terça-feira, 23 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.584 Da Proteção da Pessoa dos Filhos - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.584

Da Proteção da Pessoa dos Filhos - VARGAS, Paulo S. R.

-  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Capítulo XI – Da Proteção da Pessoa dos Filhos

– (Art. 1.583 a 1.590) - digitadorvargas@outlook.com  

- vargasdigitador.blogspot.com - fb.me/DireitoVargas – m.me/DireitoVargas

 Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). 

§ 1º. Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 2º. Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. (Redação da  pela Lei nº 13.058, de 2014).

§ 3º. Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe. (Redação da  pela Lei nº 13.058, de 2014).

§ 4º. A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor. (Redação da  pela Lei nº 13.058, de 2014).

§ 5º. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferencia, o grau de parentesco e a relações de afinidade e afetividade. (Redação da  pela Lei nº 13.058, de 2014).

§ 6º. Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação. (Redação da  pela Lei nº 13.058, de 2014).

Da mesma forma que apontou-se alterações nos comentários de Milton Paulo de Carvalho Filho, feito antes das modificações pelas Leis n. 11.698/2008 que alteraram consubstancialmente o artigo, que passou a regular a guarda unilateral e a compartilhada, introduzindo, pela primeira vez, previsão sobre esta no direito brasileiro; a Lei n. 13.058/2014, alterou os §§ 2º e 3º e incluiu o § 5º com o escopo de dar preferência à adoção da guarda compartilhada. Então, antes das reformas, o artigo em comento se apresentava dessa forma:

Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: Caput com redação dada pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

I - requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; Inciso acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

II - decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. Inciso acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ I° Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ 3º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ 4º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008. 

§ 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

Segundo parecer de Milton Paulo de Carvalho Filho, Como ressaltado no comentário do artigo anterior, a lei visou a assegurar o interesse dos filhos na questão relativa à sua guarda. O artigo trata da guarda dos filhos quando esta tiver de ser definida em ações consensuais e litigiosas. Possui regras de natureza material e processual. O dispositivo legal, assim como o anterior, afasta qualquer relação entre eventual culpa de um dos cônjuges pela dissolução da sociedade e a guarda dos filhos comuns, deixando claro que a guarda deverá ser compartilhada entre os pais, pois é a que mais atende os interesses dos filhos, ou ser atribuída àquele que revelar melhores condições - condição pessoal do guardião: capacidade material e moral para assistência e educação dos filhos - para exercê-la, considerando aqui também sempre prevalente o maior interesse da criança.

A guarda unilateral ou compartilhada pode ser requerida de comum acordo pelos pais, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar (inciso I). Nesta última hipótese, a ação cautelar de guarda terá por fim assegurar o resultado útil do processo principal, onde ela será decidida de forma definitiva, e se revestirá dos requisitos do fumus boni juris (demonstração do direito à guarda, decorrente, por exemplo, do poder familiar) e do periculum in mora (situação de risco de dano ao menor em caso de não concessão imediata da medida). Há, no entanto, necessidade de que o juiz aja com especial cautela na apreciação do pedido, uma vez que constantes modificações quanto à guarda provisória poderão prejudicar os interesses do menor. 

Não havendo consenso entre os pais sobre a guarda dos filhos, será aplicada pelo juiz, sempre que possível - à vista das circunstâncias do caso concreto - a guarda compartilhada (§ 2º), competindo a ele informar ao pai e à mãe o significado dessa modalidade de guarda, sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas (§ Iº). Como afirmado no artigo anterior, o legislador instituiu a preferência pela guarda compartilhada, que somente deve ser afastada quando o melhor interesse dos filhos recomendar a guarda unilateral, tornando esta subsidiária em relação àquela. Paulo Lobo ensina que a guarda compartilhada tem as seguintes vantagens: “prioriza o melhor interesse dos filhos e da família, prioriza o poder familiar em sua extensão e a igualdade dos gêneros no exercício da parentalidade, bem como a diferenciação de suas funções, não ficando um dos pais como mero coadjuvante, e privilegia a continuidade das relações da criança com seus dois pais. Respeita a família enquanto sistema, maior do que a soma das partes, que não se dissolve, mas se transforma, devendo continuar sua finalidade de cuidado, proteção e amparo dos menores. Diminui, preventivamente, as disputas passionais pelos filhos, remetendo, no caso de litígio, o conflito conjugal para o âmbito original, que é o das relações entre os adultos. As relações de solidariedade e do exercício complementar das funções, por meio da cooperação, são fortalecidas a despeito da crise conjugal que o casal atravesse no processo de separação” (RBDFS 6/33, Magister).

Decidindo a guarda e considerando os interesses do menor, o juiz atentará para as necessidades específicas dele, e para a satisfatória distribuição de tempo necessário para que ele conviva com o pai e com a mãe (inciso II). Quanto à guarda compartilhada, a lei ainda dispõe que o juiz poderá valer-se de orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar (laudos elaborados pela equipe psicossocial do Poder Judiciário) para, convencendo os pais e superando seus conflitos, definir as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência (§ 3º). 

O descumprimento imotivado do deliberado pelo juiz importará restrições, quanto à guarda, ao desobediente (§ 4º). Esta sanção civil estabelecida pelo legislador contraria o princípio do melhor interesse do menor, podendo ampliar a alienação parental, no caso da guarda unilateral, ou comprometer a guarda compartilhada. Daí concluir com acerto o jurista anteriormente citado que a regra deve se restringir “à violação da cláusula de guarda, quando o genitor, sem justificativa razoável e de modo arbitrário, retiver o filho reiteradamente além de seu período de convivência, prejudicando o direito de convivência do outro. Ocorrências isoladas não devem ser consideradas, para que a justiça não se converta em arena de reabertura de conflitos. Em contrapartida, se o genitor reduzir o período de convivência, reiteradamente e sem motivo justificável, incorre em inadimplemento do dever jurídico correspondente, respondendo por danos morais” (LOBO, Paulo. Ob. cit., p. 25).

Sendo desaconselhável a permanência dos filhos em companhia de qualquer dos genitores, autoriza o disposto no § 5º do artigo em comento que o juiz confira a guarda a terceiro. O novo guardião, de notória idoneidade, deverá revelar compatibilidade com a função. Será escolhido pelo juiz, que levará em conta o seu grau de parentesco e a relação de afinidade e afetividade com os menores, consoante determina a lei especial (ECA, arts. 28 e ss.). O encargo, excepcionalmente, poderá recair sobre um terceiro não parente do menor. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.731-33.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 23/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Baseou-se em fonte mais recente os comentários de Marco Túlio de Carvalho Rocha. Direito anterior: O art. 326 do Código Civil de 1916 estabelecia que os filhos menores ficassem com o cônjuge inocente no desquite judicial; art. 10 da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio). Na redação original do Código Civil, o dispositivo determinava que a guarda dos filhos menores coubesse a quem tivesse melhores condições para exercê-la; a Lei n. 11.698/2008 alterou o artigo, que passou a regular o modo de determinação da guarda unilateral ou compartilhada; a lei n. 13.058/2014, alterou os §§ 2º, 3º, 4º e 5º e incluiu o § 6º com o escopo de dar preferência à adoção da guarda compartilhada. Quanto às referências normativas: Maior interesse da criança: art. 227 da Constituição da República; parentalidade responsável: art. 227, § 7º, da CEF; igualdade entre homens e mulheres: art. 5º da CEF; direito de visitas: CC 1.589; direito de ter o filho em sua companhia: CC 1.632; art. 33 a 35 da Lei n. 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente); alienação parental: Lei n. 12.318/10.

1. Critérios para a fixação da guarda. O dispositivo estabelece o modo de se determinar a guarda dos filhos. A matéria encontra-se totalmente sob a incidência do princípio do maior interesse da criança, positivado pelo art. 227 da Constituição da República, que manda que se assegurem à criança e ao adolescente com absoluta prioridade o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Foi nesse sentido que o Código Civil de 2002 estabeleceu, na sua redação original, que a guarda deveria ser atribuída “a quem revelar melhores condições para exercê-la”.

A Lei n. 11.698/2008 alterou o artigo de modo a evidenciar a possibilidade de adoção da guarda compartilhada mediante acordo entre as partes ou por determinação judicial.

A Lei n. 13.058/2014 usou didaticamente a primazia que possui para concretizar preceitos constitucionais e indicou a guarda compartilhada como o modelo que corresponde ao maior interesse da criança. A primazia da lei, no caso, serve como propedêutica ao aplicador do direito. Não recusa amplitude ao princípio fundamental constitucional, mas propõe ao aplicador um procedimento de escolha conforme o estado atual da ciência. Nisto reside a constitucionalidade da indicação legal das espécies de guarda, que operacionalizou o princípio do maior interesse da criança e do adolescente e não o negou. Neste mesmo sentido é a lição de Waldyr Grisard Filho:

“Com o refinamento teórico que lhe é próprio, Carlos Eduardo Pianovski Ruzik assevera que a nova lei adota como premissa abstrata que a guarda compartilhada representa o melhor interesse da criança. Ou seja, o próprio legislador realizou a ponderação entre os modelos de guarda, sopeando suas vantagens e desvantagens, e ao final concluiu que a priori a guarda compartilhada é o modelo com maior aptidão para atender aos interesses dos filhos. Feita essa ponderação em âmbito legislativo, cumpre aos magistrados recebe-la e aplica-la, independentemente de suas concepções pessoais. A guarda compartilhada torna-se assim aprioristicamente obrigatória, justamente por representar o melhor interesse da criança ou do adolescente. Ao revés do que se tem pregado sobre a possível inconstitucionalidade da regra por não atender ao interesse dos filhos, em verdade a regra densifica tal princípio ao impor sua observância aos pais, mesmo que para tanto sejam forçados a um mínimo de diálogo com o outro genitor (Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 8. Ed. São Paulo: RT, 2016, p. 224).”

O art. 2º do Código de Processo Civil consagra o princípio do dispositivo, que impede ao juiz a iniciativa processual. Seguindo esse princípio, os incisos I e II do CC 1.584 subordinam a regulação da guarda à existência de pedido das partes, mediante proposta de acordo ou processo litigioso. o pedido, consensual ou litigioso, obriga o juiz a buscar o maior interesse da criança ou adolescente nos termos da lei. Vale dizer: se as partes requererem o estabelecimento da guarda unilateral, o juiz deverá deferi-la nos termos do acordo, salvo se o genitor que a pretende não for apto ao exercício do poder familiar, hipótese em que outra solução poderá ser estabelecida; se as partes formularem pedido de guarda compartilhada, o juiz somente poderá negá-la com base em alguma das hipóteses previstas o § 2º do CC 1,584.

2. O caráter preferencial da guarda compartilhada. O § 2º do CC 1.584 estabeleceu uma presunção relativa de aplicabilidade da guarda compartilhada. A preferencia por ela visa a evitar os efeitos negativos frequentemente relacionados à guarda unilateral: a síndrome da alienação parental e o abandono afetivo.

O mesmo parágrafo sintetizou as três situações em que a guarda compartilhada não deve ser adotada:

a) quando houver acordo para o estabelecimento da guarda unilateral;

b) quando um dos genitores declarar que não deseja a guarda do menor; 

c) quando um dos genitores não for apto ao exercício do poder familiar.

A ausência de aptidão deve ser relacionar à prova de que o genitor não é capaz de assegurar o bem-estar do filho, seja por negligenciar os cuidados de que ele necessita, por agir com violência, submeter o menor a situações de isco para sua saúde física ou mental, ou cometer atos que configurem alienação parental, entre outros exemplo. Dificuldades financeiras e carência de recursos materiais somente são empecilho para o exercício da guarda se forem tais que ponham em risco a condição do menor e não exista a possibilidade de serem supridas mediante a fixação de alimentos.

Resta claro que não é mais necessário o acordo dos pais quanto ao exercício da guarda compartilhada. Ela pode ser decretada mesmo se for objeto de litígio ou se as partes litigarem quanto a qualquer outro direito. Tampouco é motivo para não se adotar o modelo o fato de as partes terem domicilio em municípios, estados ou mesmo países distantes. A esse respeito vale lembrar que o compartilhamento tem a função ideológica de incentivar o convívio do filho com o pai e com a mãe e que busca esse resultado por diversos mecanismos que vão além do convívio efetivo permanente com ambos. Além disso, se os pais forem domiciliados em locais distantes e não forem capazes de realizar acordo para o exercício da guarda compartilhada, pode o juiz estabelecer a residência habitual do filho, optando por maior tempo de convívio durante as férias e feriados ao genitor impedido de conviver com o filho nos demais períodos, em busca do equilíbrio possível.

Na falta, portanto, de restrições sérias contra um ou contra ambos os pais devidamente provadas a guarda compartilhada deve prevalecer.

3. Critérios de fixação do modo de exercício da guarda compartilhada. Como visto no número anterior, o § 2º do CC 1.584 estabelece critérios de escolha entre a guarda unilateral e a compartilhada. Uma vez que o caso deva ser submetido a esta, outras importantes opções devem ser tomadas, pois essa modalidade de guarda comporta muitas variações relativamente as atribuições dos pais, aos respectivos período de convivência e ao estabelecimento de uma residência habitual ou de referência para o menor.

Ao regular a guarda compartilhada, pela primeira vez a lei permitiu ao juiz, de ofício ou a requerimento das partes, fixar-lhes atribuições distintas. Na guarda unilateral, cabe precipuamente ao guardião decidir os assuntos de interesse do menor, restando ao não guardião o direito e dever de fiscalização. o CC 1.634 elenca as funções do poder familiar que permitem inferir as atribuições dos pais. Inúmeros são os arranjos dessas atribuições que podem ser estabelecidos no compartilhamento da guarda. O modo mais frequente é a omissão quanto a elas. Se não as regularem, ambos os pais mantêm poderes para realizar sozinhos todos os atos de interesse dos filhos à exceção daqueles para os quais a lei exige o consentimento de ambos os detentores do poder familiar. A decisão pode prever que a um dos pais toque o direito de escolha do estabelecimento de ensino em que o filho será matriculado, que o filho não seja matriculado em determinada escola, que frequente ou não determinada igreja, indicar a quem incumbirá o transporte do filho, autorizar genericamente que ele viaje ao exterior em companhia de apenas um dos pais com a dispensa da autorização específica para cada viagem, anuir genericamente quanto à mudança de residência do filho para outro município. Conferir a um dos pais o direito de administrar determinados bens do filho, obrigar que os genitores mantenham determinados serviços à disposição do filho enquanto este permanecer em sua companhia etc.

A decisão pode ou não regular os períodos de convívio do filho com os pais e, se o fizer, pode ou não estabelecer uma residência habitual ou de referencia. A não fixação é própria de situações amigáveis, consensuais. O litígio faz pressupor a necessidade de fixação judicial de situações amigáveis, consensuais. O litígio faz pressupor a necessidade de fixação judicial dos períodos de convívio e da residência habitual. 

A fixação das atribuições e do tempo de convívio de cada genitor com o filho segue o princípio do maior interesse da criança e do adolescente com a orientação legal de se buscar “divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe”. A doutrina e a jurisprudência estrangeiras consideram equilibrada a divisão que garante aos pais um tempo de convívio mínimo equivalente a 35% do tempo total de convívio do filho. Para tanto, é natural que a compensação inclua um maior período de convívio nos períodos de férias, em fins de semana e em feriados a um dos guardiães.

Os Enunciados n. 603 e 604 da VII Jornada de direito Civil do Conselho da Justiça Federal alertam que o equilíbrio da divisão do tempo não significa igualdade de tempo nem guarda alternada.

Outros parâmetros são (MADALENO, Rafael; MADALENO, Rolf. Guarda compartilhada: física e jurídica. 2. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 236-242): a) Idade: criança em tenra idade, até o início da atividade escolar, deve ficar por mais tempo com a mãe; b) Estado de saúde dos filhos; c) Irmãos de idade próxima devem ser mantidos unidos; d) Opinião dos filhos; e) Idoneidade da conduta dos pais; f) disponibilidade de tempo dos pais (cf. Enunciado n. 606 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal).

4. descumprimento de cláusulas relativas à guarda. O compartilhamento da guarda foi idealizado como forma de incentivo do contato do filho com ambos os pais, de modo a evitar danos que frequentemente decorrem da separação: a síndrome de alienação parental (SAP) e o abandono afetivo. 

A crítica ao instituto decorre, em sua maior parte, da incompreensão a respeito de seu funcionamento e do esquecimento das sanções que o garantem. O sistema tradicional, fundado na guarda unilateral, incentiva as partes ao litígio, pois estabelece a guarda como um prêmio àquela cuja honra resta menos abalada ao fim do processo. Visando à obtenção da guarda, as partes são induzidas a se atacar mutuamente. Por isso, a guarda unilateral é fonte de litígio, de beligerância, de conflitos e incompreensões. O entendimento doutrinário e jurisprudencial de somente estabelecer a guarda compartilhada na presença de consenso entre as partes é um incentivo ainda maior ao litígio, que passa a interessar sobremaneira a quem tem as maiores chances de obter a guarda unilateral. 

O arcabouço normativo da guarda compartilhada vai no sentido oposto: incentiva o compartilhamento conferindo aos interessados instrumentos jurídicos necessários à sua implementação tais como a possibilidade de divisão de atribuições e de realização de um plano de convivência, o uso da mediação, os conceitos de períodos de convívio, de residência habitual, entre outros. Além disso, estabelece sanções para o genitor que infringe as regras da guarda, ao cometer alienação parental ou abandono afetivo. 

A lei n. 12.318/2010 coíbe a alienação parental, caracterizada como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente ou outros atos que visem ao repúdio do pai ou da mãe, tais como: desqualificar a conduta do genitor; dificultar o exercício da autoridade parental; dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; omitir informações relevantes sobre o filho, inclusive alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra o genitor ou seus familiares para obstar ou dificultar o convívio deles com os filhos.

Conforme o artigo 6º  da Lei 12.318/2010, o alienador fica sujeito a advertência, multa, submissão a acompanhamento psicológico ou biopsicossocial, alteração da guarda, determinação do domicilio do menor, suspensão da autoridade parental.

O § 4º do CC 1.584, com a redação que lhe deu a Lei n. 13.058/2014, ao prever que o descumprimento de deveres da guarda pode implicar a redução de prerrogativas de seu detentor fixou norma geral que incide sobre atos que configuram alienação parental ou abandono afetivo. 

Desse modo, a lei considera os efeitos práticos das sanções que ela própria estabelece e, ao fixar como padrão o compartilhamento da guarda, penaliza quem age no sentido de corromper os vínculos entre pais e filhos ao invés de premiá-lo como ocorre frequentemente quando se dá preferência à guarda unilateral. Com sabedoria salomônica, a lei incentiva as partes a compartilhar a guarda dos filhos sob pena de perde-la:

27 Respondeu, então, o rei: Dai à primeira o menino vivo, e de modo nenhum o mateis, ela é sua mãe.

28 E todo o Israel ouviu a sentença que o rei proferira, e temeu ao rei; porque viu que havia nele a sabedoria de Deus para fazer justiça.” (1 Reis 3,27-28). 

5. Inaptidão dos pais para o exercício da guarda. O critério para a fixação da guarda é sempre o do maior interesse da criança. Na concretização deste princípio, o legislador estabeleceu que a espécie de guarda que melhor o atende é a guarda compartilhada, quando os pais não coabitem. A guarda de filhos de pais separados somente não será compartilhada:  a) quando houver acordo para o estabelecimento da guarda unilateral; b) quando um dos genitores declarar que não deseja a guardo do menor; c) quando um dos genitores não for apto ao exercício do poder familiar.

Essas situações pressupõem que um dos genitores seja capaz de exercer a guarda. Se nenhum dos genitores for apto ao exercício da guarda, permite o § 5º que ela seja deferida a terceiros. Entre os terceiros, a lei estabelece preferência aos parentes, devendo-se levar em conta, igualmente, o grau de parentesco, a afinidade e a afetividade entre o postulante da guarda e o menor.

6. Dever de fiscalização da guarda unilateral. A destituição da guarda não priva qualquer dos pais do poder familiar, cujo exercício engloba o atributo de fiscalização das atividade do filho. O § 6º evidencia o dever de terceiros de prestar informações aos pais, sob pena de pagamento de multa nos limites estabelecidos. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.584, acessado em 23.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 22 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.583 Da Proteção da Pessoa dos Filhos - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.583

Da Proteção da Pessoa dos Filhos - VARGAS, Paulo S. R.

-  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Capítulo XI – Da Proteção da Pessoa dos Filhos

– (Art. 1.583 a 1.590) - digitadorvargas@outlook.com  

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 Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. Caput com redação dada pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ Iº Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (CC 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ 2º Na guarda unilateral compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos: (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).

I – (Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).

II - (Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).

III - (Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).

§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos  (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014).

§ 4º (VETADO).  Incluído pela Lei n. 11.698, de 2008). 

§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos (Revogado) (Redação dada pela Lei n. 13.058, de 2.014). 

Este comentário de Milton Paulo de Carvalho Filho, feito antes das modificações feitas pelas Leis n. 11.698/2008 que alteraram consubstancialmente o artigo, que passou a regular a guarda unilateral e a compartilhada, introduzindo, pela primeira vez, previsão sobre esta no direito brasileiro; a Lei n. 13.058/2014, alterou os §§ 2º e 3º e incluiu o § 5º com o escopo de dar preferência à adoção da guarda compartilhada. Então, antes das reformas, o artigo em comento se apresentava dessa forma:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. Caput com redação dada pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ Iº Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008. 

§ 2º A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:

I - afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; Inciso acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

II - saúde e segurança; Inciso acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

III - educação. Inciso acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008.

§ 3º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos. Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.698, de 13.06.2008. 

A visão de Milton Paulo de Carvalho Filho, antes das novidades era essa: Por ocasião da separação, do divórcio, da anulação de casamento e da dissolução da união estável, o casal poderá acordar sobre a guarda de seus filhos e disciplinar as visitas a eles. Caso assim não procedam, a decisão competirá ao juiz do processo. Em ambas as hipóteses, sempre se decidirá tendo-se em vista os interesses dos menores, podendo, por esta razão, ser modificada a decisão a qualquer tempo, desde que a ocorrência de fato relevante e grave a justifique. Esta guarda não se confunde com aquela do ECA, destinada a colocação dos menores em família substituta, pressupondo a perda do poder familiar dos pais. Por força dos requisitos exigidos pelo disposto no art. 1.124-A do CPC/1973, a norma contida no artigo ora comentado só se aplica à separação e ao divórcio consensuais judiciais e não aos extrajudiciais.

A guarda poderá ser unilateral (materna, paterna ou de terceiro) ou conjunta ( compartilhada) (§ Iº). A guarda unilateral é exercida com exclusividade por um dos pais - aquele que revele melhores condições para exercê-la (§2°) (segundo o Enunciado n. 102 do Conselho da Justiça Federal a expressão “melhores condições” no exercício da guarda, significa atender ao melhor interesse da criança), e que mais aptidão tenha para propiciar aos filhos afeto nas relações com ele e com o grupo familiar, saúde, segurança e educação (incisos I a III) - ou por terceiro (veja comentário do § 5º do art. 1.584 desta Lei). Na atribuição do exercício da guarda deve-se ter em vista o equilíbrio entre dois elementos da mesma equação: as necessidades dos filhos e as possibilidades (objetivas e subjetivas) dos pais (veja FACHIN , Luiz Edson. Código Civil comentado - direito de família. São Paulo, Atlas, 2003, v. XV ). Nessa modalidade de guarda, a lei obriga o pai ou a mãe que não a detenha de supervisionar os interesses dos filhos (§ 3º). A supervisão diz respeito a tudo o que envolve as necessidades vitais do filho, como nutrição adequada, cuidados com a saúde física e mental, lazer, brinquedos. A fiscalização abrange não apenas o efetivo emprego dos valores correspondentes aos alimentos, cuja obrigação assumiu o não guardião, mas o que compete ao guardião, de acordo com os rendimentos deste (cf. LOBO, Paulo, RBDFS 6/30, Magister) (v. c/c o CC 1.589, a seguir, e sua jurisprudência relativa à prestação de contas sobre os alimentos administrados pelo guardião).

Na guarda conjunta, ambos os pais participam da convivência, da educação e dos demais deveres inerentes ao poder parental (veja SILVA , Regina Beatriz Tavares da. Novo Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2002). Haverá, portanto, a responsabilização conjunta, bem como o exercício de direitos e deveres dos pais, concernentes ao poder familiar dos filhos. Essa guarda é a mais recomendada para os casos em que os pais tenham moradias próximas - e que, portanto, não vivam sob o mesmo teto -, compreensão e diálogo. Na guarda compartilhada os pais têm responsabilidade conjunta na tomada das decisões e igual responsabilidade legal sobre os filhos. Ambos têm a guarda jurídica, apesar de um deles ter a guarda material. Há presença física da criança no lar de um dos genitores, tendo o outro o direito de visitá-la periodicamente, mas a responsabilidade legal sobre o filho e pela sua educação deve ser bilateral, ou seja, do pai e da mãe. O poder familiar é exercido por ambos, que tomarão conjuntamente as decisões do dia a dia. A guarda conjunta é, na verdade, o exercício comum do poder familiar. Desaparece o casal conjugal e surge o casal parental, que decidirá sobre os estudos, a educação religiosa, as férias, as viagens, o lazer e as práticas desportivas da prole (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil - direito de família. São Paulo, Saraiva, 2002). 

A lei recomenda que, em não havendo acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, seja aplicada pelo juiz, sempre que possível - portanto, diante das peculiaridades do caso concreto e sempre considerando o interesse do menor - a guarda compartilhada (cf. § 2º do CC 1.584). Como se vê, o legislador instituiu a preferência pela guarda compartilhada, que somente deve ser afastada quando o melhor interesse dos filhos recomendar a guarda unilateral (v. c/c o artigo seguinte).

A guarda compartilhada, que agora passou a ter previsão legal, já era admitida pela doutrina e pela jurisprudência na preservação dos interesses dos filhos. No Enunciado n. 101 da I Jornada de Direito Civil, ficou assentado, ainda sob a égide da redação anterior do artigo, que: “sem prejuízos dos deveres que compõem a esfera do poder familiar, a expressão ‘guarda dos filhos’, à luz do CC 1.583, pode compreender tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada em entendimento ao princípio do melhor interesse da criança”. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.727-29.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 22/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD). 

Em Material consultado junto aos comentários de Marco Túlio de Carvalho Rocha: Direito anterior: Na redação original do Código Civil, o dispositivo consagrava o direito de os pais decidirem sobre a guarda dos filhos quando a separação ou o divórcio fossem consensuais; a Lei n. 11.698/2008 alterou o artigo, que passou a regular a guarda unilateral e a compartilhada, introduzindo, pela primeira vez, previsão sobre esta no direito brasileiro; a Lei n. 13.058/2014, alterou os §§ 2º e 3º e incluiu o § 5º com o escopo de dar preferência à adoção da guarda compartilhada.

Referências normativas: Maior interesse da criança: art. 227 da Constituição da República; parentalidade responsável: art. 227, § 7º, da CF; igualdade entre homens e mulheres: art. 5º, inciso I da CF; igualdade dos cônjuges: art. 226, § 5º da CF; poder familiar após o divórcio: CC 1.579; poder familiar independente do estado civil dos pais: CC 1.634; poder familiar após novas núpcias: CC 1.636; direito de visitas: CC 1.589; direito de ter o filho em sua companhia: CC 1.632; arts. 33 a 35 da Lei n. 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente); alienação parental: Lei n. 12.138/10; ação de exigir contas: arts. 550 a 552 do Código de Processo Civil.

1. Da proteção da pessoa dos filhos. O título do capítulo é uma reminiscência do que dispunha o Código Civil de 1916 a respeito da guarda dos filhos em decorrência do desquite (separação judicial). Uma vez que a situação dos filhos em relação aos pais não mais depende do estado civil destes, correto seria que todas as disposições sobre guarda fossem reunidas no capítulo relativo ao poder familiar (CC 1.630 a 1.638), pois a guarda dos filhos dele decorre.

2. Espécies de guarda. Guarda é a função i.é, um conjunto de direitos e deveres, que a lei atribui a uma pessoa capaz para zelar pelos interesses de um incapaz. A guarda dos filhos pelos pais decorre do poder familiar.

Todas as possíveis combinações do exercício da guarda de filhos relativamente aos pais ou a alguém que os substitua foram classificadas pelo CC 1.583, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.998/2008, em duas espécies: a guarda unilateral e a compartilhada. A guarda compartilhada, em contraposição à unilateral, deveria ser a que tem por titular mais de uma pessoa. O § 2º ressalvou, no entanto, que nessa espécie de guarda os guardiães não vivem sob o mesmo teto. Desse modo, extraem-se a partir deste dispositivo não duas, mas três espécies de guarda, conforme a situação jurídica de seus titulares:

a) Unilateral (guarda dividida, sole custody): guarda exercida por apenas um dos pais ou por terceiro que os substitua (§ 1º); 

b) Compartilhada (joint Custody): guarda atribuída simultaneamente a mais de uma pessoa, que habitem em locais distintos (§ 1º, in fine); 

c) Conjunta: guarda exercida por pais que coabitam (CC 1,634, II). 

Assim, segundo a classificação legal adotada pelo Código Civil, é espécie de guarda compartilhada a guarda alternada (divided custody), i.é, a atribuída a pessoas domiciliadas em locais distintos, e que tem o filho menor, separadamente, por períodos iguais alternados. 

No common law, há dois tipos de guarda compartilhada: a) Legal ou jurídica; b) Física,

A guarda compartilhada jurídica atribui a ambos os pais separados a responsabilidade pelos direitos e deveres decorrente do poder familiar. A manutenção dos direitos e deveres decorrentes d poder familiar em caso de divórcio (CC 1.579) ou de novas núpcias do titular do poder familiar (CC 1.636) é da tradição do direito brasileiro. Vale dizer, no Brasil, os direitos e deveres inerentes ao poder familiar decorrem deste e pouco são tocados com a alteração da guarda. Com a vênia dos autores de uma das melhores monografias sobre o tema (MADALENO, Rafael; MADALENO, Rolf. Guarda compartilhada: física e jurídica. 2.ed. São Paulo: RT, 2016, p. 173 e ss.), que sustentam posição contrária, ao instituir a guarda compartilhada, a Lei n. 11.698/2008 não criou a guarda compartilhada jurídica, pois o compartilhamento da responsabilidade parental sempre existiu na ordem jurídica pátria.

A guarda compartilhada física, diferentemente, é a delineada pela divisão equilibrada do tempo de convívio dos pais com os filhos, conforme prescreve o § 2º do CC 1.583. Foi ela o objeto de ambas as lei especiais que alteraram o dispositivo ora comentado. 

3. Da guarda compartilhada. Na Inglaterra, até o século XIX, o pai tinha direito de propriedade sobre os filhos menores. A Revolução Industrial provocou profundas alterações no modo de organização das famílias: o distanciamento entre os locais de trabalho e de residência, a especialização das funções familiares; o reconhecimento do papel da mulher na sociedade e de sua importância no desenvolvimento da criança. Tais fatores levaram os tribunais ingleses a consagrar o princípio do best intesrest of child e a dar preferencia às mães na atribuição da guarda dos filhos menores em caso de separação (FOLBERG, jay, Custody & shared parenting, 2. ed. New York: The Guilford Press, 1991, p. e). 

A guarda compartilhada (joint custody, shared parenting, joint parenting, co-custody, concurrent custody, shared custody, co-parenting) foi também uma criação jurisprudencial que resultou do princípio da igualdade entre homem e mulher. Na segunda metade do século XX, o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho implicou maior participação dos homens nos cuidados dos filhos e o consequente abrandamento da presunção de que conferir a guarda à mãe significa maior continuidade e estabilidade para os filhos. Estudo enfatizaram a importância da presença da figura paterna para o desenvolvimento da criança. Segundo EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE, os tribunais ingleses pretenderam alcançar o equilíbrio, inicialmente, com a atribuição ao pai de parte dos poderes que até então eram concentrados na mãe titular da guarda: Como a guarda confere ao seu titular poderes muito amplos sobre a pessoa do filho, a perda deste direito do pai se revelou injusta e os Tribunais procuraram minorar os efeitos de não atribuição, através, da split order (i.é, guarda compartilhada) que nada mais é, senão, um fracionamento do exercício do direito de guarda entre ambos os genitores. Enquanto a mãe se encarrega dos cuidados cotidianos da criança, care and control (i.é, “cuidado e controle”), ao pai retorna o poder de dirigir a vida do menor, custody (custódia). (Famílias monoparentais, 2. Ed., São Paulo: RT, 2003, p. 265).

Segundo o mesmo autor a guarda compartilhada foi determinada pela primeira vez, de forma inequívoca, no julgamento do Caso Clissold, em 1964, e foi adotada como padrão pela Court d’Appel, no julgamento do Caso Dipper v. Dipper, em 1980 (Op. cit., loc. cit).

Nos Estados Unidos, uma lei da Carolina do Norte de 1957 autorizou a guarda compartilhada após o divórcio mediante a demonstração de que ela atenderia ao maior interesse da criança. Mais de 40 Estados norte-americanos regulamentaram o instituto. Na França, depois de ser adotada jurisprudencialmente, a guar compartilhada (autorité parentale conointe) foi regulada pela Lei n. 87.570 (Lei Malhuret), de 1987, e pela Lei n. 2002-305, de 4 de março de 2002, que modificaram os arts. 373 e ss, do Código Civil, tornando-a padrão. No direito alemão, a redação original do Código Civil (BGB) estabelecia que em caso de divórcio a guarda fosse atribuída ao cônjuge que não houvesse sido responsabilizado por ele (§ 1.635); após as reformas de 1980 e de 1997, a separação conjugal não mais implica alteração da responsabilidade parental (Elterliche Sorge). Nos termos do § 1.671 do BGB, um dos pais somente pode excluir a responsabilidade parental do outro se houver mútuo consentimento, ressalvado ao filho maior de 14 anos o direito de manifestar discordância e impedir o acordo. Também pode haver a exclusão da responsabilidade parental se se demonstrar que é necessária ao maior interesse da criança (§ 1.671, BGB). Na Itália, o affidamento condiviso foi introduzido pela Lei n. 54, de 2006, que o estabeleceu como padrão para pais separados, e foi modificado pelo Decreto Legislativo n. 154, de 28 de dezembro de 2013, que consolidou as alterações nos artigos 337 bis e ss do Código Civil. Em Portugal, a responsabilidade parental conjunta dos filhos de casais separados foi estabelecida como padrão segundo o art. 1.906º do Código Civil conforme a Lei n. 61/2008.

Como se vê, o legislador brasileiro ao estabelecer com a Lei n. 11.698/2008 a possibilidade de implementação da guarda compartilhada e ao torna-la o padrão a ser adotado preferencialmente segundo o § 2º do CC 1.584, com a redação que lhe deu a Lei n. 13.058/2014, nada mais fez do que acompanhar um amplo movimento da cultura jurídica ocidental. A rápida expansão do modelo o faz ser ainda alvo de resistências. 

4. Argumentos favoráveis e contrários à guarda compartilhada. A guarda de filhos nas separações matrimoniais evoluiu historicamente de forma pendular: após milênios de supremacia patriarcal, seguiu-se a positivação de critérios que favoreceram a atribuição da guarda à mãe, até se chegar à guarda compartilhada, uma tentativa de equilíbrio de participação de pais separados na vida dos filhos.

O psicanalista SÉRGIO EDUARDO NICK sintetizou a crise do modelo tradicional de guarda, que leva ao afastamento de um dos pais:

“Sabemos hoje que as visitas quinzenais típicas dos arranjos jurídicos quanto à guarda frequentemente têm efeito pernicioso sobre o relacionamentos pais-filhos, uma vez que propicia um afastamento grande (tanto no sentido físico, como no emocional), devido a angústias frente aos encontros e separações, levando a um desinteresse defensivo de estabelecer contato com as crianças (Cowan, 1982; Dolto, 1989). A visitação regular é um fator significativo na explicação de padrões de ajustamento escolar positivo nas crianças após o divórcio (Pearson e Thoennes, 1990; Bisnaire, Firestone e Rynard, 1990). (NICK, Sérgio Eduardo. Guarda compartilhada: um novo enfoque no cuidado aos filhos de pais separados ou divorciados. In: A nova família; problemas e perspectivas. Vicente Barretto (org.), Rio de Janeiro; Renovar, 1997, p. 127-168, espec. p. 131)”. 

EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE enumerou estudos que afirmam a importância do compartilhamento da guarda para a preservação dos laços pater-filiais e o equilíbrio emocional dos filhos:

“São Wallerstein e Kelly que afirmam, pela primeira vez, que 2/3 (dois terços) das crianças entrevistadas oriundas de famílias monoparentais, lamentavam a ausência do genitor não-guardião (pai no caso); que existe uma correlação entre o estado depressivo da criança e a ausência de contatos com o pai não-guardião; que a segurança, a confiança e a estabilidade da criança estão diretamente vinculadas à manutenção das relações pais-filhos. (...) Existe evidência em nossas descobertas que, na falta de previsão legal para participar das decisões sobre aspectos importantes da vida dos filhos, muitos pais sem custódia afastaram-see dos filhos com tristeza e frustração. Este afastamento foi sentido pelos filhos como rejeição e sobre eles teve um impacto prejudicial ((WALLERSTEIN, J. S. e KELLY, J. B. Surviving the breakup. How childen and parentes cope with divorce. New York: Basic Books, 1980, p. 311, apud LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais, 2. ed. São Paulo: RT: 2003, p. 279). 

[...]

Folberg e Graham, já haviam acentuado, no seu estudo, o caráter de cooperação provocado pela guarda conjunta. Segundo eles, “o vencedor tem direito a tudo nas decisões da custódia que tendem ao exacerbamento das diferenças paternas e causam disputas previsíveis no após divórcio, como pais tentando obter de volta a custódia (que lhes foi negada) e a última palavra”. E concluem os autores: “A obtenção da custódia conjunta cria motivação para uma maior cooperação porque o rompimento do acordo resultará, provavelmente, na obtenção de uma custódia única ao genitor que não provou o fracasso” (FOLBERG, H.J. e GRAHAM, M. Joint custody of children following divorce, 12v. of. C. Davis 523, 1979, p. 536-551 apud LEITE, Eduardo de Oliveira. Op. cit., p. 281).

No mesmo sentido, a conclusão de Dontigny: “As crianças vivendo uma guarda partilhada (entre o pai e a mãe) manifestam a mais elevada taxa de satisfação, o fato de permanecer em contato com os dois genitores se revelando a grande vantagem desta fórmula, enquanto as crianças vivendo uma guarda exclusiva (só com a mãe, ou só com o pai) se queixam da perda de contato com um ou com o outro de seus genitores” (DONTGNY, D. Parents pour la vie” In: Contact 20, 1988, apud LEITE, Eduardo de Oliveira Leite, op. cit., loc. cit).”

São duas as principais críticas à guarda compartilhada e nenhuma delas se opõe ao instituto como um todo, mas apenas a determinado modo de aplicação ou à sua aplicação em dada circunstância.

A primeira refere-se à insegurança e consequente mal-estar para o filho em razão de constantes alternâncias de domicílios. Esta crítica tem como alvo uma das formas de compartilhamento da guarda que é alternada. A fim de se evitar esse risco, caso os pais não consigam conciliar de outro modo a questão, podem estabelecer uma residência habitual, como se infere do § 3º do CC 1.583, ao prever, expressamente, que o filho terá uma cidade considerada “base de moradia”. Se houver desacordo, o juiz pode fixar a residência habitual e os período de convívio.

A segunda é contra a fixação em caso de litígio entre os pais. ROLF MADALENO afirma que a guarda compartilhada pressupõe consenso:

“Não obstante as Leis 11.698/2008 e 13.058/2014 facultem impor a guarda compartilhada jurídica e física, ainda assim é preciso reconhecer ser de fundamental relevância apurar a boa intenção e o espaço para diálogo dos pais, porque, em contrário, provavelmente uma guarda forçada por decreto judicial terminará ascendendo novos e indesejados conflitos que colocarão a criança e o adolescente no centro de um turbilhão de desentendimentos e no surgimento de subsequentes demandas que levarão à redução das prerrogativas conferidas aos pais, além de submeterem seus filhos a uma indesejada rotina de alternância do domicilio, em um movimento pendular. (MADALENO, Rolf. A lei da guarda compartilhada. In: Guarda compartilhada. Antônio Carlos Mathias Coltro; Mário Luiz Delgado (orgs.). 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 301-316, espec. p. 310).”

Esta crítica é parcial, pois somente recusa o compartilhamento da guarda em situações de litígio. Ela estabelece presunção em desacordo com o § 2º do CC 1.584, que expressamente determina a fixação da guarda compartilhada quando as partes mantêm conflito em relação a ela. O Código Civil, por sua vez, está em consonância com a legislação estrangeira como visto. O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido da adoção preferencial da guarda compartilhada:

1. A instituição da guarda compartilhada de filho não se sujeita à transigência dos genitores ou à existência de naturais desavenças entre cônjuges separados.

2. A guarda compartilhada é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, conforme disposto no CC 1.584, em face da redação estabelecida pelas Leis 11.698/2008 e 13.058/2014, ressalvadas eventuais peculiaridades do caso concreto aptas a inviabilizar a sua implementação, porquanto às partes é concedida a possibilidade de demonstrar a existência de impedimento insuperável ao seu exercício, o que não ocorreu na hipótese dos autos. (STJ, REsp n. 1.591.161-SE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).

A recusa de aplicação do comando legal, em sua literalidade, deflui da dificuldade do intérprete em conceber um bom funcionamento do instituto em litígios o que é inteiramente possível.

5. do exercício da guarda compartilhada. A maior polêmica em relação à guarda compartilhada diz respeito à sua utilização em casos litigiosos. A solução do problema está na própria compreensão do instituto, de sua finalidade e de suas raízes históricas.

A guarda compartilhada surgiu da conjugação dos princípios jurídicos da igualdade de gêneros e do maior interesse da criança, como meio de se evitar ou de se atenuar os danos frequentemente suportados por crianças e adolescentes decorrentes da guarda unilateral: a síndrome da alienação parental (SAP) – identificada por Richard Gardner, em 1985 – e o abandono afetivo.

O compartilhamento da guarda tem a função de assegurar a maior proteção dos interesses dos filhos menores mediante a igualdade entre o pai e a mãe na relação com a prole.

Assim, a guarda compartilhada é inspirada na ideia de se buscar no caso concreto a maximização da igualdade de gêneros visando ao bem-estar da criança e do adolescente. Ao contrário do que afirma a crítica à guarda compartilhada, não é a paz e a ausência de litígio entre as partes que a autorizam, mas a sua instituição que colabora para que esse ideal venha a ser buscado no exercício do poder familiar, como afirmou a Ministra Nancy Andrighi em julgamento que consagrou a preferência que deve ser reconhecida ao instituto:

“1. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 

2. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial.

3. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso.

4. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole.

5. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta.

6. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta – sempre que possível – como sua efetiva expressão. (STJ, Recurso Especial n. 1.428.596-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03.06.2014).” 

Como se vê, a guarda compartilhada surgiu para incentivar a responsabilidade parental e não como um possível fruto da harmonia de partes que vivem separadas. Ela visa a incentivar a colaboração, a cooperação. Quer romper a lógica concorrencial e beligerante que transforma os filhos em prêmio àquele que sofre a menor redução moral durante o processo. É um fomento, um incentivo à concórdia, embora possa existir sem ela.

A própria inovação terminológica colabora para que esse modelo de guarda contribua para a maior efetividade dos princípios da igualdade de gêneros e do maior interesse da criança. É da tradição do Direito de Família o abandono de certos termos quando se pretende evitar a carga ideológica negativa a eles associada. São números os exemplos de tais substituições: desquite por separação judicial; homossexual por homoafetivo; concubinato por união estável, entre tantos outros. Do mesmo modo, a expressão guarda compartilhada induz uma superioridade ética em relação à expressão guarda unilateral.

A inovação vai além do léxico. Por ser “compartilhada”, a guarda não mais toca, separadamente, ao pai ou à mãe: ambos, mesmo separados, são guardiães. Não há, neste modelo a capitis diminutio, a perda da condição de guardião para o pai ou para a mãe que durante décadas foi uma sanção ao responsável pela dissolução do casamento. Na guarda compartilhada, um dos pais somente não está, momentaneamente, na companhia dos filhos pela impossibilidade ou pela inconveniência de coabitação com o outro genitor. É notória e relevante a alteração do escopo, embora, fisicamente, a situação possa se assemelhar à da guarda unilateral.

Da permanência da guarda decorre sua incompatibilidade com o direito de visita (CC 1.589); na guarda compartilhada os guardiães possuem tempo de convívio (§ 2º do CC 1.583). Neste ponto vislumbra-se igualmente a superioridade do modelo. Pais, ordinariamente, não visitam filhos menores; pais não têm filhos em sua companhia. Pais, vivem ou convivem com seus filhos, como, acertadamente consta na literalidade da lei. Os períodos de convívio e a residência habitual dos filhos podem ser livres ou prefixados. Não há determinação legal de que sejam estabelecidos judicialmente. A omissão, no caso, é um silêncio eloquente da lei, que não apenas homenageia a autonomia privada dos pais e dos próprios filhos menores, como atende às dificuldades práticas de se regular judicialmente matéria pouco “justiciável”, ou seja, matéria para a qual os instrumentos estatais mostram-se frequentemente inadequados e ineficazes à satisfação das necessidades das partes em situações que se contam em horas, minutos, não têm turno, nem férias, nem feriados. 

A fixação de período de convivência e da residência habitual tem lugar diante do interesse de qualquer das partes ou dos filhos menores, o que ocorre, ordinariamente, na presença de litígio. Os parâmetros não são os mesmos tradicionalmente adotados para a fixação do direito de visitas na guarda unilateral pois, como prevê o dispositivo, a divisão de tempo de convívio deve ser estabelecida “de forma equilibrada”. Equilibrada em matéria de guarda compartilhada é a divisão que assegura àquele que não seja o detentor da residência habitual tempo de convivência não inferior a 35% do tempo total dos filhos, o que se pode realizar mediante a concessão de um período maior de convívio com os filhos durante os finais de semana e nos períodos de férias. Se na guarda unilateral é comum que ao pai seja deferido o direito de visitas de 15 em 15 dias, o compartilhamento da guarda deve representar um aumento desse tempo de contato, com a convivência em dias da semana ou, nos fins de semana, de sexta a segunda-feira, ao invés da tradicional visita de sábado e domingo. 

A compensação também pode ocorrer nos período de férias, assegurando-se àquele que não é o guardião titular da residência habitual um período de convivência maior com os filhos, de até dois terços do período das férias.

6. Residência habitual dos filhos. O § 3º do CC 1.583 tem significado mais amplo do que sua expressão literal. Na guarda compartilhada e comum, embora não seja necessário, a fixação de uma residência habitual para os filhos, mesmo quando ambos os pais residam na mesma cidade. De outra lado, a residência habitual dos filhos pode não ser a residência na mesma cidade. De outro lado, a residência dos pais, como caso de estudo em internatos, intercâmbios culturais, residência em lar de parente e situações semelhantes. Desse modo, a localização das residências dos pais deve ser levada em conta para efeito de fixação da residência habitual, podendo ser até mesmo em cidade diversa daquela em que tenham sido domiciliados os filhos. A mudança de domicilio dos filhos que implique mudança de município exige a anuência de ambos os pais detentores do poder familiar (CC 1.634, V), caso em que a recusa pode ser judicialmente suprida se for reputada injusta.

7. Direitos e deveres na guarda unilateral. Tradicionalmente, ao detentor do poder familiar destituído da guarda a lei conferia o direito de fiscalizar o exercício desta (CC 1.589). A redação dada pela Lei n. 13.058/2014 ao § 5º do CC 1.583, estabeleceu dever complementar ao direito de fiscalização: o dever de supervisão, que reforçou a responsabilidade parental do seu titular. Para tanto, conferiu-lhe poderes e legitimidade para exigir informações e prestação de contas. Esta última faculdade veio corrigir entendimento jurisprudencial anterior, que repelia a possibilidade de o alimentante requerer prestação de contas do titular da guarda, sob a justificativa de suposta maior amplitude do direito de fiscalização, a exemplo do que decidiu em 2012 o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 970.147-SP (Rel. Min. Marco Buzzi, j. 4/09/2012. A incongruência é visível: como um direito supostamente maior, como é o de fiscalização, poderia não incluir um direito supostamente menor que seria o de exigir prestação de contas? A alteração legislativa, ao conferir ao pai ou à mãe não-guardião o direito de obter informações e prestação de contas deixou clara a possibilidade de manejo da ação de exigir contas prevista nos artigos 550 a 553 do Código de Processo Civil. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.583, acessado em 22.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).