CPC
LEI 13.105 E LEI 13.256 - COMENTADO – art. 10
VARGAS, Paulo S.R.
LEI
13.105, de 16 de março de 2015 Código de
Processo Civil
PARTE GERAL
LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS
TÍTULO ÚNICO – DAS
NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS
CAPÍTULO I – DAS
NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL
Art.
10. O juiz não pode
decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual
não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate
de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
·
Sem
correspondência no CPC 1973
1.
CONTRADITÓRIO
COMO FORMA DE EVITAR SUPRESA ÀS PARTES
Partindo-se do pressuposto
de que durante todo o desenrolar procedimental as partes serão informadas dos
atos processuais, podendo reagir para a defesa de seus direitos, parece lógica
a conclusão de que a observância do contraditório é capaz de evitar a prolação
de qualquer decisão que possa surpreendê-las. Em matérias que o juiz só possa
conhecer mediante a alegação das partes, realmente parece não haver
possibilidade de a decisão surpreender as partes.
Os problemas verificam-se no
tocante às matérias de ordem pública, na aplicação de fundamentação jurídica alheia
ao debate desenvolvido no processo até o momento da prolação da decisão, e aos
fatos secundários levados ao processo pelo próprio juiz. São matérias e temas
que o juiz pode conhecer de ofício, havendo, entretanto, indevida ofensa ao
contraditório sempre que o tratamento de tais matérias surpreender as partes. Ainda
que a matéria de ordem pública e a aplicação do princípio do iura novit curia permitam uma atuação do
juiz independentemente da provocação da parte, é inegável que o juiz, nesses
casos – se decidir-se sem dar oportunidade de manifestação prévia às partes -,
as surpreenderá com sua decisão, o que naturalmente ofende o princípio do contraditório.
(Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 26, Novo Código de Processo Civil Comentado
artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Infelizmente os membros do
Poder Judiciário, em sua esmagadora maioria, não percebiam a diferença basilar
entre decidir de ofício e decir sem a oitiva das partes. Determinadas matérias e
questões devem ser conhecidas de ofício, significando que, independentemente de
serem levadas ao conhecimento do juiz pelas partes, elas devam ser conhecidas,
enfrentadas e decididas no processo. Mas o que isso tem a ver com a ausência de
oitiva das partes? Continua a ser providência de ofício o juiz levar a matéria ao
processo, ouvir as partes e decidir a respeito dela. Como a surpresa das partes
deve ser evitada em homenagem ao princípio do contraditório, parece que mesmo
nas matérias e questões que deva conhecer de ofício o juiz deve intimar as
partes para manifestação prévia antes de proferir sua decisão, conforme
inclusive consagrado na legislação francesa e portuguesa. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, p. 26/27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por
artigo – 2016, Editora Juspodivm).
O entendimento resta
consagrado pelo art. 10 do CPC e em outros dispositivos legais. Segundo o
dispositivo mencionado, nenhum juiz, em qualquer órgão jurisdicional, poderá
julgar com base em fundamento que não tenha sido objeto de discussão prévia
entre as partes, ainda que as matérias devam ser conhecidas de ofício pelo
juiz.
O dispositivo é claro, mas
não terá vida fácil nas mãos da magistratura nacional. Em especial porque ele
contraria uma premissa não reconhecida pelos juízes, de que quando eles decidem
de ofício estão sempre certos, e por isso não precisam ouvir previamente as
partes, que em nada contribuirão na formação de um convencimento já formado.
Essa premissa, devidamente
superado pelo art. 10 do CPC, é a ratio
do Enunciado 3 da ENFAM: “É desnecessário
ouvir as partes quando a manifestação não puder influenciar na solução da causa”.
Chamo tal enunciado de “enunciado bola de cristal”, já que o juiz teria uma
capacidade sensorial de saber de antemão o que as partes podem alegar, já antevendo
a inutilidade de tal manifestação antes mesmo delas se materializarem no mundo
real. É como dizer que o juiz não precisa ouvir as partes porque já formou o
seu convencimento, desprezando o fato de que tal convencimento deve ser
construído de forma colaborativa com as
partes. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 27, Novo Código de Processo Civil
Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
E o pior é continuar a
partir da premissa de que o juiz não pode se enganar, que nada que a parte
alegue poderá fazê-lo mudar de ideia, criando um pequeno ditador no processo,
em nítido desrespeito aos princípios do contraditório, consagrado no art. 10 do
CPC, e da cooperação, previsto no art 6º do mesmo livro.
E ainda mais curioso – ou triste
– é o Enunciado 04 da ENFAM ao afirmar que na declaração de incompetência
absoluta não se aplica o disposto no art. 10, parte final, do CPC. É curioso
porque escolhe, aparentemente ao acaso, um vício que gera nulidade absoluta
para prescrever que em relação a ele não é preciso respeitar o princípio do
contraditório. Porque justamente esse vício é um mistério. Mas é óbvio que o
entendimento consagrado no criticável enunciado tem como razão específica a
razão geral exposta no Enunciado 3 da mesma ENFAM: se o juiz já formou seu
convencimento, porque teria que ouvir as partes antes de decidir? A resposta,
ignorada por referidos enunciados é óbvia: para respeitar o princípio
constitucional do contraditório. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 27, Novo
Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora
Juspodivm).
Justamente em razão da
novidade legislativa deve ser criticado o Enunciado 01 da ENFAM, no sentido de
que o termo “fundamento”, previsto no art. 10 do CPC, é o substrato fático que
orienta o pedido, e não o enquadramento jurídico atribuído pelas partes. Significa
dizer que o juiz estaria liberado para decidir conforme o fundamento jurídico
mais apropriado ao caso concreto sem necessariamente permitir que as partes se
manifestem previamente sobre ele. Se o autor qualificou os fatos narrados na
petição inicial como erro apto a gerar a rescisão do contrato, o juiz poderá na
sentença julgar o pedido procedente com fundamento em dolo, mesmo que em nenhum
momento as partes tenham se manifestado sobre tal vício do consentimento
durante o processo. (Daniel Amorim Assumpção Neves, p. 27, Novo Código de
Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016, Editora Juspodivm).
Não é preciso muito esforço
para se notar a impropriedade do Enunciado 01 da ENFAM, que na realidade, ao
menos no tocante à fundamentação jurídica, pretende pura e simplesmente revogar
o art. 10 do CPC. Parece também ser nesse sentido o Enunciado 05: “Não viola o
art. 10 do CPC/2015, a decisão com base em elementos de fato documentados nos
autos sob o contraditório”; e o Enunciado 06: “Não constitui julgamento
surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos, ainda que diversos dos
apresentados pelas partes, desde que embasados em provas submetidas ao
contraditório”. Haja esforço na tentativa de revogar um dispositivo legal que,
entretanto, continua em plena vigência.
É claro que tais enunciados
da ENFAM, que basicamente revogam os arts. 9º e 10 do CPC, podem não ser
aplicados pelos juízes no caso concreto, afinal, a esperança é a última que
morre. E caso os apliquem no caso concreto estarão contribuindo para um sem
número de recursos, inclusive o recurso especial por clara violação de normas
federais. Um desserviço, portanto, tanto acadêmico como prático. (Daniel Amorim Assumpção
Neves, p. 27, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo – 2016,
Editora Juspodivm).