Direito Civil Comentado – Art.
1.596, 1.597, 1.598
Da Filiação - VARGAS, Paulo S. R.
-
Parte Especial – Livro
IV – Do Direito de Família –
Subtítulo
II – Das Relações de Parentesco – Capítulo II
Da
Filiação - (Art. 1.596 a 1.606) –
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Art. 1.596.
Os filhos, havidos ou não da relação de
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Iniciando o Capítulo II - “Da Filiação” -, nas palavras de Marco Túlio de Carvalho Rocha: A filiação é
fenômeno cultural complexo relacionado a vínculos biológicos, socioafetivos e
jurídicos.
O vínculo socioafetivo coincide com a posse de estado de filho quando
aquele não resulta de fraude ou de violência. O “filho de criação” e o enteado
não entram na posse de estado de filho, pois a inexistência do vínculo de
filiação é notória (fato obstativo da posse). O enteado pode acrescer o
sobrenome do padrasto ou madrasta se houver anuência destes (art. 57, § 8º, da
Lei n. 6.015/73, com a redação dada pela Lei n. 11.924/09).
Com a descoberta da técnica de exame do DNA, ganhou força na
jurisprudência a concepção “biologista”, segundo a qual a filiação é
determinada exclusivamente pelos vínculos biológicos. Posteriormente, a
jurisprudência passou a admitir que vínculos socioafetivos servem à
constituição da filiação.
No tocante ao estabelecimento do vínculo, o Código Civil de 1916 continha
restrições aos meios probatórios que foram consideradas revogadas pela
Constituição de 1988, ao instituir a igualdade dos filhos (art. 227, § 6º). As
repetidas pelo Código Civil de 2002 devem ser consideradas arbitrárias e,
portanto, inconstitucionais, em razão do surgimento da técnica de exame do DNA
(cf. CC 1.605, I e II; BOSCARO, Márcio Antonio, Direito de filiação, São
Paulo: RT, 2002, p. 164).
As ações de filiação não têm natureza dúplice: de desconstituição e de
constituição dos vínculos. O art. 348 do Código Civil de 1916 (correspondente
ao CC 1.604, vigente) foi interpretado durante muito tempo como proibição de se
ajuizar ação de investigação da filiação antes de se ter impugnado a filiação
preexistente (WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14. ed. são
Paulo: Saraiva, 2002, p. 202). Atualmente, contudo, os tribunais têm admitido,
por economia processual, a propositura concomitante das ações e até,
impropriamente, a cumulação de pedidos (VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da
filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 101-103).
Embora sejam, tradicionalmente, consideradas declaratórias, as ações de
estado são constitutivas (positivas ou negativas), podendo ter efeitos
retroativos ou não (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a
prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista
dos Tribunais, v. 300, p. 7-37, out. 1960, espec. p. 30-31).
Princípios constitucionais de maior relevância sobre a filiação: 1. a)
Proteção estatal à família (art. 226, caput, CF); 2. b) Maior interesse
da criança (art. 227, caput, CF); 3. c) Igualdade dos filhos (art. 227,
§ 6º, CF; CC 1.596); 4. d) Liberdade de planejamento familiar (art. 227, § 7º,
CF).
Classificação da filiação: 1 a) Quanto ao estado civil dos pais:
matrimonial (CC 1.597) ou não-matrimonial. 2 b) Quanto ao vínculo: natural ou
civil (por adoção ou inseminação heteróloga). Entende-se que somente esta
distinção é admissível no direito brasileiro, porque: b 1) a igualdade entre os
filhos, diferentemente do que ocorre em outros países, é, no direito
brasileiro, um direito fundamental que, como tal, deve ser interpretado no
sentido da maior eficácia; b 2) a igualação atende melhor ao princípio da
subsidiariedade, que assegura menor interferência estatal na família; b 3) não
há mais a necessidade moral de se impedir o questionamento por terceiros dos
filhos nascidos de pessoa casada; b 4) a igualação torna o direito mais
operativo, evitando o choque da presunção pater is est com a presunção
advinda do registro, em situações em que este é feito por outrem que não o
marido da mulher; b 5)o art. 337 do Código Civil de 1916, que obrigava a regra pater
is est, foi expressamente revogado pela Lei n. 8.560/92 e não foi
reproduzido no Código Civil de 2002.
Classificação antiga: filhos legítimos, ilegítimos, naturais, espúrios,
incestuosos e adulterinos a patre e a matre. Esta classificação
tem valor histórico e encontra-se superada pelo princípio da igualdade dos
filhos. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e
Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud Direito.com,
comentários ao CC 1.596, acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Lecionando Milton Paulo de Carvalho Filho, A
disposição em exame corresponde ao § 6º do art. 227 da Constituição Federal e
tem por objetivo eliminar as distinções que se faziam entre filhos legítimos e
ilegítimos. Entre os filhos havidos ou não do casamento e os adotivos há
distinções, mas elas não autorizam divergência de direitos e efeitos. Também
não se admitem discriminações entre uns e outros. Sílvio Rodrigues, porém,
pondera a respeito do tema o seguinte: “Assim é que, para os filhos originados
de uma relação conjugal, a lei estabelece uma presunção de paternidade e a
forma de sua impugnação; para os havidos fora do casamento, criam-se critérios
para o reconhecimento, judicial ou voluntário; e, por fim, para os adotados,
são estabelecidos requisitos e procedimento para a perfilhação” (Direito
civil. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 340, v. VI).
O conceito
de entidade familiar foi reformulado na nova ordem constitucional,
especialmente com base na doutrina moderna que define a família sob a visão das
pessoas que dela fazem parte. Em estrita observância ao princípio da dignidade
da pessoa humana e considerando exclusivamente os integrantes da família e os
laços de afetividade que os envolvem, foram reconhecidos expressamente pela
Constituição Federal de 1988 outros modelos de entidade familiar, além daquele
decorrente do casamento: o núcleo formado pela união estável e a denominada
família monoparental constituída por um dos genitores e seus filhos. Com
referência às relações familiares e, especialmente, no tocante à filiação,
identifica-se no Brasil de hoje a plena observância ao princípio da afetividade
como uma espécie do princípio geral da dignidade da pessoa humana, que
privilegia os laços sociais e afetivos, em contraposição aos vínculos de origem
biológica ou genética, que eram, em outros tempos, os únicos critérios
considerados para a constatação da filiação. Paulo Lobo assevera que a doutrina
jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do princípio da afetividade em
variadas situações do direito de família, nas dimensões: a) da solidariedade e
da cooperação; b) da concepção eudemonista; c) da funcionalização da família
para o desenvolvimento da personalidade de seus membros; d) do redirecionamento
dos papéis masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade;
e) dos efeitos jurídicos da reprodução humana medicamente assistida; f) da
colisão de direitos fundamentais; g) da primazia do estado de filiação,
independentemente da origem biológica ou não biológica (RBDFS 5/12-13,
Magister).
Com
efeito, do registro de nascimento constarão todas as informações apontadas como
obrigatórias no art. 54 da Lei de Registros Públicos e anotadas de acordo com
as declarações prestadas pelo pai da criança, sendo este o declarante. A
filiação e o conteúdo das demais informações constantes do assento de
nascimento são dotadas de presunção de veracidade, nos termos dos CC 1.603 e CC
1.604. Ao Estado e à sociedade interessam que o vínculo registrai seja mantido
por ser o principal gerador de direitos e deveres, em razão da lei e da
publicidade de que é revestido. Contudo, em alguns casos, ele poderá ser
alterado, em razão do vínculo socioafetivo que, para ser reconhecido, necessita
de ampla dilação probatória. A despeito da presunção de veracidade de que todos
os dados existentes no assento de nascimento são dotados, a verdade registrai
poderá não coincidir com a verdade biológica.
A
parentalidade biológica é identificada pela herança genética recebida pela
criança que foi gerada após a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. O
vínculo biológico surge, portanto, já no início da vida da criança ao receber
os genes da mãe e do pai, por meio da união dos respectivos gametas. A
paternidade genética pode hoje, pois, ser identificada por intermédio da
utilização de avançadas técnicas científicas e de modernos exames laboratoriais
que rastreiam e esclarecem a verdade biológica, muitas vezes, contrariando as
informações existentes no registro de nascimento.
A
parentalidade socioafetiva, por sua vez, não decorre de uma declaração, nem
tampouco, de um fato biológico. Ela surge em razão da existência de estreitos
laços afetivos e sociais que unem determinadas pessoas que se relacionam como
entidade familiar, independentemente da correspondência com a verdade biológica
ou aquela constante do assento de nascimento. A posse do estado de filho, como
também é denominado o relacionamento socioafetivo, é reconhecida pela própria
sociedade que identifica o vínculo parental pela observação daquele núcleo
familiar que possui uma relação verdadeira entre pais e filhos ligados pelo
amor, carinho, consideração, respeito e cumplicidade, importando direitos e
deveres. A opção do legislador pela filiação socioafetiva se manifesta nos
arts. 1.593,1.596, 1.597, V, 1.605 e 1.614 deste Código.
É possível
concluir que a nossa legislação estabelece quatro tipos de estados de filiação,
decorrentes das seguintes origens: 1) por consanguinidade; 2) por adoção; 3)
por inseminação artificial heteróloga; 4) em virtude de posse de estado de
filiação. Paulo Lobo ensina que a consanguinidade, a mais ampla de todas, faz
presumir o estado de filiação quando os pais são casados ou vivem em união
estável, ou ainda na hipótese de família monoparental, e que o direito
brasileiro não permite que os estados de filiação não consanguíneos (itens 2, 3
e 4 acima) sejam contraditados por investigação de paternidade, com fundamento
na ausência de origem biológica, pois são irreversíveis e invioláveis, no
interesse do filho (ob. cit., p. 14).
No
histórico consta do artigo em referência “preservam-se os direitos dos filhos
concebidos na constância do, casamento, mesmo anulado ou nulo, independentemente
da boa-fé ou da má-fé dos seus pais”. Retomando, em seguida, o projeto à
Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza reformulação no dispositivo, que
restou acolhida em definitivo.
Ficando da
seguinte forma grafado na Doutrina • O presente artigo repete, na íntegra, o
disposto no Art. 227, § 6º , da Constituição da República de 1988, que, em
preservação da dignidade da pessoa humana, veda as desigualdades entre os
filhos.
• Esse preceito
coroou uma longa e árdua evolução da sociedade e do direito, já que, durante
muito tempo, filhos havidos fora do casamento não tinham os mesmos direitos dos
oriundos de matrimônio civil, sendo excluídos da “cidadania jurídica”, em favor
de uma falsa harmonia nas relações matrimoniais (cf. Luiz Edson Fachin,
Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil, Rio de
Janeiro, Renovar, 1999, p. 15; e Zeno Veloso, Direito brasileiro da filiação
e paternidade, São Paulo, Malheiros Ed., 1997, p. 7-1 1).
• No
Código Civil anterior, classificava-se a filiação em legítima (resultante de
casamento) e ilegítima (oriunda de relação extramatrimonial), sendo esta última
natural (decorrente de relação extramatrimonial entre pessoas sem impedimento
matrimonial), espúria (resultante de relação com impedimento matrimonial),
adulterina (originária de relação entre pessoa casada com terceiro) e
incestuosa (proveniente de relação entre parentes próximos).
• É vedada
a classificação da filiação, feita no regime anterior, por ser discriminatória.
• Todos os
filhos, independentemente de sua origem, têm os mesmos direitos. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza
– p. 812-13, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012,
pdf, Microsoft Word. Acessado em
30/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art. 1.597.
Presumem-se concebidos na constância do
casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida
a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade
conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha
prévia autorização do marido.
É
entendimento de Milton Paulo de Carvalho Filho, que a regra em exame tem por
objeto fixar critérios para tornar certa a filiação. O dispositivo foi alterado
significativamente em relação ao Código Civil revogado, na medida em que não se
restringiu às hipóteses de relação sexual. José de Oliveira Ascensão criticou o
dispositivo ao afirmar que ele traz mais dúvidas do que soluções, uma vez que
os seus incisos não tratam propriamente da filiação, mas de presunções de
vínculos decorrentes do casamento.
O período
da gravidez se inicia com a concepção e se encerra com o nascimento. Desse
modo, de acordo com o inciso I do dispositivo em exame, os nascidos seis meses
após o estabelecimento da convivência conjugal presumem-se concebidos durante o
casamento. Esse prazo é o mínimo para o desenvolvimento da gestação. De todo
modo, Arnaldo Rizzardo observa que “inexistindo impugnação de parte do marido
da mãe, firma-se a paternidade” (Direito de família. Rio de Janeiro, Forense,
2004, p. 416).
O sistema
legal, por outro lado, afasta a presunção se o nascimento ocorrer antes do decurso
do prazo de 180 dias contados do estabelecimento da convivência conjugal.
Também se estabelece presunção de que a concepção se verificou na constância do
casamento quando o filho nasceu menos de dez meses após sua dissolução (inciso
II). O marco inicial para a fluência desse prazo deve ser a separação de fato.
Tais presunções, contudo, não prevalecem em face da constatação biológica em
sentido diverso. Tratando-se de presunção relativa, e levando em conta a
evolução da ciência contemporânea a respeito do tema, haverá de prevalecer a
constatação técnica a propósito da paternidade.
No inciso
III do presente artigo, cuida-se da fecundação artificial homóloga,
correspondente àquela que resulta da manipulação de gametas do marido (sêmen) e
da mulher (óvulo). Tal procedimento depende do consentimento do marido enquanto
ele viver (Lobo, Paulo Luiz Netto. Código Civil comentado. São Paulo,
Atlas, 2003, v. XV I, p. 50). Diversamente do que ocorre com a presunção
prevista no inciso II do presente artigo, nessa hipótese a fecundação pode
ocorrer mais de trezentos dias da dissolução do casamento. Nesses casos, será
indispensável o consentimento expresso do marido.
Segundo o
Enunciado n. 106 da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de
Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, “para que seja presumida a
paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a
uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido,
esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização
escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte”.
A hipótese
tratada no inciso IV cuida dos embriões excedentários, i.é, aqueles que foram
manipulados geneticamente, mas encontram-se armazenados sem, ainda, terem sido
introduzidos no útero materno. A concepção de embriões excedentários só é
admitida nos casos de fecundação homóloga, ou seja, em que os gametas sejam de
pessoas casadas ou que vivam em união estável (Lobo, Paulo Luiz Netto. Código
Civil comentado, v. XVI. São Paulo, Atlas, 2003, p. 52). Descumprida essa
regra, o filho será juridicamente da mulher em cujo útero ele foi instalado e
do marido dela, se ela for casada (idem). “Finda a sociedade conjugal, na forma
do CC 1.571, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver
autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges, para a utilização dos
embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de
implantação desses embriões” (Enunciado n. 107 da I Jornada de Direito Civil).
Finalmente,
a última hipótese - inciso V - disciplina a inseminação heteróloga - aquela em
que o gameta não é do marido -, possibilidade condicionada exclusivamente à
autorização prévia deste. O dispositivo não exige nem mesmo que a autorização
seja dada por escrito, bastando que seja prévia. Comprovada a autorização, o
marido não poderá negar a paternidade, prevalecendo, mais uma vez, a
paternidade socioafetiva. Note-se, ainda, que, embora o dispositivo faça
referência expressa ao casamento, deve ser aplicado integralmente à união
estável ( Lobo, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 59, v. XV I).
Sobre o
presente dispositivo legal, as I e III Jornadas de Direito Civil do Centro de
Estudos antes referido estabeleceram os seguintes Enunciados: n. 104: “no
âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material
fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído
pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial)
juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de
paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da
manifestação expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento”; n. 105:
“as expressões 'fecundação artificial’, ‘concepção artificial’ e ‘inseminação
artificial’ constantes, respectivamente, dos incisos III, IV e V do CC 1.597
deverão ser interpretadas como ‘técnica de reprodução assistida’”; n. 257: “as
expressões ‘fecundação artificial’, ‘concepção artificial’ e ‘inseminação
artificial’, constantes, respectivamente, dos incisos III, IV e V do CC 1.597
do Código Civil, devem ser interpretadas restritivamente, não abrangendo a
utilização de óvulos doados e a gestação de substituição”.
A doutrina
prevê que a Lei de Biossegurança, n. 11.105/2005, trará inúmeros
questionamentos acerca da filiação decorrente de inseminação artificial
heteróloga, entre outros, o relativo à autorização de utilização de
células-tronco pelos genitores do embrião (art. 5º, § Iº). (Milton Paulo de
Carvalho Filho, apud Código Civil
Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord.
Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.753-54. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/03/2021.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Partindo-se
do histórico, a primeira versão deste artigo aprovada pela Câmara dos Deputados
mantinha praticamente o mesmo texto dó projeto, com apenas dois incisos, e
dizia: “presumem-se concebidos na constância da sociedade conjugal : I — os
filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal. II — os nascidos dentro nos trezentos dias subsequentes à
dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial ou anulação”.
Durante a tramitação no Senado, o dispositivo foi emendado, passando a
redigir-se: “presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I —
nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência
conjugal; lI — nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da
sociedade conjugal; III — havidos por inseminação artificial, desde que tenha
prévia autorização do marido”. Retornando, em seguida, o projeto à Câmara,
promoveu o Deputado Ricardo Fiuza reformulação no dispositivo, que restou
acolhida em definitivo.
Dessa
forma, a Doutrina - o casamento gera a presunção da paternidade — pater is
est quem nuptiae demonstrant — por presunção da coabitação e da fidelidade
da mulher, ou, por outras palavras, porque a lei supõe relações sexuais entre
os cônjuges e que a mulher as tenha tido somente com o marido (cf. Yussef Said
Cahali, Dos alimentos, 3. cd., São Paulo, Revista dos Tribunais,
1999, p. 595).
• No
entanto, a presunção constante do inciso II não faz qualquer sentido. A uma,
porque a separação judicial, a nulidade do casamento e a anulação do casamento
são, via de rega, precedidas de separação de fato entre os cônjuges , de modo
que não podem os tenham havidos trezentos dias após as sentenças respectivas
ser havidos presumivelmente como sendo do marido. A duas, porque, se o cônjuge
simplesmente separado de fato pode constituir união estável (CC 1.723 § 1º) o
filho havido da nova relação da mulher, nestas circunstâncias e diante deste
dispositivo, será tido presumivelmente como de seu marido. Somente devem
permanecer as presunções constantes dos incisos I, III, IV e V, com a sua
devida renumeração. A presunção da paternidade em reprodução assistida é
adequada aos avanços da ciência ocorridos nesta área. A palavra “fecundação”
vem do latim — fecundatio, proveniente do verbo fecundare, que
significa “fertilizar” —, sendo entendida como a fase de reprodução consistente
na fertilização do óvulo pelo esperma. A palavra “inseminação” tem origem no
verbo inseminare, composto por in — dentro — e semen —
semente, de modo que significa a colocação do sêmen ou do óvulo fecundado na
mulher No entanto, fecundação e inseminação, por meios artificiais, são
utilizadas como expressões sinônimas. A fecundação ou inseminação homóloga é
realizada com sêmen originário do marido, e a fecundação ou inseminação
heteróloga é feita com sêmen de terceira pessoa. A fecundação ou inseminação
artificial post mortem é aquela realizada com sêmen ou embrião
conservado por meio de técnicas especiais, após a morte do doador do sêmen (v.
Regina Beatriz Tavares da Silva, Responsabilidade civil do médico na
inseminação artificial, in Responsabilidade civil médica, odontológica e
hospitalar, coord. Carlos Alberto Bittar, São Paulo, Saraiva, 1991, p.
33-57). Embrião é o ser oriundo da junção de gametas humanos, sendo que há
basicamente dois métodos de reprodução artificial: método ZIFT, consistente na
realização da fecundação fora do corpo da mulher (in vitm), e método
GIFT, consistente na introdução de gameta. por meio artificial, no corpo da
mulher, esperando-se que a própria natureza faça a fecundação. O embrião é excedentário
quando é fecundado fora do corpo (in vitro) e não é introduzido
prontamente na mulher, sendo armazenado por técnicas especiais (v. Mônica
Sartori Scarparo, Fertilização assistida, Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 1991, p. 8-17; e Joaquim José de Souza Diniz, Filiação
resultante da fecundação artificial humana, in Direitos de família e do
menor, Belo Horizonte, DeI Rey, 1993, p. 46). O dispositivo traz solução às
situações em que o filho é oriundo de fecundação ou inseminação artificial
homóloga e heteróloga, inclusive após a morte do doador. Na fecundação homóloga
considera-se, por presunção, filho do marido aquele concebido após a sua morte
e aquele concebido a qualquer tempo sendo embrião (sedentário, e na fecundação
heteróloga presume-se a filiação do marido desde que tenha havido o seu
consentimento. Como acentua Zeno Veloso, “Seria antijurídico, injusto, além de
imoral e torpe, que o marido pudesse desdizer-se e, por sua vontade, ao seu
arbítrio, de fazer um vínculo tão significativo, para o qual aderiu, consciente
e voluntariamente (Zeno Veloso, Direito brasileiro da filiação e da
paternidade, São Nulo, Malheiros Ed., 1997, p. 151). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 813-14, apud Maria
Helena Diniz Código Civil Comentado
já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 30/03/2021, corrigido e
aplicadas as devidas atualizações VD).
Nas considerações gerais, apostas
por Marco Túlio de Carvalho Rocha, o
anteprojeto do Código Civil foi elaborado numa época em que o Direito de
Família ocupava-se essencialmente do casamento. As demais formas de família
eram marginais. Essa diferenciação resultou em verdadeira discriminação da lei,
ao considerar a filiação sob o prisma matrimonial.
A interpretação da lei, levando-se em conta os princípios
constitucionais, deve partir do estabelecimento da maternidade, a respeito do
qual o Código é omisso. Presume-se que a mãe seja sempre conhecida: mater
semper certa est. É crime abandonar filho (arts. 133, 134 e 243 do Código
Penal), mas a mãe pode entregar a criança, ao nascer, à Vara da Infância e da
Juventude (art. 13. ECA).
O parto anônimo já foi uma prática comum: entre 1825 e 1950, 4.696 bebês
foram deixados na roda dos expostos na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
(Turismo hospitalar. Folha de São Paulo, 12.12.2010, Caderno Saúde, p. 13). O
parto anônimo é lícito na França:
“Verdade que o CC 56 exige que todo nascimento seja objeto de uma
declaração junto ao oficial do estado civil no prazo de três dias. No entanto,
por certo não é necessário indicar o nome da mãe e, por consequência, o nome do
pai (CC 57, I c/c CC 323, I). O oficial do estado civil não pode empreender
investigações de ofício. Em tal caso, o recém-nascido será inscrito no registo
de nascimento, como nascido de pais desconhecidos. O Código da família e de
ajuda social prevê regras particulares para a mãe que deseja conservar de modo
durável seu ‘segredo de maternidade’ (CC 41, III) e entregar, em seguida sempre
de maneira anônima, seu filho à assistência pública” (Frank, Rainer. La
signification differente attachée a la filiation par se sang em Droit Allemand
et Français de la famille, p. 637). A maternidade é estabelecida mediante:
1 a) Declaração ao Oficial do Registro Civil (CC 1.603). É costume
exigir-se do declarante a apresentação da “Declaração de Nascido Vivo” (DN),
que as instituições de saúde estão obrigadas a fornecer ao Ministério da Saúde
por força do art. 10, IV, do ECA. Tal documento, no entanto, não é legalmente
necessário para o registro; 2 b) adoção;
3 c) Investigação judicial. O CC 1615 menciona essa possibilidade. O art. 364
do Código Civil de 1916, que cerceava a ação de investigação de maternidade não
tem correspondente no Código Civil de 2002. Prazo de registro do nascimento: 15
dias (que pode ser ampliado até 3 meses e acrescido de 45 dias; art. 50 c/c
art. 52, Lei n. 6.015 – Lei dos Registros Públicos).
Ordem dos declarantes (art. 52): 1º) pai; 2º) mãe; 3º) parente mais
próximo; 4º médicos e administradores de hospitais; 5º) pessoa idônea; 6º)
pessoas encarregadas da guarda do menor.
O oficial pode verificar a existência do recém-nascido, diretamente ou
por meio de atestado médico ou de testemunhas. Após o prazo de declaração, o
oficial pode requerer ao juiz o esclarecimento do fato (art. 52, § 1º
e § 2º, Lei n. 6015).
Se
a mãe não for conhecida aplicam-se à criança as medidas de proteção previstas
no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90, arts. 98, 101, 90-97,
102).
Tradicionalmente,
presume-se que o filho matrimonial tem como pai o marido de sua mãe: pater
is est quem nuptiae demonstrant ou
simplesmente pater is est.
No
entanto, como assinala Luiz Felipe Brasil Santos, a Lei n. 8.560/92 revogou o
art. 337 do CC/1916, que consagrava a presunção pater is est e não há no
CC/2002 nenhum dispositivo equivalente ao art. 337 do CC/1916, razão pela qual
entendeu o autor que a presunção está revogada (Santos, Luiz Felipe Brasil. A
incerteza da paternidade (certa): a presunção pater es está abolida.
Boletim IBDFam, n. 31, ano 5, mar/abr. 2005, p. 5).
A
presunção de que o filho é matrimonial possibilita o registro do filho em nome
do marido da mulher, independentemente de manifestação deste. Se se admitir a
revogação da regra, como se impõe, os filhos matrimoniais, tal como os
não-matrimoniais somente devem ter o reconhecimento da paternidade mediante
reconhecimento voluntário ou forçado.
2.
Favor matrimonialis. O legislador parte da presunção de que o prazo
mínimo de gravidez viável é de 180 dias. Portanto, se uma mulher dá à luz 180
dias após ter se caso é possível que o filho tenha sido concebido durante o
casamento. Na ultrapassada tradição que inspirou o Código civil, o legislador
dá a este filho a condição de filho matrimonial (favor matrimonialis).
3.
300 dias é o tempo máximo de gravidez admitido pelo legislador. Assim, se um
filho nasce da mulher até o referido limite temporal após a dissolução da
sociedade conjugal, é possível que a concepção tenha ocorrido dentro do
casamento. Por esse motivo, o legislador estende a ele a presunção de filho
matrimonial.
4.
Filhos provenientes de fecundação homóloga. Fecundação homóloga é a realizada
com o material genético do próprio casal. Óvulo e espermatozoides pertencem ao
próprio casal. Filho nascido em tais condições é considerado filho do casal. O
dispositivo é falho. Ele se situa em artigo relativo à presunção da paternidade
matrimonial. Sobre filho concebido em circunstâncias, no entanto, nenhuma
presunção pode ser estabelecida. Presunção é forma de raciocínio que permite
afirmar uma realidade desconhecida a partir de uma realidade conhecida. Nascida
uma criança, quanto mais depois de morto o marido, ultrapassado o prazo de 300
dias do inciso anterior, nenhuma presunção se pode estabelecer quanto a ser o
falecido seu genitor. Será necessário exame genético que comprove o vínculo.
Portanto, presunção não haverá.
5.
O dispositivo é duplamente falho. A “concepção artificial homóloga” deve
ser provada, o que afasta a presunção. Além disso, a hipótese está incluída na
do inciso III, que, igualmente, é írrita, por não traduzir nenhuma
hipótese de presunção.
6. Filhos
provenientes de reprodução assistida heteróloga. A reprodução heteróloga ocorre
com a utilização de material genético de terceiro: a doação de óvulo ou de
sêmen, uma vez que a doação seja aceita pelo casal, marido e mulher assumem a
condição de pais. Não é, tampouco, caso de “presunção”, mas decorrência da
autonomia da vontade legalmente reconhecida. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela
FDUFMG, apud
Direito.com, comentários ao CC 1.597, acessado em 30.03.2021, corrigido
e aplicadas as devidas atualizações VD).
Art.
1.598. Salvo
prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do CC
1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se
presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da
data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse
período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1.597.
Não
endossando o artigo em comento, Marco Túlio
de Carvalho Rocha comenta que a
presunção de que os nascidos durante o casamento são filhos do marido da mulher
possibilita que haja um choque quando ocorra a contração de novo vínculo
matrimonial pouco tempo após a extinção do matrimonio anterior.
Se uma mulher torna-se viúva, vem a se casar com menos de
300 dias do casamento anterior e dá à luz criança após o matrimonio completar
180 dias as presunções de filiação em favor do primeiro e do segundo maridos se
chocam. O primeiro será, presumivelmente, o pai, porque, o filho terá nascido
antes de 300 dias da dissolução do casamento (CC 1.597, II); o segundo será
presumivelmente o pai, porque terá nascido após mais de 180 dias do início de
seu casamento (CC 1.597, I).
A esse choque de presunções dá-se o nome de turbatio
sanguinis, ou confusão de sangue. O CC 1.598 visa estabelecer critério para
solucionar esse conflito: a filiação será atribuída ao primeiro marido se não
ultrapassados os 300 dias desde a dissolução do primeiro casamento.
A solução legal coaduna com a causa suspensiva do
casamento prevista no CC 1.523, II, que tem justamente a finalidade de impedir
a confusão de sangue, tanto que o parágrafo único deste artigo permite o
casamento mediante prova de não-gravidez ou do nascimento de filho.
As presunções de paternidade previstas nos incisos I e II do CC 1.597 têm
por base o estabelecimento do vínculo de filiação segundo o parâmetro
biológico. A facilidade de verificação do liame biológico mediante teste de DNA
tornou esse sistema de presunções arcaico. (Marco Túlio de
Carvalho Rocha Mestre e Doutor em
Direito Civil pela FDUFMG, apud Direito.com,
comentários ao CC 1.598, acessado em 30.03.2021, corrigido e aplicadas as
devidas atualizações VD).
Igualmente
a dúvida de Milton Paulo de Carvalho Filho, ao comentar o CC 1.598. O
dispositivo visa estabelecer presunções que solucionem eventual conflito a
respeito da paternidade de criança nascida de mulher viúva ou separada
judicialmente que volte a se casar. Se a mulher se casar novamente antes de dez
meses contados de sua viuvez, anulação ou declaração de nulidade (art. 1.523,
II, do CC), presumir-se-á que o filho que vier a ter é de seu primeiro marido,
se nascer dentro de trezentos dias posteriores ao falecimento deste. Caso venha
a nascer após esse prazo, e ultrapassados 180 dias do estabelecimento da nova
convivência conjugal (CC 1.597, I), a presunção será de que o filho é do segundo
marido. Embora o dispositivo só mencione a presunção de paternidade no caso de
nascimento posterior a trezentos dias do falecimento do primeiro marido, como o
CC 1.523, II, que também se refere à separação, é de se considerar excluída a
presunção também se tratar de invalidação.
Não
se pode deixar de notar que o sistema de presunção não prevalecerá diante da
prova técnica, que, nos tempos atuais, permite com segurança identificar a
paternidade sem necessidade de partir de critérios meramente originados de
presunção. A investigação do DNA, por exemplo, pode conferir praticamente 100%
- mais exatamente 99,99% - de certeza ao reconhecimento ou à exclusão da
paternidade, conforme observa Arnaldo Rizzardo (Direito de família. Rio
de Janeiro, Forense, 2004, p. 489). No mesmo sentido é a lição de Quo Mário da
Silva Pereira: “Quer dizer: não poderá ser admitida a relação jurídica da
paternidade em face de concluir a prova científica pela impossibilidade da
filiação biológica” (Reconhecimento de paternidade e seus efeitos, 3.
ed. Rio de Janeiro, Forense, p. 125). Arnaldo Rizzardo também observa com
acerto que “o Código de 2002, primando pela objetividade, dá ensejo à prova da
impossibilidade da concepção através da relação com o marido ou o companheiro
porque inexistia a união na época, ou porque presente qualquer fator
impossibilitante da relação sexual” (op. cit., p. 425).
A
presunção oriunda desse dispositivo não incide nos casos de fecundação
artificial homóloga, com a utilização do sêmen do primeiro marido, nos casos em
que ela se verificar após trezentos dias contados de sua morte. Do mesmo modo,
não se aplica aos casos em que a concepção se dá após trezentos dias da
dissolução da sociedade conjugal com embriões excedentários. A norma em exame
deve ser aplicada em relação às uniões estáveis, na medida em que elas também
podem dar origem ao conflito de paternidades entre duas uniões, ou entre uma
união posterior a um casamento, ou a um casamento posterior a uma união.
(Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002.
Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.758. Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 30/03/2021.
Revista e atualizada nesta data por VD).
Em
sua Tese “Da prova dos negócios jurídicos”, Gilmar Ferreira Mendes, atesta as
presunções legais dividirem-se em presunção relativa ou presunção absoluta: no
primeiro caso, também chamada presunção iuris tantum, admite-se a prova
em sentido contrário; no segundo, também denominada presunção iuris et de
jure, não se afigura suscetível de refutação. O art. 1597 do Código Civil
consagra regras relativas à presunção de paternidade, estabelecendo que
presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos (a) nascidos cento
e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; (b)
nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal,
por morte, separação judicial, nulidade e anulação de casamento; (c) havidos
por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; (d) havidos, a
qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de
concepção artificial homóloga; (e) havidos por inseminação artificial
heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. O CC 1598 estabelece,
ainda, que “salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto
no inciso II do CC 1.523 -- dez meses --, a mulher contrair novas núpcias e lhe
nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos
trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo marido, se o
nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o
inciso I do CC 1.597 -- cento e oitenta dias.” Os artigos 1.599, 1.600 e 1.602
contêm, igualmente, normas ligadas à presunção da paternidade e à sua eventual
superação: -- A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da
concepção, ilide a presunção de paternidade (CC 1.509); -- Não basta o
adultério da mulher , ainda que confessado para ilidir a presunção legal de
paternidade (CC 1.600); -- Não basta a confissão materna para excluir a
paternidade (CC 1.602). Outras vezes, a lei, mediante norma de caráter
interpretativo, consagra a negação da presunção. É o que se verifica no CC 265,
segundo o qual a “solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade
das partes”.
Como
se pode depreender, o novo Código Civil brasileiro manteve a tradição da
disciplina da matéria relativa às provas também no direito material. É inegável
que o direito civil continua a ter, na expressão de Konrad Hesse, significado
especial para a preservação e a garantia da personalidade do homem, para sua
autodeterminação e responsabilidade própria. É certo, porém, que esses valores
desenvolvem-se hodiernamente dentro de marcos institucionais muito mais claros,
como princípio da dignidade humana, o devido processo legal, a liberdade de
exercício profissional, o direito de não se incriminar e outros. Tal como
observa Hesse, a autonomia privada e sua manifestação mais importante - a
liberdade de contratar -, encontram seus fundamentos e seus limites na própria
ideia de personalidade. Elas pressupõem a igualdade jurídica e fática dos
interessados. Na ausência desses pressupostos, a autonomia privada de um conduz
à falta de liberdade do outro. Assim, cabe à regulação estatal especial e à
própria interpretação estabelecerem o necessário equilíbrio entre polos em
eventual ou inevitável tensão dialética. Parece inegável que a disciplina sobre
as provas do negócio jurídico no Código oferece rara oportunidade ao intérprete
de buscar a aplicação equilibrada dos diversos princípios em jogo. (Gilmar
Ferreira Mendes, tese defendida em slides “Da prova dos negócios jurídicos”,
no site www.portaldeperiod cos.idp.edu.br comentário
relativo ao CC 1.598, acessado em
30.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas
atualizações VD).