sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.433, 1.434 Dos Direitos do Credor Pignoratício – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.433, 1.434

Dos Direitos do Credor Pignoratício – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo II – DO PENHOR

Seção II – Dos Direitos do Credor Pignoratício – (Art. 1.433 e 1.434) - 

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 Art. 1.433. O credor pignoratício tem direito: 

I - à posse da coisa empenhada;

II - à retenção dela, até que o indenizem das despesas devidamente justificadas, que tiver feito, não sendo ocasionadas por culpa sua;

III - ao ressarcimento do prejuízo que houver sofrido por vício da coisa empenhada;

IV - a promover a execução judicial, ou a venda amigável, se lhe permitir expressamente o contrato, ou lhe autorizar o devedor mediante procuração; 

V - a apropriar-se dos frutos da coisa empenhada que se encontra em seu poder; 

V I - a promover a venda antecipada, mediante prévia autorização judicial, sempre que haja receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore, devendo o preço ser depositado. O dono da coisa empenhada pode impedir a venda antecipada, substituindo-a, ou oferecendo outra garantia real idônea.

No lecionar de Loureiro, o artigo em exame condensa os arts. 772, 773 e 774 do Código Civil de 1916, com diversas alterações. Elenca de modo ordenado os direitos do credor pignoratício. São faculdades de ordem dispositiva e que decorrem da lei, aplicando-se no silêncio do contrato. Nada impede, porém, que as partes convencionem regras em sentido contrário, salvo em relação a direitos fundamentais à caracterização do penhor, como a transferência da posse ao credor.

O primeiro direito do credor (inciso I) é à posse do bem empenhado, até a solução completa da obrigação. A posse é a direta, que não anula a posse indireta do devedor. Ambos têm direito à tutela possessória, contra terceiros, e um para coibir os atos ilícitos do outro. A posse do credor, porém, é afetada à garantia do cumprimento da obrigação. Não pode, assim, usar e explorar o bem, mas apenas guardá-lo, como depositário, até a solução da obrigação. O preceito somente se aplica ao penhor comum, porque, como já visto, quanto aos penhores especiais - rural, industrial, mercantil e sobre veículos a posse dos bens permanece com o devedor.

O segundo direito do credor (inciso II) é à retenção do bem empenhado, até que se indenizem as despesas devidamente justificadas que tiver feito, desde que não sejam causadas por culpa sua. O preceito deve ser lido em consonância com o CC 1.434, adiante comentado. O credor retém a posse da coisa até integral satisfação de seu crédito, inclusive as despesas necessárias à manutenção e preservação do bem. Tais despesas devem estar devidamente justificadas e comprovadas pelo credor. Cabe ao credor a prova da existência, da necessidade e da origem das despesas. Não cabe a retenção se as despesas decorrem de comportamento culposo do próprio credor. A regra se dirige ao devedor e ao terceiro prestador da garantia, mas não ao arrematante, porque o credor satisfará seu crédito e reembolso de despesas com o produto da venda.

O terceiro direito (inciso III) do credor é o de reaver do devedor ou do prestador da garantia o prejuízo que sofreu por vício do bem empenhado. O prejuízo não se refere à própria desvalorização ou depreciação do bem empenhado, mas ao patrimônio do credor, como no caso de animais contaminados, ou de mercadorias com pragas. 

O quarto direito do credor (inciso IV ) é à excussão, a penhorar e vender o bem empenhado, no caso de inadimplemento do devedor. Assinala Gladston Mamede que a lei prevê três modalidades de realização da garantia: a) execução judicial; b) leilão administrativo; c) venda amigável (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 149). O contrato de penhor é título executivo extrajudicial (art. 784, III, do CPC), de modo que, na execução judicial, deve a penhora recair sobre o bem dado em garantia, independentemente de nomeação, avaliado e levado a leilão. O Decreto n. 4.371/2002 regula o penhor da Caixa Econômica Federal e prevê, em seu art. 36, § Iº, leilão administrativo feito por prepostos da credora especialmente designados, após a publicação de editais em jornais de grande circulação.

Finalmente, admite a lei venda amigável do bem empenhado, desde que expressamente ajustada pelas partes. A convenção nesse sentido pode ser feita no momento da contratação do penhor, ou em momento posterior, antes ou depois do vencimento da obrigação. Exige-se apenas que a cláusula seja expressa, para afastar o modo normal de excussão, que é o judicial. Admite ainda a lei que a venda amigável seja autorizada por procuração com poderes especiais e expressos outorgados pelo devedor ao credor. Devem constar da procuração poderes especiais para alienar e expressos quanto ao bem que será alienado. O que não se admite é o comportamento do representante contrário ao interesse do representado, sob pena de invalidade da alienação (CC 117 e 119). Isso significa que a alienação por preço vil, sem avaliação convencional e exata do bem empenhado ou sem conferir ao devedor a prerrogativa de acompanhar a venda, constitui situação ilícita no regime do Código Civil, porque fere os princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual e é abusiva no regime do Código de Defesa do Consumidor.

Em suma, a alienação amigável, via de regra imposta pelo credor ao devedor no momento da concessão do crédito, não pode se revestir de condições especialmente gravosas à parte mais frágil, imputando-lhe prerrogativas básicas, como a venda por preço mínimo e acompanhada pelo interessado. Há o correlato dever do credor de prestar contas ao devedor, com restituição do saldo, se houver. Evidente que a cláusula, ou poderes conferidos ao credor, para venda amigável, não lhe permite se apropriar do bem empenhado, sob pena de violação à proibição cogente da cláusula comissória. Como ressalta Caio Mário da Silva Pereira, “ na hipótese de ser o credor autorizado a vender a coisa amigavelmente, não pode comprá-la para si mesmo, pois que uma tal operação envolveria o pacto comissório, vedado por lei. Promovendo, todavia, a excussão do penhor, nada impede a adjudicação na forma e nos termos do que prescreve a lei processual” (Instituições de direito civil, 18. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 343). 

O quinto direito do credor é o de apropriar-se dos frutos do bem empenhado que se encontra em seu poder. O preceito deve ser lido em conjunto com o inciso III do CC 1.435, adiante comentado. Pode apropriar-se dos frutos, mas deve imputá-los nas despesas, juros e no capital da obrigação garantida.

O sexto direito do credor (inciso VI) é promover a venda antecipada do bem empenhado, sempre que houver receio fundado de sua perda ou deterioração, sem substituição da garantia pelo devedor. Não se confundem a venda antecipada com o vencimento antecipado da obrigação garantida, previsto no CC 1.425, acima comentado. Para o vencimento antecipado se exige a real perda ou deterioração do bem dado cm garantia (incisos I e IV ). Para a venda antecipada, se contenta o legislador com o receio fundado, a probabilidade efetiva de perda ou deterioração, cuja prova fica a cargo do credor, quer a obrigação esteja vencida ou não. O que desejou o legislador, aliás, foi evitar a perda ou deterioração e o consequente vencimento antecipado da obrigação, permitindo que a garantia se sub-rogue do bem para seu preço.

Exige a lei que a venda antecipada se dê mediante prévia autorização judicial, não valendo, por consequência, a mera previsão contratual entre as partes. A autorização se obtém em medida cautelar inominada e o preço obtido será depositado em conta judicial. A venda pode ser judicial ou amigável, como visto no inciso anterior, desde que devidamente acompanhada pela parte interessada, intimada para tanto. Podem o devedor ou o dono da coisa - e por isso devem ser ouvidos previamente sobre o pedido - elidir a venda antecipada do bem empenhado, ofertando substituição idônea da garantia. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.530-32.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 08/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Dentre os direitos do credor pignoratício, como leciona Talita Pozzebon Venturini, que constam elencados no 1.433/CC, destaca-se que o credor possui o direito de reter a coisa empenhada enquanto o devedor não adimplir com sua obrigação. Conforme assevera Bevilaqua (2003), como o credor pignoratício tem a posse fundada em seu direito real, que vincula a coisa ao cumprimento de uma obrigação, este direito de retenção difere de outros direitos tais como o direito de retenção do possuidor de boa fé para garantir benfeitorias ou ainda a retenção prevista em lei em que o devedor pode retardar a entrega de um bem enquanto seu credor não dá o que lhe deve, de cujo fato se origina a obrigação, pois esses casos se referem a mero direito pessoal. 

Ainda como direito do credor está a possibilidade de exigir a substituição da coisa caso essa tenha se deteriorado. Pode ainda exigir eventuais prejuízos sofridos devido a vício da coisa empenhada, salvo se o vício é de conhecimento do credor; possui o direito de excutir a coisa empenhada, inclusive com direito de preferência frente a outros credores, com exceção apenas do trabalhador rural com relação ao produto da colheita na qual tenha trabalhado e do trabalhador vítima de acidente de trabalho. Pode ainda proceder com a venda amigável do bem, uma vez que exista permissão no contrato. Não está permitida a apropriação do bem e a excussão deve se dar por meio de processo de execução previsto no art. 784, III/ CPC. E por fim, apropriar-se dos frutos da coisa empenhada a fim de usá-los na sua conservação e promover, mediante ordem judicial, a venda antecipada sempre que houver o risco de deterioração da coisa. (Talita Pozzebon Venturini, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 08.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Tratando-se dos direitos do credor pignoratício, assinalam Guimarães e Mezzalira, tratar-se o dispositivo, estabelecendo em seu inciso I o direito à posse da coisa empenhada. Essencial nos casos do penhor comum, a posse do credor pignoratício pode ser protegida pelos interditos possessórios.

O direito de retenção tem como escopo o ressarcimento de despesas realizadas, desde que justificadas e não decorram de culpa do credor.

O vício da coisa empenhada poderá ensejar o direito ao ressarcimento do prejuízo sofrido pelo credor, como no exemplo dado por Caio Mário da Silva Pereira de contágio do rebanho do credor por enfermidade de gado empenhado, com o conhecimento do devedor (Instituições, volume IV, 2004, p. 344).

Pode o credor promover a execução judicial, como forma de excutir o bem, nos termos da legislação processual. Também poderá promover a venda amigável da coisa empenhada, desde que exista autorização expressa no contrato ou que seja obtida posteriormente, devendo prestar contas ao devedor, devolvendo eventual saldo.

Não poderá o credor apropriar-se do bem empenhado para o pagamento do débito, pois o CC 1.428 considera nula a cláusula comissória. No caso de venda amigável, não poderá adquiri-la para si mesmo. Poderá, contudo, adjudicar o bem na hipótese de execução judicial. 

O credor também poderá apropriar-se dos frutos da coisa empenhada, como uma forma de reforçar a garantia e de obter um adiantamento das parcelas que lhe são devidas (Carlos Roberto Gonçalves, vol. 5, 2010, p. 555), direito este a que corresponde uma obrigação correlata de que o valor dos frutos apropriados seja imputado nas despesas mencionadas no CC 1.535, inciso III.

Enfim, prevê o Código o direito de promover a venda antecipada da coisa empenhada quando houver receio fundado de que venha a se perder ou deteriorar. Cabe ao Juiz avaliar a presença do requisito exigido em lei. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.433, acessado em 08.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.434. O credor não pode ser constrangido a devolver a coisa empenhada, ou uma parte dela, antes de ser integralmente pago, podendo o juiz, a requerimento do proprietário, determinar que seja vendida apenas uma das coisas, ou parte da coisa empenhada, suficiente para o pagamento do credor.

Como aponta Loureiro, tem o credor direito de reter a posse direta, até integral satisfação de seu crédito, inclusive as despesas com o bem empenhado. Lembre-se, porém, de que a garantia do penhor é acessória à obrigação, de modo que segue sua sorte jurídica. Extinta a obrigação por qualquer causa, extingue-se o penhor e o bem deve ser devolvido ao devedor.

Além disso, o direito de retenção da posse direta não pode ser abusivo. Inadimplida a obrigação, o credor mantém a posse do bem e promove a execução, com o objetivo de excutir o bem empenhado e se pagar. A inércia prolongada do credor de posse do bem empenhado, em detrimento do devedor, pode configurar abuso de direito, a teor do art. 187 do Código Civil. Prescrita a pretensão, com ela prescreve a garantia real. Antes mesmo da prescrição, constatado que a inércia do credor excede manifestamente as funções econômica e social da garantia, ou a boa-fé objetiva, pode o devedor pedir ao juiz a devolução do bem empenhado, ou exigir que se execute de uma vez o credito. 

Reproduz o preceito o princípio da indivisibilidade da garantia real (art. 1.421 do CC, já comentado), que recai sobre a totalidade dos bens empenhados e que os bens empenhados respondem pelo integral pagamento da dívida. Isso quer dizer que não tem o devedor, salvo convenção expressa no título, ou anuência do credor, o direito de obter a liberação parcial dos bens empenhados, proporcional aos pagamentos feitos.

Cria este artigo em sua parte final, porém, exceção relevante ao princípio da indivisibilidade, em atenção às cláusulas gerais do abuso de direito (art. 187 do CC), boa-fé objetiva (art. 422 do CC) e equilíbrio contratual. Dispõe que pode o juiz, provocado pelo dono dos bens empenhados, determinar a alienação de apenas uma das coisas, ou de parte dela, suficiente para o pagamento do credor. A regra está em consonância com o art. 805 do Código de Processo Civil, que determina que a execução se fará do meio menos gravoso para o devedor.

São requisitos da excussão parcial da garantia: a) intervenção judicial, provocada pelo dono dos bens empenhados, ou pelo devedor, interessado na medida; b) que a alienação de um dos bens, ou de parte, baste para integral satisfação do credor, abrangendo principal, encargos, custas judiciais, honorários advocatícios e despesas com conservação da garantia. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.532-33.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 08/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

A primeira parte do artigo, comentada por Guimarães e Mezzalira, evidencia a indivisibilidade da garantia real, estabelecendo que o credor não pode ser obrigado a devolver nem mesmo parte da coisa enquanto não ocorrer o pagamento integral.

A regra poderá ser excepcionada nas hipóteses em que o devedor requerer autorização judicial para a venda de uma das coisas dadas em garantia ou de parte da única coisa, para que obtenha valor suficiente para o cumprimento do restante da obrigação, o que atende ao princípio de que a execução deverá ser realizada na forma menos onerosa ao devedor. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.434, acessado em 08.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Em tese defendida por Alexandre Gaetano Nicola Liquidato, teses.usp.br/teses disponíveis, intitulada “O contrato de penhor”, a partir das pp 32, trata-se, portanto, o penhor, de um direito substancial e absoluto ao qual correspondem deveres de abstenção da parte de todos os potenciais interessados. Note-se que o inciso I ao CC 1.433 e a primeira parte do CC 1.434, concretizam no texto da lei a primeira das posições ativas do credor pignoratício. As outras duas posições ativas principais são a sequela e a preferência. A sequela aparece como a pretensão de perseguir a coisa para fazê-la expropriar até mesmo se, no entretempo, essa tiver sido adquirida por um terceiro. 

Afirma-se a sequela como uma pretensão, porquanto seja uma posição jurídica subjetiva elementar decorrente da norma comportamental, proibitiva da violação da posse ou da retenção da coisa empenhada. Em verdade, a sequela pode ser compreendida como uma manifestação da ideia mais ampla da oponibilidade erga omnes (Explica Orlando gomes que a ideia de oponibilidade corresponde à “eficácia de poderes e faculdades do titular do direito real em relação a todos os outros sujeitos direta e concretamente interessados”, de modo que a oponibilidade resulte de sua inerência à coisa, ou seja, da “ligação do poder do titular com uma coisa determinada” (ORLANDO GOMES. Significado ideológico do conceito de direito real. In: Revereor: estudos jurídicos em homenagem à Faculdade de Direito da Bahia: 1891-1981. São Paulo: Saraiva, 1.981, p. 4).

Explica-se: se sob o manto do principio da especialidade, (Em página acerca da hipoteca – perfeitamente aplicável ao penhor – escreveu Lysippo Garcia: “Denomina-se especialidade a individuação do bem sujeito ao vínculo, de modo  a torna-lo inconfundível, e a determinação do valor da responsabilidade, que a hypotheca assegura” (LYSIPPO GARCIA. O registro de imóveis: a inscripção; a hypotheca. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1927, v. II, p. 38), o penhor se torna inerente a uma determinada coisa e, ao seu titular, confere-se a pretensão de excluir a todas as demais pessoas da ingerência sobre o objeto empenhado, de modo que o credor pignoratício possa fazer valer sua posição jurídica ativa contra qualquer sujeito. (GAMBARO, La proprietà, comunione. In: IUDICA (org.); ZATTI (org.). Tratado di diritto privato..., p. 62-63).

Note-se que apenas o poder de expropriação acima aludido, entendido como a pura e simples ação executiva, não é característico do penhor, porque compete a qualquer credor, inclusive ao quirografário.

Trata-se de expropriação com preferência. A preferência, nesse caso, é o poder de satisfazer o crédito garantido com a coisa, prioritariamente com relação aos outros credores (segunda parte dos CC 1.422, 958 e 961). Além disso, do ponto de vista prático, o penhor assumiu a função de reforçar as ações (em sentido material) do credor possibilitando a esse o cumprimento da garantia, de modo que ele prevalecesse sobre outros sujeitos com os quais poderia ter um conflito de interesses.

Então, as ações pignoratícias (notadamente as mandamentais e as executivas), a sequela e a preferência formam um complexo unitário. Estruturalmente, importam em poderes distintos que, frequentemente, atuam em conjunto. Explica-se: sequela e preferência podem compor ações pignoratícias de forças mandamental ou executiva, sem que, necessariamente, operem no plano da eficácia, contemporaneamente àquelas, de modo que ganha contornos mais nítidos a afirmação de que a sequela e a preferência correspondam a posições ativas características do penhor. 

Assim, além de ser absoluto, o penhor é igualmente imediato, na medida em que não depende da colaboração do devedor pignoratício, diferentemente de um direito de crédito. (GIORGIANNI,  Michelle. Diritti reali (diritto  civile).  In:  Novissimo  Digesto  Italiano.  Torino:  UTET,  1957, p. 749). Então, o credor pignoratício é titular de posições que apresentam duas características marcantes dos direitos reais a saber: são absolutas e imediatas. 

Diante disso, Rubino (RUBINO, Il pegno. In: VASSALLI, Trattato di diritto civile italiano ..., v. 14, t. 1, p. 186-187) conclui dizendo que a complexidade do penhor compreende diversas posições jurídicas cuja natureza é variada, podendo até mesmo compreender posições ativas processuais, mas o seu centro é constituído, invariavelmente, por um direito real cuja disciplina absorve todas as demais. 

Dessa maneira, a natureza real do penhor o distingue dos outros direitos pessoais de garantia, enquanto sua função o separa dos direitos reais limitados de gozo.

Então, considerando tudo o que foi acima exposto, destaque-se a admirável síntese de Pontes de Miranda, (PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado ..., t. XX, p. 393-394), segundo a qual o penhor é direito real limitado e de realização de valor (Em sentido análogo, vide: OSSORIO Y FLORIT, Prenda..., p. 854). Não se confunde com a retenção do credor pignoratício por despesas ou benfeitorias, muito menos está circunstrito a isso. Em verdade, ele tem o direito de extrair o valor da coisa móvel empenhada que serve de garantia, sendo de se supor a posse imediata dessa, ou, conforme o caso, a mediata. (Alexandre Gaetano Nicola Liquidato, teses.usp.br/teses disponíveis, intitulada “O contrato de penhor”, a partir das pp 32-34, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – SP, 2012, Acessado 08/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.431, 1.432 - Da Constituição do Penhor – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.431, 1.432

Da Constituição do Penhor – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo II – DO PENHOR

Seção I - Da Constituição do Penhor– (Art. 1.419 a 1.430) - 

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 Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.

Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.

Na concepção de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame inaugura o capítulo relativo ao penhor e, em comparação com preceito similar do Código Civil de 1916, troca o termo “ tradição” pela expressão “ transferência efetiva da posse”.

Na definição clássica de Clóvis Bevilaqua, penhor “é o direito real, que compete ao credor sobre coisa móvel ou mobilizável, suscetível de alienação, que o devedor, ou alguém por ele, entrega efetivamente ao mesmo credor, em garantia de uma dívida” (Direito cias coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, p. 49).

Aplicam-se ao penhor os requisitos objetivos, subjetivos e formais disciplinados no capítulo dos princípios gerais dos direitos reais de garantia, já comentados. Somente pode empenhar o proprietário, com poder de disposição, seja o próprio devedor, seja terceiro prestador da garantia. O penhor de bem alheio é ineficaz frente ao dono e convalesce se o devedor adquirir posteriormente sua propriedade.

Somente podem ser empenhados bens móveis ou mobilizáveis, passíveis de alienação. Recai o penhor, via de regra, sobre bens móveis, infungíveis ou fungíveis (chamados de penhores irregulares), ou mesmo sobre bens incorpóreos, como créditos, desde que especializados. É possível o penhor sobre bens mobilizáveis, como as safras agrícolas, e, por exceção, sobre bens imóveis por acessão, como plantações. O penhor exige forma escrita, por instrumento público ou particular, para que seja levado ao registro, especializando o bem dado em garantia e a dívida garantida. 

O penhor, segundo diz a lei, “constitui-se pela transferência efetiva da posse”. Não mais usa a lei o termo “ tradição”. Correta a alteração, porque a tradição transfere a propriedade da coisa móvel e tem como causa o negócio jurídico de alienação. No penhor não há tradição, mas apenas desdobramento da posse, mediante entrega efetiva da posse direta do bem empenhado ao credor, cabendo ao devedor a posse indireta (CC 1.197). Ambos são possuidores e têm tutela possessória contra atos ilícitos praticados por terceiros, ou um contra o outro. O credor não pode usar a coisa, que se encontra afetada ao cumprimento de uma obrigação. Pode apenas guardá-la, como depositário, para devolvê-la oportunamente, no momento da solução da obrigação. Pode, quando muito, apropriar-se dos frutos da coisa e usá-los no abatimento da dívida, como veremos adiante. 

O penhor comum não admite a entrega fictícia da posse, ou, como dizia o Código Civil de 1916, pelo constituto possessório (cláusula constituti). A entrega real c efetiva da posse direta é constitutiva do penhor. Sem ela, não há direito real de garantia. Antes da entrega, há apenas promessa de penhor, que constitui mera obrigação de fazer, de cunho estritamente pessoal (Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 18. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 341). 

A entrega é feita ao “credor, ou a quem o represente”. A expressão “representação do credor” é usada em sentido amplo, abrangendo tanto a representação legal como convencional com poderes especiais, ou mesmo a presentação de pessoas jurídicas por seus órgãos previstos em estatuto, ou mesmo prepostos a tanto habilitados. 

O parágrafo único deste artigo ressalva que nos penhores especiais rural (agrícola e pecuário), industrial, mercantil e de veículos não há efetiva entrega da posse dos bens empenhados ao credor. A posse direta permanece em poder do devedor, que deve guardá-los e conservá-los, enquanto o credor tem a posse indireta dos bens. Não mais fala a lei - corretamente - em cláusula constituti, ou constituto possessório, para que a posse direta dos bens permaneça com o devedor. Vimos, no comentário ao CC 1.204, que na figura do constituto possessório o possuidor de uma coisa em nome próprio passa a possuí-la em nome alheio. Exemplo clássico é o que se verifica quando o alienante conserva a coisa em seu poder, mediante cláusula contratual, denominada cláusula constituti. O adquirente, assim, recebe a coisa por mera convenção, sem posse física. O alienante apenas deixa de possuir para si mesmo e passa a possuir em nome do adquirente, ou seja, converte sua posse em detenção, sem nenhum ato exterior que ateste essa mudança. Nos penhores especiais, tal fenômeno não ocorre. O devedor continua com a posse da coisa, em nome próprio, podendo usá-la e fruí-la. O credor recebe a posse indireta e jurídica da coisa, sem apreensão ou contato físico. Ambos são possuidores, na forma do CC 1.197, e podem usar a tutela possessória contra atos ilícitos praticados por terceiros, ou um contra o outro. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.528-29.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 07/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Expandem-se os autores Guimarães e Mezzalira nos exatos termos do CC 1.431, que constitui-se o penhor pela efetiva entrega de coisa móvel, suscetível de alienação, do devedor pignoratício ao credor pignoratício, como garantia de pagamento de uma dívida principal. 

O penhor tem em sua definição intrínseca a entrega (tradição) do bem móvel pelo devedor pignoratício, de forma a assegurar o credor do pagamento da dívida antes contraída. Entretanto, em determinadas espécies de penhor não se opera a tradição do bem, permanecendo este nas mãos do próprio devedor, por força da cláusula constituti, conforme se verifica no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos.

O penhor é um direito acessório, posto que assegura o pagamento de uma relação creditícia considerada principal. Só em caso de inadimplência do débito principal é que o bem empenhado será levado a leilão, a fim de que o credor possa pagar-se integralmente.

É exemplo típico de contrato de penhor a entrega de joias pelo particular à Caixa Econômica Federal, a fim de obter crédito pessoal, sob uma taxa de juros mais atrativa do que a oferecida no mercado financeiro; daí a popularidade desta modalidade de negócio.

Características do penhor: o penhor é um direito acessório, vale dizer que o penhor não existe por si só e sim em função de uma dívida principal que o originou. De fato, ele visa à segurança e a garantia de uma negociação principal, entabulada anteriormente pelo devedor pignoratício. Assim, como se trata de obrigação acessória, ela segue o destino da principal, i.é, caso esta seja declarada nula, nulificada estará a garantia do penhor.

Constitui-se pela tradição, qual seja, pela efetiva entrega do bem, objeto da garantia, ao credor pignoratício. Por esta razão, é tido como um contrato real, que depende da entrega efetiva do bem para consolidar-se.

A característica anterior comporta exceções, como se dá no penhor rural (agrícola ou pecuário), industrial, mercantil e de veículos, nos quais os bens dados em garantia continuam nas mãos do devedor, por previsão legal (parágrafo único do CC 1.431).

O objeto do penhor deve ser coisa móvel, seja singular ou coletiva, corpórea ou incorpórea. Se o objeto do penhor for coisa móvel fungível, este será denominado penhor irregular, obrigando o devedor a restituir o bem, após o pagamento da dívida, na mesma quantidade e qualidade. 

O bem móvel deve ser alienável, ou seja, deve estar disponível para que possa ser transferido por alienação a terceiros, em caso de venda judicial. Destarte, não poderá ser considerado como bem fora do comércio, nos termos do CC 1.420. 

Não admite o pacto comissório, como prevê o CC 1.428. Assim, não poderá o credor pignoratício apropriar-se do bem para se pagar, em caso de inadimplemento, sendo tal cláusula considerada nula. 

É garantia indivisível, pois que, ainda que o pagamento da dívida principal seja solvida em parte, o direito real continuará incidindo sobre o bem como um todo até que o pagamento seja quitado integralmente. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.431, acessado em 07.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Nos comentários de Talita Pozzebon Venturini, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, onde faz uma abordagem das características gerais das garantias reais de forma a permitir uma compreensão individualizada de cada uma das modalidades (penhor, hipoteca e anticrese), onde a autora passa o entendimento de direito real de garantia o que confere a seu titular a prerrogativa de obter pagamento de uma dívida com o valor ou renda do bem aplicado, exclusivamente, à sua satisfação. 

Esses direitos, quando recaídos sobre coisas alheias, podem ser divididos como direitos reais de gozo e direitos reais de garantia. Assim, nos primeiros, desfrutam da coisa se aproveitando total ou parcialmente das vantagens que dela derivar, nos outros, de garantia, o credor apenas visa, na coisa, ou ao seu valor ou sua renda, para pagar o crédito que é seu principal objetivo, e do qual o direito real não passa de acessório. Ao existir um direito dessa natureza, afeta um bem do devedor, sujeitando-o essencialmente e através de um laço real, ao resgate da dívida garantida. A doutrina traz como principais direitos de garantia o penhor e a hipoteca, sendo estes, munidas de preferencia, i.é, conforme a redação do CC 1.422, já comentado acima.

Dessa forma, a preferencia é a maior vantagem que o credor pignoratício e hipotecário podem usufruir, porém, não beneficia o credor anticrético, uma vez que este, conforme o artigo seguinte, CC 1.423, possui o direito de compensação. Esta vantagem concede o direito de reter a coisa – dada em garantia – enquanto a dívida não for paga, se extinguindo em 15 anos após o dia da sua constituição.

Em relação à natureza jurídica, o penhor, hipoteca e a anticrese caracterizam-se como direitos reais, pois, apresentam todos os caracteres dos direitos dessa natureza. São direitos que recaem diretamente sobre a coisa, possuem a prerrogativa da sequela, e atuam como erga omnes, seja, o titular tem a faculdade da ação real. 

Os direitos reais são indivisíveis no sentido de que se a dívida for paga parcialmente não importa em exoneração correspondente da garantia, mesmo que englobe vários bens (CC 1.421). quanto à capacidade para construir ônus real, só será conferida a quem pode alienar. Assim, se o devedor que pretende oferecer garantia real não tem capacidade ou legitimação para dispor do bem não terá direito ao uso de um dos três institutos.

Em relação ao incapazes, podem possuir legitimidade, desde que representados ou assistidos e alcançando autorização judicial para oferecer bens em garantia real de seus débitos. De outra banda, só poderão ser dados como hipoteca, penhor e anticrese, os bens que podem ser alienados, i.é, não poderão ser dados como garantia o bem que estiver fora do comércio. Portanto, diferem-se, uma vez que dos direitos pessoais consistem em uma relação jurídica estabelecida entre pessoas em que o sujeito ativo pode exigir do sujeito passivo o cumprimento de uma prestação ou conduta. Composta por três elementos que se perfazem em razão de uma ocasião ou de um fato qualquer, são eles: o credor que é o sujeito ativo, o devedor que figura como sujeito passivo e o fato ou a coisa que é o objeto sobre o qual refletirá uma conduta e esta será de dar, fazer ou não fazer.

Percebe-se que a diferença está no sujeito passivo, há a exigência de uma obrigação, seja ela originada em um contrato, delito, ou da própria lei.

O devedor é uma pessoa certa e determinada, por sua vez, o sujeito ativo não pode ter a utilização da coisa sem a intermediação de um devedor, ou seja, para a sua realização faz-se necessário um intermediário. O objeto imediato é uma prestação, conduta ou obrigação. O objeto mediato é o bem ou a coisa que deve ser determinado ou determinável (coisa incerta).

Os direitos pessoais são transitórios, logo, a não utilização deste, acarreta a prescrição. Os direitos pessoais, por fim, são regidos pelo princípio da autonomia da vontade, logo, criados pelo homem.

Os direitos reais de garantia são direitos reais sobre a coisa alheia, pois servem como garantia ao credor que não é dono da coisa ao passo que essa, por sua vez, pertencente ao devedor, cuja finalidade é tão somente para garantir ao credor direitos sobre a coisa que pertence ao devedor face uma possível insolvência.  O devedor inadimplente garante a execução da garantia e o credor passa a ter a preferencia (ou prelação) por ser titular desse crédito, assim tal direito acaba incidindo sobre o todo ou parte do patrimônio.

Quanto ao penhor, consiste em direito real que conforme disciplina Rizzardo (2011, p. 1.031): “define-se o penhor como a efetiva transmissão da posse direta, ou a transferência de um bem móvel das mãos ou do poder do devedor, ou de terceiro anuente, os quais têm o poder dominial sobre o mesmo, para o poder e a guarda do credor, ou da pessoa que o representa, com a finalidade de garantir a satisfação do débito.” 

Dito de outra forma, consiste na transferência efetiva da posse de uma coisa móvel ou mobilizável, suscetível de alienação realizada pelo devedor ou por terceiro ao credor, a fim de garantir o pagamento do débito. Esse débito pode ser tanto dívida pecuniária quanto obrigação de fazer ou não fazer, desde que o não cumprimento seja passível de reparação pecuniária. 

A transferência efetiva do bem que se refere como transmissão real da posse, constitui elemento caracterizador do penhor em regra geral, porém o CC 1.431, estabelece as exceções em seu parágrafo único: “No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam no poder do devedor, que as deve guardar e conservar.” 

Como existe um vínculo real, já que o próprio bem garante a dívida estabelece-se uma preferencia deste credor sobre todos os demais, esta constitui a prelação ou preferencia sendo que somente as coisas suscetíveis de alienação podem ser dadas em garantia, além disso, existe um crédito real que tem preferencia sobre o crédito pessoa, CC 961 “O crédito real prefere ao pessoa de qualquer espécie; o crédito pessoa privilegiado, ao simples; e o privilégio especial, ao geral.” 

Quando excutido o bem e o produto arrecadado não bastar para o pagamento das dívidas e das despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pelo restante e a obrigação passa a ser pessoal, o credor será quirografário. 

As partes são o devedor pignoratício que é quem contrai o débito e transfere o bem e o credor pignoratício que é quem fica com a posse do bem em troca do valor emprestado e exige-se formalidade, conforme Bevilaqua (2003) deve ser celebrado por instrumento particular ou escritura pública e constar o valor do débito, a coisa dada em penhor, no caso de bem fungível, deve haver um detalhamento de qualidade e quantidade, bem como o prazo estabelecido para pagamento e juros. Tais requisitos vêm disciplinados no CC 1.424.

O penhor como regra, se refere a coisas móveis fungíveis e infungíveis. Exemplos: joias, metais preciosos, quadros. Corpóreas e incorpóreas v.g.: direitos autorais; pode ser também sobre coisas imóveis por acessão física, ex.: uma safra que é oferecida em penhor. Para Rizzardo (2011), não são passiveis de ser bens penhorados bens que não podem ser adquiridos ou alienados, ou por se tratar de coisas fora do comércio, ou por não haver possibilidade de apropriação ou por serem inalienáveis devido previsão legal como o anel nupcial, os instrumentos de trabalho, as áreas comuns de condomínios e as reservadas aos indígenas, entre outros.

Há a necessidade da tradição da coisa, exceto os penhores especiais como o agrícola que o credor se torna o depositário da coisa, existindo a exigência de publicidade para valer perante terceiros necessitando, portanto de registro no cartório de títulos e documentos. Existem seis espécies de penhor conforme explica Rizzardo (2011), o penhor comum ou civil, o rural (agrícola e pecuário), industrial e mercantil, penhor de direitos e títulos de créditos, penhor de veículos e penhor legal. (Talita Pozzebon Venturini, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 07.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.432. O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos. 

Lê-se através de Loureiro que o artigo em exame corresponde aos arts. 770 e 771 do CC/1916, com expressivas alterações. Não mais menciona o contrato lavrado em duplicata nem o registro como mera faculdade. 

O penhor comum se constitui pela efetiva entrega da posse do bem ao credor e ganha publicidade e oponibilidade contra terceiros com o registro no Oficial de Títulos e Documentos. Em termos diversos, o registro não é requisito de validade nem constitui o penhor comum. Apenas a eficácia do penhor é que está subordinada ao registro.

Independentemente do registro, pode o credor promover a excussão do bem empenhado no caso de inadimplemento da obrigação garantida. O privilégio em concurso de credores e a sequela, vale dizer, os efeitos que se produzem frente a terceiros é que estão subordinados ao registro. Os arts. 127, II, 144 e 145 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73) regulam o registro do penhor, que deve estar devidamente especializado, discriminando o bem empenhado, com quem se encontra a posse e todas as características da obrigação garantida. 

Exige o penhor forma escrita, porque menciona este artigo o “ instrumento do penhor”, título hábil a ingresso no Registro de Título e Documentos. Pode ser por instrumento público ou particular, mas ambos devem ser registrados, para ganhar eficácia erga omnes. 

O registro dos penhores especiais, nos quais a posse dos bens empenhados permanece em poder do devedor, têm natureza e locais distintos. São constitutivos do direito real, porque suprem ausência de publicidade da posse. São feitos no registro imobiliário (penhores rural, industrial e mercantil) e no registro de títulos e documentos, anotados no certificado de propriedade do veículo (penhor sobre veículos). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.529-30.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 07/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Segundo escrutínio de Guimarães e Mezzalira, as formas de constituição do penhor são: pelo contrato (penhor comum), onde as partes manifestam a livre vontade em constituir a garantia pignoratícia quanto à obrigação principal, podendo ser efetuado por instrumento particular ou público, registrado junto ao Cartório de Títulos e documentos, a fim de que passe a gerar efeitos erga omnes. 

Pela Lei (penhor legal), quando a norma permite a alguns tipos de credores a retenção dos bens do devedor como garantia do pagamento integral da dívida, tal como ocorre com os hospedeiros ou fornecedores de pousadas, quanto às bagagens do hóspedes (CC 1.467). 

No que diz respeito às espécies de penhor, pode-se dividi-los em duas grandes categorias: penhor comum e penhor especial. Penhor comum (ou tradicional) é aquele oriundo da vontade das partes, incidindo sobre bem corpóreo, entregue pelo devedor ao credor pignoratício no momento da constituição do negócio (Rodrigues, 2003, p. 353). Penhor especial, refere-se a diversas categorias: a) penhor rural (agrícola e pecuário); b) penhor industrial e mercantil;  c) penhor de títulos de créditos; d) penhor de veículos; e) penhor legal. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.432, acessado em 07.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Continuando com os comentários de Talita Pozzebon Venturini, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, seguem-se as características do penhor: a) Indivisibilidade, ou seja, o pagamento de uma ou mais prestações não importa exoneração da garantia, conforme o 1.421/CC: “o pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação;” b) publicidade, que no penhor se dá com a entrega do bem ou com o registro, se tratando de penhor especial como o agrícola; c) especialização, que vem a ser um detalhamento dos elementos que caracterizam a obrigação e o bem dado em garantia; d) acessoriedade, já que a existência da garantia real só se compreende se houver relação jurídica obrigacional cujo resgate pretende assegurar, em consonância com o 92/CC: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.” Dessa característica decorre a consequência de extinção do penhor no caso de extinta a obrigação; e) direito de sequela, ou seja, o direito real persegue a coisa independentemente de com quem essa se encontre; f) contrato real, pois apenas se consuma com a tradição do bem que será dado em penhor, mas a esta regra existe exceções, pois no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas continuam em poder do devedor que deve guarda-las e conservá-las, conforme reza o 1.431/CC; g) sinalagmático, pois produz obrigações recíprocas; h) não admite pacto comissório real, pois este pacto permitiria ao credor pignoratício, credor anticrético ou hipotecário ficar com o objeto da garantia se a dívida não for paga no vencimento, mas se ainda sim for convencionado, será considerado nula a cláusula, conforme o 1.428/CC.

Dentre os direitos do credor que constam elencados no 1.433/CC, destaca-se que o credor possui o direito de reter a coisa empenhada enquanto o devedor não adimplir com sua obrigação. Conforme assevera Bevilaqua (2003), como o credor pignoratício tem a posse fundada em seu direito real, que vincula a coisa ao cumprimento de uma obrigação, este direito de retenção difere de outros direitos tais como o direito de retenção do possuidor de boa fé para garantir benfeitorias ou ainda a retenção prevista em lei em que o devedor pode retardar a entrega de um bem enquanto seu credor não dá o que lhe deve, de cujo fato se origina a obrigação, pois esses casos se referem a mero direito pessoal. 

Ainda como direito do credor está a possibilidade de exigir a substituição da coisa caso essa tenha se deteriorado. E também exigir eventuais prejuízos sofridos devido a vício da coisa empenhada, salvo se o vício é de conhecimento do credor; possui o direito de excutir a coisa empenhada, inclusive com direito de preferência frente a outros credores, com exceção apenas do trabalhador rural com relação ao produto da colheita na qual tenha trabalhado e do trabalhador vítima de acidente de trabalho. Pode ainda proceder com a venda amigável do bem, uma vez que exista permissão no contrato. Não está permitida a apropriação do bem e a excussão deve se dar por meio de processo de execução previsto no art. 784, III/ CPC. E por fim, apropriar-se dos frutos da coisa empenhada a fim de usá-los na sua conservação e promover, mediante ordem judicial, a venda antecipada sempre que houver o risco de deterioração da coisa. (Talita Pozzebon Venturini, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 07.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.428, 1.429, 1.430 Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.428, 1.429, 1.430

Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo I – Disposições Gerais

Título X - Do Penhor, Da Hipoteca e da Anticrese – (Art. 1.419 a 1.430) - digitadorvargas@outlook.com - vargasdigitador.blogspot.com

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 Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.

Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida. 

Em sua retrospectiva como aponta Francisco Eduardo Loureiro o artigo em estudo corresponde ao art. 765 do CC/1916. O caput manteve-se sem qualquer alteração. A inovação está no acréscimo do parágrafo único, que trata da possibilidade do devedor contratar com o credor a dação em pagamento do bem objeto da garantia real.

Veda o preceito a cláusula comissória, também denominada lex comissoria ou pacto comissório. Na lição de Clóvis Bevilaqua, consiste na estipulação de que o credor ficará com a coisa dada em garantia real se a dívida não for paga no vencimento (Direito das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951,1.1, p. 40). Deve ser evitada a utilização do termo pacto comissório, com duplo sentido, pois significa também pacto adjeto da compra e venda por cláusula resolutiva expressa no regime do Código Civil de 1916.

A proibição é de ordem pública e prevalece sobre a vontade das partes em todos os direitos reais de garantia, inclusive a propriedade fiduciária. Abrange tanto o ato constitutivo da garantia como convenção posterior (ex intervallo). Admite o parágrafo único apenas a dação em pagamento após vencimento da obrigação.

A sanção cominada pelo legislador é a nulidade, que pode ser conhecida ex officio tão logo chegue a conhecimento do juiz e não convalesce pelo decurso do tempo. A invalidade alcança apenas a cláusula comissória, de natureza acessória, mas mantém íntegras a garantia real e a obrigação, cabendo ao credor o direito à excussão.

A cláusula comissória é condenada pela maioria das legislações ocidentais por duas razões: por proteger o devedor fraco da exploração gananciosa do credor e por evitar o bem dado em garantia ser apropriado sem correspondência com seu valor de mercado.

A invalidade alcança os negócios jurídicos indiretos, que mascaram a cláusula comissória sob a aparência de convenção lícita, por fraude à lei, nos termos do CC 166, VI. Os exemplos mais comuns são contratos de venda e compra com pacto de retrovenda, ou compromissos de compra e venda com objetivo de garantia a contrato de mútuo. O negócio indireto se verifica “quando as partes recorrem, concretamente, a um negócio determinado, para obter, através do mesmo, resultado diverso daquele típico da estrutura do próprio negócio; as partes visam, assim, um escopo que não é típico do próprio negócio” (Lima, Alvino. A fraude no direito civil. São Paulo, Saraiva, 1965, p. 80).

O negócio em fraude à lei tem dois requisitos cumulativos: existência de norma imperativa no ordenamento jurídico, necessariamente incidente quando presente determinada situação jurídica; e realização de negócio jurídico suscetível de produzir, por meio indireto, exatamente o resultado previsto como indesejado pela norma jurídica imperativa, ou que seja atingido resultado a ele equivalente (Pereira, Regis Velasco Fichtner. Fraude à lei. Rio de Janeiro, Renovar, 1994, p. 93). Em suma, feita a prova de que negócios aparentemente lícitos se prestam à apropriação pelo credor de bens dados em garantia, há fraude à lei e nulidade absoluta.

O parágrafo único deste artigo disciplina a possibilidade, admitida de modo tranquilo por doutrina e tribunais, do devedor, no vencimento do crédito ou após, dar o bem objeto da garantia real em pagamento ao credor. A dação em pagamento está prevista nos CC 356 e ss do Código Civil e exige o consentimento do devedor nunca ser contemporâneo à constituição da garantia real. O consentimento necessário à dação somente pode ser dado no momento do vencimento da obrigação ou após. A promessa de dação, manifestada no momento da constituição da garantia real, ofende a vedação de cláusula comissória, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.523-24.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 06/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para a doutrina do relator Ricardo Fiuza, trata o artigo da proibição do pacto comissório, vedação que está difundida universalmente. Teve origem no direito romano, em que era chamado de lar commissoria, que autorizava o credor a adjudicar a própria coisa dada em garantia caso o devedor não solvesse a obrigação. Não é outro o entendimento jurisprudencial (RT, 690/173, 665/85, 687/69, 704/ 133 e 614/179).

Equipara-se este ao art. 765 do Código Civil de 1916, com considerável melhora de redação. Inova ao introduzir em seu parágrafo único a hipótese de devolução da coisa para pagamento da dívida. No mais, deve ser aplicado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado ao dispositivo apontado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 729-30, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 06/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Seguindo com Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, da mesma forma como se excluem os efeitos do inadimplemento nos casos em que o incumprimento não pode ser imputável ao devedor, não se configura o inadimplemento antecipado diante de situações de não imputação dos efeitos do inadimplemento. desta forma, não será possível considerar inadimplido um contrato quando o devedor possuir fundada justificativa para não tencionar continuar, ou mesmo começar a cumprir o que fora previamente acordado.

Tal fato ocorre, por exemplo, quando: i) as especificações do contato não permitem a sua execução (v.g., por erro no projeto ou falta de dados, que deveriam ser fornecidos pelo contratante); ii) são necessárias autorizações governamentais para continuar executando parte da obra; iii) entende-se, justificadamente, necessário obter esclarecimentos do contratante, que se recusa ou demora em fornecer; iv) o contratante impõe mudanças substanciais no projeto original de uma obra, sem que haja previsão para tanto no contrato; v) a recusa em cumprir decorre de um inadimplemento anterior por parte do contratante (aplicando-se o princípio exceptio non adimpleti contractus), ou vi) no caso de o próprio credor violar um dever de cooperação, decorrente da boa-fé, quando esta cooperação for necessária à realização de sua prestação etc.

Da mesma forma, ainda que ocorra uma situação de impossibilidade, se esta decorrer de caso fortuito ou força maior, não será possível considerar como um inadimplemento antecipado, por força do disposto no CC 393. Isso, é claro, salvo se o risco por uma dessas situações tenha sido assumido pela parte. Nestes casos, mesmo tendo se materializado o risco de caso fortuito ou força maior, será possível a aplicação do inadimplemento antecipado quando implicar a impossibilidade de cumprir, ou mesmo pelo fato de a parte recusar-se a cumprir, diante da ocorrência de uma dessas situações. (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 213, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

No entendimento de Guimarães e Mezzalira, o Código Civil proíbe a cláusula comissória, que consiste na previsão contratual que autoriza o credor a se apropriar da coisa dada em garantia, nos casos em que a dívida não for paga.

Embora seja proibida cláusula autorizando o credor a ficar com o objeto da garantia (cláusula comissória), o legislador permitiu ao devedor, após o vencimento da dívida, entregar a coisa para o seu pagamento, que liberará o devedor na hipótese de aceitação do credor. Trata-se declaração  em pagamento, uma faculdade do devedor e contemplada no sistema jurídico. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.428, acessado em 06.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.429. Os sucessores do devedor não podem remir parcialmente o penhor ou a hipoteca na proporção dos seus quinhões; qualquer deles, porém, pode fazê-lo no todo.

Parágrafo único. O herdeiro ou sucessor que fizer a remição fica sub-rogado nos direitos do credor pelas quotas que houver satisfeito.

Dizem Guimarães e Mezzalira que, em consequência do princípio da indivisibilidade do direito real de garantia, previsto no CC 1.421, o sucessor do devedor não pode liberar o seu quinhão mediante o pagamento proporcional da dívida. Deverá pagar a totalidade do débito, sub-rogando-se nos direitos do credor.

Remição é a liberação da coisa gravada. O devedor tem o direito de efetuá-la, embora não possa realizar a remição parcial, pois a liberação ocorrerá apenas se o pagamento for total. 

A jurisprudência tem admitido a divisão da garantia hipotecária, conforme se verifica do entendimento consolidado na Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.429, acessado em 06.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

No mesmo sentido Ricardo Fiuza em sua doutrina, não ser admitida a remição (ato de libertar-se o bem do ônus que o grava, pagando-se-lhe o preço ao credor) parcial do penhor e da hipoteca por herdeiros na proporção de seus quinhões, pois o vínculo da garantia é indivisível. Só é possível que a remição seja feita no todo. Havendo a remição, o herdeiro ou sucessor se sub-roga nos direitos do credor. O artigo é idêntico ao 766 do Código Civil de 1916, devendo a ele ser dado o mesmo tratamento doutrinário. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 730, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 06/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na continuidade de Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 214, tem-se os fundamentos jurídico-dogmáticos da aplicação do instituto no direito brasileiro – Breve panorama do inadimplemento antecipado no Direito Brasileiro – Uma vez caracterizado o inadimplemento antecipado, torna-se necessário verificar as possibilidades de sua aplicação. Tal estudo esbarra em duas dificuldades iniciais: a um, nosso arcabouço legislativo, que, a despeito de recente promulgação de um novo Código Civil, ainda encontra-se fortemente influenciado pelo modelo dicotômico de inadimplemento, que desconhece a possibilidade de um inadimplemento antes do termo da obrigação (Sobre o tema, o autor remete-se ao estudo: MARTINS, Raphael Manhães. “A teoria do inadimplemento e transformações no direito das obrigações”). No prelo.

Nesse sentido, tem-se o CC 333, que estabelece que o credor poderá cobrar dívida antes do vencimento quando: i) houver a falência do devedor ou concurso de credores; ii) se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor; ou iii) se cessarem ou se tornarem insuficientes as garantias de débito fidejussórias ou reais, e o devedor se negar a reforça-las.

Também são exemplos os CC 1.425 e 1.426, que tratam do vencimento antecipado de dívidas garantidas por hipoteca, penhor ou anticrese: i) se a deterioração ou depreciação do bem dado em segurança desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar; ii) se o devedor cair em insolvência; iii) se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento; iv) se perecer o bem dado em garantia e não for substituído; ou v) se desapropriar o bem dado e garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor. 

Mas, embora o inadimplemento antes do vencimento da prestação não seja de todo estranho no nosso ordenamento, não há acolhida expressa do instituto do inadimplemento antecipado, enquanto categoria de inadimplemento, ao lado da mora e da impossibilidade. Muito pelo contrário, considerando-se o dispositivo do CC 939, parece mesmo haver uma certa predisposição contrária à aplicação do inadimplemento antecipado.

A predisposição contrária à aplicação do inadimplemento antecipado no ordenamento brasileiro é apenas ilusória, ou melhor, uma primeira impressão de um leitor afoito. Esta máscara cai quando o intérprete deixa de lado a literalidade da norma e perquire seus fundamentos e princípios, em busca de sua ratio, afinal, é importante notar que os princípios gerais do direito, enquanto manifestação da ideia de Justiça material, ocasionam e funcionam como fundamento de validade de diversas proposições jurídicas, substituindo eventuais lacunas legislativas (ou a falta de uma controvertida força legiferante das decisões reiteradas de nossos tribunais), por regras bastante específicas. 

Essas proposições jurídicas, derivadas dos princípios gerais de nosso ordenamento, embora estejam além da norma formal e de uma intenção explícita do legislador, encontram respaldo e extraem sua força cogente de uma natureza substancialmente superior, i.é, da própria ideia de Direito. Ideia que, para se materializar em nosso espaço-tempo contemporâneo, necessita construir estas preposições, sempre mais concretas e objetivas, e com uma aplicação mais precisa que os princípios. 

Nas palavras de Claus-Wilhelm Canaris, “a partir delas [os princípios gerais do direito], e através de um processo de concretização inteiramente material e muito complicado, desenvolvem-se proposições jurídicas de conteúdo claro e de alto poder convincente”. (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Trad. A. Menezes Cordeiro, 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002, p. 120-121).

Note-se que, para que estas proposições jurídicas tenham validade no sistema brasileiro, é necessário que, entre estas e os princípios que as fundamentam, exista uma relação de interdependência. Em outras palavras, enquanto o principio serve de fundamento para a proposição, esta deve ser um pressuposto necessário à concretização do principio nos casos concretos. De outra forma, não há que se falar na inserção de uma proposição alienígena ao ordenamento jurídico.

Em relação ao inadimplemento antecipado, não restam dúvidas de que tal relação existe com os princípios gerais da proteção à confiança legítima e da boa-fé objetiva (Sobre a proximidade e distinções entre os princípios da Boa-Fé e da Confiança, remete-se o autor a seu trabalho anterior: “MARTINS, Raphael Manhães. “Apontamentos sobre o principio da Confiança Legítima no Direito Brasileiro”. Revista da EMERJ, v. 10, n. 40, 2007, p. 177-190). Nesse sentido, tem-se o leading case do STJ, em matéria de responsabilidade por violação de deveres impostos pela boa-fé: “Recurso especial. Civil. Indenização. Aplicação do principio da boa-fé contratual. Deveres anexos ao contrato – O principio da boa-fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo, por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica deste princípio. O dever anexo de cooperação pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual. A violação a qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa”. 

O inadimplemento antecipado, dependendo do comportamento do obrigado, pode conduzir ou a uma violação ao princípio da boa-fé objetiva, e/ou a uma violação da confiança da outra parte. Nesse sentido, estar-se-á diante de uma violação ao princípio da boa-fé objetiva quando o devedor violar algum dos deveres impostos pelo principio, como ocorre: i) quando o obrigado coloca-se em posição de impossibilidade de adimplir com a prestação; ii) quando o devedor se recusa tacitamente a realizar o cumprimento da obrigação. Por outro lado, há uma violação do principio de proteção da confiança legítima quando o devedor iii) recusa-se a cumprir a obrigação que lhe é imposta. 

É evidente que esta distinção entre violação da confiança e violação da boa-fé objetiva não é, nem poderia ser, uma divisão absoluta, em que as hipóteses de violação de um dos princípios não atingem o outro. isto seria incogitável, tendo em vista a ausência de limites horizontais, a priori para a aplicação desses princípios. CANARIS, Claus-Wilhelm. Op. cit., p. 79 e ss.

Por outro lado, é importante, através dessa separação, compreender de que forma cada um dos referidos princípios é violado, pois, se a própria justificativa do inadimplemento antecipado do contrato é a violação destes, não parece aceitável satisfazer-se com justificativas genéricas. Em outras palavras, a única maneira de fortalecer e embasar este instituto no sistema jurídico brasileiro é demonstrando como ele serve para a concretização dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança legítima. e, através dessa compreensão, fica evidente a função do inadimplemento antecipado como uma maneira de concretizar os princípios da boa-fé e da confiança. Afinal, nas situações em que algumas das hipóteses fáticas do inadimplemento antecipado ocorrem, como não seria possível invocar nem a mora, nem o inadimplemento absoluta, fica patente que o não reconhecimento do instituto gerará uma situação de violação da Justiça material naquele caso concreto.

Assim, diante da evidência do caráter instrumental e necessário do inadimplemento antecipado para garantir a concretização dos referidos princípios da proteção da confiança legítima e da boa-fé, é inequívoco que o instituto possui guarida no ordenamento civilístico brasileiro. E, a fortiori, não há óbices à consideração do inadimplemento antecipado como um preceito presente – ainda que implícito – no ordenamento jurídico nacional, eis que aquele possui a força normativa necessária para tanto. (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 213-17, acessado em 05.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Francisco Eduardo Loureiro, o preceito é desdobramento da indivisibilidade da garantia real, que recai sobre o bem por inteiro e beneficia cada parcela da dívida. A norma é dispositiva, cabendo convenção das partes em sentido contrário. 

O artigo em exame dispõe que se houver sucessão subjetiva, com substituição do devedor - ou de terceiro prestador da garantia real - por terceiros, em razão de ato inter vivos ou causa mortis, a remição do bem objeto da garantia real está subordinada ao pagamento integral da dívida. Dizendo de outro modo, ainda que o sucessor receba parte ideal do bem dado em garantia, somente pode obter a liberação mediante solução integral da obrigação, pois não pode o sucessor ter direitos superiores ao do devedor originário.

Como anota Gladston Mamede, este artigo não se aplica somente ao sucessor hereditário, mas a toda e qualquer hipótese de “sucessão subjetiva na qual se tenha substituição do proprietário do bem gravado por ônus real por uma multiplicidade de proprietários, haja compropriedade ou não” (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 119). Lembre-se, porém, que o CC 1.488 em análise, adiante comentado, cria importante exceção ao princípio da indivisibilidade, nos casos de imóvel loteado ou em condomínio edilício.

Explica Carvalho Santos o seguinte, a respeito do preceito: se um dos herdeiros ou sucessores do devedor pagar sua parte da dívida, não pode pretender a liberação de sua parte na coisa dada em garantia enquanto a dívida não estiver inteiramente quitada; e, ainda que esse herdeiro pague sua parte da dívida, seu quinhão continua a responder por ela até seu integral pagamento (Código civil brasileiro interpretado, 5. ed. Rio de janeiro, Freitas Bastos, 1953, v. X, p. 97).

Nada impede um dos sucessores pagar integralmente a dívida e obter a liberação da garantia, sub-rogando-se em todos os direitos que competiam ao credor originário, de modo automático, sem necessidade de qualquer interpelação. Pode cobrar dos demais devedores a totalidade da dívida, excluída apenas sua quota-parte, que se extinguiu pela confusão. A garantia real onerará inteiramente a coisa, até a solução da obrigação. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.526-27.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 06/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Art. 1.430. Quando, excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para pagamento da dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante.

Segundo o escrutínio de Francisco Eduardo Loureiro, O dispositivo regula a responsabilidade do devedor pelo remanescente da dívida, caso o produto da excussão não baste pela solução integral da obrigação, que abrange juros, encargos contratuais, custas processuais e honorários advocatícios.

O devedor continua obrigado pessoalmente pelo saldo. Esgotada a garantia, o credor preferencial se converte em quirografário. Pode executar o saldo, sem necessidade, a princípio, de ajuizar ação de conhecimento. Em determinados casos, quando permite a lei a alienação extrajudicial do bem dado em garantia, como na propriedade fiduciária, o devedor deve ser intimado a acompanhar a venda, sem o que eventual saldo devedor não comporta execução sem prévio acertamento em ação monitória ou de conhecimento. É evidente que, se a garantia real for prestada por terceiro, não há obrigação pessoal pelo saldo, pois o terceiro não é devedor, mas apenas vincula determinado bem de seu patrimônio à solução da obrigação. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.527.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 06/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na ciência de Guimarães e Mezzalira, a garanti real não exclui a garantia pessoal. Se o produto da garantia real não for suficiente para o pagamento da dívida, a execução prosseguirá pelo valor que resta, ou seja, o credor prosseguirá na condição de credor do saldo remanescentes, tratando-se, contudo, de crédito quirografário. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.430, acessado em 06.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Dando  sequência à lição de Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, depois de estabelecidos os contornos do inadimplemento antecipado no ordenamento brasileiro e estudado seus fundamentos, tem-se como passo final averiguar quais os efeitos atribuíveis ao inadimplemento antecipado.

Nesse sentido e trilhando o caminho seguido pela doutrina brasileira, deve-se compreender como o inadimplemento antecipado coloca-se em relação às duas figuras chaves do inadimplemento, quais sejam, a mora e a impossibilidade, a fim de traçar quais seriam sua s consequências. Para tanto, a referência obrigatória é o primeiro – e, até onde se sabe, único – debate travado na doutrina nacional, sobre o enquadramento dos efeitos de situações de inadimplemento antecipado. Tal fato, que já data de quase um século, teve como participantes Francisco de Paula Lacerda de Almeida e, fundamentalmente, Agostinho Alvim. 

Lacerda de Almeida – sem entrar na discussão sobre o inadimplemento antecipado propriamente (Tanto Lacerda de almeida quanto Agostinho Alvim trataram, em seus trabalhos, apenas da hipótese em que o devedor recusa explicitamente o cumprimento de uma obrigação), ao tecer seus comentários sobre a distinção entre mora e inadimplemento absoluto, concluiu, em nota de rodapé, que: “Há de ser difícil distinguir, salvo por recusa explícita e formal do devedor, entre a mora e o inadimplemento” (ALMEIDA, Francisco de Paula Lacerda de. “Obrigações. Exposição systematica desta parte do direito civil pátrio segundo o methodo dos ‘direitos de família’ e ‘direito das cousas’” do conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira. 2. ed. Rio de Janeiro: Revista dos tribunais, 1916, p. 166, grifou-se), dando a entender que seria inegavelmente o caso de inadimplemento absoluto.

Em seu magnifico estudo sobre o inadimplemento das obrigações, Da inexecução das obrigações e suas consequências, Agostinho Alvim divergiu de Lacerda de Almeida. Segundo Agostinho Alvim, atribuir tamanha importância ao “elemento volicional” do devedor, ‘que se recusa a cumprir, não encontra amparo no direito positivo. (Vê-se da aludida nota que o seu ilustre autor Lacerda de Almeida, pretende diagnosticar, como inadimplemento absoluto, todo caso em que tenha havido recusa explícita e formal do devedor. Mas o elemento volicional não tem aqui, como também não tem em outros pontos do direito obrigacional, a importância que amiúde lhe atribuem. Para estremar mora de inadimplemento absoluto é mister haja critério de ordem econômica” (Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 39). 

Para pôr termo a tal controvérsia, Agostinho Alvim busca um critério misto, ou melhor, um critério que leve em conta não apenas a vontade das partes, mas as circunstâncias do caso concreto (“Se se trata de um fato pessoal, obrigação dita infungível, a recusa do devedor equivale ao inadimplemento absoluto [...] Mas se a obrigação é fungível, podendo o credor mandar realizar o trabalho por outrem, neste caso o inadimplemento tem o caráter demora” – idem, ibidem, p. 43). Nesse sentido, caberia, em cada caso, averiguar o interesse socioeconômico do credor para decidir se tratar-se-ia de mora ou de impossibilidade (“Ora, o que precipuamente interessa ao credor, economicamente falando, é saber se há meios de receber a prestação prometida, i.é, se a execução direta é possível. Se ele obtém a prestação, seja porque o devedor cumpriu a obrigação, seja porque ele, credor, a houve por outros meios, a sua situação é sempre a de credor que obteve o que tinha em vista, diversa da daquele que somente poderá obter o sucedâneo, i.é, as perdas e danos. Logo, o fato de haver recusa do devedor não altera a situação do credor, economicamente falando, quando possível lhe seja a execução direta. [...] Diante do exposto, pode-se justificar a fórmula aventada para caracterizar o inadimplemento absoluto e a mora, a saber: ‘Há inadimplemento absoluto quando não mais subsiste para o credor a possibilidade de receber a prestação; há mora quando persiste essa possibilidade’” – idem, ibidem, p. 43-44).

Dessa forma, conclui o indigitado autor, não seria previamente possível determinar que, em todas as situações de recusa do devedor, estar-se-ia diante do inadimplemento absoluto. Ao contrário, caberia em cada caso averiguar se o credor ainda teria interesse socioeconômico na prestação e, assim procedendo, decidir em qual das modalidades de inadimplemento a situação se encaixaria.

Após este profícuo debate, aparentemente a doutrina esmoreceu o ânimo de resolver a intrincada questão.

Para o desenvolvimento da temática proposta, não é possível passar ao largo deste tema. E, para tanto, propõem-se utilizar o velho método leninista de “dar um passo para trás, para poder caminhar dois para frente.

O inadimplemento antecipado, ao contrário das posições encabeçadas pelos aludidos autores, não permite a remissão às figuras clássicas da mora e do inadimplemento absoluto, eis que estas duas figuras tratam de hipóteses de quebra da obrigação principal, o que não é, propriamente, o caso.

O instituto requer uma tutela própria para seus efeitos, em comparação com o inadimplemento após o vencimento do termo, de forma: a um, não sujeitar à vontade do devedor os efeitos de seu inadimplemento, a dois, seja tecnicamente correta, e a três, se adapte aos contornos do nosso ordenamento jurídico. As soluções até então apresentadas não parecem satisfatórias para tanto.

Afinal, como Agostinho Alvim bem observou, não se pode deixar a cargo do devedor a escolha sobre quais as consequências de seu não cumprimento e, a partir disto, concluir pelo inadimplemento absoluto como a consequência natural. 

Por outro, a solução apresentada por Agostinho Alvim não parece de todo correta. Isto porque, como existe um prazo para o cumprimento da prestação, apenas poderia ocorrer a figura da mora quando houvesse o transcurso desse prazo e, portanto, a dívida seria exigível. (Sobre as exigências para a configuração da mora, Cf. Buarque, Sidney Hartung. Da demanda por dano moral na inexecução das obrigações. Rio de Janeiro: forense, 2005, p. 51).

Tal exigência implica, consequentemente, a impossibilidade de o credor propor ação direta contra o devedor para obriga-lo ao cumprimento da obrigação, em caso de inadimplemento antecipado. Isso porque, conforme já aludido, a processualística nacional possui previsão expressa contrária à realização do procedimento executivo sem fundamento em dívida líquida, certa e exigível, conforme os arts. 786 e 803, I, do CPC, o que não seria o caso. (Raphael Manhães Martins, adv. e prof. da UERJ, em artigo intitulado “O inadimplemento antecipado da prestação do Direito brasileiro”, Revista da Emerj, v. 11, nº 42, de 2008, p. 217-20, acessado em 06.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).