sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 534, 535, 536, 537 - Do Contrato Estimatório – VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 534, 535, 536, 537
- Do Contrato Estimatório – VARGAS, Paulo S. R.

Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo III – Do Contrato Estimatório
- vargasdigitador.blogspot.com

Art. 534. Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a vende-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada.

Segundo entendimento de Nelson Rosenvald, o CC/2002 trata do contato estimatório, inserindo-o entre os contratos típicos. Mas, havia muito, a sociedade brasileira já o tinha como um contrato nominado, também conhecido como contrato de venda em consignação, comumente empregado na atividade mercantil. O consignante entrega bens moveis ao consignatário, que então fica autorizado a vende-los, pagando ao consignante o valor ajustado. Abre-se ao consignatário a possibilidade de restituição de mercadorias caso não sejam comercializadas.

Aliás, o Enunciado n. 32 do Conselho da Justiça Federal bem descreve o modelo contratual: “no contrato estimatório, o consignante transfere ao consignatário, temporariamente, o poder de alienação da coisa consignada com opção de pagamento do preço de estima ou a sua restituição ao final do prazo ajustado”.

Vê-se que surge uma espécie de obrigação alternativa cuja opção é concedida ao consignatário. Poderá vender a coisa e repassar o preço ajustado ao consignante ou então, simplesmente, restituí-la. Caso delibere por pagar o preço ao consignante, não necessariamente o valor deve ser obtido em uma venda a terceiros, pois nada impede ao consignatário ficar com a coisa para si ou presenteá-la a terceiros, arcando com o preço devido ao consignante.

Aliás, diferencia-se a consignação do mandato justamente pelo fato de o consignatário agir na defesa de seus próprios interesses, realizando a venda da coisa móvel como se fosse sua, algo impensável se cogitássemos do formalismo da alienação de bens imóveis. Difere ada comissão ou corretagem, pois o consignatário não é um mero intermediário ou preposto, basta perceber que o consignante não se relaciona com aquele que eventualmente adquira o bem das mãos do consignatário. Enfim, esse contrato foi inserido no Código como modalidade autônoma e assim deverá ser visto pela doutrina.

Isso explica a razão do nome “contrato estimatório”. O preço é estimado pelo consignante, em confiança na pessoa do consignatário, eis que não é da sua alçada a ciência ou o controle acerca do real preço de venda do bem a terceiros.

Se em princípio consignante e consignatário ajustam um prazo para o exercício da opção, também será possível a elaboração do contrato sem termo, aplicando-se as disposições relativas à mora ex persona (CC 397, parágrafo único) caso o consignatário não exercite nenhuma das opções no prazo assinalado na interpelação.

Em sede de relações de consumo, se o consignante for um fornecedor de produtos, mesmo não havendo relação contratual direta com aquele que adquiriu do consignatário, responderá pelos vícios e fatos do produto (CDC 12 e 18). (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 589-590 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

No conceito de Ricardo Fiuza, o contrato estimatório, ou contrato de vendas em consignação, de natureza comercial, com significativa importância nos negócios mercantis, é introduzida no Código Civil, recebendo regulação e disciplina. Tem ele por objeto coisas moveis, entregues ao consignatário para serem vendidas a terceiros, em prazo determinado, onde, em seu termo final, deve ser feito o pagamento ao consignante do preço ajustado ou efetuada a devolução da coisa consignada. Diversamente da compra e venda, na consignação, a tradição da coisa móvel não opera a sua transferência, mantendo o consignante a propriedade sobre o bem e respondendo o consignado como depositário da coisa dada em consignação (Direito Comparado: Código civil italiano (Arts. 1556 a 1,558) (Sebastião José Roque. Dos contratos civis-mercantis em espécie. São Paulo. Ícone Editora, 1997) (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 285 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Como terceiro entendimento, buscamos o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, para quem o contrato estimatório é vulgarmente conhecido como “venda por consignação”. É muito utilizado por bancas de jornais e vendedores de produtos de beleza.

O proprietário das coisas a serem vendidas, consignante, as entrega ao vendedor, o consignatário, para que es realize negócios em nome próprio, ficando obrigado a pagar ao consignante o preço ou a restituir-lhe as coisas.

O consignatário vale-se da aparência de proprietário que a posse de bens moveis lhe confere, de tal modo que a real propriedade das mercadorias nenhum relevo tem pra o comprador. Por essa razão, a consignação somente é possível em relação a bens moveis, conforme estabelece o artigo em comento. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 26.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

No ritmo de Nelson Rosenvald, o contrato estimatório não é tratado como uma modalidade especial de compra e venda, porém como contrato autônomo, pois a tradição da coisa móvel não opera a transmissão da propriedade, que remanesce em poder do consignante. Aliás, raciocínio contrário transformaria o consignatário em mero revendedor de uma coisa que já é sua, sem possibilidade de adimplir a obrigação mediante a sua restituição.

Por isso, ao contrário da compra e venda – contrato consensual -, o contrato estimatório é de natureza real, exigindo não só o consenso das partes como a entrega da coisa para se aperfeiçoar. Só terá efetividade a relação jurídica a partir do instante em que o bem se encontrar disponibilizado ao consignatário, tal como nos contratos de depósito e comodato. Com a tradição, surge a obrigação alternativa do consignatário.

Enfatize-se que, com a transmissão da posse direta, o consignatário assume o risco pela destruição ou perda dos objetos consignados. Em outras palavras, mesmo não sendo proprietário, pelo fato de receber a guarda da coisa para o exercício de uma atividade de seu estrito interesse, assumirá a responsabilidade objetiva da coisa perante o consignante, na modalidade do risco agravo (integral), eis que não será exonerado nem mesmo pelo fortuito. Enfim, trata-se de norma cogente, eis que as partes não podem lhe dar configuração diversa.

Porém, lembre-se de que, mesmo sendo dispensado o nexo causal no tocante ao fortuito (v.g., colisão de veículos que destruiu mercadorias) ou pelo fato de terceiro (v.g., vizinho do consignatário que destruiu mercadorias), será possível a exoneração do consignatário com base em alegação de responsabilidade do próprio consignante, em virtude de vícios já existentes ao tempo da entrega dos objetos, como bem reforça o CC 931) (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 591 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em sua doutrina Fiuza comenta que o consignatário sujeita-se a uma obrigação definida: pagar o preço ou restituir a coisa consignada que ficou sob sua posse por prazo certo, com o dever de conservá-la incólume, e no fim específico de venda a terceiro. assim, se vier a alienar a coisa, obriga-se ao pagamento ajustado, equivalendo à alienação todo e qualquer evento que torne impossível restituí-la em sua integridade, respondendo, de conseguinte, pela perda ou deterioração da coisa, mesmo que não der causa. Tal obrigação guarda similitude com os característicos do disposto no art. 629. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 285 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Por seu favor, segundo Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo transfere os riscos pela perda das mercadorias por caso fortuito ou de força maior ao consignatário, o que se justifica pelo fato deste se comportar, por força do contrato, se proprietário delas fosse. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 536. A coisa consignada não pode ser objeto de penhora ou sequestro pelos credores do consignatário, enquanto não pago integralmente o preço.

É como explica Nelson Rosenvald, o dispositivo mais uma vez reforça o argumento da manutenção da titularidade dos bens moveis em poder do consignante enquanto ao for exercitada a opção de pagamento do preço estimado ou restituição das mercadorias.

Se, durante o período em que as coisas estiverem na posse direta do consignatário, este sofrer processo executivo, será vedado ao credor efetuar qualquer tipo de constrição judicial sobre as mercadorias, v.g., penhora, sequestro. Como consequência da intangibilidade do objeto, deverá o consignante opor embargos de terceiro para excluir a medida constritiva dos bens que lhe pertençam (CPC/1973, art. 1.046, correspondendo ao art. 674 no CPC/2015).

Nada obstante, na qualidade de credores do consignatário, poderão os exequentes oferecer o valor estimado ao consignantes, convalescendo o ato da penhora ou do sequestro, mediante a sub-rogação legal (CC 346, III). Caso o consignante recuse injustificadamente a oferta, será aberta aos terceiros interessados a via da consignação (CC 304).

Se os credores do consignatário não adotarem tais medidas, a única forma de preservar a constrição sobre as mercadorias estará condicionada ao fato de o consignatário adquirir para si os bens, efetuando o pagamento integral estimado pelo consignante. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 591 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como explica Ricardo Fiuza, a intangibilidade da coisa consignada decorre do fato de o bem não pertencer ao consignatário, continuando o consignante com a propriedade do bem que se acha em poder daquele. Por consequência, não pode a coisa, passível de ser restituída ao seu dono, ser objeto de constrição judicial pelos credores do consignatário. De notar que, vencido o prazo, o adimplemento da obrigação do consignatário é atendido pelo recolhimento do preço ajustado ou pela devolução da coisa, casos em que, de nenhum modo, perfaz-se a translatividade do domínio a seu favor. Ou a coisa retorna às mãos do proprietário consignante ou passa à propriedade do terceiro que a adquiriu do consignatário. Mesmo que o consignatário não a devolva, apropriando-se indevidamente da coisa consignada, a circunstância não autoriza a penhora ou o sequestro, porquanto a coisa não é sua. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 285 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No pensar de Marco Túlio de Carvalho Rocha, uma vez que a propriedade do consignatário é meramente aparente, tocando o verdadeiro domínio ao consignante, não podem os bens consignados ser penhorados ou sequestrados pelos credores do consignatário. Se o consignatário pagar ao consignante o preço das mercadorias antes de revende-las, passa à condição de proprietário das mesmas o que justifica que a partir de então possam elas responder por suas dívidas.

A proibição de penhora e de sequestro das mercadorias por dívidas do consignatário não impede que o comprador as reivindique, uma vez que é escopo do negócio que o consignatário haja em relação aos compradores como se proprietário delas fosse. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 537. O consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restituída ou de lhe ser comunicada a restituição.

O dispositivo em exame, como aponta Nelson Rosenvald, descreve um traço marcante do contrato estimatório: a disponibilização da coisa ao consignatário, i.é, apesar de a propriedade remanescer em poder do consignante, o consignatário poderá vender a coisa a qualquer um, por qualquer preço, mesmo que inferior ao valor estimado, sem que tenha de prestar constas ou pedir autorização ao consignante.

Daí, no período ajustado ao exercício da opção de venda ou restituição, será vedado ao consignante qualquer ato que implique disposição do bem. Ou seja, mantém-se proprietário, mas sofrendo severas limitações, posto que será privado do exercício temporário das faculdades de usar, fruir e dispor da coisa. A irrestrita disponibilidade da coisa pelo consignatário é fundamental para a realização do objetivo negocial.

Portanto, não poderá o consignante realizar negócios jurídicos atributivos de propriedade ou posse a terceiros, sob pena de lesar não só a finalidade do contrato de consignação, como também a confiança e legítima expectativa do consignatário quanto ao adimplemento da obrigação. Temos aqui mais uma emanação do princípio da boa-fé objetiva como padrão de conduta honesto e leal para com o parceiro contratual. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 591 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 27/09/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Como leciona Ricardo Fiuza, na fluência do prazo da venda em consignação, tem o consignatário a disponibilidade da coisa consignada para venda a terceiro; esse poder de vender a coisa constitui elemento essencial da natureza do contrato. E obrigação do consignante, guardando na execução do contrato os princípios de probidade e boa-fé, faze-lo firme e valioso, não dispondo, por isso mesmo, da coisa oferecida em consignação, enquanto não lhe for restituída ou antes de lhe ser comunicada a restituição. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 285 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 27/09/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, uma vez que o consignante transfere a posse da coisa ao consignatário com o propósito de que ele a venda a terceiros, perde o consignante o poder de disposição das mesmas enquanto se mantenham na posse do consignatário, o que não impede que a coisa seja penhorada por credores do consignante, enquanto estiver na posse do consignatário. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 27.09.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).