do presente artigo, é caso típico de exceção dilatória. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 254-255, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha o dispositivo cuida da exceptio non adimpleti contractus, que é a exceção do contrato não cumprido. O termo exceção significa, neste contexto, defesa. A regra é um modo e defesa dos interesses de um contratante em relação ao inadimplemento da obrigação de sua contraparte. É evidente, portanto, que uma tal exceção somente é possível em contratos que estabeleçam obrigações para ambas as partes, ou seja, nos contratos bilaterais.

A regra é de natureza supletiva, i. é, admite que as partes disponham de modo diverso. Assim, se o contrato prevê que uma das partes deve cumprir sua obrigação em momento anterior ao do cumprimento da obrigação da contraparte, esta poderá exigir o cumprimento ainda que não tenha ainda realizado sua prestação. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se às prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

Segundo a visão de Nelson Rosenvald, em princípio, aquele que deve cumprir a sua prestação primordialmente não pode alegar a exceptio, eis que inexiste o requisito de simultaneidade temporal. Assim, na promessa de compra e venda, o promissário comprador somente poderá pleitear a outorga da escritura definitiva do promitente vendedor quando pagar integralmente as prestações.

Todavia, tendo em vista a necessidade de manutenção da justiça contratual e a tutela da obrigação como um todo indivisível, poderá o contratante recusar a sua prestação primária em caso de insolvência ou redução das garantias de cumprimento pela contraparte. Certamente, incumbirá ao contratante inocente a demonstração da fragilidade da posição econômica da contraparte.

Com efeito, a redução da posição patrimonial do contratante impõe o vencimento antecipado das suas obrigações perante outros credores (CC. 333) e praticamente inviabiliza as garantias daquele que teme praticar a sua prestação sem que possa no futuro receber a contraprestação. A saída para o impasse será a substituição ou reforço das garantias reais (hipoteca, penhor) ou pessoais (aval, fiança), restaurando-se o sinalagma rompido pelo risco do inadimplemento antecipado.

O dispositivo tangencia a chamada quebra antecipada do contrato, ou inadimplemento antecipado. Consiste na evidência de um dos contratantes implicitamente demonstrar, por meio de sua situação patrimonial, que descumprirá futuramente a prestação que lhe incumbe. Ou seja, a prestação a ser inadimplida ainda não é exigível pelo credor, mas provavelmente não será realizada ao seu tempo. O rompimento antecipado poderá ser pleiteado caso o contratante fragilizado não obtenha as novas garantias que lhe são exigidas. Poderá o credor, imediatamente, ajuizar ação de resolução com pedido de indenização ou executar a prestação da contraparte antes do prazo previsto, mediante a tutela específica das obrigações de dar, fazer ou não fazer (art. 461 do CPC/1973, correspondência no art. 537 do CPC/2015) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 545-546 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 24/08/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Sob o foco de Ricardo Fiuza, o permissivo legal de exceção assegura ao devedor subtrair-se à obrigação que lhe cabe, em primeiro lugar, quando a outra sofrer diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou. E o caso do vendedor que se recusa a entregar a mercadoria vendida por sobrevir redução patrimonial do comprador, tornando duvidoso o pagamento do preço quando exibível, autorizado aquele reclamar o preço de imediato ou garantia suficiente ao adimplemento da obrigação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 255, apud Maria Helena Diniz, Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 24/08/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão do mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha o artigo 477, embora situado na sessão dedicada à exceptio non adimpleti contractus, não diz respeito a ela. É igualmente uma defesa, porém é uma defesa conta os efeitos da insolvência da contraparte e não requer que esta tenha descumprido sua obrigação. Ao contrário, o dispositivo aplica-se principalmente aos casos em que a parte que o invoca deve realizar suas prestações antes do momento em que sua contraparte realizará a prestação dela. Justifica-se para modificar a ordem do cumprimento das obrigações, a fim de evitar prejuízo a uma das partes em razão da diminuição patrimonial da outra. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 24.08.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).