domingo, 12 de março de 2017

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 10 VARGAS, Paulo S.R

CPC LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 10

VARGAS, Paulo S.R.

LEI 13.105, de 16 de março de 2015  Código de Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
·         Sem correspondência no CPC 1973

1.    CONTRADITÓRIO COMO FORMA DE EVITAR SUPRESA ÀS PARTES

Partindo-se do pressuposto de que durante todo o desenrolar procedimental as partes serão informadas dos atos processuais, podendo reagir para a defesa de seus direitos, parece lógica a conclusão de que a observância do contraditório é capaz de evitar a prolação de qualquer decisão que possa surpreendê-las. Em matérias que o juiz só possa conhecer mediante a alegação das partes, realmente parece não haver possibilidade de a decisão surpreender as partes.
Os problemas verificam-se no tocante às matérias de ordem pública, na aplicação de fundamentação jurídica alheia ao debate desenvolvido no processo até o momento da prolação da decisão, e aos fatos secundários levados ao processo pelo próprio juiz. São matérias e temas que o juiz pode conhecer de ofício, havendo, entretanto, indevida ofensa ao contraditório sempre que o tratamento de tais matérias surpreender as partes. Ainda que a matéria de ordem pública e a aplicação do princípio do iura novit curia permitam uma atuação do juiz independentemente da provocação da parte, é inegável que o juiz, nesses casos – se decidir-se sem dar oportunidade de manifestação prévia às partes -, as surpreenderá com sua decisão, o que naturalmente ofende o princípio do contraditório. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 26, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Infelizmente os membros do Poder Judiciário, em sua esmagadora maioria, não percebiam a diferença basilar entre decidir de ofício e decir sem a oitiva das partes. Determinadas matérias e questões devem ser conhecidas de ofício, significando que, independentemente de serem levadas ao conhecimento do juiz pelas partes, elas devam ser conhecidas, enfrentadas e decididas no processo. Mas o que isso tem a ver com a ausência de oitiva das partes? Continua a ser providência de ofício o juiz levar a matéria ao processo, ouvir as partes e decidir a respeito dela. Como a surpresa das partes deve ser evitada em homenagem ao princípio do contraditório, parece que mesmo nas matérias e questões que deva conhecer de ofício o juiz deve intimar as partes para manifestação prévia antes de proferir sua decisão, conforme inclusive consagrado na legislação francesa e portuguesa. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 26/27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

O entendimento resta consagrado pelo art. 10 do CPC e em outros dispositivos legais. Segundo o dispositivo mencionado, nenhum juiz, em qualquer órgão jurisdicional, poderá julgar com base em fundamento que não tenha sido objeto de discussão prévia entre as partes, ainda que as matérias devam ser conhecidas de ofício pelo juiz.
O dispositivo é claro, mas não terá vida fácil nas mãos da magistratura nacional. Em especial porque ele contraria uma premissa não reconhecida pelos juízes, de que quando eles decidem de ofício estão sempre certos, e por isso não precisam ouvir previamente as partes, que em nada contribuirão na formação de um convencimento já formado.
Essa premissa, devidamente superado pelo art. 10 do CPC, é a ratio do Enunciado 3 da ENFAM: “É desnecessário ouvir as partes quando a manifestação não puder influenciar na solução da causa”. Chamo tal enunciado de “enunciado bola de cristal”, já que o juiz teria uma capacidade sensorial de saber de antemão o que as partes podem alegar, já antevendo a inutilidade de tal manifestação antes mesmo delas se materializarem no mundo real. É como dizer que o juiz não precisa ouvir as partes porque já formou o seu convencimento, desprezando o fato de que tal convencimento deve ser construído de forma  colaborativa com as partes. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

E o pior é continuar a partir da premissa de que o juiz não pode se enganar, que nada que a parte alegue poderá fazê-lo mudar de ideia, criando um pequeno ditador no processo, em nítido desrespeito aos princípios do contraditório, consagrado no art. 10 do CPC, e da cooperação, previsto no art 6º do mesmo livro.
E ainda mais curioso – ou triste – é o Enunciado 04 da ENFAM ao afirmar que na declaração de incompetência absoluta não se aplica o disposto no art. 10, parte final, do CPC. É curioso porque escolhe, aparentemente ao acaso, um vício que gera nulidade absoluta para prescrever que em relação a ele não é preciso respeitar o princípio do contraditório. Porque justamente esse vício é um mistério. Mas é óbvio que o entendimento consagrado no criticável enunciado tem como razão específica a razão geral exposta no Enunciado 3 da mesma ENFAM: se o juiz já formou seu convencimento, porque teria que ouvir as partes antes de decidir? A resposta, ignorada por referidos enunciados é óbvia: para respeitar o princípio constitucional do contraditório. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Justamente em razão da novidade legislativa deve ser criticado o Enunciado 01 da ENFAM, no sentido de que o termo “fundamento”, previsto no art. 10 do CPC, é o substrato fático que orienta o pedido, e não o enquadramento jurídico atribuído pelas partes. Significa dizer que o juiz estaria liberado para decidir conforme o fundamento jurídico mais apropriado ao caso concreto sem necessariamente permitir que as partes se manifestem previamente sobre ele. Se o autor qualificou os fatos narrados na petição inicial como erro apto a gerar a rescisão do contrato, o juiz poderá na sentença julgar o pedido procedente com fundamento em dolo, mesmo que em nenhum momento as partes tenham se manifestado sobre tal vício do consentimento durante o processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).

Não é preciso muito esforço para se notar a impropriedade do Enunciado 01 da ENFAM, que na realidade, ao menos no tocante à fundamentação jurídica, pretende pura e simplesmente revogar o art. 10 do CPC. Parece também ser nesse sentido o Enunciado 05: “Não viola o art. 10 do CPC/2015, a decisão com base em elementos de fato documentados nos autos sob o contraditório”; e o Enunciado 06: “Não constitui julgamento surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos, ainda que diversos dos apresentados pelas partes, desde que embasados em provas submetidas ao contraditório”. Haja esforço na tentativa de revogar um dispositivo legal que, entretanto, continua em plena vigência.

É claro que tais enunciados da ENFAM, que basicamente revogam os arts. 9º e 10 do CPC, podem não ser aplicados pelos juízes no caso concreto, afinal, a esperança é a última que morre. E caso os apliquem no caso concreto estarão contribuindo para um sem número de recursos, inclusive o recurso especial por clara violação de normas federais. Um desserviço, portanto, tanto acadêmico como prático.  (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).