quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.517, 1.518, 1.519, 1.520 Da Capacidade para o Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.517, 1.518, 1.519, 1.520

Da Capacidade para o Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IV –Do Direito de Família –

Título I – Do Direito Pessoal – Subtítulo I – Do casamento

 Capítulo II – Da Capacidade para o Casamento

– (Art. 1.517 a 1.520) - digitadorvargas@outlook.com  

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 Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade ci- vil.

Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no parágrafo único do art. 1.631.

Inicia-se o Capítulo II, com a doutrina de Ricardo Fiuza, lembrando que a capacidade para o casamento, independentemente de autorização dos pais é atingida aos dezoito anos, quando cessa a menoridade, estando a pessoa habilitada à prática de todos os atos da vida civil, conforme o art. 9 deste Código.  A idade núbil para o casamento, com autorização dos pais, é de dezesseis anos.

No projeto de Código Civil, em sua redação anterior, havia desigualdade entre os sexos, sendo, então, a idade núbil de dezesseis anos para a mulher e de dezoito para o homem. Em sugestões anteriormente feitas, à época da tramitação do projeto no Senado Federal (Sugestões ao projeto de Código Civil. Direito de família, cit., RT 730/15), bem como naquelas feitas à Câmara dos Deputados, mostramos a necessidade de fixação do mesmo limite de idade para o casamento de homens e mulheres, em face da igualdade entre os sexos, imposta pelo Art. 9, inciso 1, da Constituição Federal.

No regramento anterior, do Código Civil de 1916, embora fosse necessário o consentimento de ambos os pais para o casamento de menores (art. 185), em caso de divergência prevalecia a vontade paterna (Art. 186).

O artigo em análise está adequado ao princípio da plena igualdade entre homens e mulheres, estabelecido pela Constituição Federal de 1988 inclusive nas relações de casamento (ad. 52, inciso 1, e Art. 226, § 52), já que, em caso de divergência entre os pais, faz referência ao CC 1.631, pelo qual, se houver discordância no exercício do poder familiar, não prevalece a vontade de qualquer deles, sendo-lhes assegurado recorrer ao juiz para a solução do desacordo. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 766, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No lecionar de Carvalho Filho, a capacidade para o casamento se comprova pela habilitação a que estão sujeitos os nubentes. Por intermédio dela, os nubentes demonstram que estão aptos a se casar. Comprovada a capacidade, bastará a diversidade de sexo entre os cônjuges (v. comentário ao art. 1.514) e a idade mínima de dezesseis anos para que se possa contrair o casamento. Aos dezesseis anos a pessoa atinge a idade núbil. Antes dessa idade, o casamento só será autorizado diante das situações excepcionais tratadas no art. 1.520. A lei exige que a pessoa tenha atingido a maioridade (dezoito anos) para que possa casar-se sem autorização dos pais ou representantes legais. Os nubentes dependerão de autorização de seus responsáveis, portanto, durante o período de dois anos que medeia os dezesseis e os dezoito anos. O casamento contraído por menor de dezesseis anos é anulável.

O parágrafo único do artigo dispõe que, havendo divergência entre os pais quanto à autorização, caberá ao juiz decidir o conflito, na forma do disposto no parágrafo único do CC 1.631 (v. comentário), observando sempre o que for de melhor interesse da família a ser constituída. Do mesmo modo, sendo injusta, arbitrária e imotivada a recusa ao consentimento, poderá o juiz supri-la, segundo o CC 1.519 (v. comentário). O casamento realizado com autorização judicial estará sujeito, necessariamente, ao regime de separação de bens, conforme determina o CC 1.641, III. Já o casamento de menores que receberam autorização de seus pais ou de seus representantes para se casar pode ser realizado sem que seja celebrado pacto antenupcial, casando-se eles pelo regime de comunhão parcial de bens e reduzindo a termo essa opção (v. comentários aos arts. 1.537 e 1.640). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.625-26.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 18/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Seguindo as orientações de Marco Túlio de Carvalho Rocha, parte-se das referências normativas: Igualdade jurídica dos cônjuges: arts. 5º, I e 226, §5º, CF; e artigos 1.520, 1.551, 1.553, 1.555, 1.560, § 1º, e 1.641 todos do Código Civil. 

Mirem o sistema das interdições para o casamento no Código Civil de 2002. Este distinguiu as causas de “incapacidade matrimonial” dos “impedimentos” e das “causas suspensivas”, interdições que eram tratadas no Código Civil de 1916 conjuntamente como “impedimentos matrimoniais”,

A distinção dos impedimentos em 3 grupos justifica-se pelas diferenças de causa e pelas consequências da violação de cada qual.

As incapacidades matrimoniais tornam anulável o casamento. A infração a impedimentos considerada mais grave, torna o casamento nulo. O casamento realizado com violação das causas suspensivas apenas impõe o regime da separação de bens.

Eis a correspondência entre os institutos no Código Civil de 2002 em relação ao Código Civil de 1916:

Código Civil de 2002

Código Civil de 1916

Capacidade para o casamento (art. 1.517):

·       Anulabilidade do casamento (CC 1.550, IV)

Impedimentos dirimentes relativos (art. 183, IX-XII)

Impedimentos (CC 1.521):

·       Nulidade do casamento (CC 1.548, II, 1.549)

Impedimentos dirimentes absolutos (art. 183, I-VIII)

Causas suspensivas (CC 1.523):

·      Imposição do regime legal obrigatório da separação de bens (CC 1.641, I)

Impedimentos impedientes (art. 183, XIII – XVI)

As causas de incapacidade proíbem o casamento com qualquer pessoa e se referem ao grau de maturidade intelectual presumível do nubente para o casamento.

A incapacidade matrimonial pode advir de três causas: a) falta de idade núbil de 16 anos; b) falta do consentimento dos pais ou do representante legal de menor de 18 anos não-emancipado; (CC 1.517 e 1.555; incapacidade de fato); c) incapacidade de consentir (CC 1.550, IV).

Idade núbil é aquela que confere a pessoa o direito de se casar. O Código Civil de 2002 fixou-a em 16 anos, igualmente, para o homem e para a mulher, como resultado do princípio da igualdade dos cônjuges, posto que na ordem jurídica anterior era de 18 e 16 anos, respectivamente.

A capacidade de se casar é de direito ou de gozo, i.é, antes de atingi-la a pessoa não tem o direito de se casar, salvo, excepcionalmente, em caso de gravidez (CC 1.520). 

Do consentimento do representante legal. O maior de 16 e menor de 18 anos não-emancipado é relativamente incapaz e, como tal, está habilitado a exercer os atos da vida civil desde que assistido pelos detentores do poder familiar, o pai e a mãe, ou, na falta destes, por tutor ou pelo curador de um ou de ambos os pais, se for o caso, pois a autoridade do curador estende-se à pessoa dos filhos incapazes do curatelado (CC 1.778). 

O dispositivo estabelece que ambos os pais devam manifestar aquiescência, uma vez que sejam detentores do poder familiar. Não poderia ser de outro modo, desde que o casamento de menor de 18 anos é uma das causas de emancipação, i.é, de extinção do poder familiar para quem o detenha, refletindo na esfera jurídica de ambos os pais se ambos forem dele detentores. 

O dispositivo não cuida da autorização do curador do nubente, se este for interditado. A omissão supostamente advém do fato de o núcleo do dispositivo ser a idade núbil ao qual o legislador atrelou as disposições relativas à autorização dos representantes legais. No Código de 1916, o impedimento estava previsto no inciso IX do art. 183, o que mais evidencia o equivoco de não ter sido lembrado no capítulo que o Código Civil de 2002 reservou às incapacidades matrimoniais.

Se o nubente for incapaz, também seu curador deverá anuir, pois o CC 1.781 estabelece que as regras relativas ao exercício da tutela aplicam-se à curatela. Vale lembrar que o art. 6º, inciso I, da Lei 13.146/2015 assegura o direito de se casarem os deficientes e que o art. 2º da mesma inclui sob essa denominação os deficientes físicos e os deficientes mentais. A falta de anuência do curador é o que justifica a anulabilidade a que se refere o CC 1.550, IV. Sem esta referência, este último dispositivo ficaria, aliás, sem sentido. 

Quanto à forma da autorização, o CC 1.537 exige que “o instrumento da autorização para casar” deva ser transcrito “na escritura antenupcial”,

O dispositivo correspondente ao CC 1.537, do Código Civil de 1916 era o art. 196, que foi objeto de forte crítica por parte de Beviláqua, por não vislumbrar motivo para a exigência da referida transcrição, uma vez que autorização para o casamento deveria ser cobrada na celebração casamento (Beviláqua, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, v. II. 4. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1933, p. 50).

Além dessa crítica, deve-se acrescer a dificuldade hermenêutica em relação a casamentos realizados sob regimes de bens legais – supletivo ou obrigatório – que não são necessariamente antecedidos por escritura de pacto antenupcial. A exigência de transcrição da autorização acaba, por via transversa, por forçar que a autorização para o casamento adote a forma de instrumento público, ainda que a lei expressamente não a exija e que o CC 1.525, inciso II, somente faça referência à forma meramente escrita.

A lei não contém outras exigências formais, notadamente quanto ao conteúdo da declaração. Não há prazo de validade nem a necessidade de indicação da pessoa com quem o relativamente incapaz deverá se casar.

A incapacidade do menor de 18 anos e a dos interditados é meramente de fato ou de exercício, uma vez que a capacidade de se casar, como já visto, é adquirida aos 16 anos.

Qualquer pessoa capaz pode alegar a incapacidade matrimonial dos nubentes até a celebração do casamento.

Do suprimento judicial do consentimento. O parágrafo único do CC 1.517 prevê a possibilidade de recurso ao juiz em caso de divergência entre os pais detentores do poder familiar. Neste caso, caberá ao juiz arbitrar o conflito segundo o maior interesse do adolescente. O suprimento judicial do consentimento de um ou de ambos os pais impõe o regime da separação obrigatória de bens conforme o CC 1.641, inciso III. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.517, acessado em 18.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.518. Até à celebração do casamento podem os pais, tutores ou curadores revogar a autorização.

No lecionar de Carvalho Filho, até o momento da celebração do casamento, a autorização de que trata o artigo antecedente poderá ser revogada. A regra é cogente, de ordem pública, não podendo ser renunciada pelos legitimados em circunstância alguma. Caso ocorra, ter-se-á por não escrita. A retratação terá em vista o interesse do incapaz, devendo o motivo surgir de fato novo, de grande gravidade, como a presença de doença transmissível e periculosidade do nubente. Aquele que suceder ao outorgante falecido no poder familiar poderá valer-se da faculdade concedida pela lei, sempre que convier ao incapaz. Ocorrendo a revogação da autorização, o nubente poderá ingressar com o pedido de suprimento judicial a que se refere o art. 1.519. A revogação, “que será entregue ao oficial do registro, deverá ser feita por escrito, indicando o motivo justo e superveniente à anuência anteriormente dada, constatando o erro que o levou a consentir. Se, no entanto, essa retratação for feita no instante da celebração do ato nupcial, poderá, então, ser feita verbalmente, constando do termo do casamento, que deverá ser assinado pelo juiz, pelos nubentes, pelo representante legal que se retratou, pelas testemunhas e pelo oficial do registro” (Diniz, Maria Helena. Código Civil anotado. São Paulo, Saraiva, 1995). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.627.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 18/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Nas anotações de Carvalho Rocha constam: art. 1.518. Até à celebração do casamento podem os pais ou tutores revogar a autorização (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (vigência).

Direito anterior: art. 187 do Código Civil de 1916.

Referências normativas: forma, CC 1.537; possibilidade de revogação da autorização pelo curador: CC 1.781.

A anuência dos representantes legais é requisito para o casamento dos menores incapazes maiores de 16 anos e dos curatelados e, conforme salientado nos comentários ao CC 1.517, deve adotar a forma de escritura pública.

A revogação deve seguir a mesma forma, por força do CC 472, que possui natureza principiológica. A lei não exige que a revogação seja fundamentada. O representante responde por danos se agir abusivamente, sem motivo justo e sem a prudência compatível com a seriedade do ato. 

O Código Civil deixou de regular neste capítulo a situação do nubente interditado submetido à curatela, tal como o fazia o Código Civil de 1916 no inciso IX do art. 183. O CC 1.781 estabelece que as regras relativas ao exercício da tutela aplicam-se à curatela. Desse modo, se o tutor deve autorizar o casamento do menor, o mesmo ocorre entre curador e curatelado.

Se o nubente tiver sido interditado, é anulável o casamento que vier a contrair sem as devidas autorizações do curador e do juiz da curatela, conforme o inciso IV do CC 1.550. 

A Lei n. 13.146/15 deveria ter corrigido o Código Civil de 2002 e incluído, expressamente, os curatelados no rol dos que dependem de autorização para se casar. Ao invés, agravou a omissão retirando do CC 1.518 a menção que este fazia aos curadores, ao lado de pais e tutores, como aptos a revogar a autorização até a celebração do casamento. 

A derrogação fica, contudo, sem efeito prático, por força do já citado CC 1.781 que manda aplicar ao exercício da curatela as disposições relativas ao exercício da tutela. Uma vez que o tutor pode revogar a autorização até a celebração do casamento, o mesmo ode o curador, com base no CC 1.781. o que era expresso ficou implícito.

Se o casamento for realizado em que os nubentes tenham tido conhecimento da revogação da autorização do representante legal o casamento será putativo. 

A revogação da autorização para o casamento equivale à denegação do consentimento, aplicando-se ao caso o CC 1.519.  (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.518, acessado em 18.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No artigo de Felipe Leonardo Rodrigues (Tabelião substituto em São Paulo), intitulado “Nova lei reforma capacidade no Código civil”, publicado em 30 de julho de 2015 no Blog do 26: 26notas.com.br, escreve: 

No dia 7.7.2015 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 13.146, de 6 de Julho de 2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência.

 

O Estatuto da Pessoa com Deficiência visa a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

 

Segundo a nova lei, pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, a qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 2º).  A lei não faz mais distinção em deficiência física ou psíquica.

 

No geral, sua vigência está prevista para 180 (cento e oitenta) dias após a sua publicação. O § 1º do art. 2º da referida Lei entrará em vigor em até 2 (dois) anos, contados da entrada em vigor. Já os incisos I e II do § 2º do art. 28, o § 6º do art. 44, o art. 49, em 48 (quarenta e oito) meses e o art. 45, em 24 (vinte e quatro) meses.

 

Prorrogou-se a vigência da Lei nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995 até 31 de dezembro de 2021, que dispõe sobre a Isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, na aquisição de automóveis para utilização no transporte autônomo de passageiros, bem como por pessoas portadoras de deficiência física.

 

Foram revogados os seguintes dispositivos do Código Civil:

– os incisos I, II e III do art. 3º da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil);

– os incisos II e III do art. 228 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil);

– o inciso I do art. 1.548 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil);

– o inciso IV do art. 1.557 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil);

– os incisos II e IV do art. 1.767 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil);

– os arts. 1.776 e 1.780 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

Aqui, o grande impacto para a atividade notarial e de registro. Ao modificar as regras sobre capacidade civil, temos mudanças fundamentais nas relações familiares e negociais, especialmente sobre a curatela.

 

Exigirá, dos profissionais do Direito, estudo sobre a nova teoria da incapacidade em harmonia com os princípios da dignidade da pessoa humana. E mais, a sensibilidade e lucidez para mudar velhas fórmulas sobre a capacidade civil.

 

Como a doutrina e os tribunais tratarão doravante o art. 166, I (é nulo o negócio jurídico quando celebrado por pessoa absolutamente incapaz), o art. 171, I (além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico por incapacidade relativa do agente) ou ainda o art. 1.860 (além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento) sob a perspectiva do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

 

O art. 6o da Lei nº 13.146/2015 disciplina que a deficiência não afetará a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

 

I – casar-se e constituir união estável;

II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

 

A pessoa com deficiência terá direito a receber atendimento prioritário, sobretudo com a finalidade de atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público (art. 9º), incluindo os serviços notariais e de registro.

 

Os serviços notariais e de registro não poderão negar ou criar óbices ou condições diferenciadas à prestação dos serviços notariais e registrais em razão de deficiência do solicitante, devendo reconhecer sua capacidade legal plena, garantida a acessibilidade (art. 83).

 

O descumprimento do disposto acima constituirá discriminação em razão de deficiência, e as penalidades estão tipificadas no art. 88 e seguintes.

 

A pessoa com deficiência terá assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 84).

 

Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. Será facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.

 

O art. 85, por sua vez, menciona que a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

 

A curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. E constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.

 

Numa interpretação sistêmica, arts. 83, 84, §§ 1º e 2º, 85, §§ 1º e 2º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência c/c os arts. 3º, 4º, 215 e art. 1.767, I, do Código Civil, os notários e registradores deverão reconhecer capacidade plena às pessoas com deficiência (física ou psíquica) quando elas puderem exprimir sua vontade sobre o ato notarial ou de registro solicitado.

 

Assim, se a pessoa com deficiência exprimir sua vontade os atos em geral deverão ser praticados. Contudo, se a pessoa não exprimir sua vontade ou não estiver acompanhada de curador (CC 1.767) ou de pessoa para a tomada de decisão apoiada prevista no CC 1.783-A, o ato deverá ser negado (art. 5º, do Estatuto e CC 1.767, I).

 

Repisamos! Se a pessoa não expressar sua vontade diretamente sobre os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, deverá comparecer curador (CC 1.767, I) ou pessoa para a tomada de decisão apoiada (CC 1.783-A), desde que no termo de curatela (ou alvará), ou de acordo de decisão apoiada, conste os poderes necessários para a consecução do ato, inclusive os atos notariais e de registro.

 

A seguir, transcreve o autor as alterações, inclusões e revogações de dispositivos do Código Civil, fazendo comentários específicos:

 

CAPÍTULO I - DA PERSONALIDADE E DA CAPACIDADE

 

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

 

Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:  

I – os menores de dezesseis anos; 

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; 

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. 

 

O artigo revoga parcialmente a capacidade absoluta. Só teremos uma hipótese de incapacidade absoluta: o menor de 16 anos. Não mais subsistirão as hipóteses de incapacidade absoluta por motivos psíquicos. Se a gravidade é de tal grandeza que a pessoa enferma ou com deficiência não possa exprimir sua vontade sobre o objeto de deliberação, não poderá praticar o ato. Deverá ser nomeado curador. As pessoas que, nas causas transitórias puderem exprimir sua vontade, poderão praticar os atos da vida civil, desde que possam deliberar diretamente sobre o ato.  Em suma, não há mais presunção de absoluta incapacidade para os que, por enfermidade ou deficiência mental, tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e os que, mesmo por causa transitória, puderem exprimir a sua vontade.


Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

IV – os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

 

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: 

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV – os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

 

Em relação aos relativamente incapazes, revogou-se a hipótese das pessoas com deficiência mental com discernimento reduzido e dos excepcionais sem desenvolvimento completo.

 

Tais situações foram substituídas pela nova redação do inciso III, ou seja, considerar-se-ão relativamente incapazes aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir a sua vontade. Isso significa que, não podendo exprimir a sua vontade, não poderão praticar os atos da vida civil (ver art. 6º Lei nº 13.146/2015).

 

As pessoas com discernimento reduzido e com desenvolvimento mental incompleto ou completo que puderem exprimir a sua vontade poderão praticar os atos da vida civil.

 

Em suma, não há mais a presunção de relativa incapacidade para os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido e os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo, mas que possam exprimir a sua vontade.

 

TÍTULO V - Da Prova

 

Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:

I – os menores de dezesseis anos;

II – (Revogado)

III- (Revogado)

IV – o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;

V – os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade.

 

§ 1º Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere este artigo.

 

§ 2º A pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva.

 

Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:  

I – os menores de dezesseis anos;

II – aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil;

III – os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam;

IV – o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;

V – os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade, ou afinidade.

 

Parágrafo único. Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere este artigo.

 

No campo da prova, poderão testemunhar aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, puderem exprimir a sua vontade e os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam, desde que a tecnologia assistiva permita-os testemunhar.

 

Renumerou-se o parágrafo único e incluiu-se o paragrafo 2º, segundo os quais a pessoa com deficiência, física ou psíquica, poderá testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas, sendo assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva (tecnologia assistiva é um termo ainda novo, utilizado para identificar todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e consequentemente promover vida independente e inclusão).

 

CAPÍTULO II - Da Capacidade para o Casamento

 

Art. 1.518.  Até a celebração do casamento podem os pais ou tutores revogar a autorização.

 

Art. 1.518. Até à celebração do casamento podem os pais, tutores ou curadores revogar a autorização.

 

O legislador revogou a legitimidade do curador para revogar a autorização de casamento.

 

CAPÍTULO VIII - Da Invalidade do Casamento

 

Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:

I – (Revogado)

II – por infringência de impedimento.

 

Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:

I – pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II – por infringência de impedimento.

 

O casamento contraído por enfermo mental, desde que possa emitir sua vontade ou por meio de seu curador ou responsável, não será hipótese de nulidade.

 

Art. 1.550.  É anulável o casamento

I – de quem não completou a idade mínima para casar;

II – do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;

III – por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;

IV – do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;

V – realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;

VI – por incompetência da autoridade celebrante.

§ 1º Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada.

§ 2º  A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador.

 

Art. 1.550. É anulável o casamento:

I – de quem não completou a idade mínima para casar;

II – do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;

III – por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;

IV – do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;

V – realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;

VI – por incompetência da autoridade celebrante.

 

Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada.

 

Renumerou-se o parágrafo único e incluiu-se o paragrafo 2º, segundo os quais a pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbil poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador.

 

Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

 

I – o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

II – a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;

III – a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;

IV – (Revogado);

 

Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

I – o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;

II – a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;

 

III – a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;

IV – a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.

 

Não será mais considerado erro essencial o defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de doença mental que o cônjuge não tinha conhecimento.

 

CAPÍTULO II - Da Curatela - Seção I - Dos Interditos

 

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

I – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

II – (Revogado);

III – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

IV – (Revogado)

V – os pródigos.

 

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

I – aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II – aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

III – os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;

IV – os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;

V – os pródigos.

 

Não subsistirá a hipótese de sujeição à curatela daqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil. Doravante, se sujeitão à curatela aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir a sua vontade.

 

A hipótese dos excepcionais sem completo desenvolvimento mental e dos deficientes mentais também foi revogada.

 

Art. 1.768.  O processo que define os termos da curatela deve ser promovido:

I – pelos pais ou tutores;

II – pelo cônjuge, ou por qualquer parente;

III – pelo Ministério Público;

IV – pela própria pessoa.

 

Art. 1.768. A interdição deve ser promovida:

I – pelos pais ou tutores;

II – pelo cônjuge, ou por qualquer parente;

III – pelo Ministério Público.

 

Alterou-se a redação do caput e incluiu-se o parágrafo IV, pelos quais a interdição também poderá ser promovida pela própria pessoa com deficiência.

 

Art. 1.769.  O Ministério Público somente promoverá o processo que define os termos da curatela:

 

I – nos casos de deficiência mental ou intelectual;

II – se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas nos incisos I e II do artigo antecedente;

III – se, existindo, forem menores ou incapazes as pessoas mencionadas no inciso II.

 

Art. 1.769. O Ministério Público só promoverá interdição:

I – em caso de doença mental grave;

II – se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas nos incisos I e II do artigo antecedente;

III – se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas no inciso antecedente.

 

Alterou-se a redação do caput. O inciso I também foi alterado para os casos de deficiência mental ou intelectual e no inciso III foram incluídos os menores.

 

Art. 1.771.  Antes de se pronunciar acerca dos termos da curatela, o juiz, que deverá ser assistido por equipe multidisciplinar, entrevistará pessoalmente o interditando.

 

Art. 1.771. Antes de pronunciar-se acerca da interdição, o juiz, assistido por especialistas, examinará pessoalmente o argüido de incapacidade.

 

O legislador alterou o termo “interdição” para curatela, “especialistas” para equipe multidisciplinar e “examinar pessoalmente o arguido de incapacidade” para entrevistar pessoalmente o interditando.

 

Art. 1.772.  O juiz determinará, segundo as potencialidades da pessoa, os limites da curatela, circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e indicará curador.

 

Parágrafo único.  Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de interesses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa.

 

Art. 1.772. Pronunciada a interdição das pessoas a que se referem os incisos III e IV do art. 1.767, o juiz assinará, segundo o estado ou o desenvolvimento mental do interdito, os limites da curatela, que poderão circunscrever-se às restrições constantes do art. 1.782.

Alterou-se o caput: os limites da curatela se darão segundo as potencialidades da pessoa sujeita às restrições do art. 1.782 e o juiz indicará o curador.

 

Incluiu-se o parágrafo único: para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de interesses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa.

 

Art. 1.775-A.  Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa.

 

Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.

 

§1o Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.

 

§ 2o Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.

 

§ 3o Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador.

 

O legislador incluiu o art. 1.775-A, pelo qual a nomeação de curador poderá ser compartilhada a mais de uma pessoa.

 

Art. 1.777.  As pessoas referidas no inciso I do art. 1.767 receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que os afaste desse convívio.

 

Art. 1.777. Os interditos referidos nos incisos I, III e IV do art. 1.767 serão recolhidos em estabelecimentos adequados, quando não se adaptarem ao convívio doméstico.

 

O legislador estabeleceu que as pessoas que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que os afaste desse convívio. Bem o contrário da previsão atual do Código.

 

Seção III - Do Exercício da Curatela

 

Art. 1.783. Quando o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for de comunhão universal, não será obrigado à prestação de contas, salvo determinação judicial.

 

O Título IV do Livro IV da Parte Especial da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com a seguinte redação:

 

TÍTULO IV - Da Tutela, da Curatela e da Tomada de Decisão Apoiada

O Título IV do Livro IV da Parte Especial da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo III:

 

CAPÍTULO III - Da Tomada de Decisão Apoiada

 

Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

 

§ 1o  Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar.

 

§ 2o  O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo.

 

§ 3o  Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada, o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio.

 

§ 4o  A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado.

 

§ 5o  Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contra assinem o contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado.

 

§ 6o  Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão.

 

§ 7o  Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz.

 

§ 8o  Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra pessoa para prestação de apoio.

§ 9o  A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada.

 

§ 10.  O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria.

 

§ 11.  Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as disposições referentes à prestação de contas na curatela.

 

O legislador definiu que a tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 pessoas idôneas para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer a sua capacidade.

 

Para formular o pedido, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que vão apoiar.

 

Deferido o pedido pelo juiz, a decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado.

 

As pessoas com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial podem solicitar que os apoiadores assinem o contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado.

Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão. (Felipe Leonardo Rodrigues (Tabelião substituto em São Paulo), no artigo intitulado “Nova lei reforma capacidade no Código civil”, publicado em 30 de julho de 2015 no Blog do 26: 26notas.com.br, acessado em 18.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.519. A denegação do consentimento, quando injusta, pode ser suprida pelo juiz. 

Notas de Marco Túlio de Carvalho Rocha: Direito anterior: art. 188 do Código Civil de 1916; Dec. n. 181/1890, art. 7º, § 7º.

Referências normativas: competência da justiça da infância e da juventude: art. 148, parágrafo único, c, da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); procedimento: arts. 719 a 725, da Lei n. 13.105/15 (Código de Processo Civil); regime obrigatório da separação de bens: CC 1.641, inciso III.

O poder de autorizar o casamento dos representados insere-se no âmbito do poder familiar, no da tutela e no da curatela. Tais institutos são considerados funções, pois possuem as características de dever e de direito dos representantes. São exercidos em benefício dos incapazes. O juiz pode suprir o consentimento sempre que verificar que a recusa do representante legal não se baseia em motivo justo. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.519, acessado em 18.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Na doutrina de Ricardo Fiuza apresenta-se este dispositivo tratando do suprimento judicial de consentimento dos pais para o casamento de filhos em idade núbil. Realmente era desnecessária a referência ao cabimento de recurso à instância superior, que também constava do Código Civil de 1916, em seu art. 188. O recurso cabível, de natureza voluntária e não necessária, independentemente dessa referência, é de apelação (CPC/1973, Art. 513, representado hoje, CPC/2015, ao art. 1.009, §§ 1º, 2º e 3º).

Conforme o art. 888. inciso IV. do Código de Processo Civil/1973, (com correspondência ao art. 301 no CPC/2015) pode ser ordenado, em medida cautelar preparatória ou incidental o afastamento do menor autorizado a contrair casamento contra a vontade dos pais”. 

Sobre o procedimento a ser utilizado, embora não exista regramento expresso, é cabível o de jurisdição voluntária (CPC/1973. arts. 1.103 a 1.111, correspondendo atualmente no CPC/2015 aos arts. 719 ao 724). 

Na conformidade do CC 1.641, III, o regime de bens que obrigatoriamente será adotado pelos cônjuges que obtêm suprimento judicial para o casamento é o da separação de bens (CC 1.687 e 1.688). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 767, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Lembra Milton Paulo de Carvalho Filho, como já ressaltado em comentários ao CC 1.517, a denegação dos pais ou responsáveis de consentimento ao casamento não poderá ser arbitrária, imotivada ou injusta. Caberá ao juiz, diante das circunstâncias peculiares de cada caso concreto, examinar a injustiça da denegação que fere direito subjetivo dos nubentes. Capricho, autoritarismo, preconceito e antipatia dos pais contrapõem-se a costumes desregrados, inaptidão para o sustento da família e grave risco para a saúde e para a integridade física e moral do outro nubente, que são, indubitavelmente, motivos que justificam a recusa da autorização. Repita-se que o casamento realizado com autorização judicial estará sujeito, necessariamente, ao regime de separação de bens, conforme determina o CC 1.641, III. Apesar de suprimida pelo legislador a referência ao cabimento de recurso que constava do art. 188 do CC/1916, o certo é que a possibilidade de sua interposição está assegurada pelo diploma processual civil (arts. 496 e segs. do CPC/1973, correspondendo ao artigo 994 e ss. do CPC/2015). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.628.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 18/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1.517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.

No entendimento de Marco Túlio de Carvalho Rocha, a exceção ligada à imposição de pena tornou-se ineficaz com a revogação do inciso VII do art. 107, do Código Penal (que cuidava da isenção de pena se o acusado de estupro viesse a se casar com a vítima, pela Lei n. 11.106, de 2005. Desse modo, somente a gravidez autoriza o casamento de menores de 16 anos. O dispositivo não distingue: pode-se casar a mulher grávida, menor de 16 anos, o o homem menor de 16 cuja parceira tenha ficado grávida. A indiferenciação justifica-se uma vez que os costumes não mais impõem o casamento da mulher grávida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.520, acessado em 18.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No comentário de Carvalho Filho, este dispositivo estabelece as situações excepcionais em que será admitido o casamento a quem não contar com a idade núbil. A lei autoriza o casamento dos menores impúberes quando tiver por fim evitar a imposição de pena criminal ao nubente (maior de dezoito anos), autor de crime (estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude, corrupção de menores, rapto), bastando que com ele concorde a vítima, independentemente da anuência do seu representante legal, embora este possa ser ouvido por ordem judicial. Com o casamento, estaria extinta a punibilidade penal (art. 107, V II, do CP). Contudo, a Lei n. 11.106, de 28.03.2005, houve por bem revogar o inciso VII do art. 107 do Código Penal, ficando, assim, revogada tacitamente essa parte do presente artigo. Consoante ensina Gustavo Filipe Barbosa Garcia, com a nova lei o casamento deixou de evitar a imposição ou o cumprimento de pena criminal, somente nos crimes contra os costumes de ação penal pública, não podendo a alteração legislativa operar retroativamente. Segundo o autor, nos crimes contra os costumes de ação penal privada persiste a possibilidade de extinção da punibilidade pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão do ofendido aceito (art. 107, V, do CP), pois, como o casamento da vítima com o agente pode ser visto como renúncia tácita, ou perdão tácito (conforme exercido antes ou depois da propositura da ação penal privada, respectivamente), mesmo que a aplicabilidade desta parte inicial do art. 1.520 do Código Civil tenha sido reduzida, ainda persiste (Casamento anulável no Código Civil de 2002 e repercussões da Lei 11.106/2005, em RT 840/143).

A outra situação autorizada pela lei e a gravidez da menor de dezesseis anos que teve origem em relacionamento sexual consentido ou em inseminação artificial autorizada pelo nubente. O casamento nessa hipótese tem por finalidade estabelecer um lar, já constituído, para a criança que irá nascer, visando com isso protegê-la. Ambas as situações exigem a intervenção judicial, visando ao suprimento da idade do menor. Embora nulo o casamento de menores de dezesseis anos, o que se realizou como resultante de gravidez estará isento dessa consequência, conforme determina o CC 1.551. 

Como a intenção do legislador foi a de conferir maior proteção à família, em especial no sentido de facilitar o casamento, outras situações, além das enumeradas neste artigo, poderão surgir, a justificar o suprimento judicial para o casamento, como a da menor que, mesmo não estando grávida, viva em união estável, mantendo com seu companheiro vida sexual ativa, conte com a aprovação dos pais em relação à união e tenha aptidão física e psicológica para o casamento. Ao julgador, com prudência, bom senso e tendo em vista o propósito buscado pelo legislador, competirá o exame de cada caso concreto. 

Também nas hipóteses referidas nesse artigo, o casamento realizado com autorização judicial estará sujeito, necessariamente, ao regime de separação de bens, conforme determina o CC 1.641, III. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.628-29.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 18/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Na visão de Ricardo Fiuza, este dispositivo trata do suprimento judicial de idade para o casamento. No Código Civil de 1916, o suprimento judicial de idade somente era possível para evitar a imposição ou o cumprimento de pena criminal, podendo o juiz ordenar a separação de corpos até o alcance da idade núbil (Art. 214, caput e parágrafo único), sendo que a gravidez somente impedia a anulação do casamento por defeito de idade.  

Neste artigo é estabelecida, além da imposição ou cumprimento de pena criminal, a gravidez, como causa de suprimento judicial de idade, bem como eliminada a possibilidade de ordem judicial para a separação de corpos do casal. 

Exemplos de crimes cuja imposição ou cumprimento de pena podem ser evitados pelo casamento entre a vítima e o agente, conforme o Art. 107, VII, do Código Penal: estupro — Art. 213; atentado violento ao pudor— art. 214; posse sexual mediante fraude — Art. 215; atentado ao pudor mediante fraude — Art. 216; corrupção de menores — Art. 218; rapto —arts. 219 e 220. • Álvaro Villaça Azevedo e Regina Beatriz Lavares da Silva Papa dos Santos, Sugestões ao projeto de Código Civil. Direito de família, RiS 730/15. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 767, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 18/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.514, 1.515, 1.516 Do Casamento – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.514, 1.515, 1.516

Do Casamento – Disposições Gerais - VARGAS, Paulo S. R.

- Parte Especial –  Livro IV –Do Direito de Família –

Título I – Do Direito Pessoal – Subtítulo I – Do casamento

 Capítulo I – Disposições Gerais

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 Art. 1.514. 0 casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados. 

Na forma de ver de Carvalho Filho, o casamento é ato solene e formal e sua celebração exige o cumprimento das formalidades do processo de habilitação (v. comentários aos arts. 1.525 a 1.532). Para que seja consumado o casamento, o homem e a mulher deverão inicialmente manifestar ao juiz, um após o outro, sua vontade de estabelecer o vínculo conjugal. A vontade dos nubentes, por determinação legal (CC 1.535, v. comentário), deve ser livre e espontânea. A ausência de completa liberdade do querer casar-se e a vontade viciada, sujeita a constrangimentos, impõem a suspensão da celebração e impedem a consumação do casamento (v. comentário ao CC 1.538). Diante da resposta positiva (sem nenhuma condição ou termo), clara e consciente dos nubentes, o celebrante declarará formalizado o casamento, pronunciando os dizeres contidos no CC 1.535 (v. comentário). Só haverá casamento após essa declaração do celebrante. A diversidade de sexo dos nubentes é pressuposto para a realização do casamento válido. Será inexistente o casamento convolado entre duas pessoas do mesmo sexo e, por consequência, não produzirá nenhum efeito jurídico (ver comentários aos arts. 1510 A, B, C, D e E – nota de VD). Maria Helena Diniz ensina que, se porventura o magistrado deparar com caso dessa espécie, deverá tão somente pronunciar sua inexistência, negando a tal união o caráter matrimonial. Deve, é óbvio, distinguir prudentemente a identidade do sexo dos vícios congênitos de conformação, da dubiedade de sexo, da malformação dos órgãos genitais ou da disfunção sexual, que apenas acarretam anulabilidade (Curso de direito civil brasileiro - direito de família. São Paulo, Saraiva, 2002, v. V). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.620.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, o dispositivo em tela recebeu alteração, por meio de emenda de redação na Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto, de modo a substituir a expressão que qualifica o vínculo. A redação atual, no restante, é a mesma do projeto, cujo Livro IV, referente ao direito de família, ficou a cargo de Clóvis do Couto e Silva.

Na doutrina apresentada por Ricardo Fiuza, a substituição da expressão que qualifica o vínculo (“matrimonial” por “conjugal”) está adequada à nomenclatura utilizada na Constituição Federal e no Código Civil, que sempre se referem a casamento e não a matrimônio. Anteriormente à celebração do casamento deve ser realizado o processo de habilitação, conforme o disposto nos CC 1.525 a 1.532. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 764, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Sob a visão de Carvalho Rocha, estende-se o assunto da diversidade de sexos no casamento. Embora não seja o núcleo do dispositivo, que cuida do momento em que se considera estabelecido o vínculo matrimonial, destaca-se a referência ao homem e à mulher como a primeira e única do direito brasileiro relativa à heterossexualidade do casamento.

A omissão dos textos anteriores sobre a necessidade de diversidade de gêneros na formação do casamento não significava permissão para as uniões conjugais homoafetivas. Ao contrário, na tradição judaico-cristã a heterossexualidade era considerada exigência do próprio conceito de casamento. Desse modo, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mais do que ato jurídico nulo era considerado ato jurídico inexistente, por faltar-lhe base material e tampouco possuir a aparência de ato jurídico válido. Foi essa a tese formulada por Zachariae Von Lingenthal no final do Século XIX, para justificar a inexistência de efeitos jurídicos do casamento entre pessoas do mesmo sexo no direito francês mesmo sem norma proibitiva, que se espraiou para outros ramos do direito.

Ao julgar procedente a Arguição de Descumprimento Fundamental n. 132, o Supremo Tribunal Federal admitiu a possibilidade jurídica da união estável homoafetiva. O referido entendimento vem sendo interpretado, por analogia, no sentido de se permitir o próprio casamento entre pessoas do mesmo sexo. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu inexistir óbices legais ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (REsp 1.183.378/RS, j. 25.10.2011; e que a vedação implícita seria constitucionalmente inaceitável. 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável entre pessoas do mesmo sexo por meio da resolução n. 175, de 14.05.2013.

A questão ainda não foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal, que deve se pronunciar sobre a constitucionalidade da Resolução n. 175 do CNJ no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.966 ajuizada pelo Partido Social Cristão (PSC) em 2013. 

A Holanda foi o primeiro país do mundo a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2001. Seguiram-na, Bélgica (2003), Canadá e Espanha (2005), África do Sul (2006), Noruega e Suécia (2009), Argentina, Islândia e Portugal (2010), Dinamarca (2012), França, Nova Zelândia e Uruguai (2013), Escócia, Inglaterra, Luxemburgo e País de Gales (2014), Irlanda, Finlândia e Colômbia (2016), Alemanha, Taiwan e Malta (2017).

Todos esses países valeram-se de procedimento legislativo para a aprovação do casamento homoafetivo, sublinhando que, por força do princípio da separação dos poderes, a matéria se encontra sujeita à regra da maioria e representa escolha da sociedade. 

Em sentido contrário, as supremas cortes dos EUA e do México declararam o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2015 fazendo-o prevalecer sobre lei locais. O Congresso mexicano rejeitou a aprovação do casamento homoafetivo em 2016.

O artigo em comento, CC 1.514 – Momento da realização do casamento – cuida somente de uma das formas de celebração do casamento: o casamento civil. Além desta de casamento, outras duas existes: o casamento religioso, previsto no parágrafo 2º do art. 226 da Constituição e o casamento por conversão de união estável, nos termos do CC 1.726.

O juiz que trata o dispositivo é o juiz de paz, que passou a ter competência para a celebração do casamento civil com a proclamação da República e a mantém conforme o art. 98, inciso II, da Constituição. A regra não exclui o casamento nuncupativo que constitui forma excepcional de casamento civil e que dispensa a presença do juiz de paz.

O casamento entende-se realizado no exato momento em que os nubentes manifestam sua anuência. Desse modo, o registro do termo de casamento que se segue à celebração tem, para esse efeito, função meramente declaratória. Dessa regra resulta que o casamento terá sido realizado ainda que um dos cônjuges venha a falecer após a aceitação e antes do registro do termo de casamento. (Marco Túlio de Carvalho Rocha, Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.514, acessado em 17.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

 Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.

Há um histórico. O presente dispositivo recebeu alteração, por meio de emenda de redação na Câmara dos Deputados, no período final de tramitação do projeto, de modo a substituir a expressão “matrimônio” por “casamento”, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 utiliza a primeira expressão e não a segunda (CF. Art. 226, §~ P e 2~). E também houve emenda de redação para substituir o verbo no particípio passado “inscrito” pelo particípio passado “registrado”, em face das expressões consagradas pela Lei de Registros Públicos — Lei n. 6.015/73.

Em sua Doutrina, para o relator Ricardo Fiuza não havia regulamentação no Código Civil anterior do casamento religioso com efeitos civis. Tal regramento era realizado pela Lei n. 6.015 fls., arts. 71 a 75, revogados pelo atual Código Civil. • Na conformidade deste artigo e do artigo seguinte, o casamento religioso, para que gere efeitos civis, deve seguir as mesmas formalidades do casamento civil, tendo iguais impedimentos. Desse modo, o casamento religioso que não atende ao disposto nestes artigos configura-se juridicamente como união estável (arts. 1.723 a 1.727) (v. Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, 16. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, v. 5, p. 46-9). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 765, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

De acordo com os ensinamentos de Carvalho Rocha, até a Proclamação da República a única forma de realização do casamento era a religiosa. A atribuição de efeitos civis ao casamento religioso foi revogada pela República. A Constituição de 1934 a reintroduziu, com a condição de serem observadas as disposições legais no tocante a impedimentos, habilitação, processo de oposição e registro (art. 146). A Constituição de 1988 a manteve (art. 226, § 2º). A Lei n. 1.110/50 regula o reconhecimento dos efeitos civis ao casamento religioso. Os artigos 71 a 75 da Lei n. 6.015/73 estabelecem o procedimento.

O art. 72 da Lei n. 6.015/73 exige que o termo do casamento religioso seja subscrito pela autoridade religiosa que o celebrar, pelos nubentes, por duas testemunhas, devendo constar do mesmo as informações enumeradas no art. 70 da mesma lei. 

Por força do disposto no art. 5º, inciso VI, da Constituição, “autoridade religiosa” é qualquer pessoa como tal socialmente aceita. O casamento religioso pode se dar com habilitação prévia ou com habilitação posterior. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.515, acessado em 17.02.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No entendimento de Carvalho Filho, como já salientado (v. comentário ao art. 1.512), outra espécie de casamento, além do civil, autorizada pela Constituição federal é o religioso com efeitos civis, referido neste artigo e no seguinte. O casamento religioso realizado perante autoridade religiosa ou ministro religioso tem sua validade sujeita a uma condição: de que seja ele inscrito no livro de registro civil das Pessoas Naturais, após cumpridas as formalidade do processo de habilitação, antes ou depois da celebração religiosa (v. comentário ao CC 1.516), produzindo efeitos civis, contudo, a partir de tal data. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.620.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil.

§ Iº O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação.

§ 2º O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532.

§ 3º Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil. 

No lecionar de Carvalho Filho, a lei impõe que, para ter validade o casamento religioso, devem ser atendidas as mesmas exigências legais de validade do casamento civil. Os efeitos civis do casamento religioso serão alcançados após o regular processo de habilitação exigido pela lei, que poderá ser prévio ou posterior à celebração religiosa do casamento. A regra é que a habilitação seja prévia, ou seja, os nubentes deverão inicialmente apresentar-se perante o oficial do registro civil e solicitar que sejam habilitados para o casamento posterior. Esse procedimento de habilitação é o previsto nos arts. 1.525 a 1.532 (v. comentários). Ao final, será extraída uma certidão de habilitação que deverá ser apresentada à autoridade religiosa. Excepcionalmente, a lei autoriza que a habilitação para o casamento seja efetivada pelos nubentes após a realização da celebração do ato religioso. Nessa hipótese, a validade do casamento ficará condicionada ao registro posterior, mediante a comprovação da capacitação dos nubentes para o casamento.

O § Iº do presente artigo trata do casamento religioso com habilitação prévia. Estabelece o legislador o prazo decadencial de noventa dias para que seja feito o registro civil do casamento religioso, período esse superior àquele fixado pela Lei de Registros Públicos (art. 73). Decorrido esse prazo, que é contado a partir da data da celebração, o registro do casamento religioso dependerá de nova habilitação, permanecendo válida, contudo, a celebração religiosa já efetivada. O prazo da comunicação ao registro civil é para o celebrante ou para qualquer interessado. A morte de um dos cônjuges não impedirá o registro civil do casamento religioso realizado validamente, quando o pedido de registro for encaminhado dentro do prazo estabelecido pela lei.

O §2° do artigo trata do casamento religioso com habilitação posterior. Não estabelece a lei prazo para que seja inscrito no registro civil o casamento religioso, o que poderá ser feito a qualquer tempo, desde que seja efetivada pelos nubentes a habilitação perante a autoridade competente. Os efeitos do casamento religioso retroagirão, em qualquer dos casos, à data da celebração, como estabelece o art. 1.515, parte final.

Será considerado nulo, por força do que dispõe o §3° deste artigo, o registro do casamento civil realizado por qualquer dos cônjuges exatamente no período que intermedeia a data da celebração e do registro do casamento religioso. Igualmente será nulo o registro civil do casamento religioso quando já registrado anteriormente o casamento civil de algum dos cônjuges. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.623-24.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 17/02/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Buscando o histórico, tal era a redação original do dispositivo constante do projeto: “O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o do civil. § lº O registro civil do casamento religioso deverá ser feito logo após a celebração, por comunicação do celebrante ao oficial do registro civil, quando os consorciados se houverem habilitado para o casamento, nos termos do Capítulo V deste Livro, e pelos consorciados; e, a qualquer tempo, se assim o requerer, qualquer interessado. § 2º Será ineficaz o registro civil do casamento religioso, se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem matrimônio civil. § 3º O casamento religioso, celebrado sem a observância das exigências da lei civil, só produz efeitos civis se, a requerimento do casal, for inscrito no registro publico , mediante prévia habilitação perante a autoridade competente”. Durante a tramitação no Senado Federal o dispositivo ganhou a seguinte redação: “O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil. § lº O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido nos noventa dias após a sua realização, mediante comunicação do celebrante ao oficio competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido julgada previamente a habilitação regulada neste Código. § 2º O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for inscrito, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do CC 1.531. § 3º Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos cônjuges houver contraído com outrem casamento civil”. Retomando o projeto à Câmara, houve nova alteração, procedida pelo Deputado Ricardo Fiuza e que restou aprovada em definitivo, dando origem ao texto atual. Segundo justificativa do Senador Nélson Carneiro, quando fez a primeira modificação neste artigo, “somente na hipótese do § lº, o registro poderá ser requerido por qualquer interessado, já que houve habilitação prévia. Mas é necessário fixar um prazo máximo para essa providência, tanto mais quando a habilitação civil tem eficácia apenas em três meses. A redação dos §§ lº e 2º reproduziu, em parte, os textos constitucionais de 1946 e 1969”. Havia, todavia, necessidade de aprimoramento técnico no novo texto proposto, assim considerando: a) no § 2º, impôs-se a substituição do termo ‘julgada” Por “homologada”, uma vez que a habilitação não está sujeita a sentença judicial; b) no § 3º foi necessária a substituição da expressão “cônjuges” por “consorciados”, já que diante de nulidade do casamento não pode ser utilizada a primeira expressão.

Concluindo o capítulo em sua doutrina, Ricardo Fiuza aponta a distinção entre o regramento do casamento religioso com efeitos civis que constava da Lei n. 6.015/73 (arts. 71 a 75) e a regulamentação do novo Código, conforme o Art. 1.516, reside no prazo para a realização do registro do casamento religioso, com prévia habilitação, que era de trinta dias e passou a ser de noventa dias. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 765-66, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 17/02/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).