quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.438, 1.439, 1.440. 1.441 Do Penhor Rural – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.438, 1.439, 1.440. 1.441

Do Penhor Rural – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo II – DO PENHOR

Seção V – Do Penhor Rural – Subseção I - Disposições Gerais (Art. 1.438 e 1.441) -

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Art. 1.438. Constitui-se o penhor rural mediante instrumento público ou particular, registrado no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição em que estiverem situadas as coisas empenhadas.

 

Parágrafo único. Prometendo pagar em dinheiro a dívida, que garante com penhor rural, o devedor poderá emitir, em favor do credor, cédula rural pignoratícia, na forma determinada em lei especial.

 

Para o autor Francisco Eduardo Loureiro, em uma panorâmica completa,  o penhor rural abrange os penhores agrícola e pecuário. Inicialmente, o legislador traça regras comuns às duas espécies, para, em seguida (CC 1.442 e ss), cuidar da disciplina específica de cada uma delas. O penhor rural, ao lado dos penhores industrial e mercantil, atende às necessidades do tráfico jurídico e imposições do desenvolvimento econômico. Leva em conta que a transferência da posse direta do bem empenhado ao credor nem sempre é o desejável ou possível. O agricultor desprovido das sementes ou dos implementos agrícolas, o pecuarista sem a posse de suas matrizes e reprodutores, dados em garantia pignoratícia, certamente inviabilizariam a própria atividade econômica.

 

Por isso se criaram os penhores especiais, cuja marca principal é a manutenção da posse direta em poder do próprio devedor, para que este empregue o bem empenhado em sua atividade econômica e possa, com isso, gerar fundos para adimplir a obrigação.

 

Dispõe o caput deste artigo que se constitui o penhor rural mediante o registro imobiliário do instrumento público ou particular. Ao contrário do penhor comum, não há entrega da posse direta do bem empenhado ao credor. A posse direta permanece nas mãos do próprio devedor, ou de terceiro prestador da garantia. Ao credor é transferida somente a posse indireta e jurídica sobre o bem empenhado. Não mais alude a lei, corretamente, à cláusula constituti, ou ao constituto possessório. O constituto possessório é modo de aquisição e perda da posse, pelo qual o alienante permanece fisicamente com a coisa, mas em nome do adquirente. A posse do alienante se degrada em detenção. No penhor agrícola, não é isso o que ocorre. Há mero desdobramento da posse, nos termos do CC 1.197, acima comentado. O devedor é possuidor direto e o credor, possuidor indireto, ambos com direito à tutela possessória. A situação jurídica é apenas inversa à do penhor comum, na qual a posse direta é transferida ao credor, enquanto ao devedor remanesce a posse indireta.

 

Em contrapartida, há necessidade de se conferir publicidade mais eficaz ao penhor, porque não conta o credor com a posse (visibilidade do domínio) sobre o bem empenhado. Deve-se criar mecanismo de alerta a terceiros de boa-fé, para que possam saber e conhecer que o bem móvel que se encontra com o devedor está onerado por direito real de garantia, dotado de sequela. Esse mecanismo é o registro imobiliário, que nos penhores especiais tem natureza constitutiva e não meramente publicitária. Sem o registro imobiliário, não há direito real de penhor. É ineficaz o registro no oficial de títulos e documentos. O registro é feito na circunscrição imobiliária onde estiverem localizadas as coisas empenhadas, sob pena de ineficácia perante terceiros, como já reconhecido pelo STJ (Ag. Reg. no Al n. 37.388/RS, rel. Min. Dias Trindade). É lançado no Livro III, de modo que fácil fica a terceiro que vai negociar com o devedor, mediante simples consulta ao indicador pessoal do registro de imóveis, saber quais bens móveis se encontram empenhados e quais as obrigações garantidas. Não há necessidade de o devedor ser proprietário ou titular de direito real sobre imóvel rural, porque o penhor tem por objeto apenas bens móveis. O penhor não é registrado na matrícula do imóvel, mas apenas no Livro III. Logo, o arrendatário pode dar em garantia os bens móveis de sua propriedade que se encontram em imóvel rural alheio.

 

Corrigiu este artigo a posição da Lei n. 492/37, que em seu art. Iº dispunha que o devedor permanecia como depositário dos bens empenhados. O atual Código Civil, em posição absolutamente afinada com a jurisprudência dominante do STJ, eliminou o termo “depositário”. Reconheceu que tem o devedor muito mais do que a simples guarda e o dever de restituição do bem empenhado. O devedor é proprietário do bem empenhado e tem a posse direta e os correlatos direitos de usar e de fruir. Como frisou o Ministro Athos Gusmão Carneiro, ao julgar o REsp n. 12.507/RS, a prisão civil só se admite nos depósitos para guarda e não nos depósitos para garantia de crédito, sob pena de regressão aos tempos prístinos de prisão por dívidas, proibidas pela Constituição Federal.

 

O entendimento do STJ é todo no sentido de que, em se tratando de depósito de bens fungíveis e consumíveis celebrado em garantia de outro contrato, não cabe o ajuizamento de ação de depósito com pedido de prisão do depositário inadimplente, uma vez que, na espécie, são aplicáveis as regras do mútuo. Na hipótese de contrato de depósito clássico e autônomo, ainda que de bens fungíveis, ocorrendo infidelidade, é cabível o ajuizamento de ação de depósito com pedido de prisão do depositário dos bens (REsp n. 440.832/RS, REsp n. 406.858/RS, HC n. 28.385/PR, HC n. 24.829/SP, H C n. 37.967/SP, REsp n. 193.728/GO, REsp n. 218.118/SP, entre outros).

 

No caso de inadimplemento, cabe excussão do penhor e até mesmo pedido de tutela antecipada, preenchidos os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil, (Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. [V. arts. 294, 295, 300, 301, 303, 304, 1.059, relacionados], Grifo VD) para que a posse direta seja transferida ao credor, ou a terceiro. Não cabe, porém, a ação de depósito contra o devedor pignoratício. Como já decidiu o STJ, “conquanto admissível a tradição simbólica à perfectibilização do penhor cedular, não cabe a ação de depósito para reaver os bens que lhe serviram de objeto” (REsp n. 106.023/RS, rel. Min. Cesar Asfor Rocha. No mesmo sentido, REsp n. 122.751/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

 

Finalmente, o parágrafo único deste artigo prevê a possibilidade de emissão de cédula rural pignoratícia, regulada em lei especial. A lei especial é o Decreto-lei n. 167/67, que se encontra em vigor, salvo naquilo que contrastar com o atual Código Civil, em especial a qualificação do devedor como depositário dos bens empenhados. Define-se como “ títulos representativos de operações de financiamento, constituídos a partir de empréstimos concedidos por instituições financeiras, ou entidades a estas equiparadas, a pessoa natural (física) ou jurídica que se dedique à respectiva atividade” (MAMEDE, Gladston. Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 180).

Como diz Caio Mário da Silva Pereira, “a cédula é título formal, líquido, certo e exigível pela soma nela inscrita, que dispensa a outorga conjugal e é oponível a terceiros. Facilmente negociável, comporta redesconto no Banco Central, E constitui título executório extrajudicial. Pode ser endossada em preto ou em branco” (Instituições de direito civil -, 18. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 349). Constitui poderoso instrumento de mobilização do crédito rural e deve ser levada ao registro imobiliário. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.539-41.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 13/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Para os autores Guimarães e Mezzalira, o penhor rural é gênero que possui as espécies penhor agrícola e penhor pecuário. Nesses casos não ocorre a tradição da coisa, tendo o credor a posse indireta e o devedor a posse direta, tal como o depositário.

 

O registro do instrumento público ou particular constitutivo do penhor deve ser realizado no Registro de Imóveis da circunscrição em que situados os bens empenhados, nos termos do disposto no artigo 167, inciso I, alínea 15 c/c art. 178, inciso II, todos da Lei de Registros Públicos. 

O registro confere publicidade à relação pignoratícia e permite a emissão de cédula rural pignoratícia, nos casos em que o devedor prometa pagar a dívida em dinheiro. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.438, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Lecionando e expandindo Talita Pozzebon Venturini a respeito do penhor rural, O Código Civil de 1916 previa o penhor agrícola e penhor pecuário, porém eram tratados conjuntamente. Posteriormente a Lei 492/37 passou a disciplinar o penhor rural, sendo o mesmo assunto acolhido pelo Código Civil de 2002, (subsistindo ainda a Lei 492/37 em alguns pontos que não enfoca o CC/02) o qual disciplina a matéria a partir do CC 1.438, dividindo o penhor rural em agrícola e pecuário.

 

Fala a Lei em Natureza Jurídica e seus principais elementos, tratar-se de um direito real em garantia que só se constitui após o registro do título no registro imobiliário competente. O Penhor Rural incide sobre bens imóveis por acessão natural, de produção rural. Diferenciando-se do penhor comum que visa à garantia por bem móvel (desde que suscetível de alienação).

 

Exige-se formalidade, sendo indispensável escritura pública ou particular registrado no Cartório de Registro de Imóveis, de acordo com a circunscrição de onde se encontra o bem empenhado, conforme dispõe o CC 1438. O registro do mesmo é necessário, principalmente, para que valha contra terceiros. Importante frisar que o parágrafo único do mesmo artigo permite o devedor emitir cédula rural pignoratícia em favor do credor, se a dívida for paga em dinheiro.

Rizzardo diz: “A cédula rural pignoratícia constitui um certificado da existência do penhor, representando-o no mundo dos negócios e circulando por endosso. (...) sendo possível o endosso, e efetuado, fica o endossatário investido dos direitos do endossante contra os signatários anteriores, solidariamente, e contra o devedor pignoratício, como é próprio dos títulos de crédito (RIZZARDO, Arnaldo, 2011, p. 1.047). (Talita Pozzebon Venturini, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.439. O penhor agrícola e o penhor pecuário somente podem ser convencionados, respectivamente, pelos prazos máximos de três e quatro anos, prorrogáveis, uma só vez, até o limite de igual tempo.

 

§ Iº Embora vencidos os prazos, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem.

 

§ 2º A prorrogação deve ser averbada à margem do registro respectivo, mediante requerimento do credor e do devedor.

 

Na concepção de Loureiro, ao contrário do penhor tradicional, que não é subordinado à limitação de tempo, o penhor rural, para não embaraçar em demasia as atividades do dono do bem empenhado, tem prazos máximos fixados por norma cogente, a saber: três anos o penhor agrícola e quatro anos o penhor pecuário. Nada impede que a garantia seja fixada por prazo inferior. A fixação por prazo superior se considera não escrita, fulminada por nulidade, de modo que se reduz aos prazos máximos admitidos em lei.

 

Dispõe este artigo que os prazos máximos de três e quatro anos sejam prorrogados, por outro período, até limite de igual tempo e por apenas uma vez. A cláusula antecipada de prorrogação automática é nula de pleno direito, por fraude à norma cogente proibitiva. A convenção que prorroga o prazo de garantia deve ser averbada no registro imobiliário, para ganhar eficácia contra terceiros.

 

O parágrafo primeiro deste artigo reza que vencido o prazo da garantia, esta não se extingue de modo automático, mas persiste enquanto subsistirem os bens que a constituem. Outros bens - safras ou crias de animais - não integrarão o penhor, mas a safra e os animais existentes ao final do termo continuarão onerados e podem ser levados à excussão. 

Segundo a doutrina explícita de Ricardo Fiuza, o relator, são espécies de penhor rural: a) agrícola que é aquele que recai sobre máquinas e instrumentos agrícolas, colheitas pendentes ou em via de formação, frutos armazenados, lenha cortada ou madeira das matas; b) pecuário, que é aquele que recai sobre animais do serviço ordinário de estabelecimento agrícola. • Esta norma em exame equipara-se ao art. 788 do Código Civil de 1916, com considerável melhora em sua redação, incorporando o texto da Lei n. 492, de 30-8-1937. No mais, deve ser aplicado à matéria o mesmo tratamento doutrinário dado ao dispositivo apontado. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 735, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 13/01/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na toada de Talita Pozzebon Venturini os contratos de penhor agrícola e penhor rural devem ser pactuados nos prazos de 03 (três) e 04 (quatro) anos, respectivamente, podendo ser prorrogados, uma vez só, por período de igual tempo, consoante o CC 1439. O §1° refere que ainda que vencidos os prazos, permanece em garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem. Para Sílvio Venosa (2003, p. 491) o penhor passa a ter prazo indeterminado, sendo então um benefício ao credor. 

Existindo a prorrogação do mesmo deve ser averbado junto à margem do registro. Art. 1439, § 2°. Importante observar que o Código Civil de 1916 permitia o prazo de 01 (um) ano prorrogável por mais seis meses. O termo posteriormente foi alterado com o Decreto-lei n° 4.360/42 para modificar os prazos, passando a permitir o tempo de 02 (dois) anos prorrogados por mais dois para penhor agrícola e o prazo de 03 (três) anos estendidos por igual período para o penhor pecuário. Somente em 2002, com o Novo Código Civil que o tempo limite passou a vigorar como já fora supramencionado. (Talita Pozzebon Venturini, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.440.  Se o prédio estiver hipotecado, o penhor rural poderá constituir-se independentemente da anuência do credor hipotecário, mas não lhe prejudica o direito de preferência, nem restringe a extensão da hipoteca, ao ser executada.

Como ensina Loureiro, diz este artigo que o penhor rural pode constituir-se sobre o imóvel hipotecado, sem anuência do credor hipotecário, nem prejuízo de seu direito de prelação. Nos termos do art. 79 do Código Civil, são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar, natural ou artificialmente. Disso decorre que plantações são bens imóveis por definição legal, mas por exceção podem ser também objeto de penhor, por serem mobilizáveis.

Em tese, pode ocorrer do mesmo bem - plantações - ser objeto simultaneamente de garantia hipotecária e pignoratícia. Permite a lei tal situação, sem anuência do credor hipotecário, que nenhum prejuízo sofre, porque mantém incólumes seus direitos de sequela e prelação. A anterior hipoteca registrada goza de preferência sobre o penhor posterior, quando houver coincidência de objetos. 

A maior dificuldade está na conciliação da regra deste artigo com o disposto nos arts. 59 e 69 do Decreto-lei n. 167/67, que dispõe que os bens objeto de penhor ou hipoteca constituídos pela cédula e crédito rural não serão alienados nem penhorados, arrestados ou sequestrados por outras dívidas do devedor ou o terceiro prestador da garantia. Tal preceito, como abaixo veremos, sofre sérias restrições da jurisprudência, especialmente quando o credor que faz a penhora tem privilégio legal. De todo modo, a melhor interpretação é no sentido de que o CC 1.440 é exceção à regra da inalienabilidade e impenhorabilidade dos bens objeto de hipoteca cedular, mesmo porque esta permanece incólume para o credor hipotecário, que não perde a prelação nem a sequela. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.542.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 13/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na visão de Guimarães e Mezzalira, o imóvel hipotecado poderá ser empenhado independentemente de anuência do credor hipotecário, assegurando-se a integridade deste direito.

O Código anterior previa que, para a constituição do penhor rural de imóvel hipotecado, era necessária a anuência do credor de direito real de hipoteca, determinando a nulificação do ato na falta desta formalidade legal. Entretanto, como não há de fato qualquer prejuízo ao credor originário, a nova legislação tratou de alterar o dispositivo. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.440, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

À propósito, em artigo produzido em maio de 2016, Intitulado Contrato de seguro e o suicídio: divergência entre o art. 798 do Código Civil de 2002 e o entendimento sumulado das cortes superiores, Débora Marques Pereira Clemente et al, publicado em Jus.com.br. em outubro de 2019, entre conceitos e características, o Código Civil de 2002 cuidou de conceituar o contrato de seguro. Trata-se daquele pacto em que um das partes, o segurador, se obriga, mediante recebimento de um prêmio, a garantir interesse legítimo, da outra, o segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos pré-determinados. (CC, art. 757).

Esse tipo contratual é peculiar, vez que não é somente a junção de interesses individuais para amenizar os riscos, mas sim, uma conjunção jurídica e econômica, baseada na ideia de comunidade e interesse coletivo, ou seja, na mutualidade, diferente da bilateralidade comum aos demais contratos típicos, como enfatiza Judith Martins-Costa (2014). Ressalte-se, ainda, o princípio da boa-fé, potencializada nos contratos de seguro e consagrada no artigo 765 do Código civilista, determinando uma conduta ética e veraz dos contraentes. (VENOSA, 2013).

O contrato de seguro é bilateral. Para o segurado cabe o pagamento do prêmio e para o segurador cabe a garantia do pagamento de indenização, caso ocorra o risco. Trata-se de contrato oneroso, já que gera vantagens para ambas as partes. A maior parte dos doutrinadores tende a classificar o seguro como contrato oneroso aleatório, afirmando a condição de subordinação do segurado ao pagamento da prestação a um evento futuro e incerto, podendo ter ocorrência ou não do risco. Tem natureza consensual, referindo-se ao consenso entre segurado e segurador. Não dependendo de formalidade específica (GONCALVES, 2012).

Conquanto a obrigação do segurador seja condicional, há interdependência das obrigações que gera tanto para uma como para a outra parte. Obriga-se o segurado a pagar o prêmio. Do cumprimento dessa obrigação depende o seu direito a exigir do segurador o pagamento da quantia estipulada, caso se verifique o acontecimento a que se subordina a obrigação deste. Assim, o segurado é devedor de dívida certa e credor de dívida condicional. (GOMES, 2009, p. 505).

Das espécies, como já exposto, sobre os seguros recaem um risco, diante disso faz-se necessário identificar qual a natureza deste para que se delimite a obrigação do segurador. De acordo Gonçalves (2004) hoje, praticamente todos os riscos são passíveis de cobertura, exceto os excluídos pela lei, como os dolosos ou ilícitos e os de valor superior ao da coisa.

Predomina em no direito brasileiro o conceito unitário de seguro. Há um contrato somente, mas que se desdobra em várias espécies ou subespécies. Em todas, impera sempre a ideia de garantia de interesse legítimo e de ressarcimento ou de compensação do dano, seja este patrimonial ou pessoal. Dessa forma, entende-se que os seguros se agrupam em duas classes: dos danos materiais e das pessoas.  (RIZZARDO, 2015) Nesta última, incluem-se os que resguardam a pessoa do segurado contra os riscos a que está sujeita a sua existência, integridade física e saúde. (GOMES, 2009). Aqui, terá mais ênfase o seguro de vida, vez que a questão ora estudada pressupõe esse tipo de seguro. 

Em relação aos Seguros de Vida, Gomes (2009) esclarece que por meio desse pacto, o segurador, se obriga a pagar ao segurado, ou terceiro beneficiário, determinada quantia, sob forma de capital ou de renda, quando o evento futuro e incerto se concretiza. É possível segurar a vida de outros, desde que seja comprovado o interesse pela preservação da vida destes.

Importa salientar as sutis diferenças desse tipo de seguro. Enquanto que no seguro de dano, o valor da indenização é do efetivo dano sofrido, nos seguros de vida, por não haver um dano, propriamente dito, mas a perda da vida, violação da integridade física ou o alcance a determinada idade, o valor devido pode ser livremente estipulado, podendo ser pago pela seguradora em um só momento ou em prestações periódicas, como pensão vitalícia ou temporária, de acordo com o autor acima mencionado.

O Código Civil de 2002 dispõe que é nula qualquer transação para pagamento reduzido do capital segurado. Gonçalves (2012) alude que o interesse, nesses tipos de seguro, não é só individual, mas também altruístico, pois que visa proteger financeiramente aqueles que são importantes ao segurado. Quando se tratar de seguros de vida em favor de terceiro, quer o segurado viver durante a existência daquele. Resta nítida, nesses contratos, a estipulação em favor de terceiro.

Sendo assim, Venosa esclarece que: “Para a determinação do risco a ser coberto pelo segurador na garantia de vida, é necessário que este conheça o estado de saúde do segurado ou do terceiro. Para tal avulta de importância a boa-fé do declarante ao contrair o seguro. (VENOSA, 2006, p. 367).

O montante pago quando da materialização do risco é impenhorável, visto que tem profundo reflexo social e caráter alimentício. Responderá somente por dívidas referentes ao prêmio. (VENOSA, 2013) A impenhorabilidade é afirmada no art. 833, VI, do CPC.

Do suicídio -  Ao longo dos séculos, o suicídio foi tema de ocupação das mais diversas áreas do conhecimento. A corrente filosófica do existencialismo, no século XVII, destaca a ideia de liberdade individual e responsabilidade do indivíduo como senhor do seu destino e permeia a questão do suicídio através de expoentes à altura de Hume. Também, a medicina, a psicologia, a religião, literatura, por exemplo, buscaram dar respostas para tantas indagações acerca de tal fenômeno. (COSTA, 2014).

Provindo do latim, sui (si mesmo) e caederes (ação de matar), forma etimologicamente o suicídio. A conduta de eliminar a si próprio é antiga e esse termo foi introduzido por Desfontaines, em 1737, designando a necessidade de escapar do sofrimento em vida, resolver os problemas que parecem sem solução, através da morte provocada pelo próprio indivíduo, conforme assevera Guilherme Ferreira de Miranda (2010).

O suicídio é ato voluntário e intencional de matar a si mesmo [...].  É o último e irreversível estágio da autodestruição. É a violência fatal contra si para por fim a uma dor maior do que a vontade de viver. Outras vezes, é um golpe final em si mesmo para punir a outrem. O suicídio é o naufrágio da esperança, a falência dos sonhos, o fim da linha [...]. (LOPES, 2007, p. 31). 

Émile Durkheim, considerado pai da Sociologia, escreveu, em 1897, “O suicídio”, obra importantíssima que teve como base empírica as sociedades europeias, especialmente a francesa.  Sustenta que o suicídio tem sua causa eminentemente social, afastando qualquer possibilidade de motivos individuais como hereditariedade ou etnia, serem determinantes para o suicídio, ainda que certas características do indivíduo o influenciem ao ato. (MIRANDA, 2010).

Compreender a bipartição do conceito de suicídio é imprescindível, vez que é adotada pela doutrina e jurisprudência, na solução de variadas lides sobre o tema. No suicídio voluntário, o indivíduo premedita a sua ação, dispondo de perfeita saúde mental. Conscientemente, põe fim à sua vida. Essa vontade preordenada pode ser evidenciada por atos positivos da pessoa segurada, como escritos deixados, por exemplo. Nessa espécie de suicídio, retira-se um elemento fundamental do contrato de seguro, qual seja, a aleatoriedade. Os cálculos atuariais realizados pela seguradora com base em variáveis que permitiam a exata aferição de probabilidade de ocorrência do risco são tornados sem efeito. (MARTINS, 2003).

Em contrapartida, é involuntário esse fenômeno quando a alienação mental, dano psíquico ou ainda, qualquer outra causa interna, como uma violenta emoção, subtrai o autocontrole e faz o agente perder o entendimento do seu ato.  (1988 Rizzardo apud Venosa, 2013).

Após a viagem de conhecimento,  volta-se ao artigo aqui comentado, tratando-se do CC 1.440. O Código Civil de 1916, Súmula 105 do STF e 61 do STJ, trazia em seu artigo 798 a possibilidade de cobertura securitária à morte por suicídio involuntário, afastando a regra para os casos que fossem premeditados. Estabelecia-se, então, uma analise de plano subjetivo, qual seja, a consciência e intenção do segurado em fraudar o contrato. (GONÇALVES, 2012).

À época da vigência do referido Código, editaram-se duas súmulas. A de nº 105 teve origem no STF em 13 de dezembro de 1963. Dispunha que “salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro”. Na mesma linha, editou-se, em 14 de outubro de 1992, a súmula 61, no Superior Tribunal de Justiça, se afirmando que “O seguro de vida cobre morte por suicídio não premeditado”. Levando em conta a boa-fé do segurado em todas as fases contratuais, não se afastando o dever da seguradora de pagar o capital, conforme ensinamento de Gonçalves (2012).

 

Inovou o Código Civil ao trazer entendimento diverso acerca das hipóteses de cabimento de indenização ao segurado suicida. A modificação legislativa passou do critério de aferição subjetivista, qual seja, da premeditação ou não, para um critério temporal. Pretendeu o legislador, não incentivar o suicídio, mas também, quis dificultar a concessão de indenizações (NADER, 2008). Assim preceitua o código civilista:

Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.

Imposto pelo legislador, esse critério objetivo limitador, permite algumas interpretações. “De acordo com a primeira, trata-se de espécie de prazo de carência para a cobertura nos casos de suicídio [...]. Consoante outra interpretação o dispositivo instituiria presunção relativa [...]” (GOMES, 2009, p. 513). Assim, é possível que o beneficiário demonstre que não foi premeditado.

 

Tepedino (2006) se manifestou no mesmo sentido afirmando que o dispositivo em questão possibilita somente uma inversão do ônus da prova, dessa forma, cabe ao beneficiário comprovar sua boa-fé, consequentemente, a não premeditação do suicídio. Restando comprovada a não premeditação, não poderia a seguradora se abster de cobrir o segurando com a garantia pactuada, ainda que o suicídio venha a ocorrer nos primeiros dois anos após o contrato ser firmado.

 

O Enunciado nº 187 da III Jornada de Direito Civil corrobora o entendimento, no sentido de que atribui ao beneficiário o ônus da prova da não premeditação. Porém, é claro equívoco hermenêutico por infringir disposições constitucionais e infraconstitucionais, tais como as do Código de Defesa do Consumidor. (COSTA, 2014).

 

Carlos Roberto Gonçalves (2004), muito apropriadamente, por sua vez, afirma que a norma deve ser interpretada no sentido de que decorrido o prazo bienal, presume-se que o suicídio não foi intencional. Entretanto, uma vez ocorrendo antes do término do período, caberá à seguradora provar que houve a premeditação com intuito fraudulento. Em harmonia, a 2º e a 3º Seção do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.077.342-MG reafirmaram a importância de interpretar o contrato presumindo a boa-fé e lealdade.

 

 Em consonância com o entendimento do supracitado autor e da Corte, respectivamente, decidiu o Tribunal de Justiça mineiro em 2013: “Apelação cível. Ação de cobrança. Seguro de vida. Morte do segurado no prazo de 2 (dois) anos do início de vigência da apólice de seguro. Suicídio. Art. 798 do cc interpretação literal incabível. Alegação de premeditação deve ser provada. Art. 333, ii do CPC. Ausência de comprovação. Correção monetária a partir da data do evento danoso. Recurso não provido. Conforme consolidada jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, o art. 798 do Código Civil de 2002 não alterou o entendimento de que a morte do segurado no prazo de 2 (dois) anos do início de vigência da apólice de seguro, somente exime o segurador do pagamento do seguro se ficar comprovada a premeditação do suicídio. É ônus do réu comprovar a ‘existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor’ conforme disposto no art. 333, II do Código de Processo Civil. [...] Recurso não provido (Apelação Cível 1.0024.07.570863- 6/001, Relator Des. Veiga de Oliveira, 10ª Câmara Cível, j. em 09.07.2013, p. em 19.07.2013).”

 

A exegese literal da norma vigente no Código Civilista não é o mais adequado, ainda que, a priori, a apreensão linguística seja imprescindível para que a atividade hermenêutica seja desenvolvida. Não se pode olvidar que o legislador quis desentranhar o aspecto subjetivo nos casos suicídio do indivíduo segurado. (COSTA, 2014)

 

Apesar de doutrinariamente predominar a tese da interpretação extensiva do dispositivo legal, o Superior Tribunal de Justiça modificou o entendimento pacificado em 2011. É o que se verá a seguir.

 

A atual interpretação do STJ - No dia 8 de abril de 2015, por decisão da maioria, em sua Segunda Seção, o STJ mudou seu entendimento através do julgamento do agravo regimental do recurso especial nº 1.334.005, que teve como relator o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, para uma interpretação literal do art. 798 do Código Civil. De acordo a íntegra da ementa do agravo interposto, não há a necessidade de a seguradora comprovar a premeditação do suicídio, tão pouco a indenizar quando ocorrido no prazo de dois anos contados a partir da data do pacto.

 

Depreende-se do julgado, o entendimento da ministra Isabel Gallotti quanto a impossibilidade de interpretações subjetivas relativas à premeditação ou à boa-fé do segurado. Para ela, durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, não é possível cobrir o seguro, mas somente em mortes decorrentes de outras causas, justamente para que se evite a dificuldade de prova da premeditação. Sua decisão foi acompanhada pelos ministros João Otávio Noronha, Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.

Diante do exposto, é notável o caráter remoto dos contratos de seguro. Adotados desde o século XII para trazer segurança aos navegantes, perdura até os dias atuais para propiciar aos segurados uma amenização das consequências advindas de um sinistro. O artigo então se propôs, para que ampliasse a compreensão sobre o assunto, identificar as principais características do seguro, distinguir suas espécies, e de forma específica, trazer um estudo comparativo entre o Código Civil de 1916 e o de 2002, elucidando as controvérsias jurisprudenciais decorrentes da alteração do dispositivo que trata a respeito do prazo de carência estabelecido em casos de suicídio, para que seja possível a seguradora garantir a cobertura. O tratamento do referido tema está presente no CC 1440 do atual Código e no art. 798 do Código de 1916. (Débora Marques Pereira Clemente et al, publicado em Jus.com.br. em outubro de 2019, Em artigo produzido em maio de 2016, Intitulado Contrato de seguro e o suicídio: divergência entre o art. 798 do Código Civil de 2002 e o entendimento sumulado das cortes superiores, Acessado 13/01/2021. Ref. CC 1.440 - Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.441. Tem o credor direito a verificar o estado das coisas empenhadas, inspecionando-as onde se acharem, por si ou por pessoa que credenciar.

Segundo claro entendimento de Loureiro, a regra é simples e corolário lógico da posse direta do bem empenhado permanecer nas mãos do devedor, que pode usá-lo e receber seus frutos.

Esse direito de inspeção, embora de natureza dispositiva, decorre da lei e se aplica ainda que nada tenham as partes convencionado a respeito. Permite o credor verificar se o devedor mantém seu dever de custódia e íntegro o bem empenhado. A inspeção pode ser feita pessoalmente pelo credor, ou por terceiro por ele autorizado. A recusa injustificada do devedor abre ao credor o direito de obter judicialmente a inspeção. Podem convencionar as partes que a recusa do devedor provoca o vencimento antecipado da dívida.

Embora silencie o Código Civil de 2002, alerta com razão Gladston Mamede que se encontra em vigor o disposto no art. 76 do Decreto-lei n. 167/67, que determina o seguro compulsório dos bens empenhados, quando houver expedição de cédula rural ( Código Civil Comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. XIV, p. 195). (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.543-44.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 13/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo entendimento de Talita Pozzebon Venturini, importante observar que o Código Civil de 1916 permitia o prazo de 01 (um) ano prorrogável por mais seis meses. O termo posteriormente foi alterado com o Decreto-lei n° 4.360/42 para modificar os prazos, passando a permitir o tempo de 02 (dois) anos prorrogados por mais dois para penhor agrícola e o prazo de 03 (três) anos estendidos por igual período para o penhor pecuário. Somente em 2002, com o Novo Código Civil que o tempo limite passou a vigorar como já fora supramencionado. 

A não necessidade de tradição, pois o bem fica na permanência do devedor tendo este a posse direta e indireta. Já o credor obtém unicamente a posse indireta, pois lhe confere o direito de verificar e inspecionar a coisa empenhada que está na posse do devedor. É o que alude o art. 1441, CC/02. (Talita Pozzebon Venturini, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

No entendimento de Guimarães e Mezzalira, como no penhor rural o devedor permanece na posse do bem, o legislador previu o direito  de o credor fiscalizar o estado da coisa, pessoalmente ou por terceiro, como instrumento de preservação dos seus interesses.

Na hipótese de recusa do devedor, o credor poderá ter o seu direito assegurado judicialmente, sendo que a constatação de deterioração ou depreciação poderá ensejar a antecipação da dívida. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.441, acessado em 13.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.436, 1.437 Da Extinção do Penhor – VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.436, 1.437

Da Extinção do Penhor – VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro III – Capítulo II – DO PENHOR

Seção IV – Da Extinção do Penhor – (Art. 1.436 e 1.437)

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 Art. 1.436. Extingue-se o penhor: 

I - extinguindo-se a obrigação; 

II — perecendo a coisa;

III - renunciando o credor;

IV — confundindo-se na mesma pessoa as qualidades de credor e de dono da coisa;

V — dando-se a adjudicação judicial, a remissão ou a venda da coisa empenhada, feita pelo credor ou por ele autorizada.

§ 1º Presume-se a renúncia do credor quando consentir na venda particular do penhor sem reserva de preço, quando restituir a sua posse ao devedor, ou quando anuir à sua substituição por outra garantia.

§ 2º Operando-se a confusão tão-somente quanto a parte da dívida pignoratícia, subsistirá inteiro o penhor quanto ao resto. 

Segundo entendimento dos autores Guimarães e Mezzalira, a primeira causa extintiva do penhor é a extinção da obrigação por ele garantida. Em se tratando de direito acessório, extingue-se com a extinção do principal, salientando-se que, nos casos de pagamento, este deve ser integral, tendo em vista o disposto no CC 1.421. 

O perecimento da coisa também constitui causa extintiva do penhor. Se houver destruição parcial, a garantia subsiste em relação à parte remanescente.

Também a renúncia do credor, extingue o penhor. Trata-se de um ato de vontade, podendo ser expressa ou tácita, sendo que o § 1º do CC 1.436 prevê os casos em que há presunção da renúncia, como nas hipóteses de consentimento da venda particular do penhor sem reserva de preço, da restituição da posse ao devedor e de anuência à substituição por outra garantia. 

A extinção do penhor pela confusão ocorre quando, na mesma pessoa, se confundem as qualidades de credor e dono da coisa empenhada. Se a confusão for apenas parcial, substituirá inteiro o penhor quanto ao resto. 

A adjudicação judicial, a remição e a venda da coisa empenhada também implicam na extinção do penhor, tratando-se de medidas disciplinadas pela legislação processual civil. (Luís Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira  apud  Direito.com, comentários ao CC 1.436, acessado em 12.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No saber de Francisco Eduardo Loureiro, o artigo em exame arrola o preceito das causas de extinção do penhor, sem caráter taxativo. Outras causas, além das previstas na lei, são indicadas pela doutrina: a resolução do domínio do bem empenhado, a usucapião do bem empenhado; o decurso do prazo do penhor; a remição ou resgate do penhor. 

O caput substituiu corretamente o termo “ resolve-se” por “extingue-se”. A resolução é termo com significado próprio, de extinção do contrato bilateral por inadimplemento do devedor ou onerosidade excessiva. É espécie de extinção do contrato. 

A primeira causa de extinção do penhor é a extinção da obrigação garantida. Como explica Clóvis Bevilaqua, “o penhor é constituído para assegurar o pagamento de uma obrigação. É acessório desta. Se a obrigação se extingue, desaparece a razão de ser do penhor; ele extingue-se por via de consequência e falta de fundamento” (Direito das coisas, 3. ed. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, p. 96). 

Como acessório da obrigação, o penhor segue a sorte jurídica desta. É irrelevante que a extinção se dê por pagamento ou sem pagamento (novação, compensação, confusão, transação). Anota Caio Mário da Silva Pereira que “quando o débito é extinto sem satisfação do credor, poderá subsistir a relação pignoratícia, mas é preciso que interfira a vontade neste sentido, como ocorre com a novação; se outra obrigação se contrair extinguindo-se a primeira, resolve-se com esta o penhor que a assegurava; mas subsistirá se, ao novar-se, o penhor é transferido explicitamente para a nova obligatio” (Instituições de direito civil, 18. ed. atualizada. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV, p. 358). 

No caso de pagamento com sub-rogação, o solvens assume a posição do antigo credor, com as garantias e qualidades do crédito original (CC 349). Também não sobrevive o penhor à extinção da obrigação por decadência ou por invalidade - nulidade ou anulabilidade. Embora divirja a doutrina, o melhor entendimento é o de que, prescrita a pretensão da obrigação garantida, não mais faz sentido a persistência do penhor, diante de sua inexigibilidade. É verdade que o pagamento voluntário pelo devedor de crédito prescrito é eficaz e não comporta repetição, mas nenhuma relação guarda com a garantia real do penhor. Parece evidente que, prescrita a pretensão, a retenção do bem empenhado pelo credor até o pagamento constituiria manifesto ato ilícito. 

A segunda causa de extinção é o perecimento da coisa. Pode o perecimento dar-se pela destruição total ou perda da coisa. Se a destruição for parcial, persiste o penhor sobre o remanescente, em vista da indivisibilidade da garantia real. Se o bem empenhado se encontrava no seguro, ou for indenizado por terceiro causador da perda, não se opera extinção, mas sub-rogação no valor da indenização, como visto no comentário ao CC 1.425, § 1º. Se o bem empenhado se perdeu por culpa do credor, seu valor é compensado com o da obrigação garantida. Lembre-se de que o penhor se extingue pela perda do bem, mas persiste a obrigação como crédito quirografário, com vencimento antecipado (CC 1.425). 

A terceira causa de extinção é a renúncia do credor, que pode desistir da garantia em vista de seu caráter patrimonial e disponível. Somente aquele que tem a livre disposição de seus bens pode renunciar à garantia. Pode a renúncia dar-se por ato inter vivos ou causa mortis. Se ocorrer por procurador, se exigem poderes expressos e especiais. Não se exige outorga uxória, por se tratar de bens móveis.

A renúncia pode ocorrer de forma expressa, sempre por escrito, para constituir título hábil a instruir pedido de cancelamento no registro de títulos e documentos ou imobiliário (no caso de penhores especiais).

Pode, ainda, ocorrer de forma tácita, como previsto nas três hipóteses exemplificativas do § Iº deste artigo. Nada impede que outros comportamentos concludentes do credor, embora não arrolados no dispositivo, deixem evidenciado o desejo de renunciar à garantia. As hipóteses do § Iº são: a) o consentimento na venda do bem empenhado sem reserva do preço; b) a restituição de sua posse ao devedor que, na forma do CC 387, já comentado, que prova a renúncia do credor à garantia, mas não ao crédito. Claro que essa regra não se aplica aos casos de penhores especiais rural, industrial e mercantil, ou sobre veículos, nos quais a posse direta não se transmite ao credor; c) a anuência do credor à substituição da garantia. 

A quarta causa de extinção (inciso IV) é a confusão, porque é natural que, se o credor adquire o bem empenhado, não mais há direito real de garantia sobre coisa alheia. Do mesmo modo, se a própria obrigação se extingue em razão da confusão, com ela se extingue a garantia real acessória. O § 2º deste artigo completa o preceito, ressalvando que, se a confusão se opera apenas quanto à parte da garantia, persiste o penhor quanto aos demais bens empenhados.

Finalmente, a quinta e última causa da extinção do penhor (inciso V) opera pela adjudicação, arrematação e remissão-resgate (e não remissão-perdão, como se encontra grafado neste artigo). A excussão do bem empenhado faz com que o credor se satisfaça com o respectivo preço, de modo que o arrematante receba o bem livre e desonerado. É irrelevante que o crédito garantido supere o valor da arrematação, porque o saldo, esgotada a garantia, se converterá em crédito quirografário. Igual fenômeno ocorre se há venda amigável autorizada por cláusula contratual ou por procuração, se o credor adjudica o bem empenhado, ou se há o resgate da dívida por terceiro interessado ou parentes do devedor.

Não explicita o preceito a possibilidade de credor quirografário penhorar e levar o bem empenhado a leilão e seus efeitos em relação ao credor garantido. Aplica-se por analogia o disposto no CC 1.501, adiante comentado. O bem empenhado é alienável e, portanto, penhorável. Não extingue o penhor devidamente registrado a arrematação ou adjudicação feitas por credor quirografário, se não foi notificado o credor pignoratício que não foi, de qualquer modo, parte na execução. A arrematação e adjudicação são válidas, mas ineficazes frente ao credor pignoratício, continuando empenhado o bem.

Os penhores especiais pecuário, industrial e mercantil tornam os bens inalienáveis e, portanto, impenhoráveis. Serão analisados nos comentários aos CC 1.445 e 1.449 os efeitos da inalienabilidade/impenhorabilidade frente aos demais credores com privilégio legal. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.536-37.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o comentários de Talita Pozzebon Venturini, o CC 1.436 elenca os fatores de extinção, quais sejam: a) Extinção da obrigação principal (devido sua característica de acessoriedade), conforme assevera Rizzardo (2011, p. 1041): Constituem forma de extinção da dívida: o pagamento, a remição, o perdão, a anulação do crédito e a confusão, sendo que nesta, as qualidades de devedor e credor se concentram na mesma pessoa. O que por óbvio, descaracteriza a relação contratual que exige a presença de dois contratantes;

 

b) Conforme reza o CC 1.436, II, o penhor cessa com o perecimento do objeto, porém a obrigação subsiste, uma vez que o penhor é apenas acessório da obrigação;

c) A renúncia do credor que consiste em abdicar da garantia;

d) A confusão entre o credor e o dono da coisa que pode ocorrer quando o credor adquirir a propriedade do bem;

e) Ainda nas hipóteses do CC 1.436, V, ocorrerá a extinção do penhor “dando-se a adjudicação judicial, a remição ou a venda da coisa empenhada, feita pelo credor ou por ele autorizada”.

Outras causas admitidas para a extinção do penhor são a reivindicação do bem empenhado, passando a um terceiro o domínio da coisa e o vencimento do prazo bem como o resgate do penhor por meio do pagamento da dívida, como explica Arnaldo Rizzardo. (Talita Pozzebon Venturini, intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 12.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Em artigo produzido por Thiago Cássio D’Ávila Araújo, intitulado “Do penhor”, publicado em março de 2016 no site da Jus.com.br., diz: “Extingue-se o penhor (CC 1.436): I - extinguindo-se a obrigação; II - perecendo a coisa; III - renunciando o credor; IV - confundindo-se na mesma pessoa as qualidades de credor e de dono da coisa; V - dando-se a adjudicação judicial, a remissão ou a venda da coisa empenhada, feita pelo credor ou por ele autorizada. 

Na hipótese do inciso I do 1.436, como o penhor é acessório da obrigação principal, extinta esta, extingue-se aquele, seja qual for a causa da extinção da obrigação principal, se por pagamento direto, pagamento indireto, como na consignação em pagamento, ou sucedâneo de pagamento, como na compensação, transação ou novação. Mas, como já vimos, admitem-se exceções, como a ressalva expressa, na novação (CC 364), transmitindo a garantia para a nova obrigação.

Exige-se a quitação total do débito principal, para extinção do penhor. Se a quitação for apenas parcial, ainda que quase total, permanece o penhor na integralidade, em razão do princípio da indivisibilidade da garantia (CC 1.421). 

Ainda, vale lembrar que a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores (CC 349), seja sub-rogação legal (CC 346) ou convencional (CC 347). É que, ainda que a sub-rogação cause o fim da obrigação, tal se dá por substituição de uma dívida por outra e o penhor subsiste como garantia desta nova obrigação.

Resolve-se o penhor também pelo perecimento da coisa apenhada (CC 1.436, II), i.é, se todo o objeto perece (“Sicut re corporali extincta, ita et usufructu extincto pignus vel hypotheca perit”).

É que a própria existência do penhor, enquanto contrato, depende da existência do penhor, enquanto coisa dada em garantia, por tratar-se o penhor, ademais, de direito real de garantia, i.e., que incide sobre coisa (res). Em havendo o perecimento da coisa garantidora do débito, resolve-se a garantia, mas a obrigação principal continua a existir. Como já vimos, o perecimento da coisa, sem substituição da garantia, ocasiona o vencimento antecipado da dívida (CC 1.425, IV).

Se o perecimento do bem deu-se por caso fortuito ou força maior, o penhor se resolve ficando o credor sem qualquer garantia especial e a obrigação passa, então, à condição de crédito quirografário, perdendo a preferência; se por culpa do credor, este responde pelo prejuízo causado ao proprietário da coisa, seja o devedor pignoratício, seja o terceiro garantidor; mas, havendo indenização, por seguro ou por terceiro responsabilizado pelo perecimento da coisa (ressarcimento do dano), a garantia se sub-roga no valor desta indenização, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu completo reembolso (CC 1.425, § 1º). Inclusive, não se fará o penhor de veículos sem que estejam previamente segurados contra furto, avaria, perecimento e danos causados a terceiros (CC 1.463).

Também, extingue-se o penhor pela desapropriação da coisa empenhada, já que o proprietário passará a ser a Fazenda Pública, que nada tem com esta relação travada entre particulares. A desapropriação, inclusive, gera a antecipação do vencimento da dívida garantida pelo penhor, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor (CC 1.425, V). Em reforço, diga-se que o art. 31 do Decreto-lei 3.365/41 prevê que: “Ficam sub-rogados no preço quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado.”

Há, todavia, que atentar-se que a sub-rogação dos créditos com garantia real no valor da indenização (preço da desapropriação) não se opera automaticamente, querendo isto significar que é necessária a prévia excussão da dívida pelas vias próprias, pelo credor contra o devedor, para recebimento do crédito depositado em seu favor nos autos da ação expropriatória.

O inciso III do CC 1.436 trata da extinção do penhor pela renúncia do credor, enquanto ato unilateral, que pode ser expressa, por ato inter vivos ou causa mortis, ou tácita. O dispositivo trata exclusivamente da extinção do penhor por renúncia do credor a esta garantia, passando o crédito à condição de quirografário. No entanto, se o credor renunciar ao crédito da obrigação principal, evidentemente o penhor também estará extinto, em razão de seu caráter acessório.

A renúncia do credor, ao penhor, será tácita, nas hipóteses do § 1º do CC 1.436, i.é, quando o credor consentir na venda particular do penhor sem reserva de preço, anuir à substituição do penhor por outra garantia, ou, ainda, restituir a posse da coisa apenhada ao devedor (neste caso, obviamente, se tinha a posse do bem, por transmissão efetiva quando da avença de garantia real). Neste último caso, é relevante recordar também que a restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do credor à garantia real, não a extinção da dívida (CC 387). Por isso, mais uma vez frisa-se que no inciso III do art. 1.436 do Código Civil trata-se exclusivamente da extinção do penhor, não da extinção da obrigação principal. 

A Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, dispõe (art. 50, XI) que a venda parcial dos bens constitui meio de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso. Todavia, faz ressalva, no § 1º do mesmo art. 50, de que na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

O penhor também se extingue pela confusão (CC 1.436, IV), ou seja, se o credor vier a tornar-se o proprietário da coisa empenhada, por ato inter vivos ou causa mortis. De outro modo, dá-se a confusão também se o proprietário da coisa empenhada, devedor pignoratício ou terceiro, vier a tornar-se o titular do direito de crédito ao qual dirige-se a garantia. Operando-se a confusão apenas quanto a parte da dívida pignoratícia, subsistirá inteiro o penhor quanto ao resto, em razão do princípio da indivisibilidade da garantia (CC 1.436, § 2º). 

Nos termos do inciso V do CC 1.436, extingue-se o penhor pela adjudicação judicial, remissão ou venda da coisa empenhada, feita pelo credor ou por ele autorizada. O legislador errou a redação, claramente. “Remissão” da dívida é: “O ato de liberalidade do credor, perdoando a dívida ou renunciando ao direito de exigi-la”. 

A remissão do penhor seria, então, a renúncia à garantia, que, todavia, já veio prevista no inciso III, CC 1.436. Ademais, por referir-se ainda à adjudicação judicial e à venda da coisa empenhada, o inciso V do CC 1.436 insere-se num contexto que mais favoreceria à redação do instituto da “remissão”, por sua vez, 

“...a exoneração ou a salvação do ônus ou encargou da execução, pelo resgate ou pagamento, que se efetiva, do valor do débito, da obrigação, do ônus ou da execução”. 

E assim,

“Na ortografia oficial, no sentido de resgate, é remissão, de remir, não remissão de remitir” (para clarear o português: REMIÇÃO (verbo remir): perdão oneroso, por meio de algum esforço, como estudo ou trabalho. ... REMISSÃO (verbo remitir): perdão por compaixão, por misericórdia, sem nenhum ônus – Nota VD).

Vale registrar que, na falência, ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do comitê de Credores, remir, em benefício da massa e mediante autorização judicial, os bens apenhados (Lei n] 11.101/2005, art. 22, III, “m”).

Finalmente, o penhor pode ser extinto por outras causas não previstas no Código Civil, conforme entendimento presente na doutrina pátria. Por exemplo, pela resolução da propriedade da coisa gravada, pelo lapso do tempo pelo qual incide o ônus real conforme a avença pactuada ou, ainda, ocorrência de condição determinada pelas partes. (Thiago Cássio D’Ávila Araújo, artigo intitulado “Do penhor”, publicado em março de 2016 no site da Jus.com.br., Acessado 12/01/2021. Ref. CC 1.436 - Revista e atualizada nesta data por VD). 

Art. 1.437. Produz efeitos a extinção do penhor depois de averbado o cancelamento do registro, à vista da respectiva prova.

Como alerta Loureiro, o artigo em exame merece interpretação cuidadosa. O preceito pode ser dividido em duas partes: a) os efeitos da averbação do cancelamento do registro; b) a prova, ou seja, o título necessário para fazer a averbação do cancelamento.

Quanto à primeira parte, cabe lembrar que o registro do penhor gera consequências diversas, de acordo com sua modalidade. No comentário ao art. 1.432 do Código Civil, vimos que o penhor comum, ou vulgar, se constitui com a entrega da posse direta do bem empenhado ao credor. O registro não tem efeito constitutivo do direito penhor, mas apenas efeito publicitário. Gera oponibilidade contra terceiros de boa-fé. Os CC 1.438, 1.448 e 1.462, adiante comentados, que tratam respectivamente dos penhores rural, industrial/mercantil e de veículos, são expressos ao dispor que o direito real se constitui pelo registro. Como não há entrega da posse direta do bem empenhado ao credor, fica a cargo do registro toda a publicidade inerente ao direito real. Sem registro, não há direito real de penhor. 

Disso decorre que a extinção do penhor deve ser averbada nos respectivos registros (títulos e documentos para os penhores comum e de veículos; registro de imóveis para os penhores rural, industrial e mercantil), como, de resto, preveem os arts. 164/165 (RTD) e 248/254 (RI) da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73).

Embora este artigo, de modo imperfeito, dê a impressão de que todos os efeitos da extinção do penhor ocorrem somente depois da averbação do cancelamento do registro, isso não é exato. Na verdade, há um fato extintivo e, como efeito desse fato, o cancelamento do registro do penhor. Entre as partes, via de regra o penhor deixa de produzir efeito desde o fato extintivo, mas, em relação a terceiros, somente a partir do momento em que se averba o cancelamento junto ao registro de títulos e documentos ou imobiliário, dependendo da modalidade da garantia. 

O que visa a lei é preservar o interesse de terceiros de boa-fé, como o cessionário do crédito pignoratício que, fiado no registro, ignora o anterior fato extintivo. Lembre-se apenas de que até mesmo em relação a terceiros há causas extintivas que constituem modo originário de aquisição da propriedade e que independem de ingresso no registro, como a usucapião ou desapropriação do bem empenhado. 

A segunda parte do artigo diz que a averbação do cancelamento do registro se faz “à vista da respectiva prova”. O art. 250 da Lei n. 6.015/73 melhor regula o tema e dispõe que o cancelamento se faz: a) em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado; b) a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado; c) a requerimento do interessado, instruído com documento hábil. 

Exige-se um título instrumentalizado em documento para a averbação do cancelamento. Nem sempre se faz necessária a intervenção judicial. Em diversos casos, basta o requerimento da parte acompanhado de documento suficiente para, a um exame extrínseco, demonstrar a causa extintiva. A renúncia expressa instrumentalizada pelo credor por escrito, a quitação passada pelo credor, o decurso do prazo e o documento demonstrativo da alienação amigável da coisa empenhada a terceiro bastam para obtenção do cancelamento. Em outros casos, quando a causa extintiva depender do exame de fatos não demonstrados na face do título, como o perecimento da coisa, há necessidade de intervenção judiciai e o cancelamento se faz à vista de mandado. (Francisco Eduardo Loureiro, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.538-39.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/01/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo na toada de Talita Pozzebon Venturini, assim como o penhor comum, o penhor especial pode ser visto como um direito real de garantia, que visa assegurar uma dívida:

O Penhor Especial classifica-se em determinadas modalidades. São elas: penhor rural (agrícola e pecuário), penhor industrial e mercantil, penhor de direito de títulos de crédito, penhor de veículos e penhor legal. 

O Código Civil de 1916 previa o penhor agrícola e penhor pecuário, porém eram tratados conjuntamente. Posteriormente a Lei 492/37 passou a disciplinar o penhor rural, sendo o mesmo assunto acolhido pelo Código Civil de 2002, (subsistindo ainda a Lei 492/37 em alguns pontos que não enfoca o CC/02) o qual disciplina a matéria a partir do CC 1438, dividindo o penhor rural em agrícola e pecuário. (Talita Pozzebon Venturini, artigo intitulado “Direitos reais de garantia: breve análise sobre penhor, hipoteca e anticrese”, publicado em outubro de 2015 no site Jus.com.br, acessado em 12.01.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

No dizer de Thiago Cássio D’Ávila Araújo, ressalte-se que produz efeitos a extinção do penhor somente depois de averbado o cancelamento do registro, à vista da respectiva prova (CC 1.437). Assim, conforme for o caso, não havendo prova hábil ao cancelamento do registro, será necessária a decisão judicial transitada em julgado em favor do proprietário do bem dado em penhor.  

Como visto acima, são títulos executivos extrajudiciais os contratos garantidos por penhor. Contudo, o art. 785 do CPC/2015 vem com a estranha proposta de que: “A existência de título executivo extrajudicial não impede a parte de optar pelo processo de conhecimento, a fim de obter título executivo judicial”. 

Com base nesse dispositivo, não será inadmissível, portanto, que o credor pignoratício proponha ação de conhecimento, para condenação do devedor ao pagamento da dívida, ao invés de propor a execução do título extrajudicial. No entendimento do autor, todavia, tal iniciativa processual poderá significar a renúncia tácita do credor à garantia real, sendo hipótese de extinção do penhor, malgrado não esteja prevista no § 1º do CC 1.436.

Assim o será, porque a intenção do credor, ao propor a ação de conhecimento, será a de poder receber o valor da dívida a partir do título judicial, sem execução que se dê pelo título extrajudicial e penhora preferencial sobre o bem empenhado. Assim, dá-se a renúncia tácita ao penhor.

A consumação desta renúncia é quando, citado o devedor, tiver este contestado a ação, pois o credor (autor) não mais poderá desistir da ação de conhecimento sem o consentimento do réu. Com efeito, dispõe o novo CPC/2015: “Oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação” (art. 485, § 4º).

 

A partir daí, pendente de julgamento a lide do processo de conhecimento, o credor não terá interesse de agir para propositura da execução do contrato garantido por penhor, enquanto título executivo extrajudicial, porque já ocorreu a extinção do penhor, de forma tácita. Melhor dizendo: o credor nem mais disporá de título executivo extrajudicial. É bem verdade que o § 1º do art. 784 do CPC/2015 também dispôs que: “A propositura de qualquer ação relativa a débito constante de título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.”

 

Mas, note-se que, no caso do crédito pignoratício, tem-se como título executivo extrajudicial o contrato garantido por penhor e, não mais subsistindo o penhor por renúncia tácita do credor, não há mais título executivo extrajudicial, já que o contrato em si terá perdido tal eficácia, situação que difere de outros títulos executivos extrajudiciais, para os quais possa ser aplicado o referido § 1º do art. 784 do CPC/2015.

Entretanto, em razão do disposto no CC 1.437, deve haver decisão judicial, transitada em julgado, reconhecendo que, em hipótese como esta, houve renúncia tácita do credor ao penhor, o que pode obter-se por ação declaratória ajuizada pelo proprietário da coisa empenhada contra o credor, ou, ainda, por meio de embargos do devedor pignoratício à execução extrajudicial movida pelo credor, após ter o devedor contestado a ação do processo de conhecimento a que se referiu acima, ou mesmo por meio de embargos de terceiro, quando for terceiro o proprietário da coisa empenhada. A sentença, transitada em julgado, funcionará, na hipótese, para as finalidades do art. 1.437 do CC/2002, como título idôneo para extinção do penhor, mediante averbação. (Thiago Cássio D’Ávila Araújo, artigo intitulado “Do penhor”, publicado em março de 2016 no site da Jus.com.br., Acessado 12/01/2021. Ref. CC 1.437 - Revista e atualizada nesta data por VD).