quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.361, 1.362, 1.363 Da Propriedade Fiduciária – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.361, 1.362, 1.363

Da Propriedade Fiduciária – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo III – Capítulo IX – Da Propriedade Fiduciária - (Art. 1.361 a 1.368-A) digitadorvargas@outlook.com

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Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. 

§ 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro. 

§ 2º Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa. 

§ 3º A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.

No diapasão de Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, o Código Civil de 2002 passou a definir o que seja propriedade fiduciária, não estando revogados apenas os dispositivos procedimentais do Decreto-Lei nº 911/1969, eis que seu aspecto material passou a constar da codificação . a propriedade fiduciária é caracterizada pela transferência do domínio do bem móvel ao credor, chamado credor fiduciário – que se trata, via de regra, de uma instituição bancária ou financeira, que fornece o dinheiro para a transação – como forma de garantia do pagamento a ser quitado (pactum fiduciae). O devedor fiduciante tem a posse direta do bem, sendo que o domínio e a posse indireta pertencem ao credor, a título de garantia, não se operando uma tradição real, mas sim ficta, pelo constituto possessório (Gonçalves, 2006, p. 402). Menciona o CC 1.361 que a propriedade fiduciária é resolúvel, uma vez que será extinta a propriedade do credor fiduciário em favor do devedor fiduciante, assim que este quitar integralmente seu débito, fazendo jus à plena titularidade do bem. De fato, com o pagamento da dívida, opera-se a restituição do domínio do devedor. 

De conformidade com a nova codificação, a propriedade fiduciária é tida como uma modalidade de direito real de garantia, ainda que não constante expressamente do CC 1.225, tendo como objeto bens móveis infungíveis, ou não consumíveis.

Sendo ato formal, o negócio jurídico bilateral deve ser registrado no Cartório de Títulos e Documentos e, em se tratando de veículos, na repartição pública responsável pelo seu licenciamento, anotando-se no seu respectivo certificado de registro.

Súmula 28 do Superior Tribunal de Justiça: “O contrato de alienação fiduciária pode ter por objeto bem que já integrava o patrimônio do devedor”.

Súmula 92 do Superior Tribunal de Justiça: “A terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no certificado de registro do veículo automotor”.

Enunciado 325 do Conselho da Justiça Federal: “É impenhorável, nos termos da Lei nº 8.009/90, o direito real de aquisição do devedor fiduciante”.

Enunciado 506 do Conselho da Justiça Federal: “Estando em curso contrato de alienação fiduciária, é possível a constituição concomitante de nova garantia fiduciária sobre o mesmo bem imóvel, que, entretanto, incidirá sobre a respectiva propriedade superveniente que o fiduciante vier a readquirir, quando do implemento da condição a que estiver subordinada a primeira garantia fiduciária; a nova garantia poderá ser registrada na data em que convencionada e será eficaz desde a data do registro, produzindo efeito ex tunc”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acesso em 26.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Regime jurídico da propriedade fiduciária: O capítulo em exame, que disciplina a propriedade fiduciária, foi integralmente introduzido no atual Código Civil, pois o Código revogado era silente a respeito. Veja-se, porém, no comentário de Francisco Eduardo Loureiro, profusa legislação especial tratando da matéria. Pode-se afirmar a atual coexistência de triplo regime jurídico da propriedade fiduciária: o Código Civil disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, quando o credor fiduciário não for instituição financeira; o art. 66-B da Lei n. 4.728/65, acrescentado pela Lei n. 10.931/2004, e o Decreto-lei n. 911/69 disciplinam a propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis quando o credor fiduciário for instituição financeira; a Lei n. 9.514/97, também modificada pela Lei n. 10.931/2004, disciplina a propriedade fiduciária sobre bens imóveis, quando os protagonistas forem ou não instituições financeiras; a Lei n. 6.404/76 disciplina a propriedade fiduciária de ações; a Lei n. 9.514/97, com redação dada pela Lei n. 10.931/2004, disciplina a titularidade fiduciária de créditos como lastro de operação de securitização de dívidas do Sistema Financeiro Imobiliário.

O CC 1.368-A, adiante comentado, explicita a solução do conflito de leis. Dispõe que o Código Civil trata apenas da propriedade fiduciária sobre bens móveis infungíveis entre pessoas naturais ou jurídicas, desde que o credor fiduciário não seja instituição financeira. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, com aplicação supletiva do Código Civil, no que não contrariar as leis especiais.

As regras processuais da execução da propriedade fiduciária disciplinada 110 Código Civil não mais são as do Decreto-lei n. 911/69. O art. 8°- A do Decreto-lei n. 911/69, alterado pela Lei n. 10.931/2004, diz que o procedimento judicial se aplica somente nas hipóteses da Seção XIV da Lei de Mercado de Capitais, ou seja, somente para as situações jurídicas nas quais a credora fiduciária seja uma instituição financeira, ou pessoa jurídica equiparada. Será a matéria melhor examinada no comentário ao CC 1.363 a seguir.

O Código Civil de 2002, nos CC 521 a 528, trata da compra e venda com reserva de domínio, que pode gerar certa confusão com a propriedade fiduciária. Algumas diferenças, porém, distinguem os dois institutos. Como ensina Orlando Gomes, “na venda com reserva de domínio a alienação é suspensa, conservando o vendedor a propriedade do bem, até que se realize a condição, enquanto na alienação fiduciária em garantia a transferência da propriedade é um dos pressupostos de sua perfeição”, embora em caráter resolúvel, voltando ao patrimônio do transmitente, quando a dívida é paga (Alienação fiduciária em garantia. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1970, p. 26-7).

Definição: A cabeça do CC 1.361 define com precisão a propriedade fiduciária: propriedade resolúvel que o devedor, com finalidade de garantia, transfere ao credor. No dizer de Caio Mário da Silva Pereira, é “a transferência, ao credor, do domínio e posse indireta de uma coisa, independentemente de sua tradição efetiva, em garantia do pagamento de obrigação a que acede, resolvendo-se o direito do adquirente com a solução da dívida garantida” (Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003. p. 426). Não se confunde com a alienação fiduciária em garantia, o contrato que serve de título para a constituição da propriedade fiduciária. A alienação fiduciária é o negócio jurídico, enquanto a propriedade fiduciária é direito real com escopo de garantia. 

Protagonistas da propriedade fiduciária são o credor fiduciário e o devedor fiduciante. Nada impede que terceiro não devedor transfira coisas de sua propriedade em caráter resolúvel para o credor, garantindo obrigação alheia. Antes da vigência do Código Civil de 2002, grassava na doutrina séria divergência sobre a possibilidade de pessoas jurídicas - ou naturais - que não instituições financeiras pudessem figurar como credoras fiduciárias. A tendência majoritária era no sentido de reservar o instituto somente às instituições financeiras e entidades equiparadas, como consórcios (RT) 124/1.443, 125/842, RT 624/220). Agora não mais. Abre 0 Código Civil a possibilidade de qualquer credor, pessoa jurídica ou natural, usar a propriedade fiduciária para garantir o adimplemento de obrigações. Mais ainda, o parágrafo único do art. 22 da Lei n. 9.514/97, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.076/2004, reza que a alienação fiduciária de bens imóveis pode ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no sistema financeiro imobiliário. Há o temor de que a nova modalidade de propriedade-garantia sirva de estímulo para a usura. Como, porém, alerta Moreira Alves, “o justo temor da usura deve levar ao combate desta, e não à limitação de uma garantia que vem se impondo por sua maior eficácia em face das até então admitidas” (Da alienação fiduciária em garantia, 3. ed. Rio de Janeiro, Forense. 1987, p. 266). Esse forte instituto, agora franqueado a todos os contratantes, que implica a transferência dc propriedade resolúvel ao credor, pondo-o a salvo do concurso dc outros credores, somado à rápida execução no caso de inadimplemento, certamente se tornará a mais popular das garantias reais, pondo de lado o penhor e a hipoteca. Repousa a propriedade fiduciária sobre três institutos fundamentais ao seu entendimento: desdobramento da posse, propriedade resolúvel e patrimônio de afetação. Quanto ao desdobramento da posse, a posse direta permanece com o devedor, enquanto a posse indireta e a propriedade resolúvel permanecem com o credor fiduciário, aplicando-se o CC 1.197 do Código Civil, já comentado, ao qual se remete o leitor. Não há necessidade de entrega material da coisa do credor ao devedor, nem vice-versa, podendo ocorrer tradição ficta, ou meramente convencional, pelo constituto possessório. Ambos são possuidores, dispõem de tutela possessória para defender a posse contra atos ilícitos de terceiros, assim como um contra o outro, sempre que as respectivas condutas afrontarem os poderes convencionalmente atribuídos ao credor fiduciário e ao devedor fiduciante. Cabe, por exemplo, ação possessória do devedor contra tentativa ilícita do credor de retomar a posse direta do bem alienado. Cabe, também, ação possessória do credor contra o devedor, quando houver quebra do dever de restituição, ou quando o devedor colocar em risco de perda ou tentar alienar a coisa que não lhe pertence.

A propriedade transmitida ao credor fiduciário em garantia é resolúvel, por ser subordinada a um evento futuro e incerto, qual seja, o adimplemento da obrigação garantida. Efetuado o pagamento, a coisa retorna ao devedor automaticamente, sem necessidade de nova emissão de vontade das partes. O devedor fiduciante, embora não diga de modo expresso a lei, tem mais do que a simples posse direta da coisa. Tem a propriedade sob condição suspensiva, vale dizer, a legítima expectativa de recuperar o domínio da coisa, tão logo cumpra a obrigação garantida, sem que a isso possa se opor o credor. Nas obrigações de execução diferida e fracionada, quanto mais parcelas o devedor paga, mais próximo se encontra o implemento da condição suspensiva, que lhe devolverá o domínio da coisa dada em garantia. Na boa expressão de Aderbal da Cunha Gonçalves, ao constituir a propriedade fiduciária, credor e devedor "são investidos de direitos opostos e complementares, e o acontecimento que aniquila o direito de um, consolidará, fatalmente, o do outro” (Da propriedade resolúvel. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1979, nota 82). 

A propriedade fiduciária constitui patrimônio de afetação, porque despida de dois dos poderes federados do domínio - jus utendi e fruendi-, que se encontram nas mãos do devedor fiduciante. O credor fiduciário tem apenas o jus abutendi e, mesmo assim, sujeito à condição resolutiva, destinado, afetado somente a servir de garantia ao cumprimento de uma obrigação. O direito de dispor, na verdade, está atrelado à cessão do crédito garantido. A propriedade-garantia é acessória à obrigação e segue sua sorte. A peculiaridade é que, ao contrário das demais garantias reais, incide não sobre coisa alheia, mas sobre coisa própria transferida ao credor, embora sob condição resolutiva. 

Objeto: Podem ser objeto da propriedade fiduciária, no regime do Código Civil, apenas as coisas móveis infungíveis. Os bens móveis estão disciplinados nos CC 82 a 84 do Código Civil. Note-se que o CC 1.361 não alude a bens, mas às coisas móveis, vale dizer, apenas aos bens móveis corpóreos. Engloba as coisas semoventes, as que não se movem por força própria e as móveis por antecipação. Abrange também as pertenças, pois o STJ, anteriormente à vigência do atual Código Civil, admitiu a constituição de propriedade fiduciária sobre bens imóveis por acessão intelectual, categoria não mais contemplada na lei (Ag. n. 94.947/MG, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 12.08.1996). Devem, no entanto, ser infungíveis, ou seja, somente coisas que não podem ser substituídas por outras da mesma espécie, qualidade e quantidade. Incluem-se aí veículos, eletrodomésticos e outros bens de consumo duráveis individualizados por números de série e marcas que permitam distingui-los de qualquer outro, tornados infungíveis por convenção das partes.

Admite-se, também, a propriedade fiduciária sobre navios e aeronaves, que podem, de acordo com a conveniência das partes, ser dados em hipoteca (Decreto-lei n. 413/69). O Código Civil de 2002 positivou e restringiu o entendimento do STJ, no sentido de que as coisas fungíveis e consumíveis não podem ser objetos de propriedade fiduciária (REsp n. 19.915-8/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo; RTJ 65/444). Note-se que a lei não mais menciona coisas consumíveis. Logo, coisas fungíveis, embora inconsumíveis, não mais podem ser dadas em garantia fiduciária. 

A regra mencionada não vale para a alienação fiduciária em garantia no âmbito do mercado de capitais. A Lei n. 10.931/2004 acrescentou o art. 66-B à Lei n. 4.728/65, admitindo de modo explícito propriedade fiduciária sobre coisa fungível e cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e sobre títulos de crédito. Vai mais longe a lei e permite que, caso esteja o credor de posse direta da coisa ou título recebido em garantia, na hipótese de inadimplemento poderá vender o bem a terceiro independentemente de qualquer medida judicial ou extrajudicial, ferindo os princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal. 

Forma: O § Iº do CC 1.361 disciplina a forma e o registro do contrato e termina com antiga polêmica sobre a natureza do registro. Explicita o preceito que a propriedade fiduciária se constitui com o registro. Não há mais sentido em discutir se o registro tem efeito constitutivo ou publicitário, e perde vigência a Súmula n. 489 do STF, do seguinte teor: “A compra e venda de automóvel não prevalece contra terceiros, de boa-fé, se o contrato não foi transcrito no Registro de Títulos e Documentos”. Positivou a lei a Súmula n. 92 do STJ: “A terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no Certificado de Registro do veículo automotor”. 

A questão agora não é mais de oponibilidade em face de terceiros de boa-fé, mas de inexistência de propriedade fiduciária sem o prévio e correto registro. Antes do registro, há simples crédito, sem qualquer garantia real nem propriedade resolúvel transferida ao credor. Por isso, não mais se aplica a Súmula n. 30 do extinto II TACSP, que dispõe o registro do contrato não ser pressuposto para o ajuizamento da ação de busca e apreensão e para a concessão de liminar contra o devedor ou terceiro. Recente precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo foi no sentido exatamente oposto ao da súmula: sem registro, não cabe a ação para retomada da coisa. Ficou assentado que “o registro do contrato na repartição competente para o licenciamento é indispensável à constituição da propriedade fiduciária. Indemonstrado o direito real, descabida a ação de busca e apreensão prevista na lei especial” (TJSP, AI n. 1.124.091-0/2, rel. Des. Lino Machado, j. 08.08.2007). Reconhece-se, porém, ser a matéria ainda polêmica, com julgados em ambos os sentidos (v. TJSP, Ap. cível n. 1.077.713-0/9, 35ª Câm. Dir. Privado, rel. José Malerbi, j. 19.10.2009). 

O atual Código Civil explicita onde e como devem ser feitos os registros, dividindo as coisas móveis infungíveis em duas categorias: veículos e outras coisas. Para as coisas móveis infungíveis em geral, o registro deve ser feito no Oficial do Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor. Se houver mais de um devedor, ou um devedor e um garantidor, nos domicílios de ambos. Embora seja omissa a Lei de Registros Públicos, é conveniente, em atenção à finalidade publicitária do registro, que as Corregedorias Gerais de cada estado editem normas organizando central ou cadastro único em ordem alfabética, nas comarcas onde houver mais de um Oficial de Registro de Títulos e Documentos. É o caso, por exemplo, da capital do Estado de São Paulo, onde existem uma dezena de oficiais, sem distribuição territorial entre eles, dificultando a pesquisa de terceiros que pretendam adquirir coisa móvel infungível. Para os veículos, o registro far-se-á unicamente na repartição competente para o licenciamento, com anotação no certificado de propriedade do veículo, dispensado, por ineficaz, registro no Oficial de Títulos e Documentos, como em julgados recentes entendeu o STJ. Positivou o Código Civil a Súmula n. 92 do STJ, de inegável conteúdo prático, pois os usos e costumes indicam que adquirentes e terceiros consultam apenas documentação dos veículos e repartições de trânsito, em vez de Oficiais de Registro de Títulos e Documentos.

O mesmo § 1º explicita o contrato ser solene, porque exige a forma escrita, indiferente, porém, se por instrumento público ou particular, o que é natural, por se tratar da transferência de coisas móveis. A novidade não está no Código Civil, mas na Lei n. 11.076/2004, que alterou o art. 38 da Lei n. 9.514/97, dispondo que os atos e contratos relativos à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, inclusive a propriedade fiduciária, podem ser celebrados por escritura pública ou instrumento particular com efeito de escritura pública, no regime do Sistema Financeiro Imobiliário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.404-07. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Diz o histórico a respeito deste novo direito incorporado ao Código Civil brasileiro, na Exposição de Motivos do anteprojeto, o Prof. Miguel Reale, na qualidade de Supervisor da Comissão Elaboradora e Supervisora, escreveu (DOU 13-6-1975) tratar-se a propriedade fiduciária de instituto jurídico de grande alcance,”... disciplinado consoante proposta feita pelo Prof. José Carlos Moreira Alves. que acolheu sugestões recebidas pelo Banco Central do Brasil e analisou cuidadosamente ponderações feitas por entidades de classe. Passou a ser considerada a propriedade fiduciária com o arquivamento, no Registro de Títulos e Documentos do domicilio do devedor, do contrato celebrado por instrumento público ou particular, que lhes serve de título”. Note-Se, ressalta o ilustre Professor e Membro da Comissão de juristas que, “em se tratando de veículos, além desse registro, exige-se o arquivamento do contrato na repartição competente para o licenciamento, fazendo-Se a anotação no certificado de propriedade. Os demais artigos, embora de maneira sucinta, compõem o essencial para a caracterização da propriedade fiduciária, de modo a permitir sua aplicação diversificada e garantida no mundo dos negócios”.

Por outro lado, os Senadores Passos Porto e Murilo Badaró, buscando compatibilizar o texto do dispositivo com o que já dispunha a Lei de Registros Públicos, foram responsáveis pela Emenda n. 146, que alterou o § 1º constante do projeto proposto pela Câmara dos Deputados, e que tinha a seguinte redação: “constitui-se a propriedade fiduciária com o arquivamento do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicilio do devedor,- ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de propriedade”. 

Merece ser ressaltado, na justificação da emenda, acolhida pelo Deputado Ricardo Fiuza, que se o art. 127 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015, de 31-12-1973) prevê transcrição e o projeto ora analisado, ao cuidar do “penhor de veículos”, refere-se a instrumento público, ou particular, inscrito no Registro de Títulos e Documentos, tomou-se ilógico manter a exigência de arquivamento. Por isso, a não-inclusão desse requisito, no texto final do Código aprovado e sancionado. Mais recentemente, na fase de revisão do texto final, apresentou-se duas propostas de ajuste técnico redacional que foram acolhidas pelo eminente Relator Geral, Deputado Ricardo Fiuza, e, finalmente, aprovadas pelo Congresso Nacional. A primeira respeitava ao CC 1.361, a fim de substituir a palavra “transcrição” por “registro”, harmonizando-se, desta maneira, a expressão com a própria terminologia do Código e da Lei dos Registros Públicos (LRP, art. 129, § 52, c/c art. 131); a segunda sugestão referia-se ao CC 1.364, e visava a colocar a palavra “terceiro” no plural “terceiros”, justificando-se a alteração em razão de que a alienação é realizada de maneira impessoal. Ademais, a aquisição do bem pode ser efetuada, por exemplo, por mais de uma pessoa, conjuntamente (em condomínio ou composse).

Na doutrina apresentada mostra Ricardo Fiuza, o novo direito real sobre coisa alheia refere-se tão-somente aos bens móveis infungíveis. Portanto, nenhum reflexo haverá na órbita da alienação fiduciária de bens imóveis (Lei n. 9.514, de 20-11- 1997).

Por outro lado, a alienação fiduciária em garantia, regulada pelo Decreto-lei 911, de 1-10-1969, em tudo aquilo que concerne ao direito material e se encontra doravante regulado por este Código, considera-se revogada. Em outros termos, o Decreto-lei n. 911/69 encontra-se derrogado pelo NCC, aplicando-se apenas, no que couber, para as questões de ordem instrumental específica (valendo ressaltar que se trata de norma especial) em ação de busca e apreensão (arts 32, 42 e 52). Ademais, não deixa qualquer dúvida a regra insculpida, a esse respeito, CC 2.043. Nada obstante, ó proprietário poderá também fazer uso da ação reivindicatória e ação de reintegração de posse, além da ação especial de busca e apreendo já mencionada. Sobre alienação fiduciária em garantia de aeronave, continua em pleno vigor a lei específica que rege a matéria (Código Brasileiro de Aeronáutica, arts. 148 a 152). Aplica-se também a nova lei na qualidade de macrossistema civil, em caráter subsidiário, à medida que passa também a regular esse instituto jurídico. O titular do direito real é, na verdade, o credor fiduciário — propriedade resolúvel — assim denominada porque tão logo o devedor fiduciário (possuidor direto) cumpra integralmente com a sua parte no contrato, a propriedade superveniente toma-se adquirida por ele de maneira eficaz (CC 1.361, § 3º). Em virtude da transferência da posse direta (posse relativa direta) do bem móvel infungível, objeto da contratação para o devedor (uso e gozo), constitui-se o direito real em questão uma garantia ínsita à alienação fiduciária. Para que a propriedade fiduciária constitua-se juridicamente, i. é, seja hábil para gerar seus efeitos no mundo do direito, faz-se mister, impreterivelmente, a observância dos requisitos contidos no § 1º do CC 1.361. Todavia, constata-se um sério equívoco, no texto do aludido parágrafo, que compromete alguns dos efeitos caracterizadores da natureza real do próprio instituto, pois em se tratando de veículo automotor, diante do emprego da conjunção “ou” utilizada inadequadamente, ficaria excluído o registro do contrato no Cartório do Registro de Títulos e Documentos, contentando-se a norma com a simples inscrição na repartição de trânsito competente para o licenciamento, com as anotações de praxe no certificado de registro do automóvel (OP. in fine).

Sem dúvida, essa não foi a vontade do legislador e, por conseguinte, não é a mens legis, tudo levando a crer que não passou de um lamentável erro de digitação que acabou passando despercebido por todos, durante as intermináveis fases de revisão. Basta que lancemos os olhos para a Lei dos Registros Públicos (arts. 127 a 131) quando trata do registro de títulos e documentos e transcrição dos respectivos instrumentos particulares. Sem nenhum sentido, sobretudo em sede de direitos reais, a prática de um negócio jurídico dessa ordem, voltada a concretização da propriedade fiduciária, realizada à margem dó Registro de Títulos e Documentos.

Com a constituição da propriedade fiduciária e os desdobramentos da posse, o credor fiduciário mantém-se na qualidade de único titular do direito real (propriedade resolúvel) e possuidor indireto (posse absoluta ou própria indireta). Enquanto o devedor haverá de permanecer, durante todo o período ajustado em contrato, como possuidor direto do bem móvel infungível (posse relativa ou não-própria direta). Verificado de maneira cabal o adimplemento do contrato de alienação fiduciária em todos os seus termos, será adquirida a propriedade superveniente do bem móvel infungível pelo então devedor possuidor direto, tornando-se eficaz de pleno direito a sua transferência, segundo se infere do § 3º do CC 1.361. Contudo, esse § 32 faz alusão à eficácia da aquisição, referindo-se ao tempo do “arquivamento” do contrato de alienação fiduciária no Registro de Títulos e Documentos. No histórico supra, demonstrou-se a supressão dessa palavra no § 1º, porquanto desnecessária e em manifesta discrepância com a LRP e com a terminologia do próprio NCC. Contudo. por um lapso, durante a revisão final, deixou-se de efetuar igualmente a supressão desta feita, no mencionado parágrafo. Súmulas do STJ: 28 - O contrato de alienação fiduciária em garantia pode ter por objeto bem que já integrava o patrimônio do devedor; 92 - A terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no Certificado de Registro do veículo automotor. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 696-698, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.362. 0 contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, conterá:

I - o  total da dívida, ou sua estimativa; 

II - o prazo, ou a época do pagamento;

III - a taxa de juros , se houver;

IV- a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis a sua identificação.

Segundo a doutrina de Ricardo Fiuza, o presente dispositivo indica elementos mínimos essenciais que deverão estar contidos nos contratos de alienação fiduciária, para os devidos fins de constituição do direito tal de propriedade fiduciária, nos termos delineados no § 1º do CC 1.361. Nada obsta, contudo, que outros elementos integrem, por intermédio de cláusulas, o contrato de alienação fiduciária, desde que harmonizados com o instituto jurídico em questão . 

Percebe-se, todavia. a ausência, no rol dos quatro incisos do CC 1.362, de um importante elemento que não deveria ter sido omitido pelo legislador, tendo-se em conta que, em regra, encontra-se inserto nos contratos em geral, merecendo, portanto, ser considerado como elemento indispensável para as alienações fiduciárias. Refere-se o autor à inclusão do requisito do valor do bem objeto da alienação, à medida que o valor total da dívida, necessariamente. nem sempre corresponderá ao valor do bem alienado fiduciariamente . Para tanto, apresenta-se sugestão para modificação do NCC. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 698, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não tem correspondente no Código Civil de 1916. O art. 1º do Decreto-lei n. 911/69, que alterou a redação cio art. 66 da Lei n. 4.728/65, continha regra semelhante, exigindo a especialização da dívida e da coisa dada em garantia fiduciária. Atualmente, no âmbito do mercado de capitais, regra semelhante contém o art. 66-B da Lei n. 4.728/65, com redação dada pela Lei n. 10.931/2004. Nota-se, inicialmente, que o Código Civil de 2002 permite a propriedade fiduciária garantir os mais diversos contratos e obrigações, apenas fixando seus parâmetros mínimos em atenção ao princípio da especialização. Disso decorre a propriedade fiduciária ser garantia amoldável a diversas obrigações, de dar, inclusive pecuniária, de fazer, ou não fazer, desde que se conheçam o total e as características da dívida garantida.

Como dito, a propriedade fiduciária é acessória à obrigação garantida, seguindo sua sorte. Nada impede, de resto, que uma mesma obrigação receba múltiplas garantias, reais e fidejussórias; portanto a perda ou deterioração da coisa entregue em propriedade fiduciária em nada altera a garantia pessoal prestada por fiador ou avalista de título cambial emitido em reforço (TACMG, Ap. n. 22.422-0, rel. Juiz Lauro Bracarense, j. 10.10.1996). Guarda a regra simetria com o CC 1.424, que consolida o princípio da especialização das garantias reais. A ausência dos requisitos previstos no artigo em comento constitui vício extrínseco, acarretando a invalidade do direito real e impedindo seu registro no Oficial de Registro de Títulos e Documentos ou no departamento de trânsito. Interessa, não somente às partes contratantes, conhecer o negócio que recebeu a garantia e o transferido como propriedade fiduciária. Como dito no comentário ao artigo anterior, o devedor fiduciário não é mero depositário ou possuidor direto, mas também proprietário sob condição suspensiva, pois recuperará o domínio com o adimplemento da obrigação. Por isso, todos os demais credores e os que negociam tanto com o devedor como com o credor fiduciário têm interesse em saber qual o patrimônio disponível, o transferido para o credor e em que condições retornará para o patrimônio do devedor. Por isso a norma cogente impõe requisitos mínimos ao contrato, dando publicidade e especializando o patrimônio transferido em garantia e as características da obrigação garantida. Lembre-se, finalmente, que, por força do disposto no art. 66-B da Lei n. 4.728/65, com a alteração recebida da Lei n. 10.931/2004, em relação aos contratos de alienação fiduciária celebrados no âmbito do mercado financeiro, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, o contrato deverá conter, além dos requisitos anteriores, taxa de juros, cláusula penal, índice de atualização monetária, se houver, e demais comissões e encargos. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.408. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Andréia de Moraes Almeida, em artigo publicado em 28/02/2005, na Revista Âmbito Jurídico, ambitojuridico.com.br, intitulado: “A alienação fiduciária após o advento da Lei n] 10.406/02 (novo Código Civil) e da Lei nº 10.931/04, como expõe, trata-se de análise comparativa das alterações introduzidas pela Lei 10.406/02 (novo Código Civil) e pela Lei nº 10.931/04 (Dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário) em relação ao Decreto-Lei n. 911/69. 

Segundo a advogada Andréia de Moraes Almeida, o CC/2002 reservou à propriedade fiduciária o Capítulo IX do Título III que trata da “Propriedade”, em especial os artigos 1.361 a 1.368, 1.421, 1.425, 1.426, 1.435 e 1.436, suprindo a lacuna deixada pela Lei anterior (CC/1916) sobre a matéria. Tendo sido estabelecidos requisitos mínimos para a validade dos contratos onde haja a constituição de garantia fiduciária.

Conforme se extrai do CC 1.361, para constituição da propriedade fiduciária é necessário, primeiro, o registro do contrato junto ao Registro de Títulos e Documentos do domicilio do devedor, ou, em caso de veículos, na repartição competente para o licenciamento, sendo que deverá ser anotada no registro do veículo a constituição da garantia, prática, aliás, acertadamente já adotada por inúmeras instituições financeiras. Além disso, o contrato deve, ainda, conter (ii) o total da dívida ou sua estimativa; (iii) o prazo ou a época do pagamento; (iv) a taxa de juros, se houver e (v) a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação, conforme preleciona o CC 1.362. 

Através do CC 1.364, foi introduzida importante alteração quanto aos trâmites atualmente observados, onde se faz necessária autorização judicial para venda do bem antes da sentença de procedência da ação de busca e apreensão. O CC 1.364 autoriza que, vencida a dívida, é imputável ao credor a venda do bem, judicial ou extrajudicialmente, e a aplicação do valor obtido no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança e a entregar o saldo, se houver, ao devedor, ou seja, quaisquer dúvidas remanescentes da interpretação do disposto no art. 2º do Decreto-lei n. 911/69, da possibilidade de venda do bem independentemente de autorização judicial, restaram superadas pelo advento do CC 1.364, o qual imputa ao credor a obrigação pela venda do bem. De outra parte, vale notar que o CC 1.365, imputa como nula cláusula que autorize o proprietário fiduciário a permanecer com o bem, em caso de inadimplência. Ou seja, a venda do bem não é faculdade do credor,, mas torna-se obrigação, tão logo seja verificada a inadimplência. Some-se a tanto que, no inciso III do CC 1.425, o Códex também estabelece que pode ser considerada vencida a dívida, se as prestações não forem pontualmente pagas.

Da exposição de motivos da Lei n. 10.931/2004, depreende-se, para uma correta interpretação, seja considerada a exposição EM nº 00027/2004 – MF, do Ilustre Ministro de Estado da Fazenda, Sr. Antonio Palocci filho, encaminhada ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, em 03 de março do corrente ano, opinando pelo envio do Projeto de Lei originário para apreciação do Congresso Nacional. Cumpre destacar que na aludida Exposição, o Ilustre Ministro o fez, como fato inconteste, da importância do bom funcionamento do mercado de crédito brasileiro para o bom desenvolvimento da economia nacional e que legislação pertinente as operações de crédito careceria de dispositivos que reduzissem a insegurança econômica e jurídica dessas operações. 

No que tange, especialmente, à alienação fiduciária o Ministro destacou a dificuldade encontrada pelos credores fiduciários de concretizar a venda, após a retomada do bem em posse do mutuário inadimplente. Também foi objeto de destaque pelo ilustro Ministro, a dificuldade real encontrada pelos credores fiduciários para o cumprimento da legislação até então vigente, através da qual era possibilitada a retomada do bem, mas não a sua venda, mormente porque a transferência do registro nas repartições de trânsito competentes vinha sendo negada. De forma irretocável, o Ministro observou que dentre as consequências observadas pelos credores fiduciários, criou-se uma extensa frota de automóveis ociosos e em processo de deterioração, situação essa economicamente indesejável e ineficiente, configurando total desperdício de recursos. 

Sobre o tema, finaliza o Expositor, apontando que as alterações introduzidas no Decreto-Lei n. 911/69, objetivariam agilizar a venda do bem retomado, sem prejuízo ao mutuário, inclusive propiciando-lhe uma forma mais célere de quitação de sua dívida e que como prevenção de possíveis abusos por parte do credor fiduciário foi estabelecida pesada multa, caso se constate irregularidades na venda pela instituição credora do bem alienado fiduciariamente, sem prejuízo da ação de perdas e danos futura.

Com o advento da Lei n. 10.931/2004 (que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário), foram regulamentadas as disposições concernentes à alienação fiduciária em garantia, definidas pelo Código Civil de 2002 e foram revogadas, ainda, as disposições contrárias, presentes na Lei n. 4.728/1965, alterada pelo Decreto-Lei n. 911/1969 e incluídas novas disposições a respeito. Com efeito, foram revogados os artigos 66 e 66 – A da Lei nº 4.728/65 e acrescentado o artigo 66 – B, que determina, além dos requisitos estampados no CC 1.361, § 1º e 1.362, o contrato deve conter (iv) a taxa de juros, (v) a cláusula penal, (vi) o índice de atualização monetária, se houver e (vii) as demais comissões e encargos. 

Além dos mencionados requisitos, o § 1º do aludido artigo, alerta que se o bem dado em garantia não se identifica por números, marcas e sinais, cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova da identificação da coisa. 

O § 3º do mencionado artigo também reitera a possibilidade de venda do bem pelo credor fiduciário, independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, sendo que o preço obtido com a venda deve ser aplicado no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada. 

O Decreto-Lei n. 911/69, por sua vez, teve apenas o § do artigo 3º revogado, permanecendo o caput com a mesma redação, ou seja, de que o proprietário fiduciário poderá requerer a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, se comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor. (Andréia de Moraes Almeida, em artigo publicado em 28/02/2005, na Revista Âmbito Jurídico, ambitojuridico.com.br, intitulado: “A alienação fiduciária após o advento da Lei n] 10.406/02 (novo Código Civil) e da Lei nº 10.931/04. Acessado 26/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.363. Antes de vencida a dívida, o devedor, a suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo sua destinação, sendo obrigado, como depositário:

I - a empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza; 

II - a entregá-la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento. 

Esclarecendo Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame não tem correspondente no Código Civil de 1916. O art. 1º do Decreto-lei n. 911/69 continha preceito similar, dispondo que o devedor fiduciante era “possuidor direto e depositário, com todas as responsabilidades que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal”. O preceito, porém, foi expressamente revogado pelo art. 67 da Lei n. 10.931/2004; os deveres do devedor fiduciante são regulados, agora, somente pelo CC 1.363 em estudo, que se aplica também às instituições financeiras. Disciplina o artigo em comento os direitos e deveres do devedor-fiduciante. Diz a parte inicial da cabeça do artigo ter ele posse direta e direito de usar a coisa. Dessa forma, como possuidor direto, tem tutela possessória para defender a posse dos ataques injustos de terceiros e mesmo do credor-fiduciário. Sua posse é justa, enquanto não houver quebra do dever de restituição, em razão do inadimplemento. Se a posse é justa - e, portanto, de boa-fé - tem direito também à percepção dos frutos, embora não o diga expressamente a lei, enquanto perdurar a boa-fé. Mais ainda, tem direito expectativo de recuperar a propriedade da coisa alienada em garantia, tão logo pague a obrigação garantida. Desse modo, como visto no comentário ao artigo anterior, tem propriedade sob condição suspensiva, subordinada ao fato futuro do adimplemento da obrigação. Em seguida, disciplina o artigo os deveres do devedor fiduciário. Diz, inicialmente, que arca ele com custos e riscos da utilização da coisa. Logo, paga o devedor todo o custeio de manutenção da coisa, inclusive impostos e taxas sobre ela incidentes. Além disso, há deslocamento legal dos riscos de perecimento e deterioração da coisa transferida em garantia, não se aplicando a regra geral res perit domino do direito das obrigações. A coisa se perde e se deteriora para o devedor não proprietário, com ou sem culpa, não ficando ele desonerado do pagamento da dívida em tais hipóteses. Há entendimento iterativo do STJ no sentido de que “furtado o bem, prossegue a ação de depósito, afastada a decretação da prisão, processando-se a execução nos próprios autos pelo equivalente em dinheiro, valendo a sentença como título judicial” (REsp n. 510.999/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 21.10.2003). No mesmo sentido, “a jurisprudência da 2ª Seção do STJ consolidou-se no sentido de que, em caso de desaparecimento do bem alienado fiduciariamente, é lícito ao credor, após a transformação da ação de busca e apreensão em depósito, prosseguir nos próprios autos com a cobrança da dívida representada pelo “equivalente em dinheiro” ao automóvel financiado, assim entendido o menor entre o seu valor de mercado e o débito apurado (REsp n. 439.932/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 24.06.2003; cf. também, entre outros, REsp n. 283.676/MG, rel. Min. Barros Monteiro, j. 11.06.2002; REsp n. 169.293/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09.05.2001; REsp n. 24767l/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 15.05.2001). A mesma posição adota o STF, afirmando que roubo ou furto do bem objeto de alienação fiduciária exonera o devedor de responder como depositário infiel, mas prossegue a ação de depósito como execução por quantia certa (RTJ 124/966 e 172/540). O deslocamento legal dos riscos da coisa para o devedor fiduciante e a natureza de patrimônio de afetação da propriedade fiduciária que garante o credor provocam ainda outras consequências jurídicas. A responsabilidade civil decorrente de ato ilícito do devedor fiduciante, ou de terceiros, na utilização da coisa, especialmente acidentes de veículos, não acarreta a responsabilidade civil do credor fiduciário, segundo entendimento do STJ e do STF. Também a responsabilidade pelo pagamento de multas decorrentes de infrações de trânsito, taxas de licenciamento e IPVA são de responsabilidade exclusiva do devedor fiduciante, não recaindo sobre o patrimônio do credor fiduciário. A parte final da cabeça do artigo equipara, indevidamente, o devedor-fiduciante ao depositário, atribuindo-lhe os deveres de empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza e de entregá-la ao credor se a dívida não for paga no vencimento.

O STJ mantém, hoje, firme posição no sentido da impossibilidade da prisão do devedor-fiduciante como depositário infiel, pois se trata de depósito atípico, uma vez que, como visto, é o devedor possuidor direto, com direito a usar e fruir da coisa, e, mais, proprietário sob condição suspensiva, com direito de recuperar a propriedade, mediante adimplemento da obrigação. Ao contrário do depósito, portanto, não há simples relação de guarda e devolução da coisa depositada. Tal entendimento foi sedimentado nos Embargos de divergência n. 149.518/GO, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar (ver íntegra do julgado na RT 777/145) e confirmado por inúmeros julgados recentes da mesma Corte (cf. Ag. Reg. no EREsp n. 489.648/GO; Ag. Reg. nos ED no REsp n. 2003/0185321-4, rel. Min. Ari Pargendler, j. 17.11.2004).

O STF, durante mais de uma década, em formação plenária e por maioria de votos, assentou a constitucionalidade da prisão do devedor fiduciante que não entrega o bem alienado ao credor fiduciário após o inadimplemento (RTJ 186/980; ver também RTJ 170/1.011,172/652 e 174/335; R T 798/202). Entendeu que o Pacto de São José da Costa Rica não pode se opor ao comando do art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, e, por ser norma geral infraconstitucional, não derrogou as normas especiais infraconstitucionais que autorizam a prisão do depositário infiel. Afirmou, mais, caber ao legislador infraconstitucional definir o que considera contrato de depósito, bem como equiparar certas situações jurídicas à do depositário infiel (RTJ 176/511; RT803/150,807/193 e 809/195). Tal posição, porém, foi diametralmente alterada, por ocasião do julgamento do RE n. 466.343/SP, rel. Min. Cezar Peluso. Entendeu-se, por unanimidade de votos, inconstitucional a prisão civil do depositário infiel, com fundamento tanto na impossibilidade de extensão dos efeitos do contrato de depósito de guarda ao depósito de uso, ou impróprio, como também pela violação ao disposto no Pacto de São José da Costa Rica, que veda a prisão civil por dívidas, salvo a proveniente de obrigação alimentar.

Os dois incisos do artigo em estudo explicitam os deveres do devedor fiduciante como possuidor direto e proprietário expectativo da coisa. O primeiro é o dever de cuidado na guarda da coisa, dela zelando como se tivesse a propriedade plena. Não pode, ainda, usar a coisa para finalidade que contrarie sua natureza, ou para fins vedados por cláusula negociai. O segundo é o dever de restituição da posse direta da coisa ao credor fiduciário, se a dívida não for paga no vencimento. Havendo inadimplemento, resolve-se o contrato que gerou a obrigação garantida por propriedade fiduciária. Se não mais haverá o implemento da condição resolutiva, a propriedade resolúvel se converte em propriedade plena. Nasce, aí, dever legal de restituição da coisa, e a posse, que era direta e justa, converte-se em posse precária, configurando esbulho. Não há, no Código Civil e na legislação especial que rege a matéria, qualquer vedação cogente impeditiva da aposição de cláusula resolutiva expressa nas obrigações com garantia fiduciária. Resolvido o contrato de pleno direito (CC 474), desaparece a causa que justificava a posse direta do devedor fiduciante. A resolução do contrato por inadimplemento e a consolidação da propriedade nas mãos do credor, porém, devem obedecer ao princípio da boa-fé objetiva, em sua função de controle. Deve haver correspondência entre descumprimento e sanção imposta ao devedor, evitando o abuso de direito. O STJ, em sucessivos julgamentos, assentou que “o cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse (REsp n. 272.739/MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; RST) 150/398).

Note-se que o Código Civil não menciona a necessidade de notificar o devedor fiduciante para comprovar ou constituir a mora, ao contrário do que dispõe o art. 2º, § 2º, do Decreto-lei n. 911/69. Por força do art. 8°-A do Decreto-lei n. 911/69, acrescentado pela Lei n. 10.931/2004, o procedimento judicial da lei especial (busca e apreensão) se aplica somente às hipóteses de alienação fiduciária reguladas pela Lei de Mercado de Capitais. Parece claro que, no regime do Código Civil, se a obrigação garantida é positiva, líquida e a termo, a mora é ex re, incidindo a regra dies interpellat pro omine. A notificação, porém, em que pese o silêncio do Código Civil e a não aplicação das regras do Decreto-lei n. 911/69, é indispensável para converter a mora em inadimplemento absoluto, marcando não mais ter o credor fiduciante interesse ou utilidade no recebimento da prestação. Mais ainda, o inadimplemento absoluto marcará o momento a partir do qual não mais poderá o devedor fiduciante pagar as parcelas em atraso e, portanto, cumprir a condição resolutiva da propriedade fiduciária, que, então, tornar-se-á plena nas mãos do credor. Vigentes e aplicáveis, tanto no regime do Código Civil, como no regime da Lei de Mercado de Capitais, as Súmulas n. 72 (“A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente”) e 245 (“A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito”) do Superior Tribunal de Justiça. Critica-se a última Súmula. Parece evidente necessitar o devedor conhecer o exato montante do saldo devedor, com os acréscimos legais e contratuais, para que possa purgar a mora. Apenas se ressalva que as notificações, no regime do Código Civil, não servem para comprovar a mora, mas sim para convertê-la em inadimplemento absoluto. Dessa forma, o devedor fiduciante, uma vez notificado, pode purgar a mora no prazo razoável assinado pelo credor, independentemente do percentual da dívida já paga.

O art. 3º, § 2º, do Decreto-lei n. 911/69, com redação dada pela Lei n. 10.931/2004, diz que, no prazo de cinco dias após executada a liminar de busca e apreensão, poderá o devedor fiduciante pagar a integralidade da dívida, segundo valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, caso no qual o bem lhe será restituído livre de ônus. A novidade, que encontra séria resistência nos tribunais, está na liquidação da totalidade da dívida e não somente das parcelas vencidas. Não mais se exige o devedor fiduciante já ter pagado 40% do valor financiado, revogada, em tal ponto, a Súmula n. 284 do STJ. O TJSP, porém, julgou em data recente, por seu Órgão Especial, a “inconstitucionalidade da interpretação da expressão ‘integralidade da dívida pendente" do § 2º do art. 3º do DL 911/64, significando a integralidade da dívida. Interpretação que afasta a garantia do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV) e a defesa do consumidor (CF, art. 5º, XXXII). Interpretação conforme que se restringe às prestações vencidas e seus acréscimos. A exigência de pagamento da integralidade da dívida pendente, para purgação da mora na ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente (D L 911/69, art. 3º, § 2º), deve ser interpretada como sendo a totalidade das prestações vencidas do financiamento quando, sob pena de violação da garantia da ampla defesa e do contraditório (CF, art. 5º, LV) e da defesa do consumidor (CF, art. 5º, XXXII)” (TJSP, Órgão Especial, Incidente de Inconstitucionalidade n. 150.402-0/5, rel. Des. Boris Kaufman). O Código Civil - corretamente - não contém normas adjetivas sobre a medida judicial cabível para o credor fiduciário retomar a posse direta da coisa em garantia fiduciária. Como visto, o art. 8º-A do Decreto-lei n. 911/69 é expresso ao dispor que o procedimento judicial da busca e apreensão, com as regras da lei especial, somente se aplica às hipóteses da Lei de Mercado de Capitais quando a credora fiduciária for instituição financeira. Nos demais casos regulados somente pelo Código Civil, nos quais o credor fiduciário for pessoa natural ou pessoa jurídica não instituição financeira, cabível será a ação de reintegração de posse, tal como ocorre nos casos de arrendamento mercantil. É possível cogitar, ainda, na utilização, por analogia, do procedimento especial dos arts. 1.070 e 1.071, CAPÍTULO XIII - DAS VENDAS A CRÉDITO COM RESERVA DE DOMÍNIO do Código de Processo Civil/1973, sem correspondência no CPC/2015 (Grifo VG), previsto para os casos de compra e venda com reserva de domínio. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.410-12. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 26/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Segundo o histórico, O dispositivo em tela é basicamente O mesmo, não tendo sofrido alterações substanciais, seja por parte do Senado Federal, seja por parte da Câmara dos Deputados. Em fase final de revisão do texto legal, apresentei proposta ao Congresso Nacional, encaminhada diretamente ao ilustre Relator, Deputado Ricardo Fiuza, no sentido de conferir maior precisão terminológica ao caput do dispositivo, substituindo-se o verbo servir (“servir-se”) por usar. Em síntese, a justificativa que formulei residia na circunstância de que, desde o Direito Romano, a propriedade desdobra-se em ius utendi, ius fruendi et ius abutendi, somando-se, hodiernamente, aos seus fins de ordem social. A boa técnica jurídica, portanto, exigia uma adequação terminológica, tendo em vista que o verbo “servir” estava sendo empregado na redação primitiva do anteprojeto (prestes a ser aprovado) para designar a expressão “fazer uso” ou “utilizar-se”. A sugestão e proposta foram inteiramente acolhidas.

Em sua Doutrina comenta Ricardo Fiuza da fruição do bem móvel objeto do contrato de alienação fiduciária por parte do possuidor direto (devedor fiduciário) é consequência absolutamente lógica e natural da própria relação fático-potestativa formada entre ele e o bem da vida. Por conseguinte, desde que o faça por sua conta e risco e de acordo com a destinação da coisa alienada, poderá usá-la livremente, respondendo sempre como depositário (fiel), nos termos do disposto nos incisos I e II do CC 1.363. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 699, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 26/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Direito Civil Comentado - 1.359, 1.360 Da Propriedade Resolúvel – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado - 1.359, 1.360

Da Propriedade Resolúvel – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IIITítulo III – Capítulo VIII – Da Propriedade Resolúvel - (Art. 1.359 a 1.360) digitadorvargas@outlook.com

  - vargasdigitador.blogpot.com

 

Art. 1.359. Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.

Na definição de Clóvis Beviláqua, “propriedade resolúvel, ou revogável, é a que, no próprio título de sua constituição, encerra o princípio, que a tem de extinguir, realizada a condição resolutória, ou advindo o termo extintivo, seja por força de declaração da vontade, seja por determinação da lei” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 9. ed., Rio de Janeiro, Livr. Francisco Alves, 1953, v. 3, p. 195). Nessa hipótese, dá-se o efeito ex tunc (desde então), por exemplo, no caso de pacto de retrovenda, de fideicomisso e de venda de coisa comum indivisível a estranho em detrimento do condômino que tem o direito de preferência. O dispositivo é idêntico ao art. 647 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 696, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 25/11/2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No comentário de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo cm exame corresponde ao art. 647 do Código Civil de 1916, com alterações apenas formais de redação. Substituiu-se o termo domínio por propriedade, mantendo-se, no mais, incólume o preceito, que disciplina a propriedade resolúvel. Na lição clássica de Clóvis Bevilaqua, “propriedade resolúvel, ou revogável, é a que, no próprio título de sua constituição encerra o princípio, que a tem de extinguir, realizada a condição resolutória, ou advindo o termo, seja por força de declaração, seja por determinação da lei” (Direito das coisas. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, p. 243).

A propriedade, como já visto no comentário ao CC 1.228, tem como uma de suas características a perpetuidade. Adverte Orlando Gomes, porém, que “a ordem jurídica admite situações nas quais a propriedade torna-se temporária. Quando sua duração se subordina a uma condição resolutiva, ou termo final, previsto no título constitutivo do direito, diz-se que há propriedade resolúvel. Quando não é adquirida para durar certo tempo, mas se apresenta potencialmente temporária, podendo seu titular perdê-la por força de certos acontecimentos, diz-se que há propriedade ad tempus” (Direitos reais, 19. ed., atualizada por Edson Luiz Fachin. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 265). Ainda segundo Orlando Gomes, “o traço característico da propriedade resolúvel reside na previsão de sua extinção no próprio título que a constitui. A causa da revogação há de ser estabelecida, em cláusula informativa de condição ou termo. Necessária será a declaração de vontade nesse sentido. Do contrário, não será propriedade resolúvel, como, por exemplo, se a revogação decorre de causa superveniente” (op. cit., p. 267). Em termos diversos, a propriedade resolúvel é temporária, e o proprietário, ao adquiri-la, sabe que a perderá com o advento do termo ou da condição. A resolução da propriedade produz efeitos parcialmente retroativos ao momento de sua aquisição. Ingressa-se, aqui, no controverso tema da retroatividade da condição resolutiva. São parcialmente retroativos, pois aquele investido do direito de proprietário resolúvel usa e frui licitamente a coisa, até o advento do termo e da condição. É proprietário pleno quanto à extensão do domínio, embora temporário. Logo, não restitui frutos e rendimentos recebidos, muito menos indeniza aquele em favor de quem se opera a restituição pelo uso temporário da coisa. Preservam-se, assim, os atos de administração. Quanto aos atos de disposição ou oneração, a resolução tem efeitos ex tunc, retrooperante ao momento da aquisição. A resolução acarreta a ineficácia desses atos, que são revogados. Ninguém pode dispor de mais direitos do que tem. Logo, se a propriedade está sob condição ou a termo, o adquirente a perde no momento em que se verifica o fato extintivo, porque adquiriu propriedade resolúvel. De igual modo, essa revogação retroativa alcança não só a propriedade, mas todos os direitos reais sobre ela constituídos pelo proprietário resolúvel, como, por exemplo, servidão, usufruto, hipoteca, penhor etc. O proprietário resolúvel não está inibido de alienar ou gravar de ônus reais a coisa. Apenas a aquisição desses direitos levará a marca congênita da resolutividade, ou, no dizer de Pontes de Miranda, “atribui-se à cláusula eficácia real, tanto que se admite direito de reivindicação” (Tratado de direito privado, 4. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1983, v. XIV, p. 119).

O Código Civil brasileiro contempla diversos casos de propriedade resolúvel: fideicomisso, retrovenda, venda a contento sob condição resolutiva, doação com cláusula de reversão, propriedade fiduciária, cláusula comissória expressa levada ao registro imobiliário. Quando a causa da resolução é a vontade da parte, a norma é dispositiva, admitindo-se que o título preveja o respeito do alienante a eventuais direitos criados a favor de terceiros (Beviláqua, Clóvis. Op. cit., p. 244). A resolução pode operar-se tanto a favor do alienante, como no caso da retrovenda ou do pacto de melhor comprador, como de terceiro, como no caso do fideicomisso. Em relação à resolução do contrato por inadimplemento e seus efeitos em relação a terceiros, invoca-se a lição de Ruy Rosado de Aguiar Júnior: “Sendo a resolução negocial (ou convencional) porque inserida no contrato cláusula resolutória por incumprimento, levado o contrato ao registro de imóveis, incide o CC 1.359; nesse caso, a resolução produz efeitos reais quanto à contraparte e também relativamente ao terceiro subadquirente; i. é, desfaz-se o negócio também quanto a terceiro” (Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, 2003, p. 262). Caso, porém, não haja cláusula resolutiva expressa e constante do título, mas mera cláusula resolutiva tácita (art. 475 do CC), a solução é outra, porque desfaz o negócio inter partes, mas é inoponível a terceiros de boa-fé. A parte final do preceito diz que o proprietário em favor do qual se opera a resolução pode reivindicar a coisa em poder de quem a possua ou detenha. Exige-se, porém, que a posse seja injusta, sem uma causa que a justifique. Em determinados casos, não caberá ação reivindicatória, v.g., em face do locatário cujo contrato foi celebrado durante o período de propriedade resolúvel, caso em que é cabível apenas a ação de despejo. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.401-02. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 25/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em estudo comparativo acerca da propriedade resolúvel e da propriedade fiduciária diante das garantias que essas contêm, Mariana de Oliveira, publicado em novembro de 2017, no site da Jus.com.br., leciona ser o direito das coisas, bens corpóreos sujeitos à apropriação. Esses são úteis, raros e contém valor econômico. Para Maria Helena Diniz, em seu Curso de Direito Civil brasileiro, vol. 4, o direito real “infere-se deste conceito que o direito das coisas visa regulamentar as relações entre homens e coisas, trançando normas tanto para a aquisição, o exercício, a conservação e a perda de poder dos homens sobre esses bens como para os meios de sua utilização econômica”. Deste modo, no presente artigo visa-se estudar duas propriedades regidas, pela palavra garantia. As propriedades fracionam em propriedade fiduciária e propriedade resolúvel. Ambas optam por fundamentos jurídicos para assegurar bens reais, para quem supre e para quem os recebe, porém, cada uma seguindo seus padrões. Contudo, esses estudos iniciam-se a seguir, com uma breve análise comparativa sob essas duas propriedades, de acordo com a apresentação de seus conteúdos e de seus efeitos.

Primeiramente, a terminologia alienação fiduciária aparece no brasil por meio do decreto-lei n. 911/1969. Todavia, com a vigência em 2002 da Lei n. 10.406, que também reúne esse assunto, inova a essa matéria outra nomenclatura, qual seja, propriedade fiduciária. Haja vista, por fundamentação jurídica do CC 1.361, compreende-se esse novo vocábulo a transferência de bem móvel ou imóvel do devedor ao credor como forma de garantia, sempre que sobrevier obrigação pendente entre ambos, a ser realizada. Essa transferência situa ao devedor a garantia de pagamento, e, também, a posse direta sob o bem em discussão. E ao credor o domínio sobre a coisa será indireta e resolúvel, para melhor compreensão é relevante o que dispõe a citação de Carlos Roberto Gonçalves em Direito Civil da Coisa, V. 5, “O domínio do credor é resolúvel, pois se resolve automaticamente em favor do devedor alienante, sem necessidade de outro ato, uma vez paga a última parcela da dívida”. Para extinguir esse vínculo é preciso que a obrigação principal do devedor seja quitada. Ademais, o credor poderá devolver o bem à outra parte, apenas mediante termo de quitação. Vale ressaltar que, a partir do momento em que for manifestado esse termo de quitação, cabe ao oficial do competente Registro de Imóvel realizar o cancelamento do registro da alienação fiduciária.

Aproveitando a exposição acima, essa obrigação será assegurada pela firmação de contrato ou instrumento, que serve a título de alienação fiduciária em garantia. Deste modo, é exordial que o mesmo consagre os requisitos do CC 1.362, para que se esse negócio se torne sólido. Primordialmente, é preciso a estipulação do débito integral, ou sua estimativa; em seguida, ser aplicado o prazo para realização da prestação; e, ter expressado a taxa de juros, se houver. Ademais, para que prove esse, é necessário o seu registro no cartório de títulos e documentos, sendo no domicilio do devedor. Conforme dispõe Flavio Tartuce em seu livro de Direito Civil, V. 4: “O art. 23 da Lei 9514/1997, estabelece que esta propriedade fiduciária seja constituída mediante registro, no competente Registro de Imóveis do contrato que lhe serve de título. Isso para gerar efeitos como verdadeiro direito real de garantia”.

Contudo, em se tratando de veículo a coisa alienada, o seu registro terá que ocorrer mediante contrato documental registrado junto ao DETRAN, para que seja validada a eficácia. Caso tal documento não seja entregue ao credor, voluntária ou involuntariamente pelo devedor ou terceiros, cabe ao credor por livre vontade propor a ação de busca e apreensão do bem móvel alienado. Ademais, importante esclarecer, que será nula a aplicação de cláusula, em contrato, que permita ao credor ficar com o bem móvel ou imóvel alienado em garantia, caso o devedor não realize sua obrigação de pagamento, salvo exceção do parágrafo único do CC 1.365.

O segundo tipo de propriedade gira em torno de uma cláusula extintiva de direito, estipulada por seus envolvidos no próprio título aquisitivo. Sendo assim, o seu término opera-se no caráter das condições de evento futuro e incerto ou de termos de evento futuro e certo. Entretanto, essa propriedade ocorre em torno da lei privada, que dispõe sobre os CC 1.359 e 1.360. o primeiro aufere o referido entendimento, o qual compreende que a resolução acontece pela aplicação da condição ou advento do termo, i. é, nesse caso a resolução ocorrerá mediante o que estiver definido no título constitutivo. No mais, em caso de rompimento do termo resolutivo opera-se uma revogação ex tunc. Estendendo a compreensão desse efeito, Maria Helena Diniz, em seu Curso de Direito Civil brasileiro, Direito das Coisas, v. 4, dispõe: “A partir do momento que surgir o evento terminativo condicional rompe-se, de modo automático, todos os vínculos reais de garantia, bem como a alienação que o proprietário resolúvel fez com terceiro, voltando assim o bem ao seu antigo dono, como se nunca tivesse havido qualquer mudança de proprietário”. E o CC 1.360, fundamenta essa propriedade resolúvel por causa superveniente, i. é, alheia ao título e após a transmissão do domínio. Ainda, para melhor percepção desse entendimento legal, o seu efeito será ex nunc, assim sendo caracterizada a presente propriedade como temporária. A respeito, o Enunciado CJF do Enunciado n. 508, aprovado na V Jornada de Direito Civil: “A resolução da propriedade, quando determinada por causa originária, prevista no título, opera ex tunc e erga omnes; se decorrente de causa superveniente atua ex nunc e inter partes”. (Mariana de Oliveira, em: “Estudo comparativo acerca da propriedade resolúvel e da propriedade fiduciária diante das garantias que essas contêm, publicado em novembro de 2017, no site da Jus.com.br., Acessado 25/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.360. Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será considerado proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou o seu valor.

O artigo em exame corresponde ao art. 648 do Código Civil de 1916, com mínimas alterações. Trocou-se o termo domínio por propriedade, mantendo-se, no mais, o conteúdo do preceito, que disciplina a propriedade ad tempus.

Segundo comentário de Francisco Eduardo Loureiro, na propriedade ad tempus não há condição nem termo apostos ao título constitutivo da propriedade. No dizer de Orlando Gomes, não é ela adquirida para durar certo tempo, mas se apresenta potencialmente temporária, podendo seu titular perdê-la por força de certos acontecimentos futuros (Direitos reais, 19. ed., atualizada por Edson Luiz Fachin. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 265). A causa da revogação é superveniente e estranha ao título. Tome-se como exemplo a doação revogada por ingratidão do donatário, ou por descumprimento de encargo. Reconhecido judicialmente o ato de ingratidão, ou o descumprimento do encargo, a coisa doada retorna ao patrimônio do donatário. A ingratidão, todavia, é mero fato eventual e futuro, diverso de uma condição ou termo que, desde o nascimento, já subordinam a eficácia do ato ou negócio jurídico por cláusula contratual. De igual modo, a cláusula resolutiva tácita, implícita em todo contrato bilateral, que não se confunde com a condição, porque não expressa no título causal, não opera de pleno direito. É por isso que tais situações previstas em lei não vão ao registro imobiliário juntamente com o título aquisitivo da propriedade, tal como ocorre na propriedade resolúvel ou a cláusula resolutiva expressa, disciplinadas no artigo antecedente.

Assim, se Antônio doou imóvel a João, que o vendeu a Carlos, a posterior revogação da doação não resolve a venda ou a constituição de direitos reais a terceiro de boa-fé, gerando apenas direito ao doador de exigir o equivalente em dinheiro do donatário. É uma resolução sem eficácia real. Gera direito pessoal e não direito real de reivindicar a coisa em poder de terceiro. Ainda no dizer de Orlando Gomes, na propriedade ad tempus “o  fato extintivo acarreta a transmissão do domínio no estado em que se encontra: diminuído, modificado, aumentado, juridicamente ou materialmente. Sua eficácia é para o futuro” (op. cit., p. 267). Tanto a resolução como a revogação por causas supervenientes pressupõem negócio válido. A anulação e a nulidade têm origem em ausência de requisitos, vícios de consentimento ou outras causas previstas em lei, que afetam a própria formação do negócio. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.402-03. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 25/11/2020. Revista e atualizada nesta data por VD).

 Segundo os autores Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, há entendimento doutrinário no sentido de que o artigo trata da propriedade ad tempusdistinta da propriedade resolúvel (Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald, Direitos Reais, 2007), em que não existe cláusula contratual limitando os efeitos do negócio jurídico, sendo que a extinção do direito de propriedade decorre de evento superveniente, motivo pelo qual serão preservados todos os atos praticados pelo proprietário (efeitos ex nunc). O entendimento majoritário, contudo, é no sentido de que se trata de propriedade resolúvel, pois o fato se insere no âmbito de eficácia do negócio jurídico. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com acesso em 25.11.2020, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).