domingo, 4 de dezembro de 2022

Direito Civil Comentado - Art. 814, 815, 816, 817 DO JOGO E DA APOSTA - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com - digitadorvargas@outlook.com

 

Direito Civil Comentado - Art. 814, 815, 816, 817
 DO JOGO E DA APOSTA - VARGAS, Paulo S. R.
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Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações

Título VI – Das Várias Espécies de Contrato

 (art. 481 a 853) Capítulo XVII – Do Jogo e da Aposta

 – Seção III - (art. 814 a 817) -

 

Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

§ 1º. Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé.

§ 2º. O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.

§ 3º. Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares.

Na toada de Claudio Luiz Bueno de Godoy, antes tratada a matéria logo após o contrato de seguro, mas de que se diferencia porquanto a álea que lhe é inerente tem mesmo um intuito especulativo, ao revés do ajuste securitário, mercê do qual o risco se cobre calculando-se a probabilidade de sua ocorrência e formando-se um fundo mutualista a suportá-lo (ver comentário ao CC 757), tudo enquanto resultante de um propósito previdenciário, indenizatório, dá-se o Código Civil de 2002, no artigo em tela, a tratar do jogo e da aposta. Fá-lo com unidade de regramento, muito embora se diferenciem, conceitualmente, o jogo e a aposta. No primeiro, duas ou mais pessoas prometem, entre si, pagamento a quem um evento incerto, aleatório e de puro azar vier a favorecer. No segundo caso, promete-se igual pagamento, mas àquele, cuja opinião divergente vier a se mostrar consonante com o resultado de um mesmo evento incerto, aleatório. Costuma-se reservar aos contendores, no jogo, papel ativo, que interfere no resultado, ainda que a priori incerto. Já na aposta seu papel é passivo, de mera expectativa sobre o resultado de evento que lhes é estranho, mas sobre cuja ocorrência apostaram. Assim, nos exemplos citados por Caio Mário (Instituições de direito civil, 11.ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, v. III, p. 483), um mesmo evento pode caracterizar-se como jogo ou aposta, dependendo da conduta dos participantes. Se duas pessoas disputam uma luta, prometendo-se, entre si, pagamento ao vencedor, jogam; se expectadores, porém, entre si prometem pagamento conforme quem seja o vencedor, apostam. Pois muito embora o legislador cuide e tipifique o jogo e a aposta como contratos, assim nominados, recusa-lhes efeitos normais, por não os reputar socialmente úteis. Neste sentido, dispõe serem incobráveis as dívidas resultantes de jogo ou aposta. Mas, em contrapartida, estabelece a Irrepetibilidade do quanto, voluntariamente, a esse título se pagou. Disso resulta que o credor pode reter o pagamento que voluntariamente lhe tenha sido feito (soluti retentio). É o clássico figurino das denominadas obrigações naturais.

Tradicionalmente, e em especial com fundamento na entrevisão de dois elementos essenciais no vínculo obrigacional, o débito e a responsabilidade (teoria dualista da obrigação), sempre foi costume definir a obrigação natural, também e por isso chamada imperfeita, todavia jurídica, como aquela com todos os seus elementos integrantes, ou seja, sujeito (credor e devedor), objeto (prestação) e a relação vinculativa, mas aqui, a despeito da existência de um débito, sem a responsabilidade do devedor, i.é, sem garantia efetivável por meio do direito de ação, assim sem a coercibilidade.

Certo que hoje, inclusive conforme preceitos expressos de outras legislações (v.g., art. 2.034 do Código Civil italiano e art. 402 do Código Civil português), se venha defendendo a ideia de que a obrigação natural represente mesmo um dever extrajurídico, mas a que o direito, porquanto integrado a outros sistemas normativos de conduta, parra além do subsistema jurídico, reconhece um efeito, justamente o da Irrepetibilidade do voluntário pagamento, tudo como imperativo de justiça, como corolário de uma regra social de conduta, segundo a qual se aceita um dever de honrar dívidas de jogo ou aposta, destarte quando adimplidas, pela vontade do devedor, operando o direito para evitar a repetição, desse modo preservando-se solução de equidade, impedindo o retorno a uma situação de injustiça (Ver Fernando Noronha. Direito das obrigações. São Paulo, Saraiva, 2003, v. I, p. 232-4). A aplicação da regra em comento, porém, pressupõe diferenciação inarredável à luz da respectiva sistematização. Afinal, são distinguíveis os jogos proibidos, autorizados ou tolerados. Jogos ou apostas autorizados, como as loterias – aqui subsumidas a seu conceito, muito embora alhures se sustente diferença conceitual – ou o turfe, são lícitos e geram efeitos jurídicos normais, erigindo-se em obrigações perfeitas. É o que se prevê no § 2º, segunda parte, do preceito em exame, e logo no § 3º, igualmente dizendo-se exigíveis prêmios oferecidos em competições de variada natureza, desde que nos moldes de norma autorizativa legal e regulamentar – verdadeiros concursos. Jogos ou apostas proibidos são, por exemplo, as loterias não autorizadas, como o jogo do bicho, ou os jogos de azar referidos pelo art. 50 da Lei das Contravenções Penais. Mas há também os jogos tolerados, de menor reprovabilidade, em que o evento não depende exclusivamente do azar, mas igualmente da habilidade do participante, como alguns jogos de cartas. Por isso a legislação não os proíbe, por considera-los uma diversão sem maior proveito, mas pelo mesmo motivo não lhes emprestando a natureza de obrigação perfeita. Pois como se expressa no Código Civil, no caput e nos parágrafos do artigo em comento, salvo se autorizados, os jogos e apostas não induzem obrigação coativa que possa ser judicialmente exigida, muito embora não caiba ao devedor que voluntariamente tenha pago dívida daí originária postular a repetição de quanto pagou, salvo se, como adiante se referirá, esse pagamento prejudicou menor ou interdito.

Bem de ver, todavia, que boa parte da doutrina, antes da edição do Código Civil de 2002, por exemplo tal qual já defendia Orlando Gomes (Contratos, 9.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 484), sustentava que os jogos proibidos não ensejavam nem mesmo uma obrigação natural, portanto inclusive sem o efeito da soluti retentio, ao revés, configurando contrato nulo de todo. De fato, acentua, já sob a égide do Código Civil de 2002, Fernando Noronha (op. cit., p. 233) que, a rigor, o regramento presente, no seu todo, aplica-se aos jogos tolerados, reservando-se ao pagamento de dívidas oriundas de jogos proibidos a concorrência da disposição do CC 883, destarte não se permitindo ao pagador recobrar, porém igualmente não se admitindo a retenção pelo recebedor.

Ressalva ainda a lei que, cuidando-se de dívida de jogo que tipifique uma obrigação natural, se o perdedor é menor, absoluta ou relativamente incapaz, ou interdito, veja-se, por qualquer causa, como o intuito é a sua proteção, eventual pagamento que tenha feito poderá, aí excepcionalmente, ser repetido, portanto descabendo ao credor retê-lo, de resto em sistemática diversa do adimplemento de obrigações perfeitas. Da mesma forma, se o pagamento da dívida de jogo foi feito mediante dolo, mas não erro, bem assim mediante coação, deve-se acrescentar, porque também o caso é de proteção da vítima, o pagador, perdedor do jogo ou aposta, terá direito à repetição. Por fim, explicita-se, no § 1º, tal como se fazia no CC/1916, que a disposição do caput, a respeito da obrigação natural que estipula, se aplica também a qualquer contrato que encubra ou envolva o reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo.

A ideia fundamental é que, nesse específico caso de obrigações naturais, porque despidas de conteúdo moral, e portanto socialmente inúteis, mesmo sua confirmação ou substituição por um negócio jurídico típico, como a entrega de um título de crédito, ou o estabelecimento de uma novação, da mesma forma não ensejará exigibilidade do devedor. assim, por exemplo, se o perdedor emite uma nota promissória tendo como causa a dívida de jogo, igualmente ela não será dele exigível. Apenas se preserva, no parágrafo em exame, eventual direito de terceiro de boa-fé, por exemplo u m endossatário, insciente da origem da cambial, quando a tenha recebido. Por identidade de motivos não terá cabimento, também, a novação dessa espécie de obrigação natural (não outras), ou a fiança que se tenha dado para sua garantia. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 838-39 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo a doutrina espancada por Ricardo Fiuza, impende reconhecer, de pronto, na assertiva legal de as dívidas de jogo ou aposta não obrigarem ao pagamento, a negação da lei aos efeitos pretendidos pelas partes. Embora arrolados como contratos, Silvio Rodrigues aponta a contradição quando “o legislador proclama a inexigibilidade da dívida” (Direito civil; dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, 27.ed., são Paulo, Saraiva, 2000, p. 364).

A norma tratou de sanar a falha do CC de 1916, acrescentando os §§ 2º e 3º do CC 814, os quais excetuam da regra geral prevista no caput do reportado dispositivo os jogos e apostas legalmente permitidos e os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares. Aliás, nesse sentido, a jurisprudência vinha se norteando, sendo suficiente citar: “O art. 1.477 não incide sobre a Loteria Esportiva” (Iff, 494/197).

Diante de tais consequências jurídicas, onde se torna inexigível a perda experimentada pelo jogador inexitoso, e, por outro lado, irrecuperável a quantia daquele que, vencido, satisfez voluntariamente a dívida, a lei fulmina de nulidade, de conseguinte, qualquer contrato que envolva o reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo, não alcançando, porém, o terceiro de boa-fé, a cujo respeito impõe-se uma aferição complexa de tal qualidade.

Submetidos aos mesmos preceitos, inclusive porque vinculados ao mesmo elemento sorte, jogo e aposta, todavia, merecem conceituações distintas. Essa distinção, recolhe-se, pela clareza do magistério de Maria Helena Diniz: ‘jogo é o contrato em que duas ou mais pessoas prometem, entre si, pagar certa soma àquela que conseguir um resultado favorável de um acontecimento incerto, ao passo que aposta é a convenção em que duas ou mais pessoas de opiniões discordantes sobre qualquer assunto prometem, entre si, pagar certa quantia ou entregar determinado bem àquela cuja opinião prevalecer em virtude de um evento incerto” (Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16.ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 3, p. 418). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 428 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, jogo e aposta são contratos, uma vez que resultam do encontro de vontades visando à produção de efeitos jurídicos. Diferenciá-los não é tarefa simples à luz da doutrina e da lei. jogo, para os romanos era alearum lusus e aposta sponsio.

Doutrinariamente há dois critérios distintivos: a) pelo critério da participação, no jogo os contratantes participam da atividade da qual depende o resultado; na aposta, não; b) pelo critério do motivo, o jogo é motivado pela distração ou ganho, enquanto a aposta visa a fazer prevalecer uma afirmação.

No Direito Penal, a Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei n. 3.688/1941) tipifica como contravenção a exploração e a participação em jogos de azar (art. 50). Neste conceito a Lei das Contravenções Penais inclui, expressamente as apostas, ao considerar como “jogos de azar”: a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.

A realidade social demonstra que esses termos são utilizados sem atenção ao rigor dogmático. Assim, nomeiam-se como jogos, a loteria, a rifa e o jogo do bicho, embora, em todos esses casos, a ausência de participação e o intuito de prevalecimento de palpites os insiram no conceito de aposta.

A ausência de critério distintivo claro perde o relevo na medida em que a lei os equipara.

Os jogos e as apostas podem ser proibidos, permitidos ou autorizados. Quando são legalmente autorizados, o contrato cria obrigação civil comum, que sujeita o devedor ao pagamento forçado em caso de inadimplemento. É o que ocorre em relação às loterias exploradas pelo Estado e com as apostas do turfe (Lei n. 2.220/1924; Dec. n. 24.646/1934; Decreto-lei n. 8.371/1945; Lei n. 2.820/1956; Decreto n. 41.561/1957; Lei n. 4.096/1962).

Também obrigam civilmente as promessas de prêmios ao vencedor de competição de natureza esportiva, intelectual ou artística.

Conforme disposto no § 2º do CC 814, os jogos e as apostas autorizados estão excluídos das disposições deste Capítulo do Código Civil, que se aplica, portanto, somente aos jugos e às apostas proibidos e meramente permitidos ou tolerados.

As dívidas de jogos proibidos ou meramente permitidos não podem ser cobradas pelo credor embora não possam ser repetidas, caso espontaneamente pagas, conformando obrigação natural, na qual há debitum mas não obligatio.

A repetição do pagamento é, no entanto, devida, se houve dolo por parte de quem recebeu ou se quem pagou for menor ou interdito. O dispositivo equipara, nos efeitos, a dívida resultante de negócios proibidos e, portanto, nulos, e a que resulta de jogo ou aposta permitidos ou tolerados.

São nulos os contratos que visem a encobrir a dívida de jogo ou de aposta, pois são negócios simulados. São, igualmente, nulos os negócios que impliquem o reconhecimento da dívida de jogo, tais como a confissão de dívida, novação, fiança e títulos de crédito. A nulidade não pode ser oposta a terceiro de boa-fé.

Caio Mário entende que são nulas a locação contratada e a sociedade constituída com a finalidade de exploração de jogo, ressalvando que OERTIMANN admite o mandato para jogos permitidos (Caio, M. da Silva, Pereira. Instituições de Direito Civil, v. III, 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 486). O dispositivo em comento não determina a nulidade desses atos, que somente serão nulos, segundo os preceitos da Parte Geral, em razão da ilicitude do objeto. Portanto, a ressalva de OERTIMANN estende-se à locação contratada e à sociedade constituída, pois tais negócios somente serão nulos uma vez que visem a promoção de jogos ou de apostas proibidos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 815. Não se pode exigir reembolso do que se emprestou para jogo ou aposta, no ato de apostar ou jogar.

Entendendo o Código, o artigo em tela, para Claudio Luiz Bueno de Godoy, da mesma forma que o fazia o art. 1.478 do CC/1916, repele a contratação do mútuo, para o jogo ou aposta, no ato em que são efetivados. A ideia fundamental está em evitar contratação que favoreça ou facilite a prática do jogo ou aposta, quando não sejam devidamente autorizados, porquanto então lícitos e dotados de normal eficácia civil (em sentido diverso, sustenta Silvio Venosa que mesmo empréstimo concedido para jogo ou aposta lícitos, mas no ato do jogo ou aposta, é irregular que não permite cobrança. Direito civil, 3.ed. São Paulo, Atlas, 2003, v. III, p. 415).

Trata-se mesmo de uma hipótese em que o motivo da contratação, porque se revela no ato do jogo ou da aposta, assim necessariamente tornando-se comum às partes, prejudica a higidez do negócio praticado, na exata esteira do princípio que hoje contém o CC 166, III, malgrado aqui com diferente efeito. Ou seja, se se contrata mútuos, em função do jogo ou da aposta, veja-se, no momento em que se joga ou se aposta, evidencia-se motivação que o ordenamento rejeita, aqui vedando que possa ser cobrado o reembolso do quanto naquela circunstância se emprestou. Em outras palavras, tem-se mesmo uma extensão da regra do CC 814m antes examinado. Se não se pode cobrar dívida resultante de jogo ou aposta, quando não autorizados, da mesma forma não se pode cobrar o que, no ato do jogo ou da aposta, se emprestou para apostar ou jogar. Se, todavia, o empréstimo se fez antes ou depois do momento do jogo ou da aposta, ainda que em função deles, não incide a regra do artigo em comento, ao pressuposto de que então não exteriorizada a motivação irregular, ressalvada sempre a prova, especialmente no caso do jogo proibido, de que essa razão determinante se tenha ostentado comum, mesmo quando a contratação não seja simultânea ao jogo ou à aposta, aí por aplicação autônoma da regra geral, já citada, do CC, 166, III.

Por fim, pouco importa, ao influxo da regra em comento, que tenha o empréstimo, se efetuado no momento do jogo ou da aposta para que um ou outro se efetive, provindo de outro participante da empreitada ou de terceiro. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 840 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para Fiuza, uma das medidas implementadas pelo codificador brasileiro de 1916 e mantida pelo CC/2002 consiste em estender a mesma injuridicidade que estigmatiza a dívida de jogo ou aposta ao mútuo contratado pelo ato de apostar e jogar, “por constituir incremento ao vício e representar a exploração de um estado de superexcitação em que se encontra o jogador” (RI’, 147/690). Todavia, acrescenta Maria Helena Diniz que “se o empréstimo foi feito antes do jogo, para obter meios para fazê-lo, ou depois do jogo, para pagar o que nele se perdeu anteriormente, esse débito poderá ser exigido judicialmente” (Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 16.ed. São Paulo Saraiva, 2001, v. 3. P. 424). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 428 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No entendimento de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a proibição de cobrar mútuo realizado para o fomento de jogo ou de aposta somente incide se o empréstimo é feito no ato da aposta ou do jogo, de modo a assegurar o conhecimento do mutuante quanto à finalidade que o mutuário pretende dar ao empréstimo. Assim, mesmo que o empréstimo seja feito no momento do jogo ou da aposta, se o mutuante, prova que não tinha conhecimento do motivo da tomada do empréstimo, pode cobrar a dívida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 816. As disposições dos CC 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste.

 

Para Bueno de Godoy, o artigo presente, em boa hora, reverteu a equiparação, ao jogo ou à aposta, que o CC/1916, no art. 1.479, impunha às operações com títulos, valores ou mercadorias cotáveis em bolsa. São o que sempre se chamou de contratos diferenciais, em que se negociam títulos, valores ou mercadorias, mas para sua liquidação pela diferença entre o preço convencionado e a cotação que eles tiverem no instante do vencimento. São as operações de mercado a termo, de bolsa de futuros, como a de mercadorias, por exemplo, em que não se quer, no vencimento, propriamente a entrega do produto, mas o pagamento da diferença entre seu preço de aquisição e o de sua cotação à época desse termo avençado. É de ver que esses contratos diferenciais, além de comuns na prática negocial, já vinham inclusive regrados por normatização especial, como lembra Jones Figueiredo Alves (Novo Código Civil comentado, coord. Ricardo Fiuza, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 738), pelo que cabia mesmo à nova legislação civil abolir sua equiparação ao jogo ou à aposta. Ressalva-se apenas a necessidade de devida correção gramatical, inexistente o plural no verbo estipular, utilizado corretamente na forma singular no CC/1916. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 840-41 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Na toada de Ricardo Fiuza, o CC/2002 aboliu o princípio da equiparação. Efetivamente, equiparar as operações das bolsas de futuros a jogo ou aposta era algo que não podia permanecer no Código Civil. Observe-se que o Decreto-Lei n. 2.286, de 23-7-1986, já dispõe sobre a cobrança de impostos nas operações a termo de bolsas de mercadorias ou mercados outros de liquidações futuras, realizadas por pessoa física, tributando os rendimentos e ganhos de capital delas decorrentes. E no artigo 3º são definidos como valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei n. 6.385, de 7-12-1976, os índices representativos de carteiras de ações e as opções de compra e venda de valores mobiliários, sendo certo que o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil, através das Resoluções n. 1.190/86 e 1.645/89, respectivamente, referiam-se às bolsas, cujo objetivo é, justamente, a organização de um mercado livre e aberto para a negociação de produtos derivativos de mercadorias e ativos financeiros.

 

Isto já existe no Brasil desde 1986, quando foi criada a Bolsa de Mercadorias & Futuros, que realiza um volume de negócios equivalente a dez vezes o nosso Produto Interno Bruto. Tais bolsas existem na Alemanha, na França, na Itália, na Suíça, na Austrália, na Áustria, na Bélgica, em Luxemburgo, na Holanda, no Reino Unido e sobretudo nos Estados Unidos. Ser contra a existência dos negócios realizados nas Bolsas de Mercadorias e Futuros com base na afirmativa de eles terem por objeto negócios equiparados a jogo e aposta é despiciendo, porque nas clássicas Bolsas de Valores as ações compradas ou vendidas também variam de preço de um dia para o outro, sendo essa operação absolutamente aceitável e tributada.

 

Os negócios de mercadorias, derivativos e futuros, têm seu risco e a possibilidade sempre presente de, de um lado, alguém perder, e, de outro, alguém ganhar tal como ocorre nas Bolsas de Valores clássicas. E isso jamais foi considerado ilegal por constituir jogo ou aposta proibidos. Mutatis, mutandis, é o que ocorre nos negócios de títulos de bolsas de mercadorias, derivados e futuros, supracitados, mesmo quando a venda não é feita e o negócio se desfaz pelo pagamento da diferença, no preço, pelo que perdeu.

 

Afinal, só o volume negociado na Bolsa de Mercadorias & Fundos demonstra a sua importância, pois permite, entre outras coisas, a formação transparente dos preços futuros de commodities da pauta comercial brasileira, tais como o café, o açúcar, a soja e o algodão, facilitando as respectivas vendas a termo no Brasil e no exterior.

 

Apresentou-se imperativa, portanto, a adequação do texto à legislação superveniente, diante do que dispõe o Art. 1º da Resolução n. 01/2000 do Congresso Nacional. Este foi o escorço doutrinário que embasou a emenda na fase legislativa aditiva em sede da referida Resolução.

 

Jurisprudência: “A operação de compra de títulos e venda destreza, terceiro não se enquadra no art. 1.479 do Código Civil/1916” (RT, 51ü1146). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 428-9 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Na balada de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o dispositivo cuida do contrato diferencial e explicita que as disposições sobre jogo e aposta a ele não se aplicam.

 

Contrato diferencial é aquele em que se convenciona o pagamento segundo a diferença entre o valor atual e o valor futuro de um título ou de uma mercadoria. É o contrato típico das operações de mercado a termo, de bolsa de futuros. É atividade financeira típica que somente tem de semelhante com os contratos de jogo e de aposta a aleatoriedade dos ganhos. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 817. O sorteio para dirimir questões ou dividir coisas comuns considera-se sistema de partilha ou processo de transação, conforme o caso.

 

Sob a luz de Claudio Luiz Bueno de Godoy, sem nenhuma alteração em relação ao CC/1916, o artigo em comento bem acentua não se considerar jogo ou aposta o sorteio que se faça para solução de impasses, divergências ou dificuldades. Recorre-se a uma álea que, porém, coloca-se muito distante do propósito do jogar ou apostar, valendo, conforme o caso, como transação ou partilha. Pense-se no exemplo, citado por José Maria Trepat Cases (Código Civil comentado, coord. Álvaro Vilaça Azevedo. São Paulo, Atlas, 2003, v. VIII, p. 381), em que duas pessoas vão comprar um carro em prestações, que dividirão, na ordem que um sorteio determinar, tanto quanto, acrescenta-se, podem solver divergência daí resultante pelo mesmo recurso. Ou, ainda, os casos de divisões de coisas comuns ou de partilha de quinhões hereditários, cuja escolha se pode fazer por sorteio. Também as loterias autorizadas o envolvem, tanto quando nos contratos de capitalização, de consórcio, também haverá sorteio, portanto nada estranho ao sistema positivo como um todo, mesmo nos lindes do Código Civil, de que é um exemplo o sorteio realizado na hipótese dos CC 858 e 859. (Claudio Luiz Bueno de Godoy, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 841 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 21/02/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

No lecionar de Ricardo Fiuza, a norma não considera essa espécie de sorteio como jogo e aposta, quando se trate de desate de pendências condominiais, não incidindo sobre ele as regras antes analisadas. É que, em tais hipóteses, não existem o lucro ou a perda, apenas elege-se o critério aleatório para o sistema de partilha, em relação aos bens comuns, ante a falta de outro critério que possa dirimir questões de interesse dos condôminos, havendo-se ainda, tal critério como um processo de transação. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 429 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 21/02/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Encerrando o capítulo com Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, do mesmo modo que o CC 816, o CC 817 cuida de retirar da incidência das disposições relativas aos contratos de jogo e de aposta o sorteio que visa à divisão de coisas comuns. Conforme expresso no dispositivo, tal sorteio pode representar sistema de partilha ou de transação. Tendo-se em vista a finalidade com que é realizado nada tem de jogo ou de aposta. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud Direito.com acesso em 21.02.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Comentários ao Código Penal – Art. 53 Penas privativas de liberdade – VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com – digitadorvargas@outlook.com

 

Comentários ao Código Penal – Art. 53
Penas privativas de liberdade
 VARGAS, Paulo S. R.
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Parte GeralTítulo V – Das Penas –
Capítulo II – Da Cominação das Penas

 

Penas privativas de liberdade (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)

Art. 53. As penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984).

Na cominação das penas, diz Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 53 do Código Penal, trata sobre “Penas privativas de liberdade publicado no site Direito.com, o seguinte:

As penas privativas de liberdade estabelecido o preceito secundário tem os limites máximos e mínimos tipo legal de cada crime.

“Por esse sistema, o trabalho do legislador é complementado pelo trabalho do Judiciário que fixa a pena no caso concreto, mas dentro do limite estabelecido por Lei. Quem decide, pois, o grau de reprovabilidade da conduta e os elementos de política criminal da reprimenda de tal conduta, é o Legislativo. O judiciário aplica no caso concreto derivado de lei, com intervalos a ele inerentes.” (Código Penal comentado, Marina Pinhão Coelho Araújo et al, p. 186). (Flávio Olímpio de Azevedo. Comentários ao artigo 53 do Código Penal, trata sobre “Penas privativas de liberdade  publicado no site Direito.com, acessado em 04/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Em trabalho intitulado “O Princípio da Humanidade das Penas e o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)”, comentários ao art. 53 do CP, Giovana Farinelli Lourenço, da Faculdade Autônoma de Direito – Fadisp – é feito uma panorâmica da situação do tema que reza sobre as Penas privativas de liberdade. Neste, a autora cita diversos autores que mostram as modificações trazidas da Lei, do início à atualidade, que vão muito além da expectativa do artigo 53 do CP em comento:

Desde os primórdios das civilizações e a criação de seus respectivos costumes, surgiram as condutas que vão, de certa forma, em contrapartida com determinadas normas e regras estabelecida, o que foi gerando uma necessidade de punição para essas pessoas que as descumprissem, a fim de possibilitar a vida em sociedade. Esse caráter punitivo e as suas formas passaram por diversas modificações ao longo dos tempos, acompanhando a evolução humana, até se tornarem o direito penal da atualidade. Os líderes das sociedades sentiam a necessidade da criação de certas leis que garantissem a ordem, consequentemente punindo aquelas que a violassem ao tornarem crime essas condutas, estabelecendo seus respectivos castigos.

Na idade média as formas de punição eram principalmente as corporais, como as de suplício e de morte, a privação de liberdade sendo utilizada somente a fim de manter a pessoa condenada até que se estabelecesse uma sentença para seu crime, de forma a garantir a sua execução, não sendo o foco da punição de fato. De acordo com Foucault, os suplícios “representavam a parte significativa que tinha na penalidade, qualquer pena um pouco séria deveria incluir alguma coisa de suplício” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1 a 120. v. 1. 27ª ed. São Paulo. Saraiva Educação, 2021). Com o tempo e as modificações da sociedade e suas dificuldades, como a pobreza, passaram a surgir pequenos delitos que não poderiam ser punidos de forma tão brusca. Foi a partir do século XVIII, com o aumento da criminalidade e graças as contribuições de estudiosos como Cesare Beccaria e John Howard que a racionalidade das penas passou a ser pensada, com base na racionalidade e a proporcionalidade, passando a serem criadas penas de privação de liberdade, a fim de buscar uma certa reforma dos delinquentes que cometiam pequenos crimes, surgindo assim os primeiros sistemas penitenciários, que tinham como foco o isolamento celular, com limitada interação social, incentivando a disciplina e boa conduta dos apenados.

Foi a partir do século XIX que as antigas penas corporais de suplício foram quase completamente abandonadas, instalando-se de fato as penas de privação de liberdade de forma predominante mundialmente, assim como a possibilidade da aplicação das penas alternativas.

Atualmente no Brasil, o direito penitenciário é regulado pela Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984, a Lei de Execução Penal, que trata acerca do tratamento dos presos, estabelecendo seus direitos e deveres, bem como o modo de execução das penas. Entretanto, apesar de sua principal finalidade ser assegurar a idoneidade do preso e também possibilitar a sua volta ao convívio social, sem voltar a delinquir, observa-se que o conceito de ressocialização se torna utópico quando se comparado com o que realmente acontece no sistema carcerário brasileiro. Fatores estes como a superlotação, má administração e a falta de estrutura acabam fazendo com que, o que realmente ocorra, é a dessocialização desses indivíduos.

Tendo esses conceitos em mente, o presente artigo, então, busca aprofundar o conhecimento acerca da relação entre o Regime Disciplinar Diferenciado (o conhecido RDD), que foi instituído pela Lei Federal nº 10.793/2003 e o Princípio Constitucional da Humanidade das Penas, a fim de evidenciar o seu confronto. Verifica-se além da realidade do sistema punitivo e suas necessidades perante a sociedade brasileira que, cada vez mais, supera seus índices de criminalidade, bem como os dados de desigualdade social, que devem ser consideradas como um dos principais fatores de acesso ao mundo do crime, bem como evidenciar a importância do respeito ao princípio da humanidade. Entende-se que Estado se vê cada vez mais em necessidade de maior controle desses dados, buscando cada vez mais medidas repressivas, sendo o RDD uma das formas mais privativas e restritivas de controle carcerário. Diante desses fatos, se faz necessário o estudo do RDD em comparação com o referido princípio, visto que é vedado pela Constituição Federal qualquer tipo de tratamento desumano ou degradante, segundo também as diretrizes dos Direitos Humanos. Com esta pesquisa pretende-se verificar de que forma a aplicação do regime disciplinar diferenciado afronta o princípio constitucional da humanidade das penas.

Do princípio da humanidade das penas - Para Cezar Roberto Bitencourt, o Princípio da Humanidade é o maior entrave para a adoção da pena capital e da prisão perpétua” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1 a 120. v. 1. 27ª ed., São Paulo. Saraiva Educação, 2021), uma vez que impede que o Estado aplique penas e sanções e possam ferir, de alguma forma, a dignidade da pessoa humana (fundamentada na Constituição Federal de 1988 art. 1º., III) que é, para o autor, um bem superior aos demais e essencial a todos os direitos fundamentais do Homem, que atrai todos os valores constitucionais para si”. São decorrentes deste princípio, principalmente, a obrigação do Estado de prover aos condenados, dentro dos sistemas carcerários, “meios e recursos que impeçam a sua degradação e dessocialização”, de forma a impossibilitar penas que possuam caráter cruel, como tortura e maus tratos, tanto no cumprimento de suas penas, como em interrogatórios policiais. Se trata de um princípio constitucional, ou seja, torna inconstitucional qualquer tipo de pena que acabe causando uma deficiência física ou uma “consequência jurídica inapagável do delito.” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988).

 

Apesar deste caráter de reeducação e de reinserção social do delinquente que as penas possuem, é necessário ter em mente que este indivíduo deve ser responsabilizado pela sua violação à ordem jurídica, a fim de visar a Justiça, o que, para alguns doutrinadores, não poderá ser conseguido sem algum tipo de dor, como a privação da liberdade caracterizada pelas penas mais restritivas.

O princípio está expresso e positivado na Constituição Federal de 1988, no art. , o que o eleva ao grau mais alto de proteção, garantia e eficácia jurídica, uma vez que se tornou imutável. O inciso XLIX, que dispõe: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Assim como no inciso III, onde está expresso que: “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.” Importante citar que a prática de tortura é definida como crime pela Lei 9.455/97. E está presente nos incisos XLV e XLVIII, os quais também garantem a pessoalidade e a individualização da pena (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988).

O inciso L, ainda dá destaque e maior dignidade para as mulheres lactantes que estão cumprindo penas restritivas de liberdade, ao estabelecer que às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”.

O inciso XLVII possui também grande relevância ao princípio, ao proibir as penas: “a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”.

É possível considerar este princípio como o basilar do sistema punitivo brasileiro, uma vez que, para que uma pena seja estabelecida, o princípio irá garantir que os aspetos racionais e proporcionais ao dano que foi causado pelo delinquente a certo bem jurídico, sejam observados e protegidos, de forma que a sua condição de pessoa humana não seja ignorada na aplicação de sua pena. Deste modo, o princípio será ofendido quando na punição estarem envolvidas não somente agressões físicas, mas também quando forem agredidos os aspectos morais do apenado, tornando algo inconstitucional qualquer tipo de punição e restrição que não seja inerente à sentença penal condenatória. (BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 6ª ed. São Paulo. Editora Saraiva, 2020).

Nesse mesmo sentido da proteção da dignidade humana e do princípio da humanidade, é de supra importância citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948 onde, entre demais outros preceitos, está estabelecido em seu art. 5º que “Ninguém será submetido a tortura nem a punição ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes”.

A Instituição do Regime disciplinar diferenciado: Alguns anos após a promulgação da Lei de Execução Penal (LEP), que prometia diversas revoluções no sistema penitenciário brasileiro, houve diversas discordâncias entre a doutrina e a jurisprudência, alguns juristas acreditavam que não estavam sendo aplicados de fato os direitos que eram assegurados na referida Lei, enquanto os juízes nos tribunais acreditavam que o diploma era moderno demais, não sendo adequado para sua aplicação nas estruturas do sistema penitenciário. Enquanto isso, no mesmo cenário, os dados de violência nos presídios de São Paulo só cresciam cada vez mais, por conta das condições precárias em que estes presos se encontravam aliados ao descaso do Governo, são fatos que contribuíram com a formação de grupos que passaram a exigir do Estado melhores condições de vida dentro das penitenciárias.

Deste modo, após o fracasso da administração do sistema penitenciário pelo Poder Público, em meados de 1995, este inicia uma campanha onde é mostrada a necessidade de uma reformulação da LEP. Entretanto, percebe-se que o objetivo real para a alteração da Lei, seria o de afastar as críticas referentes ao descumprimento dos direitos dos presidiários, uma vez que lhes eras suprimidos os direitos e garantias que eram assegurados pela Lei.

Foi em fevereiro de 2001 que ocorreu uma megarrebelião, coordenada pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), em 29 unidades prisionais na Capital de São Paulo, Região Metropolitana e Interior, atingindo cerca de 28 mil detentos. O objetivo era de mostrar seu descontentamento acerca das condições insalubres em que viviam e, também, com a transferência dos líderes da facção da Casa de Detenção do Carandiru para o Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, onde as regras disciplinares eram severas, de forma que os presos desta unidade deveriam permanecer por até 22 horas por dia isolados em celas individuais. A resposta dessa megarrebelião foi por parte da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, a qual editou duas Resoluções que dariam início ao Regime Disciplinar Diferenciado. Primeiramente, a Resolução nº 26 de 04.05.2001 (a qual fez levantar diversos questionamento acerca de sua inconstitucionalidade) que, em seu art. 1º, está definido que o Regime será aplicado aos “líderes e aos integrantes de facções criminosas”, assim como os aos “presos que necessitem de tratamento específico”. Um conceito que foi extremamente criticado pela flexibilidade, uma vez que, neste sentido, todos os presos poderiam ser enquadrados. A resolução ainda diz que o Regime seria aplicado somente em algumas unidades prisionais, não podendo ser aplicado em todas as unidades existentes no Estado de São Paulo. Era determinado nos artigos 4º e 5º desta mesma Resolução que o tempo máximo de permanência de um preso no RDD, seria de 180 dias, mas caso fosse sua segunda inclusão neste Regime, ele poderia até mesmo permanecer nele por 360 dias, tendo o benefício de no mínimo uma hora por dia de banho de sol e somente duas horas por semana para que receba visitas.

Foi no ano de 2002 que a segunda Resolução foi editada, a SAP/SP 49, onde foram reguladas as visitas dos familiares e as entrevistas com os presos submetidos ao Regime com os seus advogados, onde foi reduzido o número de visitantes, assim como o tempo de permanência deles com os presos. Essas visitas deveriam ser agendadas previamente, mediante um requerimento à Direção do presídio, para que no prazo de dez dias fossem designados data e horário para que houvesse contato entre o advogado e seu cliente que ali se encontrava. Em 2002 foi editada outra Resolução, a SAP 59, que irá criar o Regime Disciplinar Especial, aplicável somente no Centro de Detenção de Hortolândia, que diz que o RDE será aplicado também aos presos provisórios, e não somente àqueles condenados, assim também como ocorre a ampliação de condutadas para seu enquadramento, como: tentativa de fuga, subversão da ordem ou da disciplina e também a prática de algum ato previsto como crime doloso que perturbe a ordem do estabelecimento.

Após a rebelião que ocorreu no Rio de Janeiro, no presídio Bangu I, ocasião em que a Secretaria de Segurança implantou o RDE que até então só era aplicado em São Paulo, instituindo o Regime Disciplinar Especial de Segurança (RDES) por meio da Resolução 08 de 07/03/2003, e o aplicando a todos os presídios deste Estado, por meio de requerimento do diretor, fazendo com que os líderes do movimento ficassem em isolados, com o argumento que o regime especial seria uma medida com objetivo de afastar os líderes violentos do convívio com os demais presos. Após a repercussão e pressão midiática, havia a cobrança para que o Regime Disciplinar fosse materializado de fato na legislação penal. Assim, apesar de muitas críticas com base na Constituição Federal de 88, em dezembro de 2003 foi sancionada a Lei nº 10.792/03, reformando a LEP, modificando o art. 52 da Lei de Execução Penal e criando de fato o Regime Disciplinar Diferenciado.

Do Regime Disciplinar Diferenciado: O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), conforme citado anteriormente, está disposto no artigo 52 da Lei de Execução Penal, e se trata de um conjunto de regras de disciplina carcerária com caráter mais rígido, estabelecidas a fim de promover uma forma especial de cumprimento da pena no regime fechado, que consiste na permanência de um presidiário em uma cela individual, com limitações ao direito de visita e do direito de saída da cela, com maior restrição ao convívio com o mundo exterior. Pode abrigar presidiários condenados ou provisórios, nacionais e estrangeiros, durante o cumprimento de suas penas desde que estes apresentem, ao cometer um crime doloso, ocasione uma subversão da ordem ou disciplinas internas, alto risco para a sociedade e à segurança nas penitenciárias e à ordem pública, ou àqueles que possuam suspeitas fundadas de envolvimento ou participação em organizações criminosas, quadrilhas ou bandos.

Entretanto, a decisão acerca da aplicação dessa medida a algum presidiário caberá somente ao Juízo de execução, mediante um requerimento elaborado pelo diretor do estabelecimento prisional ou alguma outra autoridade, precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa. Seria necessária a análise do pedido por um Juízo competente, a fim de que se examine se há real necessidade de submeter determinado preso ao RDD, somente devendo ser decretado em situações de sua absoluta necessidade, uma vez que se trata de um regime extremamente rígido, devendo ele se basear nos princípios do Direito Penal, principalmente em casos em que o preso é provisório, já que sua inocência poderia ser posteriormente comprovada e é presumida até que sua culpabilidade seja provada.

Foi dada, pela Lei 10.792/2003 a seguinte redação à LEP, Lei 7.210/ 1984, na época: Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:


I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

II - recolhimento em cela individual;

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.

§ 1º O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

§ 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Art. 53 Constituem sanções disciplinares:

V - inclusão no regime disciplinar diferenciado.

Art. 54. As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente.

§ 1o A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa.

§ 2o A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias. (BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7210 de 11 de julho de 1984. BRASIL).

Está previsto na LEP, em seu artigo 60, a possibilidade de determinação preventiva da medida pelo prazo de até dez dias, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, que dependerá de despacho do juiz competente, já que a autoridade administrativa não possui competência para submeter algum sujeito ao regime penitenciário. No artigo 87 da lei ainda está determinado que a União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime fechado e sujeitos ao regime disciplinar diferenciado.

Além dessas características estabelecidas na LEP, estão estabelecidas no art. 58 do Regulamento Penitenciário Federal outras, são elas: o uso de algemas durantes suas movimentações internas e externas e também a sujeição do preso aos procedimentos de revistas pessoais, de sua cela e pertences sempre que houver essas movimentações.

 Nas hipóteses em que podem ser sujeitos ao RDD os presos condenados ou provisórios, nacionais ou estrangeiro, que apresentem alto risco à ordem ou à sociedade, não sendo exigido pela legislação que estes presos cometam alguma falta grave, somente que apresentem, grau de risco à sociedade, e nas hipóteses que também estão sujeitos ao RDD os presos que possuem suspeitas de envolvimento em organizações criminosas, a qualquer título, é possível perceber que não existe alguma necessidade prévia de manifestação do Ministério Público ou da defesa, pois são alegadas razoes de urgência. Assim, percebe-se que não estaria definido e especificado pela legislação o que seria este alto grau de risco para a sociedade ou estabelecimento penal que o preso deve apresentar para estar submetido a este regime, ficando este julgamento baseado em um juízo de valor, estando aberto a interpretações, já que inexiste a necessidade de manifestação prévia do Ministério Público nesses casos de urgência e perigo.

Acerca da classificação do RDD, Júlio Fabbrini Mirabete afirma que:

O regime disciplinar diferenciado não constitui um regime de cumprimento de pena em acréscimo aos regimes fechado, semiaberto e aberto, nem uma nova modalidade de prisão provisória, mas sim um regime de disciplina carcerária especial, caracterizado por um maior grau de isolamento de preso e de restrições ao contato com o mundo exterior, a ser aplicado como sanção disciplinar (MIRABETE, Júlio Fabrini. Execução penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 149).

Sobre esse assunto, Rejane Alves de Arruda comenta que:


Muito além do que a LEP diz no art. 53, o RDD não consiste apenas em uma sanção de natureza disciplinar (e que, por tal motivo, deve estar atrelada ao cometimento de falta grave), mas em uma forma, realmente diferenciada, de cumprimento de pena para presos que são líderes e integrantes de facções criminosas e que, mesmo em regime fechado, não têm sua prática delituosa coibida ou alijada pelas restrições impostas no sistema penitenciário (ARRUDA, Rejane Alves de. Regime disciplinar diferenciado: três hipóteses e uma sanção. Síntese de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, Síntese, n. 33. 2005. p. 37)

Assim, entende-se que no Regime Disciplinar Diferenciado se trata de uma mera sanção disciplinar, e não um regime de cumprimento de pena, uma vez que estes regimes estão previstos somente no art. 33, assim dividindo o Código Penal, estando o RDD disposto no art. 53 da LEP classificado como uma sanção disciplinar:

Art. 53. Constituem sanções disciplinares: V - inclusão no regime disciplinar diferenciado.

E daqui segue a autora com “As alterações do RDD pelo pacote anticrime”, que vai além do conteúdo do artigo em comento, seja: art. 53 do CP, ao qual nos propusemos. Sigam o endereço deste excelente trabalho: (Giovana Farinelli Lourenço, da Faculdade Autônoma de Direito – Fadisp, em trabalho intitulado “O Princípio da Humanidade das Penas e o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)”, comentários ao art. 53 do CP, publicação no site jusbrasil.com.br em 2021, acessado em 04/12/2022, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na linha de raciocínio de Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários às: “Penas privativas de liberdade – Art. 53 do CP, p.150, dos Limites das penas, sua régua é a seguinte: 

As penas privativas de liberdade têm seus limites ‘mínimo e máximo’ previstos nos preceitos secundários de cada tipo penal incriminador, a exemplo do que ocorre com o delito de furto simples, cujas penas variam de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão.

Excepcionalmente, tal como ocorre no Código Penal Militar ou no Código Eleitoral, o preceito secundário do tipo penal prevê tão somente a pena máxima, a exemplo do art. 296 desse último diploma legal, que diz: Promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais: Pena - detenção até 2 (dois) meses e pagamento de 60 (sessenta) a 90 (noventa) dias-multa. (Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. 5ª ed. – Niterói, RJ: Comentários às: “Penas privativas de liberdade – Art. 53 do CP, p.150. Editora Impetus.com.br, acessado em 04/12/2022 corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).