quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.431, 1.432 - Da Constituição do Penhor – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.431, 1.432

Da Constituição do Penhor – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo II – DO PENHOR

Seção I - Da Constituição do Penhor– (Art. 1.419 a 1.430) - 

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 Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.

Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.

Na concepção de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame inaugura o capítulo relativo ao penhor e, em comparação com preceito similar do Código Civil de 1916, troca o termo “ tradição” pela expressão “ transferência efetiva da posse”.

Na definição clássica de Clóvis Bevilaqua, penhor “é o direito real, que compete ao credor sobre coisa móvel ou mobilizável, suscetível de alienação, que o devedor, ou alguém por ele, entrega efetivamente ao mesmo credor, em garantia de uma dívida” (Direito cias coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, p. 49).

Aplicam-se ao penhor os requisitos objetivos, subjetivos e formais disciplinados no capítulo dos princípios gerais dos direitos reais de garantia, já comentados. Somente pode empenhar o proprietário, com poder de disposição, seja o próprio devedor, seja terceiro prestador da garantia. O penhor de bem alheio é ineficaz frente ao dono e convalesce se o devedor adquirir posteriormente sua propriedade.

Somente podem ser empenhados bens móveis ou mobilizáveis, passíveis de alienação. Recai o penhor, via de regra, sobre bens móveis, infungíveis ou fungíveis (chamados de penhores irregulares), ou mesmo sobre bens incorpóreos, como créditos, desde que especializados. É possível o penhor sobre bens mobilizáveis, como as safras agrícolas, e, por exceção, sobre bens imóveis por acessão, como plantações. O penhor exige forma escrita, por instrumento público ou particular, para que seja levado ao registro, especializando o bem dado em garantia e a dívida garantida. 

O penhor, segundo diz a lei, “constitui-se pela transferência efetiva da posse”. Não mais usa a lei o termo “ tradição”. Correta a alteração, porque a tradição transfere a propriedade da coisa móvel e tem como causa o negócio jurídico de alienação. No penhor não há tradição, mas apenas desdobramento da posse, mediante entrega efetiva da posse direta do bem empenhado ao credor, cabendo ao devedor a posse indireta (CC 1.197). Ambos são possuidores e têm tutela possessória contra atos ilícitos praticados por terceiros, ou um contra o outro. O credor não pode usar a coisa, que se encontra afetada ao cumprimento de uma obrigação. Pode apenas guardá-la, como depositário, para devolvê-la oportunamente, no momento da solução da obrigação. Pode, quando muito, apropriar-se dos frutos da coisa e usá-los no abatimento da dívida, como veremos adiante. 

O penhor comum não admite a entrega fictícia da posse, ou, como dizia o Código Civil de 1916, pelo constituto possessório (cláusula constituti). A entrega real c efetiva da posse direta é constitutiva do penhor. Sem ela, não há direito real de garantia. Antes da entrega, há apenas promessa de penhor, que constitui mera obrigação de fazer, de cunho estritamente pessoal (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 18. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 341). 

A entrega é feita ao “credor, ou a quem o represente”. A expressão “representação do credor” é usada em sentido amplo, abrangendo tanto a representação legal como convencional com poderes especiais, ou mesmo a presentação de pessoas jurídicas por seus órgãos previstos em estatuto, ou mesmo prepostos a tanto habilitados. 

O parágrafo único deste artigo ressalva que nos penhores especiais rural (agrícola e pecuário), industrial, mercantil e de veículos não há efetiva entrega da posse dos bens empenhados ao credor. A posse direta permanece em poder do devedor, que deve guardá-los e conservá-los, enquanto o credor tem a posse indireta dos bens. Não mais fala a lei - corretamente - em cláusula constituti, ou constituto possessório, para que a posse direta dos bens permaneça com o devedor. Vimos, no comentário ao CC 1.204, que na figura do constituto possessório o possuidor de uma coisa em nome próprio passa a possuí-la em nome alheio. Exemplo clássico é o que se verifica quando o alienante conserva a coisa em seu poder, mediante cláusula contratual, denominada cláusula constituti. O adquirente, assim, recebe a coisa por mera convenção, sem posse física. O alienante apenas deixa de possuir para si mesmo e passa a possuir em nome do adquirente, ou seja, converte sua posse em detenção, sem nenhum ato exterior que ateste essa mudança. Nos penhores especiais, tal fenômeno não ocorre. O devedor continua com a posse da coisa, em nome próprio, podendo usá-la e fruí-la. O credor recebe a posse indireta e jurídica da coisa, sem apreensão ou contato físico. Ambos são possuidores, na forma do CC 1.197, e podem usar a tutela possessória contra atos ilícitos praticados por terceiros, ou um contra o outro. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.528-29.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 07/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Expandem-se os autores Guimarães e Mezzalira nos exatos termos do CC 1.431, que constitui-se o penhor pela efetiva entrega de coisa móvel, suscetível de alienação, do devedor pignoratício ao credor pignoratício, como garantia de pagamento de uma dívida principal. 

O penhor tem em sua definição intrínseca a entrega (tradição) do bem móvel pelo devedor pignoratício, de forma a assegurar o credor do pagamento da dívida antes contraída. Entretanto, em determinadas espécies de penhor não se opera a tradição do bem, permanecendo este nas mãos do próprio devedor, por força da cláusula constituti, conforme se verifica no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos.

O penhor é um direito acessório, posto que assegura o pagamento de uma relação creditícia considerada principal. Só em caso de inadimplência do débito principal é que o bem empenhado será levado a leilão, a fim de que o credor possa pagar-se integralmente.

É exemplo típico de contrato de penhor a entrega de joias pelo particular à Caixa Econômica Federal, a fim de obter crédito pessoal, sob uma taxa de juros mais atrativa do que a oferecida no mercado financeiro; daí a popularidade desta modalidade de negócio.

Características do penhor: o penhor é um direito acessório, vale dizer que o penhor não existe por si só e sim em função de uma dívida principal que o originou. De fato, ele visa à segurança e a garantia de uma negociação principal, entabulada anteriormente pelo devedor pignoratício. Assim, como se trata de obrigação acessória, ela segue o destino da principal, i.é, caso esta seja declarada nula, nulificada estará a garantia do penhor.

Constitui-se pela tradição, qual seja, pela efetiva entrega do bem, objeto da garantia, ao credor pignoratício. Por esta razão, é tido como um contrato real, que depende da entrega efetiva do bem para consolidar-se.

A característica anterior comporta exceções, como se dá no penhor rural (agrícola ou pecuário), industrial, mercantil e de veículos, nos quais os bens dados em garantia continuam nas mãos do devedor, por previsão legal (parágrafo único do CC 1.431).

O objeto do penhor deve ser coisa móvel, seja singular ou coletiva, corpórea ou incorpórea. Se o objeto do penhor for coisa móvel fungível, este será denominado penhor irregular, obrigando o devedor a restituir o bem, após o pagamento da dívida, na mesma quantidade e qualidade. 

O bem móvel deve ser alienável, ou seja, deve estar disponível para que possa ser transferido por alienação a terceiros, em caso de venda judicial. Destarte, não poderá ser considerado como bem fora do comércio, nos termos do CC 1.420. 

Não admite o pacto comissório, como prevê o CC 1.428. Assim, não poderá o credor pignoratício apropriar-se do bem para se pagar, em caso de inadimplemento, sendo tal cláusula considerada nula. 

É garantia indivisível, pois que, ainda que o pagamento da dívida principal seja solvida em parte, o direito real continuará incidindo sobre o bem como um todo até que o pagamento seja quitado integralmente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.431, acessado em 07.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Nos comentários de Talita Pozzebon Venturini, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, onde faz uma abordagem das características gerais das garantias reais de forma a permitir uma compreensão individualizada de cada uma das modalidades (penhor, hipoteca e anticrese), onde a autora passa o entendimento de direito real de garantia o que confere a seu titular a prerrogativa de obter pagamento de uma dívida com o valor ou renda do bem aplicado, exclusivamente, à sua satisfação. 

Esses direitos, quando recaídos sobre coisas alheias, podem ser divididos como direitos reais de gozo e direitos reais de garantia. Assim, nos primeiros, desfrutam da coisa se aproveitando total ou parcialmente das vantagens que dela derivar, nos outros, de garantia, o credor apenas visa, na coisa, ou ao seu valor ou sua renda, para pagar o crédito que é seu principal objetivo, e do qual o direito real não passa de acessório. Ao existir um direito dessa natureza, afeta um bem do devedor, sujeitando-o essencialmente e através de um laço real, ao resgate da dívida garantida. A doutrina traz como principais direitos de garantia o penhor e a hipoteca, sendo estes, munidas de preferencia, i.é, conforme a redação do CC 1.422, já comentado acima.

Dessa forma, a preferencia é a maior vantagem que o credor pignoratício e hipotecário podem usufruir, porém, não beneficia o credor anticrético, uma vez que este, conforme o artigo seguinte, CC 1.423, possui o direito de compensação. Esta vantagem concede o direito de reter a coisa – dada em garantia – enquanto a dívida não for paga, se extinguindo em 15 anos após o dia da sua constituição.

Em relação à natureza jurídica, o penhor, hipoteca e a anticrese caracterizam-se como direitos reais, pois, apresentam todos os caracteres dos direitos dessa natureza. São direitos que recaem diretamente sobre a coisa, possuem a prerrogativa da sequela, e atuam como erga omnes, seja, o titular tem a faculdade da ação real. 

Os direitos reais são indivisíveis no sentido de que se a dívida for paga parcialmente não importa em exoneração correspondente da garantia, mesmo que englobe vários bens (CC 1.421). quanto à capacidade para construir ônus real, só será conferida a quem pode alienar. Assim, se o devedor que pretende oferecer garantia real não tem capacidade ou legitimação para dispor do bem não terá direito ao uso de um dos três institutos.

Em relação ao incapazes, podem possuir legitimidade, desde que representados ou assistidos e alcançando autorização judicial para oferecer bens em garantia real de seus débitos. De outra banda, só poderão ser dados como hipoteca, penhor e anticrese, os bens que podem ser alienados, i.é, não poderão ser dados como garantia o bem que estiver fora do comércio. Portanto, diferem-se, uma vez que dos direitos pessoais consistem em uma relação jurídica estabelecida entre pessoas em que o sujeito ativo pode exigir do sujeito passivo o cumprimento de uma prestação ou conduta. Composta por três elementos que se perfazem em razão de uma ocasião ou de um fato qualquer, são eles: o credor que é o sujeito ativo, o devedor que figura como sujeito passivo e o fato ou a coisa que é o objeto sobre o qual refletirá uma conduta e esta será de dar, fazer ou não fazer.

Percebe-se que a diferença está no sujeito passivo, há a exigência de uma obrigação, seja ela originada em um contrato, delito, ou da própria lei.

O devedor é uma pessoa certa e determinada, por sua vez, o sujeito ativo não pode ter a utilização da coisa sem a intermediação de um devedor, ou seja, para a sua realização faz-se necessário um intermediário. O objeto imediato é uma prestação, conduta ou obrigação. O objeto mediato é o bem ou a coisa que deve ser determinado ou determinável (coisa incerta).

Os direitos pessoais são transitórios, logo, a não utilização deste, acarreta a prescrição. Os direitos pessoais, por fim, são regidos pelo princípio da autonomia da vontade, logo, criados pelo homem.

Os direitos reais de garantia são direitos reais sobre a coisa alheia, pois servem como garantia ao credor que não é dono da coisa ao passo que essa, por sua vez, pertencente ao devedor, cuja finalidade é tão somente para garantir ao credor direitos sobre a coisa que pertence ao devedor face uma possível insolvência.  O devedor inadimplente garante a execução da garantia e o credor passa a ter a preferencia (ou prelação) por ser titular desse crédito, assim tal direito acaba incidindo sobre o todo ou parte do patrimônio.

Quanto ao penhor, consiste em direito real que conforme disciplina Rizzardo (2011, p. 1.031): “define-se o penhor como a efetiva transmissão da posse direta, ou a transferência de um bem móvel das mãos ou do poder do devedor, ou de terceiro anuente, os quais têm o poder dominial sobre o mesmo, para o poder e a guarda do credor, ou da pessoa que o representa, com a finalidade de garantir a satisfação do débito.” 

Dito de outra forma, consiste na transferência efetiva da posse de uma coisa móvel ou mobilizável, suscetível de alienação realizada pelo devedor ou por terceiro ao credor, a fim de garantir o pagamento do débito. Esse débito pode ser tanto dívida pecuniária quanto obrigação de fazer ou não fazer, desde que o não cumprimento seja passível de reparação pecuniária. 

A transferência efetiva do bem que se refere como transmissão real da posse, constitui elemento caracterizador do penhor em regra geral, porém o CC 1.431, estabelece as exceções em seu parágrafo único: “No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam no poder do devedor, que as deve guardar e conservar.” 

Como existe um vínculo real, já que o próprio bem garante a dívida estabelece-se uma preferencia deste credor sobre todos os demais, esta constitui a prelação ou preferencia sendo que somente as coisas suscetíveis de alienação podem ser dadas em garantia, além disso, existe um crédito real que tem preferencia sobre o crédito pessoa, CC 961 “O crédito real prefere ao pessoa de qualquer espécie; o crédito pessoa privilegiado, ao simples; e o privilégio especial, ao geral.” 

Quando excutido o bem e o produto arrecadado não bastar para o pagamento das dívidas e das despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pelo restante e a obrigação passa a ser pessoal, o credor será quirografário. 

As partes são o devedor pignoratício que é quem contrai o débito e transfere o bem e o credor pignoratício que é quem fica com a posse do bem em troca do valor emprestado e exige-se formalidade, conforme Bevilaqua (2003) deve ser celebrado por instrumento particular ou escritura pública e constar o valor do débito, a coisa dada em penhor, no caso de bem fungível, deve haver um detalhamento de qualidade e quantidade, bem como o prazo estabelecido para pagamento e juros. Tais requisitos vêm disciplinados no CC 1.424.

O penhor como regra, se refere a coisas móveis fungíveis e infungíveis. Exemplos: joias, metais preciosos, quadros. Corpóreas e incorpóreas v.g.: direitos autorais; pode ser também sobre coisas imóveis por acessão física, ex.: uma safra que é oferecida em penhor. Para Rizzardo (2011), não são passiveis de ser bens penhorados bens que não podem ser adquiridos ou alienados, ou por se tratar de coisas fora do comércio, ou por não haver possibilidade de apropriação ou por serem inalienáveis devido previsão legal como o anel nupcial, os instrumentos de trabalho, as áreas comuns de condomínios e as reservadas aos indígenas, entre outros.

Há a necessidade da tradição da coisa, exceto os penhores especiais como o agrícola que o credor se torna o depositário da coisa, existindo a exigência de publicidade para valer perante terceiros necessitando, portanto de registro no cartório de títulos e documentos. Existem seis espécies de penhor conforme explica Rizzardo (2011), o penhor comum ou civil, o rural (agrícola e pecuário), industrial e mercantil, penhor de direitos e títulos de créditos, penhor de veículos e penhor legal. (Talita Pozzebon Venturini, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 07.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.432. O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos. 

Lê-se através de Loureiro que o artigo em exame corresponde aos arts. 770 e 771 do CC/1916, com expressivas alterações. Não mais menciona o contrato lavrado em duplicata nem o registro como mera faculdade. 

O penhor comum se constitui pela efetiva entrega da posse do bem ao credor e ganha publicidade e oponibilidade contra terceiros com o registro no Oficial de Títulos e Documentos. Em termos diversos, o registro não é requisito de validade nem constitui o penhor comum. Apenas a eficácia do penhor é que está subordinada ao registro.

Independentemente do registro, pode o credor promover a excussão do bem empenhado no caso de inadimplemento da obrigação garantida. O privilégio em concurso de credores e a sequela, vale dizer, os efeitos que se produzem frente a terceiros é que estão subordinados ao registro. Os arts. 127, II, 144 e 145 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73) regulam o registro do penhor, que deve estar devidamente especializado, discriminando o bem empenhado, com quem se encontra a posse e todas as características da obrigação garantida. 

Exige o penhor forma escrita, porque menciona este artigo o “ instrumento do penhor”, título hábil a ingresso no Registro de Título e Documentos. Pode ser por instrumento público ou particular, mas ambos devem ser registrados, para ganhar eficácia erga omnes. 

O registro dos penhores especiais, nos quais a posse dos bens empenhados permanece em poder do devedor, têm natureza e locais distintos. São constitutivos do direito real, porque suprem ausência de publicidade da posse. São feitos no registro imobiliário (penhores rural, industrial e mercantil) e no registro de títulos e documentos, anotados no certificado de propriedade do veículo (penhor sobre veículos). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.529-30.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 07/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Segundo escrutínio de Guimarães e Mezzalira, as formas de constituição do penhor são: pelo contrato (penhor comum), onde as partes manifestam a livre vontade em constituir a garantia pignoratícia quanto à obrigação principal, podendo ser efetuado por instrumento particular ou público, registrado junto ao Cartório de Títulos e documentos, a fim de que passe a gerar efeitos erga omnes. 

Pela Lei (penhor legal), quando a norma permite a alguns tipos de credores a retenção dos bens do devedor como garantia do pagamento integral da dívida, tal como ocorre com os hospedeiros ou fornecedores de pousadas, quanto às bagagens do hóspedes (CC 1.467). 

No que diz respeito às espécies de penhor, pode-se dividi-los em duas grandes categorias: penhor comum e penhor especial. Penhor comum (ou tradicional) é aquele oriundo da vontade das partes, incidindo sobre bem corpóreo, entregue pelo devedor ao credor pignoratício no momento da constituição do negócio (Rodrigues, 2003, p. 353). Penhor especial, refere-se a diversas categorias: a) penhor rural (agrícola e pecuário); b) penhor industrial e mercantil;  c) penhor de títulos de créditos; d) penhor de veículos; e) penhor legal. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.432, acessado em 07.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Continuando com os comentários de Talita Pozzebon Venturini, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, seguem-se as características do penhor: a) Indivisibilidade, ou seja, o pagamento de uma ou mais prestações não importa exoneração da garantia, conforme o 1.421/CC: “o pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação;” b) publicidade, que no penhor se dá com a entrega do bem ou com o registro, se tratando de penhor especial como o agrícola; c) especialização, que vem a ser um detalhamento dos elementos que caracterizam a obrigação e o bem dado em garantia; d) acessoriedade, já que a existência da garantia real só se compreende se houver relação jurídica obrigacional cujo resgate pretende assegurar, em consonância com o 92/CC: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.” Dessa característica decorre a consequência de extinção do penhor no caso de extinta a obrigação; e) direito de sequela, ou seja, o direito real persegue a coisa independentemente de com quem essa se encontre; f) contrato real, pois apenas se consuma com a tradição do bem que será dado em penhor, mas a esta regra existe exceções, pois no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas continuam em poder do devedor que deve guarda-las e conservá-las, conforme reza o 1.431/CC; g) sinalagmático, pois produz obrigações recíprocas; h) não admite pacto comissório real, pois este pacto permitiria ao credor pignoratício, credor anticrético ou hipotecário ficar com o objeto da garantia se a dívida não for paga no vencimento, mas se ainda sim for convencionado, será considerado nula a cláusula, conforme o 1.428/CC.

Dentre os direitos do credor que constam elencados no 1.433/CC, destaca-se que o credor possui o direito de reter a coisa empenhada enquanto o devedor não adimplir com sua obrigação. Conforme assevera Bevilaqua (2003), como o credor pignoratício tem a posse fundada em seu direito real, que vincula a coisa ao cumprimento de uma obrigação, este direito de retenção difere de outros direitos tais como o direito de retenção do possuidor de boa fé para garantir benfeitorias ou ainda a retenção prevista em lei em que o devedor pode retardar a entrega de um bem enquanto seu credor não dá o que lhe deve, de cujo fato se origina a obrigação, pois esses casos se referem a mero direito pessoal. 

Ainda como direito do credor está a possibilidade de exigir a substituição da coisa caso essa tenha se deteriorado. E também exigir eventuais prejuízos sofridos devido a vício da coisa empenhada, salvo se o vício é de conhecimento do credor; possui o direito de excutir a coisa empenhada, inclusive com direito de preferência frente a outros credores, com exceção apenas do trabalhador rural com relação ao produto da colheita na qual tenha trabalhado e do trabalhador vítima de acidente de trabalho. Pode ainda proceder com a venda amigável do bem, uma vez que exista permissão no contrato. Não está permitida a apropriação do bem e a excussão deve se dar por meio de processo de execução previsto no art. 784, III/ CPC. E por fim, apropriar-se dos frutos da coisa empenhada a fim de usá-los na sua conservação e promover, mediante ordem judicial, a venda antecipada sempre que houver o risco de deterioração da coisa. (Talita Pozzebon Venturini, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 07.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.428, 1.429, 1.430 Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.428, 1.429, 1.430

Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo I – Disposições Gerais

Título X - Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – (Art. 1.419 a 1.430) - digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogspot.com

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 Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.

Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida. 

Em sua retrospectiva como aponta Francisco Eduardo Loureiro o artigo em estudo corresponde ao art. 765 do CC/1916. O caput manteve-se sem qualquer alteração. A inovação está no acréscimo do parágrafo único, que trata da possibilidade do devedor contratar com o credor a dação em pagamento do bem objeto da garantia real.

Veda o preceito a cláusula comissória, também denominada lex comissoria ou pacto comissório. Na lição de Clóvis Bevilaqua, consiste na estipulação de que o credor ficará com a coisa dada em garantia real se a dívida não for paga no vencimento (Direito das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951,1.1, p. 40). Deve ser evitada a utilização do termo pacto comissório, com duplo sentido, pois significa também pacto adjeto da compra e venda por cláusula resolutiva expressa no regime do Código Civil de 1916.

A proibição é de ordem pública e prevalece sobre a vontade das partes em todos os direitos reais de garantia, inclusive a propriedade fiduciária. Abrange tanto o ato constitutivo da garantia como convenção posterior (ex intervallo). Admite o parágrafo único apenas a dação em pagamento após vencimento da obrigação.

A sanção cominada pelo legislador é a nulidade, que pode ser conhecida ex officio tão logo chegue a conhecimento do juiz e não convalesce pelo decurso do tempo. A invalidade alcança apenas a cláusula comissória, de natureza acessória, mas mantém íntegras a garantia real e a obrigação, cabendo ao credor o direito à excussão.

A cláusula comissória é condenada pela maioria das legislações ocidentais por duas razões: por proteger o devedor fraco da exploração gananciosa do credor e por evitar o bem dado em garantia ser apropriado sem correspondência com seu valor de mercado.

A invalidade alcança os negócios jurídicos indiretos, que mascaram a cláusula comissória sob a aparência de convenção lícita, por fraude à lei, nos termos do CC 166, VI. Os exemplos mais comuns são contratos de venda e compra com pacto de retrovenda, ou compromissos de compra e venda com objetivo de garantia a contrato de mútuo. O negócio indireto se verifica “quando as partes recorrem, concretamente, a um negócio determinado, para obter, através do mesmo, resultado diverso daquele típico da estrutura do próprio negócio; as partes visam, assim, um escopo que não é típico do próprio negócio” (Lima, Alvino. A fraude no direito civil. São Paulo, Saraiva, 1965, p. 80).

O negócio em fraude à lei tem dois requisitos cumulativos: existência de norma imperativa no ordenamento jurídico, necessariamente incidente quando presente determinada situação jurídica; e realização de negócio jurídico suscetível de produzir, por meio indireto, exatamente o resultado previsto como indesejado pela norma jurídica imperativa, ou que seja atingido resultado a ele equivalente (Pereira, Regis Velasco Fichtner. Fraude à lei. Rio de Janeiro, Renovar, 1994, p. 93). Em suma, feita a prova de que negócios aparentemente lícitos se prestam à apropriação pelo credor de bens dados em garantia, há fraude à lei e nulidade absoluta.

O parágrafo único deste artigo disciplina a possibilidade, admitida de modo tranquilo por doutrina e tribunais, do devedor, no vencimento do crédito ou após, dar o bem objeto da garantia real em pagamento ao credor. A dação em pagamento está prevista nos CC 356 e ss do Código Civil e exige o consentimento do devedor nunca ser contemporâneo à constituição da garantia real. O consentimento necessário à dação somente pode ser dado no momento do vencimento da obrigação ou após. A promessa de dação, manifestada no momento da constituição da garantia real, ofende a vedação de cláusula comissória, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.523-24.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 06/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina do relator Ricardo Fiuza, trata o artigo da proibição do pacto comissório, vedação que está difundida universalmente. Teve origem no direito romano, em que era chamado de lar commissoria, que autorizava o credor a adjudicar a própria coisa dada em garantia caso o devedor não solvesse a obrigação. Não é outro o entendimento jurisprudencial (RT, 690/173, 665/85, 687/69, 704/ 133 e 614/179).

Equipara-se este ao art. 765 do Código Civil de 1916, com considerável melhora de redação. Inova ao introduzir em seu parágrafo único a hipótese de devolução da coisa para pagamento da dívida. No mais, deve ser aplicado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado ao dispositivo apontado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 729-30, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 06/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo com Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, da mesma forma como se excluem os efeitos do inadimplemento nos casos em que o incumprimento não pode ser imputável ao devedor, não se configura o inadimplemento antecipado diante de situações de não imputação dos efeitos do inadimplemento. desta forma, não será possível considerar inadimplido um contrato quando o devedor possuir fundada justificativa para não tencionar continuar, ou mesmo começar a cumprir o que fora previamente acordado.

Tal fato ocorre, por exemplo, quando: i) as especificações do contato não permitem a sua execução (v.g., por erro no projeto ou falta de dados, que deveriam ser fornecidos pelo contratante); ii) são necessárias autorizações governamentais para continuar executando parte da obra; iii) entende-se, justificadamente, necessário obter esclarecimentos do contratante, que se recusa ou demora em fornecer; iv) o contratante impõe mudanças substanciais no projeto original de uma obra, sem que haja previsão para tanto no contrato; v) a recusa em cumprir decorre de um inadimplemento anterior por parte do contratante (aplicando-se o princípio exceptio non adimpleti contractus), ou vi) no caso de o próprio credor violar um dever de cooperação, decorrente da boa-fé, quando esta cooperação for necessária à realização de sua prestação etc.

Da mesma forma, ainda que ocorra uma situação de impossibilidade, se esta decorrer de caso fortuito ou força maior, não será possível considerar como um inadimplemento antecipado, por força do disposto no CC 393. Isso, é claro, salvo se o risco por uma dessas situações tenha sido assumido pela parte. Nestes casos, mesmo tendo se materializado o risco de caso fortuito ou força maior, será possível a aplicação do inadimplemento antecipado quando implicar a impossibilidade de cumprir, ou mesmo pelo fato de a parte recusar-se a cumprir, diante da ocorrência de uma dessas situações. (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 213, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

No entendimento de Guimarães e Mezzalira, o Código Civil proíbe a cláusula comissória, que consiste na previsão contratual que autoriza o credor a se apropriar da coisa dada em garantia, nos casos em que a dívida não for paga.

Embora seja proibida cláusula autorizando o credor a ficar com o objeto da garantia (cláusula comissória), o legislador permitiu ao devedor, após o vencimento da dívida, entregar a coisa para o seu pagamento, que liberará o devedor na hipótese de aceitação do credor. Trata-se declaração  em pagamento, uma faculdade do devedor e contemplada no sistema jurídico. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.428, acessado em 06.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.429. Os sucessores do devedor não podem remir parcialmente o penhor ou a hipoteca na proporção dos seus quinhões; qualquer deles, porém, pode fazê-lo no todo.

Parágrafo único. O herdeiro ou sucessor que fizer a remição fica sub-rogado nos direitos do credor pelas quotas que houver satisfeito.

Dizem Guimarães e Mezzalira que, em consequência do princípio da indivisibilidade do direito real de garantia, previsto no CC 1.421, o sucessor do devedor não pode liberar o seu quinhão mediante o pagamento proporcional da dívida. Deverá pagar a totalidade do débito, sub-rogando-se nos direitos do credor.

Remição é a liberação da coisa gravada. O devedor tem o direito de efetuá-la, embora não possa realizar a remição parcial, pois a liberação ocorrerá apenas se o pagamento for total. 

A jurisprudência tem admitido a divisão da garantia hipotecária, conforme se verifica do entendimento consolidado na Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.429, acessado em 06.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

No mesmo sentido Ricardo Fiuza em sua doutrina, não ser admitida a remição (ato de libertar-se o bem do ônus que o grava, pagando-se-lhe o preço ao credor) parcial do penhor e da hipoteca por herdeiros na proporção de seus quinhões, pois o vínculo da garantia é indivisível. Só é possível que a remição seja feita no todo. Havendo a remição, o herdeiro ou sucessor se sub-roga nos direitos do credor. O artigo é idêntico ao 766 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 730, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 06/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na continuidade de Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 214, tem-se os fundamentos jurídico-dogmáticos da aplicação do instituto no direito brasileiro – Breve panorama do inadimplemento antecipado no Direito Brasileiro – Uma vez caracterizado o inadimplemento antecipado, torna-se necessário verificar as possibilidades de sua aplicação. Tal estudo esbarra em duas dificuldades iniciais: a um, nosso arcabouço legislativo, que, a despeito de recente promulgação de um novo Código Civil, ainda encontra-se fortemente influenciado pelo modelo dicotômico de inadimplemento, que desconhece a possibilidade de um inadimplemento antes do termo da obrigação (Sobre o tema, o autor remete-se ao estudo: MARTINS, Raphael Manhães. “A teoria do inadimplemento e transformações no direito das obrigações”). No prelo.

Nesse sentido, tem-se o CC 333, que estabelece que o credor poderá cobrar dívida antes do vencimento quando: i) houver a falência do devedor ou concurso de credores; ii) se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor; ou iii) se cessarem ou se tornarem insuficientes as garantias de débito fidejussórias ou reais, e o devedor se negar a reforça-las.

Também são exemplos os CC 1.425 e 1.426, que tratam do vencimento antecipado de dívidas garantidas por hipoteca, penhor ou anticrese: i) se a deterioração ou depreciação do bem dado em segurança desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar; ii) se o devedor cair em insolvência; iii) se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento; iv) se perecer o bem dado em garantia e não for substituído; ou v) se desapropriar o bem dado e garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor. 

Mas, embora o inadimplemento antes do vencimento da prestação não seja de todo estranho no nosso ordenamento, não há acolhida expressa do instituto do inadimplemento antecipado, enquanto categoria de inadimplemento, ao lado da mora e da impossibilidade. Muito pelo contrário, considerando-se o dispositivo do CC 939, parece mesmo haver uma certa predisposição contrária à aplicação do inadimplemento antecipado.

A predisposição contrária à aplicação do inadimplemento antecipado no ordenamento brasileiro é apenas ilusória, ou melhor, uma primeira impressão de um leitor afoito. Esta máscara cai quando o intérprete deixa de lado a literalidade da norma e perquire seus fundamentos e princípios, em busca de sua ratio, afinal, é importante notar que os princípios gerais do direito, enquanto manifestação da ideia de Justiça material, ocasionam e funcionam como fundamento de validade de diversas proposições jurídicas, substituindo eventuais lacunas legislativas (ou a falta de uma controvertida força legiferante das decisões reiteradas de nossos tribunais), por regras bastante específicas. 

Essas proposições jurídicas, derivadas dos princípios gerais de nosso ordenamento, embora estejam além da norma formal e de uma intenção explícita do legislador, encontram respaldo e extraem sua força cogente de uma natureza substancialmente superior, i.é, da própria ideia de Direito. Ideia que, para se materializar em nosso espaço-tempo contemporâneo, necessita construir estas preposições, sempre mais concretas e objetivas, e com uma aplicação mais precisa que os princípios. 

Nas palavras de Claus-Wilhelm Canaris, “a partir delas [os princípios gerais do direito], e através de um processo de concretização inteiramente material e muito complicado, desenvolvem-se proposições jurídicas de conteúdo claro e de alto poder convincente”. (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Trad. A. Menezes Cordeiro, 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002, p. 120-121).

Note-se que, para que estas proposições jurídicas tenham validade no sistema brasileiro, é necessário que, entre estas e os princípios que as fundamentam, exista uma relação de interdependência. Em outras palavras, enquanto o principio serve de fundamento para a proposição, esta deve ser um pressuposto necessário à concretização do principio nos casos concretos. De outra forma, não há que se falar na inserção de uma proposição alienígena ao ordenamento jurídico.

Em relação ao inadimplemento antecipado, não restam dúvidas de que tal relação existe com os princípios gerais da proteção à confiança legítima e da boa-fé objetiva (Sobre a proximidade e distinções entre os princípios da Boa-Fé e da Confiança, remete-se o autor a seu trabalho anterior: “MARTINS, Raphael Manhães. “Apontamentos sobre o principio da Confiança Legítima no Direito Brasileiro”. Revista da EMERJ, v. 10, n. 40, 2007, p. 177-190). Nesse sentido, tem-se o leading case do STJ, em matéria de responsabilidade por violação de deveres impostos pela boa-fé: “Recurso especial. Civil. Indenização. Aplicação do principio da boa-fé contratual. Deveres anexos ao contrato – O principio da boa-fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo, por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica deste princípio. O dever anexo de cooperação pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual. A violação a qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa”. 

O inadimplemento antecipado, dependendo do comportamento do obrigado, pode conduzir ou a uma violação ao princípio da boa-fé objetiva, e/ou a uma violação da confiança da outra parte. Nesse sentido, estar-se-á diante de uma violação ao princípio da boa-fé objetiva quando o devedor violar algum dos deveres impostos pelo principio, como ocorre: i) quando o obrigado coloca-se em posição de impossibilidade de adimplir com a prestação; ii) quando o devedor se recusa tacitamente a realizar o cumprimento da obrigação. Por outro lado, há uma violação do principio de proteção da confiança legítima quando o devedor iii) recusa-se a cumprir a obrigação que lhe é imposta. 

É evidente que esta distinção entre violação da confiança e violação da boa-fé objetiva não é, nem poderia ser, uma divisão absoluta, em que as hipóteses de violação de um dos princípios não atingem o outro. isto seria incogitável, tendo em vista a ausência de limites horizontais, a priori para a aplicação desses princípios. CANARIS, Claus-Wilhelm. Op. cit., p. 79 e ss.

Por outro lado, é importante, através dessa separação, compreender de que forma cada um dos referidos princípios é violado, pois, se a própria justificativa do inadimplemento antecipado do contrato é a violação destes, não parece aceitável satisfazer-se com justificativas genéricas. Em outras palavras, a única maneira de fortalecer e embasar este instituto no sistema jurídico brasileiro é demonstrando como ele serve para a concretização dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança legítima. e, através dessa compreensão, fica evidente a função do inadimplemento antecipado como uma maneira de concretizar os princípios da boa-fé e da confiança. Afinal, nas situações em que algumas das hipóteses fáticas do inadimplemento antecipado ocorrem, como não seria possível invocar nem a mora, nem o inadimplemento absoluta, fica patente que o não reconhecimento do instituto gerará uma situação de violação da Justiça material naquele caso concreto.

Assim, diante da evidência do caráter instrumental e necessário do inadimplemento antecipado para garantir a concretização dos referidos princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé, é inequívoco que o instituto possui guarida no ordenamento civilístico brasileiro. E, a fortiori, não há óbices à consideração do inadimplemento antecipado como um preceito presente – ainda que implícito – no ordenamento jurídico nacional, eis que aquele possui a força normativa necessária para tanto. (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 213-17, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, o preceito é desdobramento da indivisibilidade da garantia real, que recai sobre o bem por inteiro e beneficia cada parcela da dívida. A norma é dispositiva, cabendo convenção das partes em sentido contrário. 

O artigo em exame dispõe que se houver sucessão subjetiva, com substituição do devedor - ou de terceiro prestador da garantia real - por terceiros, em razão de ato inter vivos ou causa mortis, a remição do bem objeto da garantia real está subordinada ao pagamento integral da dívida. Dizendo de outro modo, ainda que o sucessor receba parte ideal do bem dado em garantia, somente pode obter a liberação mediante solução integral da obrigação, pois não pode o sucessor ter direitos superiores ao do devedor originário.

Como anota Gladston Mamede, este artigo não se aplica somente ao sucessor hereditário, mas a toda e qualquer hipótese de “sucessão subjetiva na qual se tenha substituição do proprietário do bem gravado por ônus real por uma multiplicidade de proprietários, haja compropriedade ou não” (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 119). Lembre-se, porém, que o CC 1.488 em análise, adiante comentado, cria importante exceção ao princípio da indivisibilidade, nos casos de imóvel loteado ou em condomínio edilício.

Explica Carvalho Santos o seguinte, a respeito do preceito: se um dos herdeiros ou sucessores do devedor pagar sua parte da dívida, não pode pretender a liberação de sua parte na coisa dada em garantia enquanto a dívida não estiver inteiramente quitada; e, ainda que esse herdeiro pague sua parte da dívida, seu quinhão continua a responder por ela até seu integral pagamento (Código civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. X, p. 97).

Nada impede um dos sucessores pagar integralmente a dívida e obter a liberação da garantia, sub-rogando-se em todos os direitos que competiam ao credor originário, de modo automático, sem necessidade de qualquer interpelação. Pode cobrar dos demais devedores a totalidade da dívida, excluída apenas sua quota-parte, que se extinguiu pela confusão. A garantia real onerará inteiramente a coisa, até a solução da obrigação. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.526-27.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 06/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Art. 1.430. Quando, excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para pagamento da dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante.

Segundo o escrutínio de Francisco Eduardo Loureiro, O dispositivo regula a responsabilidade do devedor pelo remanescente da dívida, caso o produto da excussão não baste pela solução integral da obrigação, que abrange juros, encargos contratuais, custas processuais e honorários advocatícios.

O devedor continua obrigado pessoalmente pelo saldo. Esgotada a garantia, o credor preferencial se converte em quirografário. Pode executar o saldo, sem necessidade, a princípio, de ajuizar ação de conhecimento. Em determinados casos, quando permite a lei a alienação extrajudicial do bem dado em garantia, como na propriedade fiduciária, o devedor deve ser intimado a acompanhar a venda, sem o que eventual saldo devedor não comporta execução sem prévio acertamento em ação monitória ou de conhecimento. É evidente que, se a garantia real for prestada por terceiro, não há obrigação pessoal pelo saldo, pois o terceiro não é devedor, mas apenas vincula determinado bem de seu patrimônio à solução da obrigação. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.527.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 06/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na ciência de Guimarães e Mezzalira, a garanti real não exclui a garantia pessoal. Se o produto da garantia real não for suficiente para o pagamento da dívida, a execução prosseguirá pelo valor que resta, ou seja, o credor prosseguirá na condição de credor do saldo remanescentes, tratando-se, contudo, de crédito quirografário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.430, acessado em 06.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Dando  sequência à lição de Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, depois de estabelecidos os contornos do inadimplemento antecipado no ordenamento brasileiro e estudado seus fundamentos, tem-se como passo final averiguar quais os efeitos atribuíveis ao inadimplemento antecipado.

Nesse sentido e trilhando o caminho seguido pela doutrina brasileira, deve-se compreender como o inadimplemento antecipado coloca-se em relação às duas figuras chaves do inadimplemento, quais sejam, a mora e a impossibilidade, a fim de traçar quais seriam sua s consequências. Para tanto, a referência obrigatória é o primeiro – e, até onde se sabe, único – debate travado na doutrina nacional, sobre o enquadramento dos efeitos de situações de inadimplemento antecipado. Tal fato, que já data de quase um século, teve como participantes Francisco de Paula Lacerda de Almeida e, fundamentalmente, Agostinho Alvim. 

Lacerda de Almeida – sem entrar na discussão sobre o inadimplemento antecipado propriamente (Tanto Lacerda de almeida quanto Agostinho Alvim trataram, em seus trabalhos, apenas da hipótese em que o devedor recusa explicitamente o cumprimento de uma obrigação), ao tecer seus comentários sobre a distinção entre mora e inadimplemento absoluto, concluiu, em nota de rodapé, que: “Há de ser difícil distinguir, salvo por recusa explícita e formal do devedor, entre a mora e o inadimplemento” (ALMEIDA, Francisco de Paula Lacerda de. “Obrigações. Exposição systematica desta parte do direito civil pátrio segundo o methodo dos ‘direitos de família’ e ‘direito das cousas’” do conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira. 2. ed. Rio de Janeiro: Revista dos tribunais, 1916, p. 166, grifou-se), dando a entender que seria inegavelmente o caso de inadimplemento absoluto.

Em seu magnifico estudo sobre o inadimplemento das obrigações, Da inexecução das obrigações e suas consequências, Agostinho Alvim divergiu de Lacerda de Almeida. Segundo Agostinho Alvim, atribuir tamanha importância ao “elemento volicional” do devedor, ‘que se recusa a cumprir, não encontra amparo no direito positivo. (Vê-se da aludida nota que o seu ilustre autor Lacerda de Almeida, pretende diagnosticar, como inadimplemento absoluto, todo caso em que tenha havido recusa explícita e formal do devedor. Mas o elemento volicional não tem aqui, como também não tem em outros pontos do direito obrigacional, a importância que amiúde lhe atribuem. Para estremar mora de inadimplemento absoluto é mister haja critério de ordem econômica” (Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 39). 

Para pôr termo a tal controvérsia, Agostinho Alvim busca um critério misto, ou melhor, um critério que leve em conta não apenas a vontade das partes, mas as circunstâncias do caso concreto (“Se se trata de um fato pessoal, obrigação dita infungível, a recusa do devedor equivale ao inadimplemento absoluto [...] Mas se a obrigação é fungível, podendo o credor mandar realizar o trabalho por outrem, neste caso o inadimplemento tem o caráter demora” – idem, ibidem, p. 43). Nesse sentido, caberia, em cada caso, averiguar o interesse socioeconômico do credor para decidir se tratar-se-ia de mora ou de impossibilidade (“Ora, o que precipuamente interessa ao credor, economicamente falando, é saber se há meios de receber a prestação prometida, i.é, se a execução direta é possível. Se ele obtém a prestação, seja porque o devedor cumpriu a obrigação, seja porque ele, credor, a houve por outros meios, a sua situação é sempre a de credor que obteve o que tinha em vista, diversa da daquele que somente poderá obter o sucedâneo, i.é, as perdas e danos. Logo, o fato de haver recusa do devedor não altera a situação do credor, economicamente falando, quando possível lhe seja a execução direta. [...] Diante do exposto, pode-se justificar a fórmula aventada para caracterizar o inadimplemento absoluto e a mora, a saber: ‘Há inadimplemento absoluto quando não mais subsiste para o credor a possibilidade de receber a prestação; há mora quando persiste essa possibilidade’” – idem, ibidem, p. 43-44).

Dessa forma, conclui o indigitado autor, não seria previamente possível determinar que, em todas as situações de recusa do devedor, estar-se-ia diante do inadimplemento absoluto. Ao contrário, caberia em cada caso averiguar se o credor ainda teria interesse socioeconômico na prestação e, assim procedendo, decidir em qual das modalidades de inadimplemento a situação se encaixaria.

Após este profícuo debate, aparentemente a doutrina esmoreceu o ânimo de resolver a intrincada questão.

Para o desenvolvimento da temática proposta, não é possível passar ao largo deste tema. E, para tanto, propõem-se utilizar o velho método leninista de “dar um passo para trás, para poder caminhar dois para frente.

O inadimplemento antecipado, ao contrário das posições encabeçadas pelos aludidos autores, não permite a remissão às figuras clássicas da mora e do inadimplemento absoluto, eis que estas duas figuras tratam de hipóteses de quebra da obrigação principal, o que não é, propriamente, o caso.

O instituto requer uma tutela própria para seus efeitos, em comparação com o inadimplemento após o vencimento do termo, de forma: a um, não sujeitar à vontade do devedor os efeitos de seu inadimplemento, a dois, seja tecnicamente correta, e a três, se adapte aos contornos do nosso ordenamento jurídico. As soluções até então apresentadas não parecem satisfatórias para tanto.

Afinal, como Agostinho Alvim bem observou, não se pode deixar a cargo do devedor a escolha sobre quais as consequências de seu não cumprimento e, a partir disto, concluir pelo inadimplemento absoluto como a consequência natural. 

Por outro, a solução apresentada por Agostinho Alvim não parece de todo correta. Isto porque, como existe um prazo para o cumprimento da prestação, apenas poderia ocorrer a figura da mora quando houvesse o transcurso desse prazo e, portanto, a dívida seria exigível. (Sobre as exigências para a configuração da mora, Cf. Buarque, Sidney Hartung. Da demanda por dano moral na inexecução das obrigações. Rio de Janeiro: forense, 2005, p. 51).

Tal exigência implica, consequentemente, a impossibilidade de o credor propor ação direta contra o devedor para obriga-lo ao cumprimento da obrigação, em caso de inadimplemento antecipado. Isso porque, conforme já aludido, a processualística nacional possui previsão expressa contrária à realização do procedimento executivo sem fundamento em dívida líquida, certa e exigível, conforme os arts. 786 e 803, I, do CPC, o que não seria o caso. (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 217-20, acessado em 06.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.425, 1.426, 1.427 Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.425, 1.426, 1.427

Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo I – Disposições Gerais

Título X - Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – (Art. 1.419 a 1.430) - 

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 Art. 1.425. A dívida considera-se vencida:

I - se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir;

II - se o devedor cair em insolvência ou falir; 

III - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata; 

IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído; 

V - se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor.

§ 1º Nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta se sub-rogará na indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu completo reembolso.

§ 2º Nos casos dos incisos IV e V, só se vencerá a hipoteca antes do prazo estipulado se o perecimento, ou a desapropriação recair sobre o bem dado em garantia, e esta não abranger outras; subsistindo, no caso contrário, a dívida reduzida, com a respectiva garantia sobre os demais bens, não desapropriados ou destruídos.

Dando ênfase ao entendimento de Francisco Eduardo Loureiro, a garantia real é sempre acessória a uma obrigação principal e segue sua sorte jurídica, inclusive o termo da dívida garantida. É o denominado vencimento normal. Pode ocorrer, ainda, vencimento antecipado da obrigação em geral, que, como é evidente, acarreta também vencimento do acessório. 

Ao lado do vencimento antecipado da obrigação em geral, previsto no CC 333, ou de casos previstos pelas partes no contrato, desde que sem ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e equilíbrio do contrato, elenca o artigo em exame outros casos legais, independentemente de estipulação. São casos nos quais se reforça a garantia do credor, em razão do agravamento dos riscos por fatos supervenientes.

O inciso I prevê o caso de deterioração ou depreciação do bem objeto da garantia. Deterioração é o estrago, a degradação física; enquanto depreciação é a desvalorização econômica do bem. Não alude a lei a suas causas, podendo o estrago ter qualquer origem, imputável ou não ao devedor, ou mesmo proveniente de caso fortuito ou força maior, desde que superveniente à constituição da garantia. Apenas o fato imputável ao próprio credor - tome-se como exemplo o penhor - não provoca o vencimento antecipado da dívida. Anota Gladston Mamede, com razão, que a pronta iniciativa do devedor, ou do terceiro proprietário garantidor, em recuperar a coisa deteriorada, mantém incólume a garantia do credor e evita o vencimento antecipado (Mamede, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 91). A depreciação natural da coisa, pelo uso razoável e decurso do tempo, não produz vencimento antecipado da dívida, assim como a deterioração mínima, desproporcional à consequência alvitrada na lei. Reza o preceito o vencimento antecipado não ser automático, exigindo prévia intimação do devedor para que reforce ou substitua a garantia, em prazo razoável, compatível com a complexidade da operação. Decorrido o prazo, considera-se, a partir daí, vencida a obrigação. 

O inciso II prevê o vencimento antecipado se o devedor cair em insolvência ou falir. Falência, recuperação judicial, liquidação extrajudicial de instituição financeira e insolvência civil provocam, por expressa força de lei, vencimento antecipado das dívidas do falido, insolvente ou liquidando. As três primeiras situações somente se caracterizarão por força de decisão judicial e acarretarão vencimento antecipado e habilitação na execução coletiva, como crédito privilegiado. Já o termo cair em insolvência não exige decretação da insolvência civil do devedor, mas a mera constatação de fato de tal estado, no qual o passivo supera o ativo, apurável no curso da execução (Carvalho Santos. Código Civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. X, p. 73). 

Podem as partes convencionar outros fatos, que não caracterizam tecnicamente a insolvência, como protesto de títulos, ajuizamento de execuções contra o devedor, ou penhora do bem dado em garantia real, por credor diverso, provocarem também vencimento antecipado da dívida, por majorarem o risco do credor. Sem previsão contratual, porém, tais situações não caracterizam, por si, insolvência ou falência, nem são causa legal de vencimento antecipado.

O inciso III prevê a hipótese de falta de pagamento pontual das prestações, se acordaram as partes o parcelamento do preço, ou da solução da obrigação. O não pagamento de qualquer das parcelas provoca o vencimento antecipado das demais. Vence-se a dívida toda e, por consequência, a garantia real. A regra é dispositiva, valendo no silêncio do contrato, mas nada impede que se convencione o contrário. Embora divirja a doutrina, a corrente majoritária afirma o não pagamento dos juros, que vencidos incorporam-se ao capital, também provocarem vencimento antecipado da dívida e da garantia. O preceito do vencimento antecipado é previsto na lei em benefício do credor, podendo haver renúncia expressa ou tácita. O recebimento posterior da prestação em atraso é modalidade tácita de renúncia da benesse.

É evidente a regra do inciso III dever ser lida em consonância com os princípios cogentes que regem o direito contratual, em especial boa-fé objetiva, função social e equilíbrio. O atraso no pagamento da prestação deve revestir-se de certa gravidade para provocar o efeito severo do vencimento antecipado e total da dívida. Atraso mínimo, que não acarreta maior prejuízo ao credor, nem altera de modo significativo a utilidade da prestação, pode ainda ser pago, sem necessidade de solução integral da obrigação, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.

O inciso IV trata do perecimento da coisa, tomado em sentido lato, de desaparecimento, destruição ou esgotamento, qualquer que seja sua causa, com ou sem culpa do devedor. Apenas se ressalta o perecimento por culpa exclusiva do credor, como no caso do penhor, que não altera o vencimento da obrigação. Note-se que se perde a garantia, mas permanece íntegro o crédito como quirografário. Tem o devedor o direito potestativo de substituir a garantia por outra, de valor igual ou superior, para evitar o vencimento antecipado da obrigação. 

O § 1º do artigo em exame trata da hipótese de pagamento de indenização da garantia perecida, por seguradora ou por terceiro causador do dano. Há o vencimento antecipado e se opera sub-rogação do objeto da garantia, substituído pelo valor da indenização. A seguradora ou o causador do dano, em tal caso, deve pagar diretamente ao credor com garantia real até o valor do bem destruído, sob pena de pagar mal. Decorrência disso, embora duvidosa a questão, é a possibilidade do credor com garantia real cobrar diretamente a dívida do causador do dano ou da seguradora. 

O último inciso trata da desapropriação do bem objeto da garantia real, caso no qual o expropriante pagará ao credor preferencial, que se habilitará na desapropriação e dela será citado, o valor integral do crédito. Se houver sobras, são devidas ao proprietário do bem, que o deu em garantia real. Por outro lado, se a indenização for insuficiente para extinguir a obrigação, remanesce crédito quirografário contra o devedor.

Finalmente, o § 2° trata do perecimento ou desapropriação (incisos IV e V ) que atingem somente uma parte dos bens objeto da garantia real. Embora o preceito somente aluda à hipoteca, não se vê razão para não estendê-lo às demais garantias reais, em especial à propriedade fiduciária. Diz a regra que se todos os bens dados em garantia forem atingidos há vencimento antecipado. Se somente parte dos bens forem atingidos, parte proporcional da obrigação, correspondente à redução da garantia, vence antecipadamente, desde que, é óbvio, seja a prestação divisível. Finalmente, se remanescerem bens suficientes para a garantia do crédito, a garantia permanece incólume, e razão não há para vencimento antecipado. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.520-21. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Para o conhecimento no nobre relator Ricardo Fiuza em sua doutrina, o artigo enumera taxativamente as hipóteses de vencimento da dívida. Deteriorando-se a coisa dada em garantia ou ocorrendo sua depreciação, a dívida será considerada vencida, a não ser que o devedor reforce a garantia, sendo que esse reforço será considerado uma nova garantia, que terá sua duração contada a partir de seu registro. Ocorrendo a falência ou insolvência, com a execução geral do devedor, todos os créditos são reunidos, fundidos e equiparados, o que faz desaparecer os prazos, vencendo todas as dívidas do falido, inclusive as garantidas por esses direitos reais. O não-pagamento da prestação no seu vencimento infringe o contrato e permite ao credor executar a dívida. Pode o credor receber, por mera liberalidade, as prestações vencidas, hipótese em que estará ele renunciando, por ora, à execução imediata. O perecimento (perda do objeto, v. g., por incêndio) do bem e sua não-substituição provocam também o vencimento da dívida e sua imediata execução. Havendo desapropriação, vencer-se-á a dívida, devendo a garantia recair sobre o preço. Ocorrendo o perecimento da coisa ou sua degradação, satisfeito o dano sofrido pelo devedor, sobre a indenização ou o valor pago pelo segurador, transfere-se o vínculo da garantia real. Esses fatos não provocam a extinção do direito nem tomam a dívida exigível. O valor da indenização pago por terceiro ou pelo seguro deverá ser consignado em favor do credor até que atinja o montante que leve ao pagamento integral da dívida. Idêntica solução é dada para o caso de o bem onerado por garantia real ser desapropriado (art. 31 do Dec.-Lei n. 3.365/41). • Este dispositivo equipara-se ao art. 762 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação. No mais, deve ser dispensado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado ao dispositivo mencionado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 728-29, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 05/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Buscando Guimarães e Mezzalira,, o prazo para o pagamento da dívida é um dos requisitos de eficácia dos contratos referentes aos direitos reais de garantia. Como forma de reforçar a garantia, o legislador estipulou hipóteses em quem o vencimento da dívida é antecipado, permitindo que o credor adote providências para fazer valer o seu privilégio.

O inciso I trata dos casos de deterioração ou depreciação da coisa, hipóteses em que ocorre a sua desvalorização, cabendo ao devedor reforçar a garantia ou substituí-la. A insolvência ou a falência do devedor também são causas que antecipam o vencimento da dívida. 

A impontualidade do devedor é sinal indicativo da sua insolvência, o que autoriza considerar a dívida vencida coo forma de manutenção da integralidade da garantia, pois a eventual cobrança judicial de parte da dívida implicaria na perda da segurança. O recebimento posterior implica na renúncia ao direito de execução imediata. 

Se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído. Nesse caso, o credor tem o direito de optar entre a execução imediata e o pedido de reforço da garantia. Se houver seguro da coisa gravada, o credor com garantia real se sub-roga na indenização paga pela seguradora, até ser completamente reembolsado (Carlos Roberto Gonçalves, 2010, p. 542). 

A desapropriação do bem dado em garantia também constitui causa de antecipação do vencimento da dívida. Se mais de um bem for dado em garantia e a desapropriação recair sobre apenas um deles, o vencimento antecipada da dívida será apenas parcial, proporcionalmente ao desfalque patrimonial. Ocorrerá uma exceção ao princípio da indivisibilidade da garantia real, em favor do devedor, pois o credor não teria motivos para a antecipação integral do débito. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.425, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.426. Nas hipóteses do artigo anterior, de vencimento antecipado da divida, não se compreendem os juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido.

Segundo entendimento de Loureiro, o preceito determina, no caso de vencimento antecipado da obrigação e da garantia, redução dos juros compensatórios - ou remuneratórios - relativos ao tempo ainda não decorrido. É regra que visa a evitar enriquecimento sem causa do credor. É natural, se a obrigação teve vencimento antecipado por qualquer das hipóteses do artigo anterior, e será adimplida de imediato pelo devedor, decotarem-se os juros relativos ao período vindouro. Se o devedor não usará o capital alheio pelo prazo previsto, a remuneração deve ser reduzida de modo proporcional e de acordo com a taxa convencionada. 

Como anota Gladston Mamede, o preceito alcança descontos para pagamento à vista que, na verdade, significam remuneração indireta para pagamentos a prazo, além de outros encargos, como prêmios de seguro, taxas administrativas e correção monetária prefixada (Código civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 105). É evidente que se houver vencimento antecipado, mas sem pagamento, os juros compensatórios serão abatidos, mas o crédito será acrescido de juros moratórios contados do vencimento (mora ex re) ou da interpelação ou citação (mora ex persona).

A norma em questão, que traduz aplicação das cláusulas gerais que vedam o enriquecimento sem causa e asseguram o equilíbrio contratual, tem natureza cogente e não comportam previsão negocial em sentido contrário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.523.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para os autores Guimarães e Mezzalira, o dispositivo trata dos juros compensatórios, pois o pagamento antecipado é incompatível com a incidência de juros moratórios. Os juros seriam destinados a compensar o tempo em que o devedor esteve em poder, o capital pertencente ao credor. Se houve redução do tempo com a antecipação do vencimento da dívida, o valor dos juros deve ser reduzido de forma proporcional. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.426, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Na palavra de Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, na Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, a teoria do inadimplemento que se estruturou a partir dos estudos de Robert Pothier e consolidou-se no Código Civil francês baseia-se na sobreposição dos conceitos de relação obrigacional abstrata e de prestação principal. Nesta perspectiva, em que a análise da relação obrigacional circunscreve-se aos eventos relacionados à prestação principal, toda manifestação de inadimplemento pode e deve ser enquadrada, por meio de um silogismo simples, na dicotomia mora/impossibilidade. Em ocorrendo o não-cumprimento da obrigação no omento devido, cabe ao jurista apenas indagar se ela ainda é realizável. Em caso positivo, a situação classificar-se-ia como um caso de mora; em não o sendo, aplicar-se-iam as consequências da impossibilidade.

Ocorre que, há tempos, o pressuposto de tal construção não é mais aceito no plano teórico-dogmático. É reconhecido que, ao lado do denominado dever principal, coexistem na relação obrigacional miríades de deveres outros – como os deveres laterais e os deveres secundários – cujo descumprimento não se enquadra na dicotomia de Pothier. É o que ocorre com os sempre citados casos de violação de deveres de cooperação entre as partes, de cumprimento defeituoso da prestação ou de repúdio à relação contratual, que, embora sejam claras manifestações de inadimplemento, não permitem o enquadramento nas figuras tradicionais. (Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, p. 206, 2008).

Quanto ao inadimplemento antecipado e seu enquadramento teórico, um exemplo dessas novas modalidades de inadimplemento é o denominado inadimplemento antecipado da prestação.

Na construção teórica anterior, a obrigação era vista como uma “espada” que, pendendo sobre a cabeça do devedor, deveria ameaça-lo em caso de não-cumprimento no termo da prestação. Até o momento em que o cumprimento seria devido, entretanto, essa “espada” nada exigia do devedor, sendo apenas esta ameaça futura. Após o termo, aí sim, a espada poderia fazer sentir toda a sua força sobre o devedor inadimplente. Assim, sob tal perspectiva, durante o lapso temporal que se inicia com o nascimento da obrigação e termina no momento em que aquele deve satisfazer sua obrigação, nada haveria além de um vazio prestacional. O devedor que se obriga a realizar determinada conduta (seja obrigação dar, fazer ou não fazer) de forma diferida no tempo, até o referido momento, não seria obrigado a nada.

Muito embora tal perspectiva não possa ser refutada por completo, pois é certo que toda obrigação só precisa ter seu adimplemento final no momento devido, ela equivoca-se ao considerar o fenômeno obrigacional apenas em sua perspectiva estática, na qual suas fases (nascimento, prestação, inadimplemento etc.) são tratadas de forma isolada.

 Ocorre que, hoje, a relação obrigacional é analisada por um outro prisma: o dinâmico. Nesta nova perspectiva, a relação obrigacional torna-se uma presença constante e vinculante, compelindo o devedor a praticar determinados atos voltados ao desfecho daquela relação.

Assim, os dois momentos (nascimento da obrigação e adimplemento), que até então eram repletos desse “vazio prestacional”, são conectados por uma série de atos interpostos e instrumentais em relação à fase final da relação obrigacional, o adimplemento. Esses obrigam as partes a adotarem continuamente um comportamento que corresponda ao standard de conduta determinado pelos princípios da boa-fé e da confiança.

Nessa perspectiva dinâmica, determinados atos ou condutas são exigidos do devedor a qualquer tempo, de forma que o seu não-cumprimento deve ser caracterizado como um inadimplemento da obrigação. 

Importante notar que, sob esse novo enfoque, a vontade do indivíduo em cumprir, ou melhor, sua vontade de realizar os atos necessários ao adimplemento da obrigação, não deve ser manifestada apenas no momento inicial ou no momento em que a prestação torna-se exigível. Toda manifestação de vontade contrária ao cumprimento da obrigação a qualquer momento, é contrária ao modo como deve exprimir-se constantemente a vontade do devedor, bem como uma violação do dever de correção que deve marcar toda relação obrigacional. À fortiori, se o devedor colocar-se, por vontade, em posição que torne impossível o cumprimento da obrigação, também haverá uma violação da própria relação obrigacional, o que se configura em inadimplemento, ou, mais propriamente, um inadimplemento antecipado da prestação (V. Aguiar, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2ª ed. Rio de Janeiro: Aide, 2004, p. 126) (Revista da EMERJ, v. 11, nº 42, p. 207-08, 2008). (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.427. Salvo cláusula expressa, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize.

No pensar de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame é norma dispositiva. Comporta, assim, cláusula negocial em sentido contrário, pela qual assume o terceiro prestador da garantia real integralmente os riscos por deterioração ou perecimento da coisa e o dever de substituí-la ou reforçá-la. É possível a um terceiro não devedor prestar garantia real. Não se torna, com isso, fiador ou devedor solidário, pois apenas vincula bem especializado de seu patrimônio ao adimplemento de obrigação alheia. A responsabilidade se limita ao bem dado em garantia, pois o terceiro não é devedor. Feita a excussão, não responde o terceiro por eventual saldo devedor.

A regra é no sentido de não se estender ao terceiro prestador da garantia real o regime jurídico dos incisos I e IV do CC 1.425, comentado. O terceiro somente é obrigado a substituir ou reforçar o bem dado em garantia real que se deteriorou, pereceu ou desvalorizou por culpa sua. Se o evento não lhe é imputável, a obrigação se vence antecipadamente para devedor, mas sem obrigação do terceiro repor ou reforçar a garantia. 

De outro lado, se o fato é imputável ao terceiro, por dolo ou qualquer grau de culpa, a solução é outra. Cabe ação de obrigação de fazer, para reforço ou substituição da garantia contra o terceiro, tanto ao credor como ao devedor prejudicados. Este último pode, ainda, cobrar do terceiro inadimplente perdas e danos decorrentes do vencimento antecipado da obrigação. 

Aplicam-se ao terceiro as regras que envolvem sub-rogação da garantia por seu valor indenizado por seguradora, causador do dano ou expropriante, previstas no inciso V e §1º do CC 1.425. O regime jurídico do artigo em estudo, ao contrário do sustentado por parte da doutrina, não se estende ao terceiro adquirente do bem dado em garantia real. A alienação não produz efeitos frente ao credor preferencial, em vista dos efeitos erga omnes da garantia real, não sendo justo se este tivesse situação mais desfavorável do que frente ao devedor. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.523.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 05/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo no verbo de Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, o inadimplemento antecipado pode ser caracterizado como o inadimplemento que ocorre quando uma das partes da relação obrigacional, antes do momento em que deveria executar determinada prestação, renuncia ao contrato ou coloca-se, por ato próprio, em posição que torne impossível o cumprimento da obrigação. (TREITEL. G. H. The law of contract. 9. ed. London: Sweet & Maxwell, 1995, p. 769).

Têm-se nessa definição os principais elementos do instituto: i) ela constitui-se em uma forma de inadimplemento; ii) que ocorre, necessariamente, antes do termo da prestação; iii) esta forma de inadimplemento pode manifestar-se seja por uma renúncia (expressa ou tácita) ao cumprimento da obrigação, ou pelo fato de o obrigado colocar-se em posição que torne o adimplemento impossível; e iv) ele deve ser provocado por ato próprio do obrigado, de forma incontroversa e definitiva.

Do elemento temporal – a principal diferença entre o inadimplemento antecipado e as figuras do inadimplemento tradicional (i.é, a mora e a impossibilidade da prestação) é justamente o fato de ainda não haver uma prestação exigível. Ao contrário, o credor possui apenas uma expectativa de que o devedor cumprirá de forma espontânea aquilo a que se obrigou.

O inadimplemento antecipado pode ocorrer, portanto, a partir do nascimento da obrigação até o momento anterior àquele em que a obrigação deveria ser cumprida. Esse é o caso, par example, com o importador de mercadorias que deve pedir autorização específica a órgão de fiscalização (v.g., Ibama ou Ministério da Defesa) para poder trazer determinado produto para o país. O não-cumprimento desta exigência pode representar mora, caso seja possível não só fazer o pedido de autorização para importação, ainda que contratualmente intempestivo, e o cumprimento da obrigação com pequeno atraso ainda se revista de utilidade socioeconômica para o credor ou ficar claro a recusa do devedor em cumprir esta obrigação.

Situação que também merece atenção é a dos contratos cuja prestação desenvolve-se ao longo de grande período de tempo, e, ao longo de sua execução, o objeto da prestação é desenvolvido em fases, mas cujo produto só é entregue ao final, como ocorre com os Turnkey Construction Contracts. Nesses casos, independentemente de quanto já foi construído, considera-se possível a ocorrência do inadimplemento antecipado, contanto que ainda não tenha atingido o termo para a entrega final da obra ou do projeto.

Por outro lado, uma consequência desse requisito temporal é a impossibilidade de inadimplemento antecipado por violação de deveres laterais, visto que o seu cumprimento é exigível a qualquer momento pela outra parte. Fato diverso ocorre com os denominados “deveres secundários instrumentais à consecução dos deveres principais”, cujo inadimplemento pode gerar um caso de mora ou de inadimplemento antecipado (neste caso, não seria possível a figura da impossibilidade, visto que ela confundir-se-ia com o inadimplemento antecipado da prestação). Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 209. 

Além do elemento temporal, outro ponto que particulariza o inadimplemento antecipado é o comportamento do devedor que se recusa a realizar a prestação futura ou coloca-se em posição de impossibilidade de cumprir a prestação. O primeiro desses comportamentos, a recusa, compreende a manifestação inequívoca da intenção do devedor em não cumprir a prestação futura. Esta manifestação pode ocorrer tanto de forma expressa, ou seja, por meio de enunciação escrita ou verbal endereçada ao credor, notificando-o de que não quer, ou não possui condições para – cumprir a obrigação; quando tácita, i.é, através de uma conduta que demonstre a vontade da parte em não cumprir o avençado. 

Tal é o caso, por exemplo, da construtora que, tendo celebrado promessa de compra e venda de determinado apartamento, anuncia ao mercado a sua desistência em construir o conjunto habitacional do qual o apartamento faria parte, ou, ainda, age de modo tal que se torna inconteste a sua desistência de continuar com o projeto (por exemplo, colocando à venda o terreno selecionado para a construção do imóvel ou, tempos depois  de iniciado o prazo para o início das obras, mantendo-se inerte).

Um exemplo do aqui exposto ocorreu no caso Peruzzo v. Centro Médico de Porto Alegre. Em meados de 1977, Peruzzo foi procurado por um corretor do Centro Médico Hospitalar de Porto alegre Ltda., com a proposta de assinatura de dois contratos, em conta de participação em empreendimento, com o objetivo de viabilizar a construção de um hospital. Além da participação nos lucros do empreendimento, seria franqueado a Peruzzo atendimento gratuito no estabelecimento mediante o pagamento de quota fixa.

Pois bem. Após celebrar o segundo contrato, Peruzzo resolveu averiguar os andamentos da obra e descobriu, para sua surpresa, que esta seque havia sido iniciada. E pior: nem mesmo o terreno para a obra havia sido comprado. Após analisar os contratos e perceber que estes não previam qualquer prazo para o início ou término da obra, Peruzzo resolveu,, simplesmente, suspender o pagamento das cotas do fundo. O Centro Médico, em consequência, lançou a protesto duas promissórias em nome de Peruzzo. (Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 210). 

Diante dessa situação, Peruzzo recorreu à Justiça, pedindo a rescisão dos contratos, a nulidade de todas as notas promissórias vinculadas, a sustação de todos os protestos e a condenação da demandada a devolver todos os valores recebidos, com juros e correção monetária, além de perdas e danos. 

em primeira instância, a Juíza entendeu que não estaria caracterizado o inadimplemento, devido à inexistência de prazo fixado para o início e término da construção do estabelecimento hospitalar. Em recurso, o então desembargador Athos Gusmão de Carneiro ponderou: 

A Dra. Pretora refere que no contrato não estava previsto nenhum prazo para o Centro ‘construir, instalar e operar estabelecimento hospitalar na Cidade de Porto alegre’. Todavia, considero evidente, como bem alega o apelante, que isso não significa que goze um dos contratantes da faculdade de retardar ad infinitum o cumprimento das suas obrigações, e o o outro seja obrigado a adimplir as suas com pontualidade, sob pena do protesto de títulos. A sentença esquece toda a comutatividade contratual. Vejo, aqui, caso de completo inadimplemento por parte de um dos contratantes. Já transcorreram mais de 5 anos e o Centro Médico Hospitalar existe apenas de jure. De fato, esta sociedade de objetivos tão ambiciosos e capital pequeníssimo, simplesmente não existe mais. Citada editalmente, foi revel. O hospital permanece no plano das miragens, e assim as demais vantagens prometidas aos subscritores das quotas.” (ApCív 582000378, TJRS, 1ª Câm. Cível, Rel.. des. Athos Gusmão de Carneiro).

Por outro lado, também constitui inadimplemento antecipado quando o devedor coloca-se em determinada situação na qual fique inconteste a impossibilidade de cumprir a obrigação, ainda que não haja qualquer manifestação expressa sobre o desejo de renunciar ao contrato. Tal impossibilidade decorre do fato de que a prestação, quando atingido o termo da obrigação, tornou-se impossível ou imprestável para o credor.

Entretanto, é importante observar que – diferentemente do caso de recusa – a impossibilidade de cumprir a prestação antes do prazo caracteriza-se não pelo elemento subjetivo mas pelo elemento objetivo. Esse compreende o fato de o devedor estar em situação que impossibilitará a concretização do negócio ao qual se obrigou, por ato próprio. 

Portanto, no inadimplemento antecipado por impossibilidade, não há quaisquer indagações sobre a intenção (dolo) do devedor em colocar-se na posição de impossibilidade de prestar, mas apenas sobre a contribuição de sua culpa, exclusiva ou concorrente, para este resultado. 

As causas da impossibilidade podem ser das mais variadas naturezas. A título meramente exemplificativo, teremos: i) o esgotamento do prazo para realizar ato necessário ao cumprimento da prestação futura; ii) a ausência de recursos materiais necessários à consecução da obrigação; iii) a não realização de atos prévios ou o não comprimento de deveres necessários à consecução da obrigação; iv) o planejamento equivocado, que impedirá a consecução da obra etc.

Outro importante sobre o inadimplemento antecipado da obrigação por impossibilidade da prestação é que ela pode ocorrer tanto por ato quanto por omissão do devedor. 

O ponto de maior confusão refere-se à necessidade da recusa ou à impossibilidade de manifestarem-se de forma incontroversa. Em outras palavras, em caso de recusa, esta deve claramente demonstrar a intenção do devedor em não cumprir o avençado; em caso de impossibilidade, ela deve representar uma clara projeção de que a prestação tornar-se-á impossível ou imprestável quando do transcurso do termo.

É relevante que, em caso de recusa, o caráter incontroverso pode decorrer não apenas daquela diretamente formulada ao credor, como também do comportamento inegavelmente contrário à intenção de inadimplir, conforme pactuado. Por outro lado, no caso de impossibilidade, o simples medo ou receio do credor de que o devedor não venha a cumprir suas obrigações (ainda que existam indícios que fundamentem estas suposições) não são suficientes para a configuração do inadimplemento antecipado da obrigação. Ele deve ser inegável e irreparável, sendo necessária esta comprovação objetiva para valer-se do instituto. 

Também é relevante a observação feita por Ruy Rosado de Aguiar de que os ordenamentos jurídicos, com maior tradição na aplicação do instituto, têm como pacífica a vedação de se obter do devedor a recusa (tácita ou expressa) por meio de interpelação realizada antes do vencimento da obrigação. Caso contrário, tal hipótese figuraria como uma forma inaceitável de obter o vencimento antecipado de uma dívida. 

Essa orientação negativa, porém, deve ser vista com reserva, porquanto a interpretação pode simplesmente demonstrar a preocupação do credor em definir uma situação já evidenciada pelos fatos antecedentes. Portanto, se a iniciativa do credor tem fundado amparo nas circunstâncias, especialmente diante do anterior comportamento do devedor, não há como, desde logo, recriminar o comportamento do credor que quiser obter uma definição sobre a real intenção do devedor a respeito do contrato”. (Op. cit., p. 129). (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 210-13, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Dando desenvolvimento ao comentário do CC 1.427, Guimarães e Mezzalira explicam que em se tratando de garantia real outorgada por terceiro, ressalvada convenção em sentido contrário, ele não fica obrigado a substituir ou a reforçar a garantia se a coisa gravada se deteriorar ou sofrer desvalorização, uma vez que não possui vínculo pessoal.

Nesses casos, o credor poderá exigir que o devedor preste nova garantia, sob pena de antecipação do vencimento da dívida, exigência que não poderá ser feita em relação ao terceiro.

O terceiro poderá ser obrigado a restaurar a garantia se houver cláusula neste sentido ou se perda ou desvalorização decorrerem de culpa sua. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.427, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).