sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.277, 1.278, 1.279 Dos Direitos de Vizinhança – Do Uso Anormal da Propriedade – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.277, 1.278, 1.279

Dos Direitos de Vizinhança – Do Uso Anormal da Propriedade –

VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.277 e 1.281) Capítulo V –

Dos Direitos de Vizinhança – Seção I – Do Uso Anormal da Propriedade

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Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Na visão de Francisco Eduardo Loureiro, os conflitos de vizinhança, no dizer de San Tiago Dantas, constituem o momento crítico, ou a crise da teoria da propriedade, porque revelam o antagonismo entre direitos opostos. A propriedade apresenta dois aspectos fundamentais: um interno, que é a prerrogativa, concedida ao proprietário, de promover sobre a coisa objeto de seu direito qualquer atividade lícita; e um externo, que é a faculdade concedida ao titular de repelir os atos de terceiro, capazes de restringir as vantagens que a coisa proporciona, ou de admitir a elas um estranho (Conflito de vizinhança e sua composição, 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1972, p. 20). O conflito se revela sempre que um ato praticado pelo dono ou morador de um prédio, ou o estado de coisas por ele mantido, vá exercer seus efeitos sobre o prédio vizinho, causando prejuízo ao imóvel ou incômodo ao morador. Nasce daí uma contradição entre direitos de propriedade opostos, pondo em contraste o aspecto interno de um com o aspecto externo de outro. A composição dos conflitos de vizinhança passa pela adoção de critérios diversos, que aferem a normalidade do uso do imóvel, a gravidade dos incômodos e a supremacia do interesse público. Da sua aplicação conjunta, verifica-se a existência do direito de fazer cessar as interferências prejudiciais a que se refere o CC 1.277, que, na opinião de parte da doutrina, tem a natureza de obrigação propter rem. As restrições decorrentes do direito de vizinhança recebem de parte da doutrina, inclusive estrangeira, o nome de servidões legais. Não se confundem, todavia, com as restrições decorrentes do direito real de servidão, por várias razões: a) quanto à fonte, as servidões legais decorrem da lei e o direito real de servidão, da convenção ou da usucapião; b) por decorrerem da lei, as servidões legais não necessitam do registro imobiliário, ao passo que o direito real de servidão é constituído, salvo no caso da usucapião, pelo registro imobiliário; c) as servidões legais geram restrições e direitos recíprocos entre vizinhos, ao passo que o direito real de servidão gera vantagens para o prédio dominante e restrições para o prédio serviente; d) as servidões legais são gerais e atendem ao interesse público de coexistência e pacificação das relações de vizinhança, ao passo que o direito real de servidão atende ao interesse e à conveniência das partes. O Código Civil de 2002 introduziu profundas alterações na matéria, em comparação com o Código Civil revogado. Não se fala mais em uso nocivo, ou mau uso da propriedade, como fazia o art. 554 do Código de 1916, eliminando, assim, qualquer vínculo com a noção de ato jurídico ilícito em sentido estrito. A responsabilidade decorrente do direito de vizinhança, para gerar o dever de cessar a interferência prejudicial ou de indenizar, é objetiva e independe de culpa ou dolo do proprietário ou possuidor. É óbvio que o ato culposo é coibido, mas não só. O exercício abusivo do direito de propriedade, de modo que exceda manifestamente a sua função social e econômica, ou a boa-fé objetiva, nos moldes dos CC 187 e 1.228, § 2º, do Código Civil, gera responsabilidade do proprietário. Também a atividade lícita e autorizada pela Administração pode ser coibida pelas normas do direito de vizinhança. Para Hely Lopes Meirelles, “a existência de alvará ou licença administrativa para a realização da obra ou o exercício da atividade lesiva ao vizinho não impede que o ofendido exija a paralisação da construção ou a cessação dos trabalhos ou atividades danosas para o vizinho” (Direito de construir, 4. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 17). O artigo inicia conferindo ao proprietário ou ao possuidor de um prédio a legitimidade para reclamar o direito de vizinhança. O legislador corrigiu imprecisão do Código Civil revogado, que falava em proprietário ou locatário. Os possuidores diretos ou indiretos, em geral, com posse justa ou injusta, de boa-fé ou de má-fé, tem direito de exigir que cessem as interferências prejudiciais do imóvel vizinho. É suficiente que tenha posse ad interdicta, ainda que seja injusta e de má-fé. Basta imaginar a hipótese de comodatário que não devolveu ao comodante o imóvel na data aprazada. A posse é injusta - precária - e de má-fé apenas em relação ao comodante, em razão da relatividade dos vícios. Disso decorre o direito, enquanto permanecer no prédio, de reclamar dos vizinhos, contra os quais não se praticou esbulho, a cessação da atividade prejudicial.

Prossegue o CC 1.277 dizendo que o proprietário ou o possuidor tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais. A expressão é ampla e, para sua consecução, cabe ao vizinho ofendido um largo leque de medidas, desde a execução de obrigação de não fazer, como cessar a emissão de ruídos, fumaça ou gases, como também execução de obrigação de fazer, como a demolição de imóvel em ruína que ameace a segurança dos prédios vizinhos, tudo com tutela específica e meios previstos no art. 461 do Código de Processo Civil de 1973, hoje correspondendo à Seção IV, (Do Julgamento das Ações Relativas às Prestações de Fazer, de Não Fazer e de Entregar Coisa), art. 497 no CPC/2015. Além disso, o pedido cominatório pode ser adequado para reprimir o comportamento do vizinho, sem prejuízo da indenização decorrente de danos morais e materiais. O CC 1.277 trata ainda de prédios vizinhos. O termo prédio, usado pelo legislador, não se limita às construções e acessões, mas abrange imóveis em geral, com ou sem construções, urbanos ou rurais. O termo vizinhança não se limita a imóveis confinantes ou contíguos; vai além. A vizinhança se estende até onde se propagam as interferências prejudiciais entre imóveis. Vê-se, portanto, que, de acordo com a natureza e a intensidade da interferência, a vizinhança pode ser mais ou menos ampla. A fábrica que emite gases ou odores prejudiciais à saúde ou segurança tem como vizinhos todos os imóveis alcançados por seus efeitos, ainda que em um raio de alguns quilômetros. Como se extrai do texto do CC 1.277 do Código Civil, o direito de um vizinho reclamar do outro a cessação de certa conduta está subordinado a dois requisitos cumulativos, a saber: a) a existência de interferência prejudicial que atinja certos interesses previstos em lei; b) que essa interferência decorra de uso anormal do imóvel. No que se refere ao primeiro requisito, o próprio CC 1.277 circunscreve os interesses que podem ser prejudicados pelas interferências: a segurança, a saúde e o sossego. A segurança diz respeito à atividade ou à inatividade que produza um dano efetivo ou crie situação de perigo para o prédio vizinho, incluindo pessoas e bens. Estão nessa categoria todos os trabalhos que produzam ou possam causar o risco concreto de abalos na estrutura, infiltrações, trepidações perigosas, explosões violentas, emanações venenosas, existência de árvores que ameacem tombar e tudo que venha a prejudicar fisicamente o prédio e seus moradores. Um aspecto importante, que reflete na segurança e no sossego, é a conduta inconveniente ou permissiva do vizinho que tolera ou se mostra conivente com o ajuntamento de malfeitores, viciados em entorpecentes, ébrios, ou com qualquer outra situação que possa pôr em risco a incolumidade dos demais moradores dos arredores. Quanto à saúde, garante-se aos vizinhos não só a higidez física, mas também a psíquica. Pode a saúde ser atingida por agentes diversos, físicos, químicos, biológicos ou até mesmo por fatores psicológicos de desassossego ou inquietação. São diversos os casos possíveis: manutenção de água empoçada no quintal ou de animais em condições inadequadas, com a possibilidade de propagar doenças pelo bairro. São ofensas ao sossego as interferências por agentes diversos que causem impressões sensitivas, como o som, a luz, o cheiro, as sensações térmicas e as imagens. Pontes de Miranda afirma que o sossego não é perturbável apenas pelo som. Também o é pela luz, pelo cheiro, por apreensões e choques psíquicos ou outros motivos de inquietação (Tratado das ações. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1971, v. V, p. 279). A diminuição de outras utilidades de um imóvel, ou de vantagens acidentais, como a vista de uma certa paisagem, a regularidade do estilo das fachadas das casas de um certo bairro ou a instalação de uma casa onde se pratica a prostituição, ofende outros interesses e valores, não tutelados pelo direito de vizinhança. Além disso, não basta saber se a interferência vulnerou os interesses tutelados pelo legislador. O dano decorrente dessa interferência, como afirma a parte final do parágrafo único do CC 1.277, deve ultrapassar “os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança”. No dizer de Caio Mário, “se este se contém no limite do tolerável, à vista das circunstâncias do caso, não é de se impor ao proprietário a restrição do uso de seus bens, uma vez que a convivência social, por si mesma, cria a necessidade de cada um sofrer um pouco” ( PEREIRA , Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. IV, p. 211). Como ensina San Tiago Dantas, “quando o juiz quer saber se os incômodos são ou não excessivos, não é para a pessoa do proprietário que se volta, mas para o proprietário do imóvel como um personagem algébrico, formado pela superposição de quantos se encontram naquela coletividade” (op. cit., p. 278). Não se tutela, portanto, a excessiva sensibilidade de um vizinho nem se levam em conta suas circunstâncias pessoais, mas sim as da média dos moradores da vizinhança. Essa interferência intolerável deve decorrer do segundo requisito, qual seja, a utilização anormal de um prédio. A grande novidade do Código Civil foi a de estabelecer, no parágrafo único do CC 1.277, parâmetros e balizas para o juiz aferir a normalidade do uso e da interferência entre vizinhos. Na dicção da lei, devem se considerar a natureza da utilização e a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas. O barulho que produz a utilização normal de um imóvel residencial é inferior ao que produz a utilização normal de um imóvel industrial. Em certas porções da cidade, com zoneamento permitido, o ruído que produz a atividade normal de uma casa noturna seria anormal em zona estritamente residencial. Aquele que adquire imóvel em zona rural ou estritamente residencial tem a justa expectativa de ouvir menos ruído que aquele que vive em zona comercial ou industrial. A ideia do legislador, amparado na doutrina de San Tiago Dantas, é a da aplicação do princípio da coexistência dos direitos, cotejando o cerceamento dos direitos do proprietário e os incômodos que a falta desse cerceamento causa ao vizinho. Afere-se a normalidade do uso e a tolerabilidade do incômodo para verificar qual dos direitos deve prevalecer. Não adotou o legislador o critério da pré-ocupação como determinante para a invocação do direito de vizinhança, de modo que aquele que já se encontra estabelecido em determinado local não tem salvo-conduto para interferir prejudicialmente sobre os imóveis de novos vizinhos que para ali se mudem posteriormente. Um terceiro critério, determinante para a cessação ou não da atividade do proprietário, é o do interesse público na manutenção da atividade lesiva ao interesse do vizinho, examinado no artigo seguinte. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.280-82. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo aponta a doutrina de Ricardo Fiuza, na clássica lição de San Tiago Dantas, há conflito de vizinhança sempre que um ato praticado pelo dono de um prédio, ou estado de coisas por ele mantido, vá exercer seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel ou incômodo ao morador. Essa interferência, essa repercussão in alieno, é o elemento fundamental do conflito (O conflito de vizinhança e sua composição, Rio de Janeiro, 1939, p. 72). • A proibição das interferências está condicionada: a) à natureza da utilização; b) à localização do imóvel; c) ao atendimento às normas constantes das posturas municipais (zoneamento); e d) aos limites ordinários de tolerância (barulho excessivo de aparelhos sonoros, ar condicionado etc.).

O caput desta norma é semelhante ao art. 554 do Código Civil de 1916, com pequena melhora em sua redação, e embora lhe tenha sido incluído o parágrafo único, sobre o zoneamento municipal, que deve adequar-se aos limites de tolerância da vizinhança, deve a ela ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 657, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 16/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Nos comentários de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, Direitos de Vizinhança são aqueles criados por lei e tidos como numerus clausus, ou seja, são exaustivos, sendo que as servidões prediais, em regra geral, são estabelecidas via contrato entre as partes, sendo apenas exemplificativas. É sabido que todo proprietário, ou mesmo o possuidor, tem direito de utilizar-se dos meios jurídicos adequados para impedir, ou fazer cessar, a utilização danosa da propriedade vizinha prejudicial à saúde, sossego ou segurança.

 

São as regras de harmonia e convivência entre vizinhos que fazem limitar o adequado uso da propriedade, respeitando-se a liberdade dos demais titulares. Assim, é possível afirmar que o uso da propriedade é dotado de uma função social, cuja expectativa é a utilização normal e racional do domínio, afastando-se os presumíveis danos que terceiros possam sofrer no seu exercício.

 

Para que haja conflito de vizinhança é preciso que um ato do proprietário ou possuidor do prédio repercuta no prédio vizinho, causando prejuízo ou incômodo (Gomes, 1980, p. 182). Os direitos de vizinhança classificam-se em onerosos ou gratuitos, caracterizando-se os primeiros pela obrigação legal de indenizar para que o direito possa ser exercido (exercício condicionado à indenização), e os gratuitos pela falta de previsão quanto a esta reparação. Exemplos de direitos de vizinhança onerosos: passagem forçada e aqueduto.

 

Enunciado 319 do Conselho da Justiça Federal: “A condução e a solução das causas envolvendo conflitos de vizinhança devem guardar estreita sintonia com os princípios constitucionais da intimidade, da inviolabilidade da vida privada e da proteção ao meio ambiente”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 16.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.278. O direito a que se refere o artigo antecedente não prevalece quando as interferências forem justificadas por interesse público, caso em que o proprietário ou o possuidor, causador delas, pagará ao vizinho indenização cabal.

 

No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não tem similar no Código Civil de 1916 e constitui importante inovação no capítulo do direito de vizinhança, positivando entendimento dos tribunais e consagrando a doutrina de San Tiago Dantas (O conflito de vizinhança e sua composição, 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1972). Preenchidos os requisitos comentados no artigo anterior - existência de interferência prejudicial e que esta seja decorrente do uso anormal da propriedade -, uma terceira circunstância acidental será aferida, para legitimar a imposição de cessação da atividade danosa. É a existência - ou não - de interesse público na manutenção dessa atividade. Como explica San Tiago Dantas, “ verificando, porém, que os incômodos são excessivos por ser anormal o uso da propriedade que lhes dá origem, o juiz indagará se a supremacia do interesse público legitima este uso excepcional; se legitima, e se a ofensa à saúde, segurança ou sossego não é de molde a inutilizar o imóvel prejudicado, o juiz manterá os incômodos inevitáveis e, pela expropriação que assim inflige ao proprietário incomodado, ordenará que se lhe faça cabal indenização (direito oneroso de vizinhança)” (op. cit., p. 280). Em resumo, constatada ocorrência de interferências prejudiciais à saúde, ao sossego e segurança dos vizinhos, decorrente de uso anormal da propriedade, ainda assim a necessidade da manutenção dessa atividade poderá atender ao interesse público. Em tal caso, se mantém a atividade prejudicial, mas os vizinhos são cabalmente indenizados. Não se cogita o pagamento de indenização, todavia, quando não são preenchidos os requisitos básicos, ou seja, quando as interferências são toleráveis ou decorrentes do uso normal do imóvel. O preceito limita o leque de medidas judiciais disponíveis ao vizinho prejudicado, excluindo a cessação da atividade e os provimentos correlatos, como a fixação de multa diária. Circunscreve a reação do vizinho ofendido à indenização cabal dos prejuízos sofridos, persistindo, porém, a atividade prejudicial, em razão do interesse público na sua manutenção. A responsabilidade é objetiva, desde que preenchidos os requisitos cumulativos da interferência prejudicial e do uso anormal da propriedade, anteriormente analisados. Pouco importa que a atividade tenha sido autorizada por licença ou alvará administrativo, porque não se cogita de ato ilícito em sentido estrito. A atividade autorizada não é automaticamente lícita em relação aos interesses dos vizinhos. A indenização é cabal, vale dizer, abrange todos os danos materiais sofridos pelos proprietários e possuidores dos imóveis vizinhos. Tais danos abrangem a desvalorização do prédio, os investimentos feitos pelos vizinhos para minorar as interferências e a diminuição de eventual rendimento de aluguéis, além dos prejuízos pessoais dos moradores, por ofensa à sua saúde ou incolumidade física. Também são indenizáveis os danos morais por ofensa a direitos da personalidade, como o sossego e a incolumidade física e emocional dos moradores vizinhos. Embora não diga de modo claro o preceito, está implícito que o que veda o legislador é apenas a cessação da atividade lesiva, cujo prosseguimento atende a interesse público. Em termos diversos, somente deve ser mantida a atividade incômoda quando os seus inconvenientes sejam irredutíveis. Podem os vizinhos, porém, quando for o caso, exigir que os incômodos sejam reduzidos ao inevitável, mediante ação de obrigação de fazer. Tome-se como exemplo um hospital instalado em zona residencial, que provoca interferências lesivas aos vizinhos. Cabe ação de obrigação de fazer para reduzir ao mínimo as interferências, como a instalação de filtros ou de equipamentos que diminuam os ruídos, cumulada com indenização pelas interferências remanescentes inevitáveis. Outro ponto que merece atenção está no grau de interferência nos imóveis vizinhos. O que permite a lei é o sacrifício de vizinhos, que devem tolerar certas interferências em nome do interesse público. Não, porém, a utilização da propriedade que torne absolutamente inabitáveis os prédios adjacentes. “Aí não haveria de fato uma simples agravação dos encargos de vizinhança, nada que se parecesse com a instituição judicial de uma servidão immitendi; haveria verdadeira expropriação, que a lei não autoriza seja feita em benefício de um particular. Torna-se inabitável um prédio de muitos modos, especialmente quando a salubridade ou insegurança reinantes põem em perigo a vida dos moradores” (Dantas , San Tiago. Op. cit., p. 278). Finalmente, deve-se ter cautela ao interpretar o significado de interesse público. Nem toda atividade empresarial, por gerar riquezas e movimentar a economia, tem interesse público, que, ao contrário, reclama claro benefício à comunidade. Deve ser feito juízo de ponderação entre a natureza e o grau de sacrifício que se exige dos vizinhos e os efetivos ganhos da sociedade na persistência de determinada atividade. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.292-93. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

A respeito tem-se análise do tema sob a luz do novo código, seu impacto na sociedade e no ordenamento jurídico, no artigo de Roberto Augusto Resende Magalhães Toledo, publicado em 31/jul/2006, no site do direitonet.com.br, Conforme acima elucidado, o bem jurídico tutelado pelo Direito de Vizinhança será a segurança, sossego e a saúde. Serão estes protegidos do uso indevido da propriedade, vez que não pode um sujeito, apropriar-se ou apossar-se de um apartamento, onde os fins a que ele se destina sejam apenas residenciais, fazer dali um criatório de animais, deve guardar o proprietário ou possuidor, o máximo cuidado com a finalidade a que se destina o uso da res.

Uma grande novidade no novo código é o CC 1.278, que impede o exercício do direito previsto no CC 1.277, se houver relevante interesse público, devendo contudo sempre ser indenizado o prejudicado. Ressalta-se aqui o termo relevante, pelo fato de não poder ser violado um direito apenas por haver um desprezível interesse do Estado sobre determinada coisa. Deve-se também atentar ao fato de que as ações do Estado devem beneficiar o povo, não pode ser cabível, a violação do Direito de Vizinhança, pelo Estado sem que haja INTERESSE PÚBLICO.

Uma palavra constantemente usada neste ramo do direito, será CONFINANTE, que significa o vizinho residente exatamente ao lado, aquele que divide paredes.

Retornando ao suscito estudo, continua-se com a parte referente “Das Árvores Limítrofes”, que não há muito que se complicar. Como exemplo; colocar-se em uma situação litigiosa que deverá ser solucionada pela legislação aqui discutida. Caso haja uma árvore onde seus galhos se estendam ao confinante, presumir-se-á pertencente a todos, assim deverá definir o juiz.

É claro, que não pode o confinante ser prejudicado também por invasão de galhos das árvores limítrofes, pois claro é o CC 1283, que permite o corte até o plano vertical, mas quanto aos frutos, estes são pertencentes ao proprietário do terreno onde estes caírem.

No que tange a Passagem Forçada, pode-se dizer que esta não possui sentido igual ao de sua nomenclatura.

A passagem forçada surge quando o dono de um prédio que não tiver acesso à “via pública, nascente ou porto”, poderá exigir do vizinho que lhe dê passagem, contudo, deverá o vizinho ser indenizado, pois diante de um breve regresso às Obrigações, constata-se que ninguém pode por má-fé, ou mesmo boa-fé, sofrer prejuízo algum sem que seja devidamente indenizado. Assim, conclui-se que todo proprietário de um imóvel, exercerá poder sobre coisa alheia, e vizinha, quando necessário for, sem que cause prejuízo ao vizinho, assegurando-se. Observa-se que o vizinho que terá sua propriedade usada para dar passagem será aquele que tiver na sua propriedade a maior facilidade em relação aos outros vizinhos. Não será dada passagem àquele que lhe convier, não será por escolha, e sim pela que for natural e facilmente prestar à passagem. No mesmo segmento, deve o vizinho tolerar a passagem de cabos e tubulações, mas sempre sendo indenizado, podendo exercer seu direito para fins de assegurar sua propriedade.

O dono ou possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que venham do superior, entretanto, um questionamento razoável e constante nesta seara, é o direito do vizinho inferior sobre a água que passa pelo seu terreno. Para que fique mais claro, imagine-se um imóvel inferior constantemente recebendo água, e desperdiçando-a, vez que não pensara em aproveitá-la de alguma forma, diante disso, surge a ideia de promover um plantio em sua propriedade, usando da água que vem do imóvel superior. Destarte pergunta-se, pode o proprietário ou possuidor do imóvel superior, ao ver o proprietário ou possuidor do imóvel inferior usando a água que vai para sua propriedade, sendo usada para regar seu plantio, ser cobrado para isso? É claro que a resposta é não, pois ao estar em seu terreno bem desperdiçado, abandonado, poderá ele dar a água o fim que deseja, não podendo usa-la é claro para finalidade prejudicial a outrem, pois mesmo parecendo simples a resposta, já houve intensas controvérsias a respeito, travadas em tribunais e doutrinas de relevante observação.

Argui-se, também, o Direito de Tapagem, e dos limites entre prédios, onde o proprietário poderá constranger seu confinante a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo seu prédio urbano ou rural. Terá o proprietário de um terreno, direito de construir como desejar, respeitando o direito dos vizinhos e legislação administrativa.

Algo a que se deve ficar bem atento, e de fácil compreensão, é que neste ramo do Direito poderá o sujeito fazer o que quiser com sua propriedade, guardando os princípios do parte geral do novo código, os princípios basilares, princípios gerais de direitos, os bons costumes; para ficar mais claro, é importante saber diferenciar o certo do errado colocando-se no lugar de seu vizinho. Hoje o profissional do direito pouco tem se instruído a respeito desta seara, sendo ela realmente difícil devido às discussões travadas em tribunais, mas que notadamente, constata-se estar-se pacificando, ainda que deva mais, o entendimento em relação aos direitos de vizinhança. (Roberto Augusto Resende Magalhães Toledo, artigo Direito de vizinhança e sua real proteção,  publicado em 31/07/2006, no site do direitonet.com.br, Acessado 16/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, em se tratando de atividade ou exercício que se caracterize pelo interesse público, como a construção de um hospital particular, ou escola, numa área residencial, os vizinhos que comprovarem prejuízo em sua saúde ou sossego farão jus à indenização, sem que, contudo, seja removido o prédio do local. 

Situação semelhante pode se dar em relação a locais destinados publicamente para depósitos de lixo, já havendo decisões judiciais concedendo parcialmente o pedido para que o município se abstivesse de usar o local para esse fim sem, contudo, haver interdição do depósito (STJ, REsp 163483-RS, j. 01/09/1998). (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 16.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.279. Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis.

 

No diapasão de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não tinha correspondente no Código Civil de 1916 e, mais uma vez, acolhe doutrina de San Tiago Dantas acerca da possibilidade de redução ou eliminação dos incômodos, posterior à sentença que fixou indenização a favor do vizinho prejudicado, mantendo, porém, a atividade danosa, em razão da existência de interesse público. Como visto no comentário ao artigo antecedente, um dos pressupostos da manutenção da atividade de interesse público prejudicial aos vizinhos é a irredutibilidade das interferências, razão pela qual, se estas puderem ser minoradas ou eliminadas, cabe ação de obrigação de fazer, sem prejuízo da indenização pelos danos inevitáveis. Pode ocorrer, porém, como alerta San Tiago Dantas, “que o proprietário de uma fábrica seja obrigado a indenizar aos seus vizinhos a desvalorização que aos respectivos prédios acarretam os incômodos industriais. Suponhamos que a indenização é calculada e paga de uma só vez e, decorrido algum tempo, os progressos técnicos revelam meios de evitar os danos tidos como inevitáveis, no momento da indenização. Tem o proprietário prejudicado o direito de pedir que doravante os incômodos sejam prevenidos? Pensamos que sim. O paralelo com o direito de passagem nos é de suficiente no caso, dada a analogia das duas situações. Assim como nos termos do art. 709, II, do CC/1916 (atual CC 1.388, II), cessado o encravamento, cessa o direito de passar pelas terras do vizinho, assim, a nosso ver, cessada a inevitabilidade do incômodo, desaparece o dever de suportá-lo” (O conflito de vizinhança e sua composição, 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1972, p. 281). Verifica-se, portanto, que a sentença que, reconhecendo o interesse público na persistência da atividade prejudicial, fixa indenização cabal ao vizinho, está sujeita à cláusula rebus. Em outros termos, o pagamento da indenização cabal não forra o proprietário do dever de reduzir ou eliminar as interferências prejudiciais que eram inevitáveis e posteriormente se tornam evitáveis. Não há coisa julgada material da sentença anterior, porque os fatos são novos - interferências evitáveis - e a lide será outra. A única questão que remanesce é a da indenização já recebida pelo vizinho, especialmente se abranger projeção do dano por período futuro, alcançado na nova ação de redução da interferência. O valor correspondente ao período em que a interferência foi reduzida ou eliminada deve ser devolvido pelo vizinho, em atenção ao que dispõe o CC 884, que consagra a cláusula geral de vedação do enriquecimento sem causa. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.286. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Em seu artigo sobre Direito de Vizinhança, intitulado: “Ao uso anormal da propriedade”, publicado por Tauã Lima Verdan, em conteudojuridico.com.br, em uma primeira plana, cuida salientar que o direito de vizinhança alberga um sucedâneo de limitações, provenientes da norma vigente, que cerceiam a extensão das faculdades de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de prédios vizinhos, afixando um encargo a ser tolerado, a fim de resguardar a possibilidade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade de convivência social e para que haja o mútuo respeito à propriedade. No mais, se não subsistisse tais limitações, cada proprietário poderia invocar seu direito absoluto, na colisão de direitos todos restariam tolhidos de exercerem suas faculdades, eis que as propriedades aniquilar-se-iam. Ademais, há que se sublinhar que o direito de vizinhança objetiva a satisfação de interesses de proprietários opostos, o que se efetiva por meio das limitações ao uso e gozo dos proprietários e possuidores. Nesta esteira, saliente-se que há restrições decorrentes da necessidade de conciliar o uso e gozo por parte de proprietários confinantes, vez que a vizinhança tem sua gênese sempre que um ato do proprietário ou possuidor de um prédio passa a produzir repercussões no prédio vizinho, causando prejuízos ao próprio imóvel ou ainda transtornos a seu morador. Ao lado do exposto, prima realçar que o direito de vizinhança abarca um sucedâneo de direitos e deveres estabelecidos em relação aos vizinhos, em razão de sua condição.

 

Ab initio, ao se abordar o direito de vizinhança, pode-se salientar que o corolário maciço hasteia como flâmula que o proprietário, ou o possuidor, não podem exercer seu direito de modo que acarrete prejuízos à segurança, ao sossego e à saúde daqueles que habitam o prédio vizinho. “Limita-se o direito de propriedade quanto à intensidade de seu exercício em razão do princípio geral que proíbe ao indivíduo um comportamento que venha a exceder o uso normal de um direito”, ocasionando, via de consequência, prejuízo a alguém. Nesta esteira, insta salientar que devem os vizinhos manter respeito mútuo, atentando-se para o conjunto de regras morais e sociais de convívio, substancializando os seus direitos de maneira saudável e tranquila, com o escopo de restar preservada a harmonia social.

 

Entrementes, se o vizinho não gozar de atenção no que toca às regras de boa convivência, lançando mão de sua propriedade em condições anormais à sua época, meio ou ainda grupo em que se encontra convivendo, não atenderá, de maneira efetiva, a finalidade da vizinhança. Ao lado do expendido, não se pode olvidar que a conduta anormal de um vizinho, fatalmente, atingirá a regularidade da conduta do outro vizinho, acarretando modificações não queridas de seus hábitos, perturbando-lhe a tranquilidade, segurança ou saúde. Farias e Rosenvald pontuam que “certamente não é apenas o proprietário que se encontra em posição de sofrer consequências do uso anormal do imóvel vizinho. A disciplina jurídica dos direitos de vizinhança se refere à titularidade e também ao possuidor – direto e indireto”. Quadra sobrelevar que todos são detentores de direitos de índole subjetiva no que tange a um comportamento de abstenção de vizinhos, aptos a obstar o uso anormal da posse e da propriedade.

 

Em altos alaridos, há que se diccionar que a legitimidade ativa para o aforamento das ações cabíveis abarca os proprietários aparentes, compreendendo os titulares dos direitos reais, a exemplo do usufrutuário ou superficiário, e gerências de ordem socioeconômicas sobre o bem imóvel na qualidade de possuidores, sem qualquer relação com o proprietário. O direito de vizinhança encontra-se cingido ao mau uso da propriedade pela aquilatação das condutas perpetradas pelos proprietários e possuidores que extrapolam o razoável e atentam contra a segurança, sossego e saúde de vizinhos. O tema em debate deita-se em normas de Direito Público e Privado, assim como institutos afetos ao direito real e obrigacional. Com efeito, uma construção capaz de causar incômodos à vizinhança suportará limitações oriundas do direito privado e de normas urbanísticas e edilícias.

 

Incumbe ao vizinho que sofre as repercussões do mau uso da vizinhança lançar mão de alguns remédios jurídicos. Pode-se citar, como exemplo, a ação indenizatória alicerçada no CC 186 e busca a obtenção de título executivo judicial, sendo empregada pelo morador quando os incômodos já cessaram, a fim de alcançar o restabelecimento da situação fática anterior ao ilícito. No mais, o ressarcimento pelos danos provocados em prédios urbanos ou rústicos desenvolverá sua marcha processual pelo rito sumário, podendo, eventualmente, optar pelo juizado e especial, atentando-se tão somente para o teto legal. Todavia, em decorrência da complexidade da matéria, que exige a confecção de trabalhos técnicos de especialistas, poderá o caderno processual seguir o rito ordinário.

 

Igualmente, poderá utilizar da ação cominatória, insculpida nos artigos 286 e  287 do Código de Processo Civil, (esses artigos se confundem e mesclam com os artigos 324 e ss. do CPC/2015, Grifo VD), com o fito de cessar o uso nocivo, afixando-se, inclusive, multa diária, em caso de subsistir a recusa do devedor em cumprir as determinações judiciais. Pode-se, ainda, utilizar a tutela inibitória das obrigações de fazer e não fazer, com a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, desde que restem patentemente demonstrados os requisitos autorizadores, consistentes na verossimilhança das alegações articuladas na prefacial. É facultado ao requerente cumular à pretensão inibitória, pedido de danos materiais e morais verificados até a efetivação da medida coercitiva.

 

Incumbe ao vizinho que sofre as repercussões do mau uso da vizinhança lançar mão de alguns remédios jurídicos. Pode-se citar, como exemplo, a ação indenizatória alicerçada no CC 186 e busca a obtenção de título executivo judicial, sendo empregada pelo morador quando os incômodos já cessaram, a fim de alcançar o restabelecimento da situação fática anterior ao ilícito. No mais, o ressarcimento pelos danos provocados em prédios urbanos ou rústicos desenvolverá sua marcha processual pelo rito sumário, podendo, eventualmente, optar pelo juizado especial, atentando-se tão somente para o teto legal. Todavia, em decorrência da complexidade da matéria, que exige a confecção de trabalhos técnicos de especialistas, poderá o caderno processual seguir o rito ordinário.

 

Igualmente, poderá utilizar da ação cominatória, insculpida nos artigos 286 e 287 do Código de Processo Civil, (esses artigos se confundem e mesclam com os artigos 324 e ss. do CPC/2015, Grifo VD), como já analisado acima, com o fito de cessar o uso nocivo, afixando-se, inclusive, multa diária, em caso de subsistir a recusa do devedor em cumprir as determinações judiciais. Pode-se, ainda, utilizar a tutela inibitória das obrigações de fazer e não fazer, com a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, desde que restem patentemente demonstrados os requisitos autorizadores, consistentes na verossimilhança das articuladas na prefacial. É facultado ao requerente cumular à pretensão inibitória, pedido de danos materiais e morais verificados até a efetivação da medida coercitiva. (Direito de Vizinhança, intitulado: “Ao uso anormal da propriedade”, publicado por Tauã Lima Verdan, em conteudojuridico.com.br, Acessado 16/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 

Discorda absolutamente com o artigo em pauta, a doutrina de Ricardo Fiuza, ao comentar que, “apesar de ser uma inovação, é inócuo, visto que a possibilidade de redução ou mesmo eliminação da interferência é remotíssima. Como eliminar ou modificar, por exemplo, uma linha de transmissão de energia elétrica que atende grande parte da população? O mesmo se pode dizer de uma adutora de água. De mais a mais, o proprietário já foi indenizado. Teria ele de devolver o que recebeu? (Seria insensatez. Cada caso deve ser observado separadamente, ou o teor não foi entendido como deveria pelo relator, pois o que era não é mais, contudo, a lei, sabe-se não retroage em detrimento de.  Há de se estancar o vício, simplesmente - Grifo VD). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 659, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 16/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Direito Civil Comentado - Art. 1.275, 1.276 Da Perda da Propriedade - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - Art. 1.275, 1.276

Da Perda da Propriedade - VARGAS, Paulo S. R. - Parte Especial –

Livro IIITítulo III – Da Propriedade (Art. 1.275 e 1.276) Capítulo IV –

Da Perda da Propriedade  digitadorvargas@outlook.com

- vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade:


I – por alienação;


II – pela renúncia;


III – por abandono;

IV – por perecimento da coisa;

V – por desapropriação;

Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda da propriedade imóvel serão subordinados ao registro do título transmissivo ou do ato renunciativo no Registro de Imóveis.

No entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, e como ele leciona, o artigo em exame trouxe relevantes novidades, em relação ao art. 589 do Código Civil de 1916. A primeira delas está na abrangência do preceito, que traz os modos de perda da propriedade em geral, tanto móvel como imóvel, enquanto no velho Código Civil a regra se restringia à propriedade imóvel. A segunda está na eliminação do termo extinção da propriedade imóvel, que as mais modernas legislações reservam apenas aos casos de perda absoluta, ou seja, supressão do direito do mundo jurídico, como ocorre com o perecimento da coisa. Já a perda relativa não extingue o direito, apenas provoca a alteração de sua titularidade, como ocorre, por exemplo, na alienação.

Ressalva o caput que, além do rol previsto nos cinco incisos, perde-se a propriedade por outras causas previstas neste Código. Diga-se, aliás, melhor faria o legislador se mencionasse apenas que pode o proprietário sofrer perda absoluta ou relativa da propriedade, em vez de tentar relacionar as causas. No que se refere às outras causas previstas no próprio Código Civil, tomem-se como exemplo o casamento pelo regime da comunhão universal de bens, a morte natural, a ausência, a acessão e a usucapião, todas perdas relativas, pois provocam simultaneamente a perda para um e a aquisição da propriedade para outro titular.

O inciso I diz que se perde a propriedade pela alienação, que, no dizer clássico de Carvalho Santos, “é o ato pelo qual desfalcamos nosso patrimônio, transferindo a um outro determinado bem” (Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V III, p. 201). Normalmente, a alienação se faz por negócio jurídico, como a venda e compra, a troca, a doação e a dação em pagamento. Pode ocorrer, todavia, por ato independente de vontade, como o implemento de condição resolutiva no resgate da retrovenda, a arrematação ou a adjudicação em hasta pública, a alienação forçada do proprietário ao possuidor, prevista no § 4º do CC 1.228, já comentado; ou, ainda, a alienação judicial de coisa comum, para extinção do condomínio sobre coisa indivisível.

O inciso II alude à renúncia, que, segundo Nelson Rosenvald, é “o ato unilateral pelo qual o proprietário declara formal e explicitamente o propósito de despojar-se do direito de propriedade” (Direitos reais, teoria e questões, 2. ed. Rio de Janeiro, Impetus, 2003, p. 108). Não é a declaração de vontade receptícia, independendo, portanto, da aceitação de terceiros. Caso incida sobre coisa imóvel, deve ser instrumentalizada em obediência ao requisito formal do CC 108 e levada ao registro imobiliário, tornando-se a coisa sem dono (res nullius).

O inciso III trata do abandono, que difere da renúncia, pois não exige declaração expressa, mas se deduz de comportamento concludente do proprietário. O abandono exige requisito objetivo, a conduta de quem despreza o que é seu, somado a requisito subjetivo, a intenção de abdicar da coisa - animus abandonandi. A figura será tratada com mais profundidade no comentário ao artigo subsequente.

O inciso IV trata do perecimento da coisa. Se a coisa perece em sentido material, perde-se o direito de propriedade que sobre ela incide. É o caso do imóvel definitivamente inundado, da construção consumida por incêndio ou que rui em razão de alguma catástrofe. Também o caso de coisas móveis, que são destruídas ou ficam em local inacessível. Se a coisa perdida estiver segurada, os direitos reais, inclusive os de garantia, sub-rogam-se sobre o valor da indenização.

Finalmente, o inciso V trata da desapropriação, que se define como a transferência compulsória de bens pertencentes a particulares para o Estado, mediante pagamento de prévia indenização em dinheiro. É modo originário de aquisição da propriedade, não se vinculando ao título dominial anterior e nem transmitindo ao poder expropriante eventuais vícios ou ônus que incidiam sobre a coisa expropriada. Pode dar-se a desapropriação por interesse público (Decreto-lei n. 3.365/41), por interesse social (Lei n. 4.132/62) ou sanção (art. 182, § 4°, da CF e art. 8º da Lei n. 10.257/2001), esta última com pagamento em títulos da dívida pública. 

O parágrafo único do artigo em exame reza que os casos dos incisos I e II - alienação e renúncia - somente produzem efeito de perda da propriedade no momento no qual o título ingressa no registro imobiliário. O registro, como já visto, tem caráter constitutivo da propriedade e outros direitos reais sobre coisa imóvel adquiridos a título derivado e inter vivos e gera presunção relativa de veracidade, até que seja cancelado. Por isso, o título da alienação gera direito de crédito, que, levado a registro, converte-se em direito real, provocando a transferência da propriedade imóvel. Embora não diga a lei, também a alienação de bens móveis somente provoca a perda da propriedade no momento da tradição. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.276-77. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).


Como transmitido Ricardo Fiuza em sua doutrina, Alienação é a transferência onerosa de domínio, por vontade própria, a outrem. Renúncia é o ato unilateral de vontade do proprietário, que abre mão de seu direito. sobre a coisa, em favor de terceiro. Abandono é o ato unilateral de vontade em que o proprietário se desfaz de seu imóvel , por não mais desejar continuar sendo seu dono. O perecimento da coisa decorre de ato involuntário do proprietário, se proveniente de fato natural (raio, incêndio etc.) ou de ato voluntário do proprietário (destruição). Desapropriação, no conceito de Hely Lopes Meirelles, “é a transferência compulsória de bens particulares (ou públicos de entidades de grau inferior) para o poder público ou seus delegados, por necessidade ou utilidade pública, ou ainda por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro” (Direito administrativo brasileiro, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1966, p. 493).  Este dispositivo é adjunção dos arts. 589 e 590 do Código Civil de 1916. É de notar que o referido Código Civil falava apenas em propriedade imóvel, e o novo Código Civil ampliou esse conceito para abranger também a propriedade móvel. De resto, merece o dispositivo, o mesmo tratamento doutrinário dispensado aos artigos citados (sobre desapropriação, v. Carlos Alberto Dabus Maluf, Teoria e prática da desapropriação, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1999). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 656, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

No lecionar de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, a alienação consiste na transmissão do bem, pelo anterior titular ao atual, mantendo-se as mesmas características intrínsecas daquele. Se for coisa móvel opera-se pela tradição; em se tratando de imóvel, pelo registro público do título. Exige negócio jurídico e pode ser tanto gratuita (doação) quanto onerosa (permuta, compra e venda).

 

Renúncia constitui ato unilateral de manifestação de vontade, por parte do proprietário, que abdica de seu direito sobre o bem. Em se tratando de renúncia sobre bens imóveis, há a necessidade de escritura pública, com o respectivo registro público imobiliário, conforme parágrafo único do CC 1.275. Quanto aos móveis, basta abandoná-los. Se for renúncia à herança, segue a forma do CC 1.806 da codificação.

 

Ocorre abandono de bens imóveis quando o proprietário demonstrar o ânimo ou intenção de abrir mão deste título, ou seja, há necessidade de manifestação de atos exteriores neste sentido. Se o bem for móvel, há certa confusão com a renúncia.

 

O perecimento ocorre quando se verificar a efetiva perda do objeto por fenômenos naturais, como no caso de inundação ou incêndio, consumindo o bem e fazendo-o desaparecer, também podendo ocorrer por força da ação humana, ou seja, por ato voluntário.

 

A desapropriação é modalidade tradicional de extinção da propriedade, de forma involuntária, tratando-se de matéria de fundamento constitucional e regulamentado pelo direito administrativo, com base no Decreto-lei n. 3.365/1941.

 

Assim como a usucapião, a desapropriação é modo originário de aquisição da propriedade – neste caso, pelo Poder Público – não havendo, pois, qualquer relação jurídica de transmissão em relação ao antigo dono.

 

Admite-se a desapropriação nas hipóteses de necessidade e utilidade pública, hipótese em que quaisquer bens poderão ser desapropriados pela União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios (art. 2º, Decreto-lei n. 3.365/1941). Também se dá no caso de interesse social, para fins de reforma agrária, assim contida no art. 184 da Carta Magna, de competência exclusiva da União, quando o imóvel rural não estiver cumprindo sua função social, salvo nos casos de propriedade produtiva (art. 185, II, CF). Cabe também desapropriação pelo Município, a título de penalidade, quando o imóvel urbano não promover o seu uso adequado, nos termos do plano diretor (art. 182, § 4º. III, CF).

 

Desapropriação Judicial é a nova modalidade de perda da propriedade imóvel, em favor dos possuidores, vem prevista, ao lado das tradicionais formas de desapropriação necessidade ou utilidade pública ou interesse social), nos §§ 4º e 5º do CC 1.228. O legislador buscou valorizar, nesta figura jurídica – desapropriação privada – a posse pró-labore, ou seja, aquela voltada para a efetiva ocupação do solo com realização de obras de interesse social, refutando, assim, a ideia de propriedade voltada para objetivos individualistas e puramente especulativos.

 

Enunciado 565 do Conselho da Justiça federal: “Não ocorre a perda da propriedade por abandono de resíduos sólidos, que são considerados bens socioambientais, nos termos da Lei n. 12.305/2012”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 15.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 

Art. 1.276. o imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

 

§ 1º. O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

 

§ 2º. Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

 

É enaltecido o artigo em exame por Francisco Eduardo Loureiro, em especial seu § 2º, que consagra uma das mais relevantes inovações do Código Civil, derrubando um dos dogmas do direito privado: a propriedade não se perder pelo não uso, a começar pelo exame do caput do CC 1.276 que, embora reduzindo de modo significativo o prazo de abandono do imóvel urbano, de dez para três anos, manteve os requisitos objetivo e subjetivo do instituto, o comportamento do proprietário de abdicar da coisa e a intenção de fazê-lo – animus abandonandi. A prova do elemento subjetivo sempre foi tormentosa, pois a simples ausência de utilização de um imóvel não significava, necessariamente da quase impossível prova do estado anímico do dono. A dificuldade foi superada pelo legislador no § 2º do preceito, adiante comentado.

 

O caput do art. 1.276, embora preservando os requisitos tradicionais do abandono, introduz, desde logo, duas novidades. A primeira, já mencionada, diz respeito ao prazo, que caiu de dez para três anos para o imóvel urbano, com termo inicial na data da arrecadação do imóvel urbano, que o abandono é a causa, mas a transferência da propriedade somente ocorre com o escoamento do triênio, contado da lavratura do auto de arrecadação. A segunda novidade é somente ocorrerem os efeitos jurídicos do abandono caso o imóvel não esteja na posse de outrem. Trata-se de manifesta valorização da função social da posse, evitando que se torne público o imóvel e, com isso, impedindo a consumação da usucapião por terceiro possuidor. logo, somente pode ser arrecadado imóvel que não esteja sob posse de terceiro, quer essa posse de terceiro seja dependente ou não, justa ou injusta.

 

A arrecadação está subordinada à prévia citação do proprietário em procedimento ordinário, para que ele se defenda e elida a prova do abandono, sob pena de se ferir o princípio constitucional do devido processo legal. Segundo o Enunciado n. 242 da III Jornada de Direito Civil, em 2004: “A aplicação do CC 1.276 depende do devido processo legal, em que seja assegurado ao interessado demonstrar a não cessação da posse”. Mesmo depois da arrecadação, o imóvel ainda não integra o patrimônio público, de tal modo que, no triênio subsequente, poderá o proprietário evitar a perda, manifestando comportamento incompatível com o abandono, especialmente praticando atos possessórios, dando ao prédio sua natural destinação social e econômica e pagando os tributos sobre ele incidentes. Terá legitimidade para requerer a arrecadação do imóvel urbano o beneficiário do abandono, ou seja, a municipalidade onde ele se localizar, ou o Distrito Federal, se no respectivo território.

O § Iº traça regra simétrica para o imóvel rural. Dispõe deva estar ele “abandonado nas mesmas condições”, com comportamento do proprietário indicativo do abandono somado à intenção de abandonar, assim como não estar em posse de terceiro. O prazo é o mesmo, de três anos com termo inicial na data em que for o imóvel arrecadado. A única distinção é o destinatário do abandono e, portanto, da legitimidade para requerer a arrecadação, deslocando-se para a União Federal, qualquer que seja a localização do prédio. A situação do imóvel - urbano ou rural - é determinada por sua localização e não por sua destinação, tal como ocorre nas usucapiões especiais urbana e rural.

Como dito, a grande novidade está no § 2º do CC 1.276, que supera a tradicional dificuldade de demonstrar o animus abandonandi do proprietário. Diz o preceito que determinado comportamento - cessação dos atos de posse e inadimplemento dos ônus fiscais - cria presunção absoluta, iure et iure, da intenção de abandonar, não cabendo, por consequência, prova em sentido contrário do dono. O que fez o legislador foi qualificar certa conduta concludente, dela extraindo o elemento subjetivo. Note-se a utilização do aditivo e, ou seja, não basta a cessação dos atos de posse e o imóvel não se encontrar de posse de terceiros; deve se somar, também, a falta de pagamento de tributos incidentes sobre o prédio. Os dois requisitos somados, cumulativos, é que criam a presunção absoluta de abandono.

No que se refere à cessação dos atos de posse, não mais cabe a clássica noção de que o não uso é uma prerrogativa do proprietário e, portanto, a inércia é uma das facetas da possível conduta do dono. A doutrina clássica dizia que a “simples negligência em reclamar a coisa ou qualquer outro ato negativo não importa no abandono, que exige sempre um ato positivo do proprietário, que abandona voluntariamente a posse da coisa, com intenção de deixar que outro adquira” (Carvalho santos , J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1952, v. V III, p. 201). A moderna noção de função social da propriedade, e também da posse, exige conduta positiva circunstanciada do possuidor, dando à coisa sua natural finalidade econômica e social. A conduta negativa somente se admite em casos excepcionais, quando revestida de interesse social, por exemplo, a não exploração de áreas de proteção ambiental. Em termos diversos, o legislador sancionou a falta de atos possessórios positivos, extraindo da conduta omissiva, aliada ao inadimplemento fiscal, o efeito jurídico de animus abandonandi.

Nada impede que comportamento diverso do dono ou a presença de apenas uma das circunstâncias previstas gerem a perda da coisa por abandono, cabendo, porém, em tal caso, ao Poder Público a difícil prova do animus abandonandi. Como consta do Enunciado n. 243 da III Jornada de Direito Civil, em 2004: “A presunção de que trata o § 2º do CC 1.276 não pode ser interpretada de modo a contrariar a norma-princípio do art. 150, IV, da Constituição da República”. A grande lacuna do preceito é não fixar a duração que se exige de comportamento concludente do dono - falta de posse e inadimplemento fiscal - para que possa ser feita a arrecadação do imóvel. Lembre-se de que o prazo de três anos, referido no caput no § Iº do artigo em exame, medeia entre a arrecadação e a incorporação definitiva e irreversível da coisa ao patrimônio público.

O tempo entre o início da inércia do proprietário e a arrecadação não é previsto em lei. É óbvio que a inércia do dono, ainda que somada ao inadimplemento fiscal por prazo reduzido, não basta para configurar o abandono. O juiz, caso a caso, sopesando a natureza do imóvel, sua localização e as condições pessoais do dono, verificará se da conduta omissiva prolongada e contínua se extrai a presunção absoluta do elemento subjetivo, franqueando, então, o prédio à arrecadação. Sublinhe-se, ainda, que, mesmo após a arrecadação, não ingressa o imóvel no patrimônio público e, tal como os bens do ausente, é permitido que o proprietário impeça a perda, adotando no triênio subsequente conduta contrária àquela punida pelo legislador. Finalmente, não há como afirmar a inconstitucionalidade do preceito, que não cria nova modalidade de desapropriação ou perda da propriedade à margem da Carta Política, mas apenas dá significação ao animus abandonandi, amoldando-o a determinada conduta do proprietário É mais uma das faces da concreção do princípio da função social da propriedade. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.286-87. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/10/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Algumas controvérsias existem até o momento, segundo o histórico e a doutrina de Ricardo Fiuza, abrangendo o artigo em comento, como se verá: “O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, cinco anos depois, à propriedade do Município, ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições. O imóvel, situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, cinco anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize”. este era o texto original do dispositivo. Emenda senatorial de n. 132, alterou sua redação, passando a configurar-se nos termos atuais. O relator parcial da matéria no período final de tramitação do projeto, Deputado José Roberto Batochio, opinou pela rejeição da emenda, entendendo que. “embora a emenda aluda apenas ao ‘caput’ do CC 1.276, na verdade o que faz é suprimir o conteúdo do seu parágrafo, deslocando, para este, o período final do ‘caput’. Entretanto, o dispositivo do parágrafo, na redação do projeto, é necessário para a compreensão do ‘caput”’.

O Deputado Fiuza discordou da relatoria parcial, entendendo que “a emenda apresentada não se restringia aos aspectos formais do dispositivo original, visto como propõe a substituição do prazo de 5 (cinco) anos, pelo prazo de 3 (três) anos, conducente à perda da propriedade em benefício do Município, do Distrito Federal ou da União. Sendo oportuno assinalar que o Código Civil, atualmente em vigor, exige, para configuração da hipótese, o decurso de 10 (dez) anos para o imóvel localizado em zona urbana, e 5 (cinco) anos se localizado em zona rural. Nesse particular, a emenda encurtou o prazo de incorporação do bem vago ao patrimônio dos órgãos públicos territoriais, militando em favor da política habitacional urbana e da reforma agrária, constitucionalmente previstas (CF, arts. 182/183 e 184/191).

À vista do incremento numérico dos chamados ‘sem teto’ e ‘sem terra’, fenômeno inquestionável nos dias atuais, a exigir, nessa área, uma atuação crescente e eficaz da União e dos Municípios, tínhamos como merecedora de acolhimento a emenda, que aliás não nos parecia padecer de qualquer vício formal”. Foi aprovada a alteração.

Segundo a Doutrina, este artigo corresponde ao § 2º do art. 589 do Código Civil de 1916, e introduz inúmeras inovações. A que mais chama a atenção é a redução do prazo, de dez para três anos, para que ocorra a perda da propriedade dos imóveis urbanos por abandono. Não menos importante, também, é a exclusão do Estado-Membro do rol daqueles entes que podem arrecadar imóveis urbanos abandonados. É de causar espécie a possibilidade de ser considerado abandonado o imóvel cujo proprietário não venha pagando os impostos sobre ele devidos, uma vez que a inadimplência pode ter como causa, inclusive, a discussão, administrativa ou judicial, dos valores lançados, ou mesmo motivos de força maior, sendo tal possibilidade um autêntico confisco, vedado pela CF/88, que assegura, também, o direito de propriedade maculado por essa hipótese.

Sugestão legislativa: Pelos fundamentos expostos, apresentou-se ao Deputado Ricardo Fiuza proposta para supressão, no § 2º este artigo, das palavras “de modo absoluto”, por entendermos tratar-se de presunção relativa (Juris tantum), e não absoluta (juris ei de jure). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 656-57, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/10/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Na visão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, se o bem imóvel for abandonado e não estiver na posse de terceiros, será arrecadado como bem vago e, após três anos, passará ao domínio do Município, se for urbano. Em sendo rural, passará ao domínio da União. 

O § 2º traz uma nova modalidade de perda da propriedade imóvel, quando o dono deixar de exercer a posse sobre o bem e, ao mesmo tempo, de pagar os ônus fiscais incidentes, como o IPTU ou ITR. A lei passou a presumir esta situação como de abandono, de forma absoluta.

É uma maneira de ceifar a utilização anormal da propriedade, ou seja, de demonstrar que a propriedade exerce, hodiernamente, uma função social, e seu exercício deve pautar este princípio geral. A polêmica deste dispositivo poderá surgir quanto à sua operabilidade, já que se refere à arrecadação como bem vago, sendo que, para a cobrança de exações, há o meio jurídico adequado pela fazenda Pública, seguindo o devido processo legal. Trata-se, pois, de uma nova modalidade de perda da propriedade imóvel por arrecadação, como bem vago, por inexistir função social da posse e pela falta de pagamento dos respectivos tributos.

Enunciados do Conselho da Justiça Federal: 242 “A aplicação do CC 1.276 depende do devido processo legal, em que seja assegurado ao interessado demonstrar a não-cessação da posse”; 243 “A presunção de que trata o § 2º do CC 1.276 não pode ser interpretada de modo a contrariar a norma-princípio do art. 150, IV, da Constituição da República”; 316 “Eventual ação judicial de abandono de imóvel,, caso procedente, impede o sucesso de demanda petitória”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira apud  Direito.com acesso em 15.10.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).