sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Direito Civil Comentado - Art. 636, 637, 638 - Continua - Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.


Direito Civil Comentado - Art. 636, 637, 638 - Continua
Do Depósito Voluntário- VARGAS, Paulo S. R.
Parte Especial - Livro I – Do Direito das Obrigações
Título VI – Das Várias Espécies de Contrato
 (art. 481 a 853) Capítulo IX – Do Depósito -
(art. 627 a 652) Seção I – Do Depósito voluntário –
vargasdigitador.blogspot.com -

Art. 636. O depositário, que por força maior houver perdido a coisa depositada e recebido outra em seu lugar, é obrigado a entregar a segunda ao depositante, e ceder-lhe as ações que no caso tiver contra o terceiro responsável pela restituição da primeira.

Na escola de Nelson Rosenvald, o depositário não responderá pelos casos de força maior, quando o fato for devidamente comprovado (CC 642). Aqui, segue-se a regra geral do direito das obrigações pela qual o devedor se exonerará de tal responsabilidade, exceto quando expressamente tenha convencionado que assumiria os riscos de evento a ele inimputável (CC 393).

Força maior é o evento externo ao agente, de caráter inevitável. Não mais avulta a distinção com o fortuito, pois o parágrafo único do CC 393, assemelha-os em suas consequências, na diretriz da operabilidade. A título ilustrativo, haveria força maior na perda do objeto depositado em razão de uma catástrofe natural; de uma patologia incontrolável ou de uma guerra.

Ocorrendo perda da coisa em virtude do imponderável, caso tenha sido entregue outro objeto em reposição – quando for possível -, obviamente caberá ao depositário o dever de guarda e diligência ordinários com a obrigação de restituir ao tempo avençado.

Mas não é só. Segundo a parte final do dispositivo, confere-se ao depositante a posição de sub-rogado nos créditos obtidos pelo depositário em face de terceiros responsáveis pela restituição dos valores relacionados ao objeto originário, que se perdeu.

Portanto, traçando um paralelo com as hipóteses formuladas para a perda do objeto no usufruto (CC 1.407 a 1.409), temos que o depositante fará jus ao valor do seguro contratado pelo depositário, bem como à quantia consequente à desapropriação do bem depositado e à indenização paga pelo terceiro que culposamente destruiu o objeto. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 663 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Com o apoio de alguns nomes no Direito Civil, a doutrina de Ricardo Fiuza cita que apoiado na regra do CC 642, que isenta o depositário de responder pelos casos de força maior, o artigo sob exame prevê que, se “a coisa depositada se perdeu por fato inimputável ao depositário” (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, 3 – Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 296, este é obrigado a entregar a segunda ao depositante, “pois que não pode locupletar-se com a sua retenção indevida” (Caio Mário da Silva Pereira), Instituições de direito civil, 10. ed., Rio de Janeiro, forense, 1996, v. 3, p. 232). * Lembrar que a lei obriga depositário “entregar ao depositante aquilo que (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 340 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo na esteira de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o fato de terceiro, inevitável e imprevisível que leva à perda da coisa é considerado fato de força maior. Pode ser furto, roubo, acidente. Em qualquer desses casos, pode o depositário receber outra coisa em caráter indenizatório, notadamente dinheiro, como ocorre se o evento estiver acobertado por contrato de seguro. Qualquer que seja o evento e a coisa dada em substituição à que havia sido depositada, faz jus o depositante a recebê-la. o recebimento da coisa dada em substituição não exonera nem o terceiro nem o depositário pelos prejuízos sofridos pelo depositante, para cuja apuração deve-se levar em conta o valor do bem que recebeu em substituição. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 637. O herdeiro do depositário, que de boa-fé vendeu a coisa depositada, é obrigado a assistir o depositante na reivindicação, e a restituir ao comprador o preço recebido.

Seguindo na pauta de Rosenvald, a morte acarreta a transmissão do patrimônio do de cujus (CC 1.784), provocando a assunção pelos herdeiros de todas as obrigações que não detenham caráter intuitu personae. Assim, por mais que o contrato de depósito possua origem personalíssima, a obrigação de restituir recai sobre os herdeiros do depositário. Raciocínio contrário esvaziaria o instituto, com total aniquilação do princípio da segurança jurídica e lesão à confiança e legítima expectativa do depositante, além de implicar apropriação indébita.

Todavia, muitas vezes o depósito poderá ser celebrado sem publicidade ou apenas verbalmente, não havendo possibilidade de o herdeiro saber que a coisa que lhe fora transmitida a título de sucessão era proveniente do referido contrato. Em tais casos, qualquer alienação que realize será pautada pela boa-fé – aqui em sua acepção subjetiva -, posto ser ela praticada na ignorância quanto à real titularidade da coisa negociada.

Como saída para o impasse criado entre a lesão ao patrimônio do depositante e a tutela da boa-fé do herdeiro alienante, o legislador propõe uma solução intermédia que não penalize excessivamente o alienante e possibilite ao depositante a recuperação da coisa.

Assim, o herdeiro do depositário deverá assistir o depositante no processo de reivindicação da coisa perante o terceiro. nessa modalidade de intervenção de terceiros (CPC 119), o assistente (herdeiro) terá interesse jurídico em que o assistido (depositante) vença a demanda, pois a relação jurídica da qual aquele é parte (compra e venda com o réu) será atingida pela sentença que vier a ser proferida entre o assistido e a parte contrária. O assistente produzirá provas e praticará atos processuais que sejam benéficos ao assistido.

Se a presumida boa-fé objetiva não for elidida pelo depositante, será o herdeiro apenas compelido a restituir ao adquirente o preço que este pagou pelo bem alheio, pois a coisa foi recuperada pelo real proprietário e o ordenamento não admite o enriquecimento injustificado. Apesar da omissão do Código Civil, provada a má-fé do herdeiro, ou seja, se sabia que a coisa era alheia e mesmo assim a negociou com terceiro, será responsabilizado eventualmente por perdas e danos, tanto pelo depositante como perante o adquirente, além de eventualmente sofrer as sanções do depositário infiel.

Tendo o herdeiro doado o bem ao terceiro, constatada a sua boa-fé, nada indenizará ao adquirente, lembrando-se de que não se pode reclamar a evicção nos contratos gratuitos (CC 447), pois o donatário não sofre prejuízo, mas apenas deixa de obter uma vantagem.

Por fim, caso o bem alienado tenha se perdido ou inutilizado, sem culpa do terceiro adquirente, caberá ao herdeiro indenizar o depositante pelo seu valor. Evidentemente, conhecendo o adquirente a real situação do bem, também se responsabilizará pela indenização. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 664 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina apresentada por Fiuza, sucedendo o falecimento do depositário, é transmitida aos seus herdeiros a obrigação de restituir a coisa depositada quando reclamada pelo depositante. Entretanto, se qualquer deles, estando de boa-fé, alienar a coisa a terceiro, será aquele obrigado a assistir o depositante na ação demandada contra o adquirente, além de restituir a este o preço por ela pago, ‘o que é evidente, pois não lhe pertencendo bem alisado, não há justificativa para conservar o preço” (Silvio Rodrigues, Direito civil, 27 .ed., São Paulo, Saraiva, 2000, v. 3. Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 263.

O dispositivo tem incidência sobre o herdeiro de boa-fé, que agiu sem qualquer intenção de prejudicar o depositante, porquanto unicamente a ele se refere. Logo, se o ato praticado estiver eivado de má-fé, além de assistir ao depositante na ação judicial restituir o preço acolhido, o herdeiro do depositário responderá pelas perdas e danos decorrentes da alienação por ele efetuada.’

Finalmente, “se a coisa depositada já não mais existe, por ter sido consumida de boa-fé pelo comprador, o herdeiro indenizará o depositante, o mesmo ocorrendo-se a tiver consumido em seu uso pessoal” (José Lopes de Oliveira, Contratos, 1. ed., Recife, Livrotécnica, 1978, p. 172). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 341 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na visão de Marco Túlio de Carvalho Rocha, o dispositivo cuida da venda a non domino feita de boa-fé pelo herdeiro do depositário que, sem ter conhecimento de que o bem é objeto de contrato de depósito, julga que o mesmo é parte de sua herança e o aliena a terceiro o negócio é, a princípio, nulo. Deve-se observar, no entanto, o Caput do CC 1.268, que valida a tradição a adquirente de boa-fé que se segue à oferta pública de acordo coma teoria da aparência.

Assim, desde que a venda a non domino da coisa depositada não esteja acobertada pela teoria da aparência, deve o alienante de boa-fé assistir o depositante na reivindicação e restituir do comprador o preço que recebeu pela alienação. Por ter agido de boa-fé na alienação e sendo o erro escusável, não estará o herdeiro obrigado ao pagamento de outros prejuízos do depositante. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 638. Salvo os casos previstos nos arts. 633 e 634, não poderá o depositário furtar-se à restituição do depósito, alegando não pertencer a coisa ao depositante, ou opondo compensação, exceto se noutro depósito se fundar.

No diapasão de Nelson Rosenvald, quando cogitamos dos requisitos subjetivos para dar ou receber em depósito, devemos pensar na capacidade de fato ara a prática de negócios jurídicos, ou na superação da incapacidade, pelos institutos da representação e assistência. Todavia, não se exige do depositante a qualidade de proprietário da coisa dada em depósito, sendo suficiente que a sus posse seja legítima.

Portanto, um locatário, comodatário ou usufrutuário são pessoas legitimadas a realizar o contrato de depósito, quando necessitem que o bem recebido em razão de uma relação e direito obrigacional ou real seja custodiado por um depositário. Em tais situações, haverá uma ampliação no desdobramento da posse, na medida em que o depositário será o possuidor direito e o depositante e o proprietário serão possuidores indiretos.

Sendo assim não poderá o depositário negar a restituição a pretexto da eventual falta de titularidade sobre a coisa por parte do depositante. O dispositivo abre exceção para as hipóteses em que o depositário tenha conhecimento da pendencia de execução sobre a coisa ou for ela judicialmente embargada. Certamente, são situações em que não seria aconselhável a restituição, sob pena de ser responsabilizado pelo credor do depositante (CC 312).

Outrossim, não poderá o depositário elidir a obrigação de restituir sob o argumento da existência de um crédito que lhe é devido pelo depositante, insinuando o instituto da compensação. Ora, o CC 373, II, é explícito ao vedar a compensação quando um dos débitos seja proveniente de contrato de depósito. De fato, justifica-se a inadmissibilidade da compensação por ser fundamental que o depositário restitua a coisa, além do que inexiste aqui a fungibilidade das dívidas – não só fungíveis, individualmente, mas entre si -, requisito para qualquer compensação, a teor do CC 369. (ROSENVALD Nelson, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 665 - Barueri, SP: Manole, 2010. Acesso 29/11/2019. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina de Ricardo Fiuza, uma vez reclamado o depósito, deverá o depositário restitui-lo ao depositante. As exceções a este comando encontram-se expressa e taxativamente previstas no CC 633, de modo que nenhum outro motivo permitirá ao depositário recusar-se a devolver o bem.

Desse modo, a lei proíbe ao depositário subtrair-se à restituição da coisa, pelas razões enunciadas: 1. Não pode isentar-se pela escusa de não pertencer o bem ao depositante “porque ele não tem poderes para defender direitos de terceiros” (Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil, 4. ed., São Paulo. Saraiva, 1965, v. 2 – Direito das obrigações, p. 235). Porém, se o depositário tiver motivos razoáveis para suspeitar de que a coisa depositada foi dolosamente obtida pelo depositante, pertencendo a outrem, não será obrigado a restituí-la, como observado pelo CC 633, infine. 2 (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 341 apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acesso em 29/11/2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo o mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, o depositante não precisa ser o proprietário da coisa, por esta razão, não pode o depositário recusar-se a devolver-lhe o bem somente por não ser ele o proprietário ou sob a alegação de compensação  por eventuais créditos que possuir junto ao depositante, exceto se os referidos créditos sejam relativos ao depósito, quando ele, depositário, passa a ter o direito de retenção (CC 644). O direito de retenção pode ser exercido por dívidas do mesmo depositante relativas a outro objeto. (Marco Túlio de Carvalho Rocha apud Direito.com acesso em 29.11.2019, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).