terça-feira, 16 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.571, 1.572, 1.573 Da Dissolução da Sociedade e Do Vínculo Conjugal - VARGAS, Paulo S. R

                                 Direito Civil Comentado – Art. 1.571, 1.572, 1.573

Da Dissolução da Sociedade e Do Vínculo Conjugal

 - VARGAS, Paulo S. R. -  Parte Especial –  Livro IV –

Do Direito de Família – Título I – Do Direito Pessoal –

Subtítulo I – Do casamento – Capítulo X – Da Dissolução

Da Sociedade e do Vínculo Conjugal – (Art. 1.571 a 1.582)

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Art. 1.571. A sociedade conjugal termina: 

I - pela morte de um dos cônjuges;

II - pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio.

§ Iº O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

§ 2º Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.

Trabalho de base de sua fundamentação ao Título de Mestre de Marco Túlio de Carvalho Rocha. Direito anterior: Arts. 2º, 17 e 18 da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio); art. 315 do Código Civil de 1916; arts. 88 e 93 do Decr. 181/1890. Referências normativas: Morte real e presumida: arts. 6º e 8º do Código Civil; invalidade matrimonial: CC 1.548 a 1.564; Separação Conjugal: CC 1.572 a 1.578; Disposições específicas sobre processos judiciais de família: Arts. 693 a 699 do CPC; Divórcio: § 6º do art. 226 da Constituição da República e CC 1.581 e 1.582; Ausência: CC 6º e 22 a 39; nome de casado: CC 1.565, § 1º. 1. Noção de sociedade conjugal. Sociedade conjugal é instituto que tem origem no Direito Canônico. Tendo-se em vista que o cristianismo não admite a dissolução do casamento (Paulo, I Co, 10:11), a ideia de existência de uma “sociedade conjugal” distinta do “casamento”, possibilitou à tradição canônica admitir a dissolução da primeira sem prejuízo à conservação do segundo. A separação com permanência do vínculo ou “separação de cama e mesa” (quoad torum et mensam) suspende, para o Direito Canônico, os deveres matrimoniais (Cânones 1.151 a 1.155 do Código de Direito Canônico de 1983).

O Direito Civil recebeu o instituto sob o nome de desquite e de separação judicial,, dando-lhe efeitos mais amplos. Pela cessação da sociedade conjugal sem a dissolução do casamento somente subsiste o impedimento matrimonial: uma vez que não se atinge a dissolução do casamento, em si, pessoas separadas judicialmente não estão ainda habilitadas a contrair novas núpcias.

A única causa que põe fim à sociedade conjugal sem atingir o casamento em si é a separação judicial. Todas as demais causas de extinção da sociedade conjugal extinguem igualmente o casamento: a) a morte de um dos cônjuges; b) a anulação do casamento; e c) o divórcio.

2. Da vigência da separação conjugal no direito brasileiro. A Emenda Constitucional n. 66/2010 alterou o § 6º do art. 226 da Constituição Federal para suprimir o requisito de prévia separação judicial ou de fato que antes condicionava o divórcio. Com a nova redação, o dispositivo estabelece simplesmente: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Grande parte da doutrina e da jurisprudência agasalhou o entendimento que a referida alteração teria implicado, igualmente, a revogação do instituto da separação conjugal. Em 2017, o Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de reconhecer a vigência do instituto, no Recurso Especial n. 1.247.098-MS, relatado pela Ministra Maria Isabel Gallotti, porque a Emenda Constitucional n. 66 somente suprimiu os requisitos temporais do divórcio. Argumentou-se igualmente, que o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de julgar, após o advento da emenda Constitucional n. 66/2010, o Recurso Extraordinário n. 227.114-SP, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, que trazia a discussão sobre o foro competente para o ajuizamento da ação de separação, reforçando a permanência do instituto no direito brasileiro e que o Código de Processo Civil de 2015 manteve referencias ao instituto da separação judicial, inclusive regulando-o no capítulo que trata das ações de família, art. 693 e ss, e constando no próprio título da seção IV do capítulo XV, que trata dos procedimentos de jurisdição voluntária (art. 731 e ss), (REsp 1.247.098-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, por maioria, j. em 14/3/2017).

Além de tais fundamentos, deve-se acrescer que os institutos jurídicos são ordinariamente criados e regulados pela lei. A regulamentação constitucional de temas de Direito Civil é excepcional e atende a conjunturas políticas. Portanto, a mera omissão da Constituição quanto a determinado tema de Direito Civil nada significa quanto à vigência deste.

3. dissolução da sociedade conjugal por ausência declarada. O artigo 6º do Código civil estabelece a presunção da morte da pessoa nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva. Os casos são elencados nos artigos 37 e 38 do Código Civil:

a) 10 anos após passar em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória;

b) prova de que o ausente contaria 80 anos de idade, se vivo estivesse, e que dele não há notícia há mais de 5 anos.

A presunção de morte do ausente acarreta, pois, a presunção de extinção do casamento e faz cessar o impedimento matrimonial para o cônjuge supérstite.

4. sobrenome de casado. Por ocasião do divórcio, os cônjuges têm a opção de renunciar ou não ao sobrenome que tenham adotado do outro cônjuge quando do casamento (cf. CC 1.565, § 1º), exceto se anteriormente já tiver havido a renúncia ao sobrenome quando de eventual separação judicial ou administrativa. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.571, acessado em 16.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Remanescendo no comentário de Milton Paulo de Carvalho Filho, o Código Civil passou a regulamentar os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, revogando os dispositivos que tratavam dos temas previstos na Lei n. 6.515, de 26.12.1977.

Entre os casos estabelecidos pela lei, há dois que não só dissolvem a sociedade conjugal como o próprio vínculo do casamento, autorizando o consorte a contrair novas núpcias. São eles a morte e o divórcio (CC 1.571, § Iº, primeira parte). A morte, prevista no inciso I do artigo comentado, é a real, a causa natural que faz cessar ipso iure o casamento. Equipara-se a ela a presumida. A primeira deverá ser comprovada por certidão do assento de óbito. A segunda, morte presumida, novidade introduzida pelo legislador (CC 1.571, § Iº, segunda parte), configura-se quando alguém desaparece por longo tempo, sendo autorizado o seu reconhecimento, quanto aos ausentes (CC 6º, segunda parte, veja comentário), nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva (CC 37 e 38, veja comentários). Assim, a abertura desta pode ser requerida após dez anos de passada em julgado a sentença que conceder a abertura da sucessão provisória ou provando-se que o ausente tem oitenta anos de idade e que as últimas notícias dele são de cinco anos atrás. Sua inclusão entre as causas terminativas teve por fim solucionar questão relativa à situação de um dos cônjuges que estava impedido de casar sem a declaração de óbito do outro. Para fins de dissolução da sociedade conjugal basta, nessa hipótese, a declaração judicial de ausência. Contudo, não se vislumbra vantagem concreta em solicitar a declaração de ausência do cônjuge, principalmente quando não há patrimônio a ser partilhado, se a parte pode obter a extinção do vínculo do casamento pelo divórcio direto em prazo inferior (dois anos), mediante a alegação de separação de fato do casal. A ausência passou a ser tratada na parte geral do atual Código, especificamente nos arts. 6º, 7º e 22 a 25 (veja comentários). E exatamente no art. 7º citado encontra-se a disposição em que o legislador admite a declaração de morte presumida, sem decretação de ausência, para todos os efeitos. Nos casos previstos na lei (“se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida” e “se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra” ), a sentença fixará a data provável do falecimento. Ressalte-se, por fim, que o aparecimento do morto presumido após o casamento de seu ex-cônjuge não o tornará nulo, mas apenas putativo (veja comentários ao CC 1.561).

A segunda causa terminativa da sociedade conjugal é a nulidade ou anulação do casamento, prevista no inciso II e que ocorrerá sempre que houver vício de legalidade do ato praticado (vide comentários aos CC 1.548 a 1.564).

As outras causas que geram o fim da sociedade conjugal, previstas nos incisos III e IV, são a separação (judicial ou extrajudicial - Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007) e o divórcio, que serão objeto de comentários nos CC 1.572 a 1.582.

Já o disposto no § 2º do CC 1.571 disciplina a utilização do nome do cônjuge no caso de ocorrer o divórcio. Segundo o legislador, no divórcio direto será facultado ao cônjuge, da mesma forma que na separação consensual, manter o sobrenome de casado. No caso do divórcio-conversão essa faculdade não poderá ser exercida quando a sentença proferida nos autos da separação judicial dispuser de maneira diversa. Terá, contudo, aplicação ao divórcio o disposto nos incisos do CC 1.578, quando a alteração do nome do cônjuge acarretar alguma das consequências enumeradas no referido dispositivo. Quanto ao nome de casado, no divórcio direto consensual realizado deforma extrajudicial, as partes poderão livremente optar pela alteração de algum dos cônjuges, podendo o interessado, inclusive, retificar, mediante declaração unilateral, por nova escritura, a anterior, para voltar a usar o nome de solteiro. Já no divórcio-conversão, também efetivado de forma consensual, extrajudicialmente, as partes podem deliberar pela modificação do nome, mesmo quando a sentença de separação judicial tenha disposto em sentido contrário, pois autorizados pelo disposto no art. 1.124-A do Código de Processo Civil. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.693-94  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Historicamente, o texto originalmente aprovado pela Câmara dos Deputados era o seguinte: “A sociedade conjugal termina:

1 — pela morte de um dos cônjuges;

II —, pela nulidade ou anulação do casamento;

III — pela separação judicial;

IV — pelo divórcio.

Parágrafo único, O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, não se lhe aplicando a presunção estabelecida neste Código quanto aos ausentes”.

Durante a tramitação no Senado Federal passou a redigir-se: “A sociedade conjugal termina:

1 — pela morte de um dos cônjuges;

II — pela anulação do casamento;

III — pela separação judicial:

IV — pelo divórcio:

V — por novo casamento do cônjuge, declarada a ausência do outro em decisão judicial transitada em julgado.

§ 1º O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

§ 2º Dissolvido o casamento por morte do marido, a viúva terá direito à manutenção do nome de casada, e no caso de divórcio observar-se-á o disposto na lei específica”.

Retomando o projeto à Câmara, emenda do Deputado Ricardo Fiuza deu ao dispositivo a sua conformação atual, corrigindo a falha da supressão da nulidade como causa terminativa do casamento, suprimindo o inciso V e modificando o § 2º. Dessa forma apresenta-se a Doutrina do Relator, Deputado Ricardo Fiuza:

Pelo casamento cria-se um vínculo jurídico entre os cônjuges, em que está contida a sociedade conjugal, que importa na comunhão de vidas, sob os aspectos espiritual, social e físico e, por vezes, de patrimônios, a depender do regime de bens em vigor no casamento. A separação judicial dissolve a sociedade conjugal, com a produção dos efeitos constantes dos arts. 1.575 e 1.576, mas conserva íntegro o vínculo entre os consortes, de modo a impedi-los de contrair novo casamento. O divórcio, a morte real e a morte presumida extinguem o vínculo conjugal válido. A nulidade e anulação extinguem o vínculo conjugal que padecia de vício em sua constituição.

No § 1º foi introduzida em no direito brasileiro a declaração de ausência como forma de dissolução do vínculo conjugal, adotando a proposta legislativa realizada em “Sugestões ao projeto de Código Civil”, Direito de família, anteriormente citadas, em RiS 730/32. Essa nova causa terminativa é fundada no instituto da morte presumida. Em caso de desaparecimento do cônjuge, como de qualquer pessoa, faz-se necessário o procedimento de ausência, de modo que a inexistência daquela causa terminativa, na legislação anterior, obrigava o cônjuge do ausente a iniciar tal procedimento e também o de divórcio; bis in idem, certamente, desnecessário. O argumento de que são raros os casos de ausência não é aceitável, já que o Direito deve regular também os fatos menos comuns, desde que possam ocorrer. No entanto, de acordo com nossas sugestões anteriores, já não considerávamos adequada a inserção do inciso V, feita pelo Senado no referido artigo, uma vez que o disposto no § P é suficiente para solucionar as hipóteses de ausência.

No § 2º , também ocorreu inovação, de modo a permitir que a mulher divorciada permaneça com o sobrenome do marido, se não houver renúncia a esse direito, a não ser que tenha sido determinada a respectiva perda em sentença de separação judicial, que, conforme o CC 1.578, I a III, somente ocorrerá se decretada sua culpa e desde que não estejam presentes as exceções ali estipuladas. A legislação anterior determinava a perda desse direito no divórcio conversão, em regra, sendo lacunosa quanto ao divórcio direto (Lei n. 6.515/77, art. 25, incisos I,II e III). Essa modificação do dispositivo, operada na Câmara dos Deputados, na fase final de tramitação do projeto, foi oriunda de nossas sugestões, realizadas em consonância com a tutela ao nome, como direito da personalidade (v. nota ao art. 1.578). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 792-93, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft WordAcessado em 16/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

§ 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.

§ 2º O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

§ 3º No caso do parágrafo 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal. 

Direito anterior: art. 5º da Lei n. 6.515/&& (Lei do Divórcio). Referencias normativas: Deveres conjugais: CC 1.565 a 1.570; atos que violam deveres conjugais: CC 1.573.

Destrinchando o artigo em comento, Marco Túlio de Carvalho Rocha inicia com:

1. Da separação-sanção: a) separação-sanção (caput); b) separação-consumação ou separação-falência (§ 1º); c) separação-remédio (§§ 2º e 3º).

A regulamentação da separação judicial litigiosa perdeu sentido prático com a promulgação da Emenda Constitucional n. 66/2010, que possibilitou a qualquer dos cônjuges requerer o divórcio direito a qualquer tempo, sem que para tanto tenha de alegar qualquer justificativa especial. Desse modo, mesmo que um dos cônjuges ajuíze ação com base neste dispositivo, o outro sempre poderá obter a dissolução do casamento mediante o divórcio direito e, desse modo, fazer extinguir por perda do objeto o processo de separação judicial e, desse modo, fazer extinguir por perda do objeto o processo de separação judicial em que se lhe seja imputada alguma culpa ou invocada alguma outra causa.

Pode-se mesmo dizer que o dispositivo se tornou, na prática, um inútil eco do passado. Isso não justifica, no entanto, considera-lo revogado, porque não há na lei nem na teoria das fontes a revogação por inutilidade prática. Há inúmeros institutos jurídicos que sofrem do mesmo mal, que não deixam de vigorar. 

A separação-sanção de que cuida o caput é a forma mais característica de separação judicial da tradição familiarista do Ocidente e, por influência da Igreja, orienta-se pelo princípio da culpa, i.é, permite o pedido unilateral de separação mediante a prova de que um dos cônjuges cometeu grave violação a um dos deveres matrimoniais elencados nos CC 1.565 a 1.570.

Somente autoriza o pedido de separação judicial com base neste dispositivo a violação grave que torne insuportável a vida em comum. O CC 1.573 contém enumeração exemplificativa das principais e mais comuns violações dos deveres matrimoniais. A gravidade da violação e a insuportabilidade da vida conjugal são medidas segundo as circunstâncias de cada caso. O assentimento e o perdão, no entanto, provam a ausência dos referidos requisitos e extinguem o direito de pedir a separação judicial com base na culpa.

2. Separação-consumação. A separação-consumação ou separação-falência foi admitida pelo parágrafo 1º do art. 5º da Lei n. 6.515, introduzindo, no direito brasileiro, o princípio da ruptura, que permite a separação judicial independentemente da alegação de culpa.

Conforme o Código Civil de 2002, a ruptura da vida conjugal por 1 ano permite tanto a separação-sanção por abandono quanto a separação sem culpa, nos termos do CC 1.572, § 1º, que pode ser requerida, inclusive, pelo cônjuge que deixou o lar. 

A ruptura da vida conjugal, vale lembrar, caracteriza a separação de fato do casal e tem importantes efeitos jurídico:

a) permite aos cônjuges contrair união estável (CC 1.723, § 1º);

b) alguns entendem que faz cessar a presunção de paternidade (VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997; RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família, v.. 2. 3. ed. Rio de Janeiro: Aide, 2005);

c) se superior a 2 anos, exclui direitos sucessórios (CC 1.830);

d) se superior a 5 anos, impede um cônjuge de reivindicar bens alienados pelo outro cônjuge ao concubino (CC 1.642, V); e) após certo tempo, entende-se, jurisprudencialmente, que cessa a comunhão de bens:

DIVÓRCIO DIREITO – Partilha. Bem imóvel adquirido muitos anos após a separação de fato das partes e através do esforço único do varão. Impossibilidade de se deferir a meação à mulher. Precedentes. Recurso improvido (TJSP, AC 307.795-4/0, 3ª CDPriv., Rel. Des. Flávio Pinheiro, j. 11.11.2003, v.u.; RBDFam 26/124).”

f) se resultar de abandono, permite ao cônjuge que mantenha a posse usucapir imóvel de até 250 m², após 2 anos, se não for proprietário de outro imóvel (CC 1.240-A, com a redação dada pela Lei n. 12.424/11).

3. Separação-remédio. O dispositivo cuida da chamada separação-remédio que é alvo de acerba crítica doutrinária, pois o pedido de separação em razão de doença do outro cônjuge atenta, acentuadamente, contra o princípio da comunhão matrimonial. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.572, acessado em 16.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No comentário de Milton Paulo de Carvalho Filho, o artigo trata da separação judicial, que é causa de dissolução da sociedade conjugal (CC 1.571, III). Não rompe o vínculo matrimonial, de modo que nenhum dos consortes pode convolar novas núpcias somente separado, exigindo a lei que estejam divorciados.

A separação judicial pode ocorrer de forma consensual, por mútuo consentimento (CC 1.574), podendo nesta hipótese se dar também extrajudicialmente, ou litigiosa. A tratada no artigo é a litigiosa. Tem por fundamento a culpa de um dos cônjuges (caput) ou uma das causas objetivas independentes de culpa (§§ 1º e 2º) (a respeito da necessidade da prova da culpa, veja comentários e jurisprudência correspondente ao CC 1.573, a seguir).

São três as espécies de separação litigiosa. A primeira delas é a separação-sanção, prevista no caput do artigo, que é, na verdade, uma cláusula geral. Está fundamentada na culpa que um dos cônjuges atribui ao outro pela dissolução do matrimônio, em razão da grave violação de um dos deveres conjugais (há quem sustente que apenas essa separação é litigiosa, porquanto nas demais não se discute a culpa). Os requisitos (a) de qual dever do casamento foi gravemente violado (art. 1.566) e (b) da insuportabilidade da vida em comum são cumulativos e devem ser demonstrados pelo autor. A culpa, portanto, deve ser comprovada. Reconhecida a culpa, o cônjuge perderá o direito a alimentos, exceto os naturais, nas hipóteses dos arts. 1.694, § 2o, e 1.704, parágrafo único (veja comentários aos arts. 1.702 e 1.704), e o direito de conservar o sobrenome do outro, observadas as exceções do art. 1.578 (veja comentário). Já a culpa recíproca afasta o direito a alimentos de qualquer dos cônjuges. O art. 1.573 enumera os motivos que podem causar a insuportabilidade da vida comum e serão analisados a seguir. Quando a ruptura do matrimônio provém da prática de um ato antijurídico, de um delito ou quase delito (por exemplo, adultério ou agressões físicas continuadas), produzindo danos de natureza extrapatrimoniais ao outro cônjuge, que teve sua honra ofendida, a doutrina atual tem admitido a reparação moral, com amparo no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, elevado à categoria de fundamento da República Federativa do Brasil (CF, art. Iº, III) (veja doutrina na RT775/128).

No § Iº do artigo ora comentado se encontra a separação-ruptura (ou falência), que se caracteriza pela ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição. Nessa modalidade não se discute culpa. São requisitos cumulativos (a) a separação de fato há mais de um ano e (b) a impossibilidade da reconstituição do casamento. Ambos devem ser comprovados; contudo, não se discutirá a razão da ruptura ou quem tenha dado causa a ela. A lei passou a considerar possível, para os fins da contagem do tempo estabelecido no parágrafo, a soma dos períodos de separação para integralizar o prazo exigido, abolindo-se também a sanção, no tocante à partilha dos bens, que era imposta ao cônjuge que tomava a iniciativa da ação. Esse é o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves em Direito de família, 8. ed. São Paulo, Saraiva, 2002.

O § 2º do art. 1.572 trata da separação-remédio, que recebeu muitas críticas da doutrina por ofender o dever de mútua assistência moral (CC 1.566, III). Poderá ser pedida (a) quando o cônjuge estiver acometido de doença mental grave (b) manifestada após o casamento, (c) impossibilitando a continuação da vida em comum e (d) quando for reconhecido que a cura para a doença é improvável. O requerente deverá fazer a prova da insanidade mental. São casos de doença mental para os fins dispostos neste artigo, entre outros, a paranoia, a neurose-traumática e a psicose maníaco-depressiva.

Por fim, o § 3º o deste artigo acima considera efeito patrimonial da separação sem culpa, apenas no caso da separação requerida por motivo de doença mental (§ 2º), a perda pelo cônjuge requerente dos bens remanescentes que o cônjuge enfermo levou para o casamento, assim como a perda da meação dos aquestos, se o regime adotado permitir. O dispositivo visa dar maior proteção à pessoa doente e impor uma sanção ao cônjuge requerente. Na verdade, o requerente perderá a meação dos bens remanescentes do cônjuge enfermo, quando adotado o regime da comunhão universal de bens, e metade dos adquiridos na constância da sociedade conjugal, se o regime for o da comunhão parcial. O Código não mais prevê a cláusula da dureza (art. 6º da Lei do Divórcio), que estabelece a possibilidade de o juiz negar a separação-remédio caso ela traga agravamento da saúde do cônjuge doente ou prejuízo aos filhos do casal. De outra sorte, o Código de 2002 reduziu de cinco para dois anos o período de duração da enfermidade grave de cura improvável, que servirá de fundamento à separação-remédio (art. 5º, § 2º, da Lei do Divórcio). Considerando que haverá a necessidade de o cônjuge requerente fundamentar e comprovar o pedido de reconhecimento da separação-remédio, correndo o risco de sofrer repercussão negativa em seu patrimônio, decorrido o prazo de dois anos de separação, caracterizado pela impossibilidade de continuação da vida em comum, poderá requerer imediatamente o divórcio direto. Isso explica porque há forte tendência de o disposto no § 2º do artigo comentado cair em desuso.

Controvertida na doutrina é a questão relativa à possibilidade de reparação por dano moral em Direito de Família, especialmente nas hipóteses de separação judicial por descumprimento de alguns dos deveres do casamento. Regina Beatriz Tavares da Silva sustenta ser cabível a indenização quando houver dano ao consorte em razão de tal descumprimento, não se enquadrando nessa hipótese o simples desamor, pois a falta de amor, por si só, não pode acarretar qualquer consequência jurídica, já que amar não é dever jurídico, inexistindo ato ilícito na falta de amor. Sobre o tema, Ênio Santarelli Zuliani assevera que no cotidiano familiar o dano que outrora não se ressarcia, hoje se indeniza. O abandono afetivo, por exemplo, nunca deixou de ser um ato de covardia que se comete contra um ser frágil, mas nunca foi reprovado; agora o é, pelos efeitos perversos da rejeição que, naturalmente, perturbam e lesam a vida, a saúde e o bem-estar da vítima. O sentido cultural do problema é atualmente mais aguçado e receptivo. A infidelidade conjugal é mais grave que a desilusão em face de um amor não correspondido, ela nem sempre será indenizável, exatamente porque o direito jamais impedirá os acertos e desatinos dos sentimentos; contudo, quando a traição excede os limites de uma acentuada tolerância, que se admite em casos do gênero, ao traído cabe destinar uma quantia em dinheiro para que se recupere do golpe vergonhoso e humilhante.

Assim, forçoso é concluir que o cabimento da indenização com essa finalidade é de ser analisado em cada caso concreto. Terá em vista a natureza dos direitos lesados, a intensidade da violação e as consequências dela promanantes, para que seja reconhecida a necessidade de reparação e atribuído o seu valor em pecúnia. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.696-97  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na linha do histórico que sempre antecede a doutrina de Ricardo Fiuza, o texto original deste artigo, aprovado pela Câmara no início da tramitação do projeto, estabelecia o prazo de cinco anos de separação de fato (separação ruptura) e de duração da doença mental (separação remédio), para que um dos cônjuges pudesse propor a ação de separação fundada, respectivamente, nos § 1º e 2º , e a modificação do regime de bens, disposta no § 3º , era aplicada a essas duas espécies de dissolução da sociedade conjugal. Durante a tramitação no Senado Federal, foi eliminada a conduta desonrosa do caput do dispositivo, e o prazo da separação judicial fundamentada no § 1º foi reduzido a dois anos. O Senado acrescentou, ainda, cláusula final ao capta do artigo, estabelecendo que as hipóteses de grave violação aos deveres do casamento (separação culposa) seriam apenas aquelas previstas no CC 1.573. Na Câmara, em sua redação final, o prazo de separação de fato foi reduzido a um ano e o prazo da duração da doença mental do cônjuge foi diminuído para dois anos, em consonância com a Constituição Federal, que prevê o divórcio direto diante de separação de fato por dois anos consecutivos. Além dessas importantes correções, a sanção imposta no § 3º passou a ser aplicada somente à separação baseada na grave doença mental do cônjuge. E, quanto à separação judicial fundamentada em grave violação aos deveres conjugais, restabeleceu-se o regime aberto e não limitado às hipóteses do CC 1.573.

Em sua doutrina, Ricardo Fiuza retrata todas as novas medidas. Diz ele este dispositivo regular as três espécies de separação judicial, por pedido unilateral, denominadas, doutrinariamente, “sanção”, “ruptura” e “remédio”, e discrimina:

Separação “sanção”o sistema das causas genéricas na separação culposa, adotado no caput do dispositivo, é o melhor, uma vez que o juiz, diante do fato, ou causa real ou concreta da separação, realça o seu devido enquadramento na causa legal, que é o grave descumprimento de dever conjugal. Foi corrigida falha constante da legislação anterior (Lei n. 6.515/77, Art. 52, caput), fazendo-se referência somente ao grave descumprimento de dever conjugal e eliminando-se a redundante referência à conduta desonrosa, consoante nossas sugestões anteriores, reiteradas na fase final de tramitação do projeto na Câmara dos Deputados (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Dever de assistência imaterial entre cônjuges, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 174 e 175). A conduta desonrosa nada mais é do que injúria grave indireta, ou seja, o comportamento do cônjuge que depõe contra sua honra, afetando, pela via indireta, a reputação social de seu consorte, em razão do princípio da solidariedade de honras que existe no casamento; desse modo, ao referir-se ao grave descumprimento dos deveres conjugais, dentre os quais está o dever de respeito e consideração (CC 1.569, inciso V), o dispositivo já prevê essa causa de separação judicial. Além disso, no art. 1.573, VI, a conduta desonrosa está expressamente estabelecida como causa real ou concreta de separação judicial, de modo que a redundância era evidente.

Separação “ruptura”: nesta espécie de separação não importam os motivos que ensejaram a ruptura da vida em comum, tendo como únicos requisitos a separação de fato por um ano contínuo e a impossibilidade de reconstituição da comunhão de vidas.

Separação “remédio”: a sugestão de manutenção desta espécie de separação judicial, fundada na doença mental do cônjuge, foi acolhida na redação final deste dispositivo. A introdução do divórcio direto, fundado na separação de fato por dois anos, não dispensa a regulamentação da separação “remédio” devem ser diferenciadas dos efeitos do divórcio direto. Enquanto o cônjuge mentalmente doente merece proteção especial, inclusive de benefícios de cunho patrimonial, na partilha de bens, consoante o § 32 do mesmo artigo, além da prestação de alimentos, as partes, na ação de divórcio direto que se fundamenta na pura e simples separação de fato por dois anos consecutivos, devem ser tratadas sem qualquer proteção especial ao demandante ou ao demandado. Outra sugestão que realizou-se e que foi adotada diz respeito ao prazo de duração da doença mental do cônjuge, que foi reduzido para dois anos, tendo em vista ser período suficiente à avaliação da gravidade da doença e da impossibilidade de manutenção da vida conjugal (v. Regina Beatriz lavares da Silva Papa dos Santos, Dever de assistência imaterial entre cônjuges , cit., p. 225).

Modificação do regime de bens: o § 32 estabelece a modificação do regime da comunhão universal de bens em benefício do cônjuge que padece de doença mental. Essa regra era, no regime legal anterior, erroneamente aplicada de forma indiscriminada às separações “ruptura” e “remédio” (Lei n. 6.515/77, art. 5º, § 32). Assim, o cônjuge que desejava regularizar seu estado civil, encontrando-se separado de fato, ao utilizar-se do permissivo legal da separação “ruptura”, pelo simples fato de promover a ação respectiva era punido indevidamente pela lei. Consoante as sugestões, foi eliminada tal punição na separação “ruptura”, de modo que a alteração do regime de bens passou a beneficiar somente o cônjuge mentalmente enfermo (v. Regina Beatriz lavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 120-3). 

Como já deixou-se assentado em estudos anteriores, não fazia qualquer sentido negar a separação judicial se esta viesse a constituir causa de agravamento das condições pessoais do cônjuge, ou determinar consequências morais, mesmo que graves, aos filhos menores, como ocorre no regime da Lei n. 6.515/77, art. 6º. Quando a desunião se instala, pela separação de fato, não pode haver mal maior à prole do que a manutenção forçada do casamento de seus pais. Quando a separação de fato destrói a comunhão física e espiritual entre os cônjuges, é precisamente em face do desequilíbrio que passa a existir no agrupamento familiar que deve haver a possibilidade do desfazimento desse casamento (v. Regina Beatriz lavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, cit., p. 99 e 103). Essa cláusula de dureza foi eliminada no novo Código Civil, seguindo as sugestões.

(Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 794-95, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft WordAcessado em 16/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

 I — adultério;

II — tentativa de morte;

III — sevícia ou injúria grave;

IV — abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

V — condenação por crime infamante;

VI — conduta desonrosa. 

Parágrafo único. O Juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

Na visão de Milton Paulo de Carvalho Filho, o artigo enumera os motivos que caracterizam a impossibilidade de manutenção da vida em comum. 

O Código restabeleceu o rol de situações que autorizavam a separação litigiosa previsto no art. 317 do Código Civil de 1916, então revogado pela Lei n. 6.515, de 26.12.1977. O rol é exemplificativo (até por esse motivo o elenco de cláusulas gerais estabelecido na Lei do Divórcio era mais eficiente) por força do que dispõe o parágrafo único do artigo, autorizando o juiz a considerar outros motivos para aquilatar a insuportabilidade do convívio do casal para os fins da separação, tendo em vista a ausente comunhão plena de vida retratada no CC 1.511 (veja comentário) como efeito do casamento. Entre eles podem ser citados os casos de “incompatibilidade de gênios” e de “crueldade mental”, próprios de casais que efetivamente “não combinam”, desde que o comportamento de um dos cônjuges se revele ofensivo ao dever de “respeito e consideração”, tornando insuportável o prosseguimento da vida em comum (OLIVEIRA, Euclides Benedito de. “Direito de família no novo Código Civil”. In: Cadernos Jurídicos, n. 13, p. 97-112). Até mesmo pela ausência da affectio, que constitui a própria razão de ser do relacionamento conjugal, pode ser decretada a separação judicial com fundamento exclusivo na impossibilidade de continuação da vida em comum. Evidencia ainda a insuportabilidade da vida em comum, o mero ajuizamento da ação imputando fato grave ao outro, a autorizar, inclusive, a inversão da prova quanto à exceção da suportabilidade da vida em comum.

A propósito do tema, oportuna a referência ao Enunciado n. 254 da III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no seguinte sentido: “formulado o pedido de separação judicial com fundamento na culpa (arts. 1.572 e/ou 1.573 e incisos), o juiz poderá decretar a separação do casal diante da constatação da insubsistência da comunhão plena de vida (CC 1.511) - que caracteriza hipótese de outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum’ - sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges”. 

De qualquer forma, o que importa ressaltar é que o tipo aberto previsto no parágrafo único pode ser a válvula de escape para que o julgador, valendo-se da equidade, relativize o sistema separatório brasileiro, que exige comprovação de culpa e que representa verdadeiro retrocesso doutrinário e jurisprudencial, para poder, norteado especialmente pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, autorizar a separação do casal - independentemente da prova da culpa - que não mais pretenda preservar o matrimônio, porque falido (veja jurisprudência a seguir). Contudo, mais correta seria a proposta de alteração legislativa do dispositivo, para permitir que qualquer dos cônjuges possa ajuizar ação de separação judicial, com fundamento na impossibilidade da vida em comum. 

O primeiro motivo enumerado no artigo comentado é o adultério (inciso I), que constitui ofensa ao dever recíproco de fidelidade. Por essa razão seria melhor que o legislador tivesse mencionado a infidelidade, em vez do adultério, pois, além de possuir um dever correspondente, abrangeria outros casos de infidelidade, já que o adultério não é a única forma de violação do dever de fidelidade, sendo, na verdade, espécie do gênero infidelidade. Há proposta de alteração deste dispositivo no Projeto de Lei n. 276/2007. O adultério é, de outra parte, a mais infamante das causas separatórias. A infidelidade virtual é uma nova forma de relacionamento que pode ser motivo da separação judicial litigiosa. Não constitui adultério, mas injúria grave. Caracteriza-se pela possibilidade de o internauta casado valer-se de programa de computador para manter envolvimentos amorosos que criam laços afetivo-eróticos virtuais, fazendo surgir, na internet, infidelidade, por e-mail e contatos sexuais imaginários com outra pessoa, que não seja seu cônjuge, dando origem à conduta desonrosa (veja DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil - direito de família. São Paulo, Saraiva, 2002). O adultério caracteriza-se pela conjunção carnal entre duas pessoas de sexo diferente, exigindo também a voluntariedade da ação. Os atos pré-sexuais ou preparatórios configuram o quase-adultério ou injúria grave. O adultério científico é a inseminação artificial, que também constitui injúria grave e não é verdadeiramente adultério, pois este exige a realização do ato sexual. 

O segundo motivo previsto no artigo é a tentativa de morte (inciso II). Caracteriza-se pelo começo de execução do crime de homicídio por um dos cônjuges contra o outro, só não consumado por circunstâncias alheias à vontade do agente. O seu reconhecimento não depende da condenação penal do agente. Contudo, poderão ser aproveitadas as causas de sua absolvição criminal, consistentes na falta de prova da existência do fato, de sua autoria e na presença de uma das causas de exclusão da antijuridicidade.

sevícia (inciso III) - maus-tratos corporais ou agressões físicas intencionais - e a injúria grave (inciso III) - conceito de grande extensão ou elasticidade - também são motivos que autorizam a separação litigiosa. A injúria, ato que ofende a integridade moral do cônjuge, pode ser real - derivada de gesto ultrajante, que diminui a honra e a dignidade do outro ou põe em perigo seu patrimônio - ou verbal - decorrente de palavras que ofendam a respeitabilidade do outro cônjuge.

O “abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo”, previsto no inciso IV, é causa para a separação litigiosa. O abandono, que é a ausência física ou moral, deve ser, necessariamente, voluntário, pressupondo a intenção ou o ânimo do consorte de não mais retornar ao lar conjugal depois do prazo mínimo de um ano cumprido continuamente. Pode se caracterizar pelo ato de deixar o outro cônjuge e os filhos desamparados material e moralmente. A ausência física do cônjuge, que é o abandono material, deve ser por um ano e ter motivo justo. Já o prazo de um ano exigido pela lei para a configuração do abandono, sem o qual não haveria a situação motivadora da separação, não guarda coerência com o disposto no CC 1.723, § Iº, que reconhece a união estável, sem exigir qualquer lapso temporal, quando a pessoa casada se achar separada de fato. Assim, para que seja possível ao cônjuge separado regularizar seu estado civil, deverá esperar que o juiz reconheça, com fundamento no parágrafo único do artigo comentado, a impossibilidade da vida em comum, pela união do cônjuge com terceiro, ainda que decorrente de concubinato. Por essa razão é que será bem-vinda a alteração proposta no Projeto de Lei n. 276/2007 que excluirá do inciso esse prazo de um ano. Vale ressaltar que o referido prazo legal também é incompatível com a comunhão plena de vida prevista no CC 1.511 (veja comentário), porquanto para que esse dever deixe de existir não há a necessidade do prazo de um ano, podendo ocorrer até mesmo antes do decurso de tal período.

A condenação do cônjuge por crime infamante acarreta a insuportabilidade da vida em comum, porque revela o caráter do seu autor, responsável pela repulsa no meio social em que vive. A conduta desonrosa, que foi deslocada do caput do art. 5º da Lei n. 6.515/77 para figurar como motivo autônomo da separação, por impossibilidade da comunhão de vida, é conceito jurídico indeterminado cuja definição cabe aos juízes e tribunais, diante do caso concreto. Fatores como o ambiente familiar, o meio social em que vive o casal, a sensibilidade e o grau de educação dos cônjuges deverão ser considerados para tal definição. Não há dúvida de que o comportamento imoral, ilícito ou antissocial pode configurar conduta desonrosa. A doutrina e a jurisprudência reconhecem o alcoolismo, o uso de tóxicos, o namoro com estranhos, a prática de crimes sexuais e de crimes em geral e a contaminação com doença venérea como condutas desonrosas. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.700-702  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 16/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o histórico que geralmente acompanha, antecedendo a doutrina do relator, o texto original deste artigo, conforme o projeto de Clóvis do Conto e Silva, e que restou aprovado pela Câmara no período inicial de tramitação do projeto, era o seguinte: “Considerar-se-á impossível a comunhão de vida tão-somente se ocorrer algum dos seguintes motivos: 1— adultério; II — tentativa de morte; III — sevícia ou injúria grave; IV — abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V — condenação por crime infamante; VI — conduta desonrosa”. Durante a tramitação no Senado Federal, foi atenuado o rigor enumerativo do dispositivo, que passou a ter a seguinte redação: “Considerar-se-á impossível a comunhão de vida se ocorrer algum dos seguintes motivos: 1 — adultério; II — tentativa de morte; III — sevícia ou injúria grave; IV — abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V — condenação por crime infamante; VI — conduta desonrosa. Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos, que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”. Retornando o projeto à Câmara, promoveu o Deputado Ricardo Fiuza nova modificação no caput do artigo, substituindo a frase “Considerar-se-á impossível a comunhão de vida” por outra que denota, com maior clareza, o caráter permissivo e não taxativo da regra: “Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida”.

Então, dessa forma final, toma-se conhecimento da Doutrina do Relator Ricardo Fiuza: O Projeto de Código Civil n. 634/75, em sua redação aprovada pelo Senado em 1997, ao mesmo tempo em que reproduzia, no artigo anterior, a regra constante do art. 52, caput, da Lei do Divórcio, retrocedia ao antigo sistema do Código Civil, das causas taxativas.

Alerta-se sobre as falhas do sistema híbrido que se projetava: uma norma genérica e uma regra limitativa, a gerar dúvidas de interpretação, além de constituir um retrocesso e implicar a perda da evolução alcançada na matéria pela Lei do Divórcio, sob a inspiração do Código Civil francês (v. Regina Beatriz lavares da Silva Papa dos Santos, Dever de assistência imaterial entre cônjuges. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 100 e 101). Foi, então, incluído parágrafo único no dispositivo para o fim de dar-lhe caráter exemplificativo. Essa natureza do artigo em teia foi reforçada em sua redação final, por meio da frase constante do caput: “Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida...”. 

No entanto, reitera-se a seguinte indagação: se o poder discricionário do juiz é retomado no referido parágrafo único: não tendo a norma caráter taxativo, em que seria embasada a razão da manutenção de elenco dos motivos culposos da separação.  Não encontrou-se resposta convincente, já que cabe ao juiz conhecer o conteúdo dos deveres conjugais que são estabelecidos em lei, para, então, enquadrar a causa concreta da separação na respectiva causa legal, consoante regra genérica anterior. 

Já que foi mantida a regra em análise, deve ser modificado o seu inciso IV, que refere o abandono do lar pelo prazo de um ano, prazo este que não se aplica desde a Lei n. 6.515/77; anote-se que essa exigência de duração do abandono do lar por um ano, para possibilitar o pedido de separação judicial culposa, está em contradição com os requisitos da união estável, que possibilitam sua constituição diante de separação de fato no casamento de um dos conviventes (CC 1.723, § lº) desse modo, o cônjuge pode, separado de fato, constituir união estável, mas não lhe é possibilitada a propositura de ação de separação judicial para buscar a regularização de seu estado civil, se abandonado por período inferior a um ano. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 795-96, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft WordAcessado em 16/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Tendo como base a seus comentários o Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha – Direito anterior: art. 317 do Código Civil de 1916; art. 82 do Dec. n. 181/1890. Referências normativas: Deveres conjugais: CC 1.566; cláusula geral da separação-sanção: CC 1.572.

1. Ecos do passado. A enumeração das causas que justificam a separação-sanção é duplamente arcaica. Primeiro, porque, como já se apontou nos comentários ao CC 1572, a separação judicial litigiosa perdeu sentido prático; segundo, porque a enumeração das condutas que autorizavam a separação-sanção (feita no artigo 317 do Código Civil de 1916) já havia sido substituída pela cláusula geral do art. 5º da Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio) que corresponde ao CC 1.572 vigente. O referido rol é prova da vetustez do Código Civil de 2002, que resulta de um projeto de lei de 1972 e que, por isso, reavivou regras que já tinham se tornado obsoletas há décadas. 

Em suma, a tradição jurídica ocidental, análoga ao Direito Canônico, enumerava as causas que permitiam o desquite (separação judicial) e não permitia a extinção da sociedade conjugal por outras razões: o rol era fechado; a Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77) estabeleceu uma cláusula geral para as causas da separação-sanção; o Código Civil de 2002, fruto de um projeto de 1972 adaptado segundo as alterações legislativas posteriores, reproduziu o rol das causas de separação-sanção, tal como o fazia o Código de 1916, mas acrescentou a cláusula geral, conforme prevista na Lei do Divórcio, fazendo com que a referida enumeração tenha passado a ter caráter meramente exemplificativo, como assevera o parágrafo único do artigo comentado. 

2. Adultério é a prática sexual consciente e voluntária com pessoa do sexo oposto. As demais práticas sexuais violadoras do dever de fidelidade não abrangidas no conceito de adultério representam injúria grave.

3. Sevícia ou injúria grave. Sevícia é violência física; injúria grave é toda ofensa moral – o termo não é empregado no sentido exato que possui no Direito Penal – inclusive violações ao dever de fidelidade não abrangidas no conceito de adultério (quase-adultério). 

4. Abandono do lar. O abandono do lar é a violação do dever de coabitação. Exige a intenção de romper a vida em comum. A saída do lar deve ser injustificada. O CC 1.569 enumera hipóteses em que a ausência do domicilio conjugal não representa abandono do lar. Contraditoriamente, o Código Civil prevê que a ruptura da vida em comum pelo mesmo prazo de 1 ano permite a separação-ruptura (CC 1.572, § 1º). 

5. Crime infamante. Que eram, no Código Criminal do Império, de 1830, os crimes contra o patrimônio, a fé pública e a honra. A legislação atual desconhece o instituto. Não há analogia entre crime infamante e crime hediondo. 6. Conduta desonrosa – que era considerada pela antiga doutrina familiarista uma “causa facultativa da separação” que dependia da demonstração da gravidade. Era a previsão que conferia maleabilidade ao sistema da enumeração fechada das causas de separação. Exemplos de condutas desonrosas: emissão reiterada de cheque sem fundos, cometimento de vários crimes, vício de jogo, de embriaguez e a toxicomania, “práticas degeneradas de religiosidade”, práticas sexuais anômalas”. 

Algumas condutas desonrosas representavam violações ao dever de respeito e estima: “adultério casto” (inseminação artificial não-autorizada); incitação do cônjuge ao cometimento de crime, prodigalidade; homicídio contra familiar do cônjuge; revogação abrupta de procuração, negativa injusta da paternidade.

Outras violavam o dever de coabitação: recusa às relações sexuais; constrangimento de cônjuge a viver com parente (CAHALI, Youssef Said. Divórcio e separação, t. I, 7. ed., São Paulo: RT, 1994, p. 385-388). (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.573, acessado em 16.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

segunda-feira, 15 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.568, 1.569, 1.570 Da Eficácia do Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.568, 1.569, 1.570

Da Eficácia do Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

 -  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Título I – Do Direito Pessoal – Subtítulo I – Do casamento –

Capítulo IX – Da Eficácia do Casamento – (Art. 1.565 a 1.570)   

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 Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial. 

Direito anterior: art. 233, inciso IV, e 277 do Código Civil de 1916; art. 56 do Decreto 181/1890. Referencias normativas: CC 1.688.

A Lei, a tese e o bom senso, como mostra Marco Túlio de Carvalho Rocha, apontam para o princípio da comunhão de vida, impondo a solidariedade entre os cônjuges em relação a aspectos morais e materiais. A incidência do princípio da comunhão sobre as despesas domésticas determina que estas sejam obrigação de ambos os cônjuges, que devem concorrer na proporção de seus rendimentos. A recusa configura, portanto, descumprimento de dever conjugal e pode dar ensejo à ação de alimentos mesmo na constância do casamento.

O Código Civil francês dispõe no artigo 214: “Se as convenções matrimoniais não regulamentam a contribuição dos cônjuges para os encargos do casamento, eles contribuem na proporção de suas respectivas faculdades. Se um dos cônjuges não cumprir suas obrigações, pode ser constrangido pelo outro nas formas previstas no Código de Processo civil.

O dever do artigo 214 do Código civil francês tem caráter mais amplo do que o dever de alimentos e significa, segundo a doutrina, o dever de o cônjuge mais afortunado “assegurar a seu cônjuge um nível de vida igual ao seu” (REBELLIN-DEVICHI, Jacqueline (Coord.). Droit de la Famile, Paris: Dalloz, 1999, p. 91).

O Código Civil Espanhol, nesse particular, também confere igualdade de condições ao marido e à mulher, sucintamente: “o marido e a mulher devem respeitar-se e ajudar-se mutuamente e atuar no interesse da família” (art. 67).

O Código Civil italiano é claro: “Ambos os cônjuges devem, cada um em relação aos próprios bens e à própria capacidade de trabalho profissional ou doméstico, contribuir para as necessidade da família (art. 143, § 3º).

O artigo 1.676º do Código Civil português é minucioso:

1. O dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afetação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.

2. Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar exceder a parte que lhe pertencia nos termos do número anterior, presume-se a renúncia ao direito de exigir do outro a correspondente compensação.

3. Não sendo prestada a contribuição devida, qualquer dos cônjuges pode exigir que lhe seja diretamente entregue a parte dos rendimentos ou proventos do outro que o tribunal fixar.

Na Alemanha, o § 1.360 do BGB determina o dever recíproco dos cônjuges de contribuir com o próprio trabalho ou com o patrimônio pessoal para a manutenção da família, na proporção de seus ganhos. Se um dos cônjuges dedica-se ao trabalho doméstico, considera-se desobrigado de exercer atividade profissional (FERRAND, Frédérique. Droit Privé Allemand, Paris: Dalloz, 1997, p. 462-463). (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.568, acessado em 15.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Segundo o autor Milton Paulo de Carvalho Filho, ainda fundamentado no princípio constitucional da igualdade entre os cônjuges (art. 226, § 5º, da CF), estabelece o legislador que o sustento da família e a educação dos filhos, seja qual for o regime patrimonial, competirão a ambos os cônjuges. A repartição desses ônus e afazeres respeitará a situação patrimonial de cada cônjuge, pois será estabelecida na proporção de seus bens e rendimentos do trabalho. Os cônjuges também deverão responder solidariamente pelas dívidas contraídas em benefício da família (v. comentários aos arts. 1.643, 1.644 e 1.664). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.689  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

O autor Lourivalter Silva Junior, em seu artigo – Direito de Família. A repetição do indébito dos alimentos, já em seu resumo alerta sobre o fato de no Direito de Família, mais precisamente na área do dever alimentar, há a intenção que as partes envolvidas ajam com ética e boa-fé quando uma delas inicia um novo relacionamento, repensando, assim, na irrepetibilidade dos alimentos. Ou ainda, quando, por exemplo, a mãe recebe a pensão do filho que está morando com o pai. Assim, o credor utiliza de evasivas para prorrogar o recebimento do direito alimentar, agindo então, em desconformidade com a ética e a boa-fé, pois sabe que está ciente que pratica um ato ilícito quando recebe a pensão. Quando o credor age de má-fé, o devedor pode, por sua vez, requerer a cessação dos pagamentos da pensão, assim como a restituição dos que foram feitos no período que for provada a repetição do indébito. Porém, a questão é polemica, e tem várias divergências doutrinárias. A maioria das decisões rejeita a pretensão de repetição dos indébitos dos alimentos, mas há de se concordar que a dignidade humana deve saber sua responsabilidade perante os seus atos, quer seja de boa ou má fé.

O modelo rígido e extremamente formal que o Direito Civil adotava foi abandonado em função da adoção de um método mais flexível, fundamentado em cláusulas gerais que foram inspiradas em valores e princípios constitucionais e a boa-fé objetiva, por conter valores essenciais deve ser priorizada em todas as relações jurídicas, inclusive nas relações familiares.

Com efeito, os valores da dignidade humana, igualdade, e solidariedade estruturam o direito civil-constitucional, gerando reflexos na formulação dos princípios jurídicos familiares contemporâneos. Tais valores centrais dão ensejo a outros, tidos como de decorrência lógica, dentre os quais merecem destaque o afeto, a confiança, o respeito, a lealdade e a responsabilidade.

Baseado na boa-fé objetiva, cada um dos sujeitos da relação jurídica não deve contrariar os próprios atos anteriormente praticados, pois isso violaria as expectativas despertadas no outro, causando-lhe prejuízos. No Direito de Família, o comportamento de forma leal e cooperativo, condiz com as promessas e probabilidades projetadas, evitando assim, o exercício abusivo dos direitos.

Segundo a doutrina, não se pode restituir os alimentos pagos qualquer que seja o motivo da cessação do dever de prestá-los, levando em conta, que sua finalidade é de garantir a sobrevivência de quem os recebe. Portanto, eles são consumidos de imediato. Para Cerqueira, toda vez que um pagamento de alimentos é realizado indevidamente, a pessoa que o fez, tem o direito de reclamar a prestação desde que sejam atendidos os requisitos previstos no ordenamento jurídico. Se o solvens paga sem a existência do débito, mesmo que o valor pago tenha sido utilizado para o atendimento das necessidades básicas do accipiens, pode-se exigir a restituição, desde que o devedor reúna condições de atender à decisão judicial. Se estiverem presentes os pressupostos de ordem geral (enriquecimento sem causa) e especial (pagamento indevido), promover a ação de repetição de indébito é totalmente lícito por parte do interessado. (Lourivalter Silva Junior, em seu artigo – Direito de Família. A repetição do indébito dos alimentos, monografia aprovada pela Coordenação do curso de Direito da Universidade Estadual de Minas Gerais em 06 de novembro de 2010, postada no site lourivalter.jusbrasil.com.br/, e acessada em 15/03/202. Revista e atualizada nesta data por VD).

Art. 1.569. O domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro podem ausentar-se do domicilio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes.

Direito anterior: Inciso III do art. 233 do Código civil de 1916. Referências normativas: Igualdade dos cônjuges: art. 226, § 5º, da Constituição; conceito de domicilio: CC 70; dever de vida em comum no domicilio conjugal: CC 1.566, inciso II; possibilidade de recurso à justiça: parágrafo único do CC 1.567.

Na toada do Mestre Carvalho Rocha, domicilio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece sua residência com ânimo definitivo (CC 70). A fixação do domicílio, em regra, liga-se à vontade da pessoa de morar num determinado local.

Em certos casos, a lei determina o domicílio da pessoa, independentemente de sua vontade, atendendo a situações de interesse público (CC 76). O parágrafo único do art. 36 do Código Civil de 1916 previa que a mulher casada tinha como domicilio o do marido. A regra não foi repetida pelo Código Civil vigente, razão pela qual o domicílio de ambos, embora tenham o dever de vida em comum, é voluntário.

O § 7º do artigo 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei n. 4.657, de 1942) dispõe que, salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não-emancipados, dispositivo que se deve considerar derrogado implicitamente pela igualdade jurídica dos cônjuges mesmo em relação a estrangeiros, uma vez que a igualdade dos cônjuges é norma de direito fundamental e, portanto, de ordem pública que prevalece no Brasil mesmo para os casos em que se deva observar a legislação estrangeira. 

O Código Civil espanhol também determina que o domicílio seja fixado conjuntamente pelos cônjuges ou, em caso de discordância entre eles, pelo juiz (art. 70). Do mesmo modo, o português (art. 1.673º) e o italiano (arts. 144 e 145). Na França, a Lei do Divórcio, de 11 de julho de 1975 (Lei n. 75-617), estabeleceu que a escolha da residência comum cabe a ambos os cônjuges e permitiu que adotassem domicílios distintos, sem prejuízo da comunhão de vida (Código Civil, art. 108). Nesse caso, os filhos menores não emancipados consideram-se domiciliados na residência do genitor com quem viverem (Código Civil, art. 108-2). O Código Civil argentino contém explicitamente a determinação de que os cônjuges devem conviver numa mesma casa, a menos que circunstâncias excepcionais os obriguem a manter, temporariamente, residências separadas (art. 199). A fixação do domicilio é feita de comum acordo (art. 200).

O direito de fixar domicilio não se confunde com o dever de vida em comum no domicilio conjugal. O domicilio conjugal deve ser único. Não se admite, no quadro normativo brasileiro, uma solução como a francesa, que permite aos cônjuges fixarem domicílios separados. O direito de fixar domicilio submete o ato à concordância de ambos os cônjuges e faculta a qualquer deles recorrer ao juiz quando se sentir prejudicado.

O dispositivo enumera, igualmente, as situações mais comuns que justificam possa um cônjuge se ausentar do lar conjugal sem que isso venha a significar abandono do lar: a) atender a encargos públicos, b) ao exercício de sua profissão, ou c) a interesses particulares relevantes.

Perdido esse sentido tradicional, em razão do acesso de qualquer dos cônjuges ao divórcio direto a qualquer momento, as situações exemplificadas servem, no entanto, para denotar as oportunidades em que a fixação de domicílio em locais distintos não significa a perda da comunhão de vida nem a consequente separação de fato que, segundo uma corrente jurisprudencial e doutrinária, exclui o direito à partilha dos bens adquiridos após a referida extinção.

De acordo com o Código Civil, a separação de fato por prazo superior a 2 anos implica a perda da condição de herdeiro pelo cônjuge, salvo se o sobrevivente não tiver sido culpado pela separação (CC 1.829, I, II e III; 1.839 e 1.845). (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.569, acessado em 15.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Nos comentários de Milton Paulo de Carvalho Filho. por força do princípio constitucional da plena igualdade entre os cônjuges (art. 226, § 5º, da CF), estabelece o legislador que a escolha do domicílio do casal competirá a ambos os cônjuges. A vida em comum do casal em domicílio conjugal constitui dever dos cônjuges (v. comentário ao CC 1.566, II). Por isso, deverão fazer a escolha do lugar onde estabelecerão residência com ânimo definitivo, a fim de que possa ser cumprido o dever imposto pela lei. Na escolha do domicílio deverão ser consideradas a condição econômica dos cônjuges, as comodidades ou vantagens que terão, as condições sociais e ambientais do lugar pretendido, a distância dos centros urbanos, entre outras circunstâncias. Como já se afirmou em comentário ao inciso II do CC 1.566 deste Código, a permanência absoluta dos cônjuges no domicílio conjugal é dispensável, pois situações excepcionais poderão autorizar a ausência de um dos cônjuges do lar conjugal (ausências temporárias em razão do exercício da profissão - atender encargos públicos -, ou impostas por outras necessidades, tais como a assistência a filhos ou pais residentes em outra cidade). O que a lei exige é a presença regular e constante no local eleito, pois, como ensina Luiz Edson Fachin (Código Civil comentado. São Paulo, Atlas, 2003, v. X V), o objetivo, a rigor, é dar base física à comunhão de vida, daí porque esta comunhão se sobrepõe ao domicílio. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.691  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 15/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Na Doutrina expressa do relator Ricardo Fiuza, é dever do casamento a vida em comum no domicilio conjugal (CC 1.566, lI), de modo que o casal deve ter o mesmo domicílio. Este dispositivo também adota o princípio constitucional da plena igualdade entre cônjuges (CF, art. 226, § 52), de modo a eliminar o poder marital quanto à fixação do domicilio conjugal, mesmo diante da discordância da mulher quanto ao local escolhido. Cabe a ambos os cônjuges essa fixação, sendo que um ou outro poderá ausentar-se do domicílio comum em face de motivo relevante. 

Segundo o Código Civil de 1916, cabia ao marido tal poder, sendo que a mulher deveria recorrer ao Poder Judiciário para obter permissão de moradia em local diverso daquele escolhido pelo marido, se a sua deliberação a prejudicasse (art. 233, inciso III), sob pena de ser havida como culpada pela dissolução da sociedade conjugal, por descumprimento do dever de vida em comum no domicilio conjugal. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 792, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.570. Se qualquer dos cônjuges estiver em lugar remoto ou não sabido, encarcerado por mais de cento e oitenta dias, interditado judicialmente ou privado, episodicamente, de consciência, em virtude de enfermidade ou de acidente, o outro exercerá com exclusividade a direção da família, cabendo-lhe a administração dos bens.

Direito anterior: art. 251 do Código Civil de 1916. Referências normativas: Administração dos bens particulares: CC 1.642, inciso II; poderes conferidos a um cônjuge quando o outro não possa administrara seus bens: CC 1.651.

No lecionar do Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha, a direção da família dá-se mediante atos de caráter pessoal e patrimonial. É pessoa, por exemplo, a escolha do domicílio e o exercido do poder familiar. Os atos patrimoniais dizem respeito ao regime de bens, razão pela qual a regra sobre a “administração dos bens” está melhor localizada no CC 1.651, considerando-se a técnica de distribuição da matéria adotada pelo legislador. O poder conferido a um cônjuge em razão da impossibilidade de administração dos bens pelo outro cônjuge é examinado nos comentários ao citado artigo.

O dispositivo considera, pois, quatro situações em que um dos cônjuges encontra-se privado ou em dificuldade para dirigir os interesses da família: a) estar em lugar remoto ou não sabido; b) preso por mais de centro e oitenta dias; c) interditado; ou d) privado, de consciência, em virtude de enfermidade ou de acidente. 

A enumeração é exemplificativa: a mesma solução deve ser aplicada a hipóteses análogas, como a de uma incapacidade de expressão da vontade, embora sem a perda da consciência. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.570, acessado em 15.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Historicamente, o dispositivo originariamente apresentava-se nos seguintes termos: “Se qualquer dos cônjuges estiver em lugar remoto ou não sabido, encarcerado por mais de seis meses, ou interditado judicialmente, o outro exerceria direção da família, cabendo-lhe a administração dos bens”. Durante tramitação no Senado, emenda da parte do Senador Josaphat Marinho promoveu o acréscimo da expressão “com exclusividade”. Ao retornar o projeto à Câmara, o Deputado Ricardo Fiuza apresentou outra emenda, que deu origem à redação atual do artigo, de modo a acrescer a hipótese de perda, por um dos cônjuges, de consciência, mesmo que temporariamente, em razão de enfermidade ou de acidente.

Então, a doutrina apresentada por Ricardo Fiuza fica com essa redação final: O acréscimo da expressão “com exclusividade” deveu-se ao princípio da plena igualdade entre os cônjuges. cabendo a ambos a administração da sociedade conjugal e resultando lógico que, nos casos referidos neste artigo, assumirá o outro, exclusivamente, a administração dos bens comuns. O elenco de hipóteses de administração exclusiva, conforme emenda do Senado, não era completo, merecendo ser contemplada situação outra, também determinante de administração exclusiva, quando um dos cônjuges apresentar-se privado, episodicamente, de consciência, em casos de enfermidade ou de acidente, não suscetíveis de processo de interdição (CC 1.767). Essa hipótese foi lembrada pelo Magistrado Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, Juiz de Família em Pernambuco, que considerou relevante a sua inclusão no dispositivo, em benefício da família, que passa a ter, em situações tais, a possibilidade de uma gestão adequada e oportuna dos seus interesses, independentemente da interdição do cônjuge.  (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 792, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 15/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

sexta-feira, 12 de março de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.565, 1.566, 1.567 Da Eficácia do Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.565, 1.566, 1.567

Da Eficácia do Casamento - VARGAS, Paulo S. R.

 -  Parte Especial –  Livro IV – Do Direito de Família –

Título I – Do Direito Pessoal – Subtítulo I – Do casamento –

Capítulo IX – Da Eficácia do Casamento – (Art. 1.565 a 1.570) - 

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 Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

§ Iº Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.

§ 2° O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. 

Direito anterior: art. 240 do Código Civil de 1916; art. 54 do Dec. 181/1890. Referências normativas: Igualdade jurídica dos cônjuges: art. 226, § 5º da Constituição familiar; art. 226, § 7º da Constituição e Lei 9.263/06; princípio da subsidiariedade: CC 1.513.

No lecionar de Milton Paulo de Carvalho Filho, do casamento advêm importantes consequências (ou efeitos). A primeira delas é a constituição da família legítima, base da sociedade, assim reconhecida constitucionalmente (art. 226, caput, da CF). O segundo efeito consiste na mútua assunção, pelo casal, da condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. Como já salientado em comentário ao CC 1.511, a relação matrimonial impõe a mútua convivência, a reciprocidade de interesses na organização da vida e na obrigação de atitudes ou condutas individuais, e, por fim, uma gama de direitos e deveres iguais, que irão disciplinar a vida em comum. “A comunhão de vida é a nota fulcral que marca o casamento. Sem esta, desaparecem seu sentido e sua finalidade. O enlace envolve a comunhão de afetos e dos demais componentes de uma vida em comum, como a ajuda mútua, a dedicação recíproca e a colaboração pessoal, doméstica e econômica. Mas o elo espiritual que une os cônjuges é que torna realidade a comunhão material” (Rizzardo, Arnaldo. Direito de família. Rio de Janeiro, Forense, 2004). A adoção do nome de família por qualquer dos cônjuges, autorizada pela lei (§ Iº), é exemplo da comunhão de vida exigida pelo casamento. Decorre do princípio constitucional da igualdade entre as pessoas casadas (art. 226, § 5º, c/c o art. 5º, caput e inciso I, da CF).

Outro exemplo é o planejamento familiar, em que predomina a autonomia do casal, decorrente da comunhão existente entre os cônjuges. Competirá exclusivamente aos cônjuges decidir se vão ter filhos e quantos. Ao Estado competirá apenas propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas (§ 2º). Essa regra também tem natureza constitucional (art. 226, § 7º, da CF), estando fundada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Este § 2º também se aplica aos casais que vivem em união estável, por força do disposto no art. 226, caput, §§ 3º e 7º, da Constituição Federal, e não revogou o disposto na Lei n. 9.263/96 (que regula o § 7º do art. 226 da CF, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências). 

O terceiro efeito é a imposição de deveres aos cônjuges, a partir da celebração, que serão objeto de comentários ao artigo seguinte (CC 1.566). O quarto e último efeito é a imediata vigência do regime de bens, a cujos comentários feitos ao art. 1.639, §§ Iº e 2º, remete-se o leitor. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.683-84.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Antecedendo a Doutrina de Ricardo Fiuza, há um histórico que, como se vê,  este artigo não foi objeto de emenda em sua primeira passagem pela Câmara dos Deputados. Durante a tramitação no Senado, o Relator Josaphat Marinho acrescentou o § 2º ao dispositivo em tela, mantendo a redação do caput e do § 12 do texto original, que atribuía somente à mulher o direito de adotar o patronímico do outro cônjuge. Retomando o projeto a Câmara, emenda apresentada pelo Deputado Ricardo Fiuza alterou a redação do § lº a fim de facultar também ao marido a adoção do sobrenome da mulher.

As alterações objetivaram seguir o princípio constitucional do direito ao planejamento familiar no corpo do Código, a despeito de já encontrar-se expresso no texto constitucional, e consagrar em todos os dispositivos a plena e absoluta igualdade entre os cônjuges, prevista art. 226, 5º da constituição Federal. A manutenção da família deve ser realizada por ambos os cônjuges, na proporção da capacidade e dos rendimentos do trabalho e dos bens de cada um deles. 

No regime anterior, era dever do marido, como chefe da sociedade conjugal. prover a manutenção da família, cabendo à mulher contribuir somente no regime da separação absoluta de bens (Código Civil de 1916, art. 233, inciso IV, e art. 277). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 790, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Tem-se, das observações feitas por Marco Túlio de Carvalho Rocha: 1. Da eficácia do casamento, que o presente capítulo do Código Civil (CC 1565), cuida da “eficácia do casamento”. O Código Civil de 1916 tratava dos “efeitos jurídicos do casamento” em título que incluía os direitos e deveres dos cônjuges e as disposições sobre regimes de bens (arts. 229 a 314). 

Com a infeliz técnica dotada pelo Código Civil de 2002, os efeitos do casamento foram separados em dois grupos de artigos: nos CC 1.565 a 1.570 os direitos de caráter pessoal; nos CC 1.639 a 1.688, os direitos de ordem patrimonial ou regimes de bens. 

As normas relativas aos efeitos do casamento acentuam que ele possui a natureza de ato jurídico em sentido estrito, a que se refere o CC 185: A liberdade existe quanto à celebração ou não do ato; os efeitos decorrem da lei. Dizer que o casamento é um contrato, remanesce à tradição romana e a uma época em que negócios e atos jurídicos em sentido estrito não eram diferenciados, mas não corresponde, rigorosamente, à técnica adotada pelo legislador brasileiro no rasto da pandectista (Trata-se de uma Ciência Jurídica contemporânea fundamentada por juristas da Escola Germânica que basearam seus estudos no "Direito Romano Atual", por Luiz Coelho (SP) em 23/10/2017- Fonte: dicionarioinformal.com.br/). Considerando-se a ampla liberdade que a lei estabelece para a pactuação do regime de bens, tem-se que a regulação deste é negocial, i.é, um negócio jurídico que é parte de um vínculo que tem a natureza de ato jurídico lícito.

2. Efeitos pessoais do casamento. O artigo concretiza o efeito mais importante do casamento, de natureza principiológica: o estabelecimento da comunhão de vida entre os cônjuges, da qual decorrem direitos de natureza pessoal e patrimonial (CC 1.511). A comunhão de vida atribui aos cônjuges a natureza de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. Com tais termos a legislação denota o sentido especial do casamento que o distinguem de outras associações que não possuem o mesmo sentido. 

3. Acréscimo de sobrenome do cônjuge. Por tradição, ao se casar a mulher acrescia ao seu nome o sobrenome do marido. A doutrina justificava a tradição a partir do princípio da unidade da família: a uniformização do sobrenome serviria à exteriorização dessa unidade. Com a emancipação da mulher, a justificativa perdeu força e o instituto assumiu conotação opressora. O Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/1962) transformou esse dever jurídico numa faculdade da mulher: ela poderia optar ou não por acrescer o sobrenome do marido.

A Constituição de 1988 impôs a igualdade jurídica dos cônjuges (art. 226, § 5º). O princípio fundamental permitiu que também o marido pudesse acrescentar aos seus o sobrenome da mulher. O Código Civil, ao regular a matéria no parágrafo primeiro do CC 1.565 afastou qualquer dúvida quanto a poder o marido acrescer ao seu nome o sobrenome da mulher.

Como a mudança do sobrenome liga-se à exteriorização dos vínculos de família, o entendimento mais corrente é no sentido de que somente um dos cônjuges pode assumir o sobrenome do outro não sendo possível a cessão mútua.

Do mesmo modo, embora a prática cartorária muitas vezes não observe estritamente os dizeres da lei, esta não admite a supressão de sobrenomes. O verbo “acrescer” não deixa dúvidas quanto a isso.

Registro civil. Habilitação de casamento. Possibilidade de adoção dos apelidos de família do marido e não de supressão. 1. Ao casar, o cônjuge pode acrescer aos seus os apelidos de família do outro cônjuge, inexistindo autorização legal para a supressão de apelidos de família, que são, aliás, imutáveis, inteligência do CC 1.565, § 1º, CCB e arts. 56 a 58 da LRP. 2. O sistema registral é de inclusão e não de exclusão e está submetido ao princípio da legalidade, sendo que a liberdade individual encontra limite nas disposições de ordem pública. 3. A possibilidade de alteração de nome do casamento constitui exceção dentro da regra geral de imutabilidade e sendo exceção, deve ser interpretada restritivamente. Recurso provido, por maioria (TJRS, AC 70008914483, 7ª Câmara Cível. Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, DOERS 14.09.2004, RBDFam 27/132).

Quanto à oportunidade para o exercício do referido direito, embora o costume seja o de realizar a alteração na oportunidade da celebração do casamento, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de permiti-la em momento posterior (REsp 910094/SC).

4. Direito ao planejamento familiar. O CC 1.513 estabelece o princípio da subsidiariedade, que veda a intervenção de qualquer pessoa estranha à família nos assuntos dela. É uma concretização do princípio estabelecido no art. 226, § 7º, da Constituição, que estabelece o direito fundamental do casal ao planejamento familiar. A norma foi reproduzida parcialmente no parágrafo 2º do CC 1.565. 

Por consequência, a ordem jurídica brasileira, proíbe, por exemplo, que o Estado estabeleça limite ao número de filhos que cada casal possa ter. do citado dispositivo constitucional extrai-se, igualmente, a autorização para que o casal possa se valer das mais diversas técnicas de reprodução assistida, uma vez que ele menciona o dever de o estado disponibilizar os meios científicos necessários à realização do plano familiar elaborado pelo casal. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.565, acessado em 12.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: 

I - fidelidade recíproca; 

II - vida em comum, no domicílio conjugal;

III - mútua assistência;

IV - sustento, guarda e educação dos filhos;

V - respeito e consideração mútuos.

No dizer de Milton Paulo de Carvalho Filho, este artigo estabelece os deveres comuns e recíprocos dos cônjuges, que nascem com o casamento destes. O rol legal não é taxativo. O legislador limitou-se a enumerar os deveres principais, que, descumpridos, poderão gerar a dissolução da sociedade conjugal. De outra parte, o cumprimento de tais deveres gera a estabilidade conjugal, que ainda deverá contar com o amor entre os cônjuges, a confiança, a tolerância, a abnegação, a colaboração, entre outros.

O primeiro dever, previsto no inciso I do presente artigo, é o da fidelidade recíproca. Decorre da organização monogâmica da família. Implica lealdade dos cônjuges, sob os aspectos físico e moral, quanto à manutenção de relações que visam à satisfação de seus instintos sexuais. A infração a esse dever configura adultério, motivo de impossibilidade de manutenção da vida em comum. A infidelidade virtual, o quase-adultério e o adultério científico são objeto de comentário ao inciso I do CC 1.573, a seguir.

O segundo dever, previsto no inciso II deste artigo, é o da vida em comum, no domicílio conjugal. Esse dever tem sentido mais amplo que o simples dever de coabitação - convivência sob o mesmo teto pois envolve a plena comunhão de vida, na qual se compreende a satisfação sexual (debitum conjugale), a assistência mútua, a convivência de esforços, trabalhos, desejos e realizações. As ausências temporárias em razão do exercício da profissão ou impostas por outras necessidades, tais como a assistência a filhos ou pais residentes em outra cidade, não configuram violação do dever de coabitação (v. comentário ao CC 1.569). Até mesmo a moradia em casas diferentes, havendo motivo que o justifique, não descaracteriza, necessariamente, o dever de vida em comum entre os cônjuges. O abandono injurioso (voluntário, injustificado, com ânimo de não regressar) é causa de separação litigiosa.

O inciso III traz a mútua assistência como dever a ser observado reciprocamente pelos cônjuges. A mútua assistência consiste no dever de amparo material (auxílio econômico) e moral (proteção aos direitos da personalidade do cônjuge: vida, integridade física e psíquica, honra e liberdade). O dever de mútua ajuda é, na verdade, um dever de conteúdo ético, fundado na solidariedade.

O quarto dever dos cônjuges é o sustento, a guarda e a educação dos filhos (inciso IV). Esse dever é inerente à autoridade parental e constitui encargo jurídico e moral dos cônjuges. Visa à estruturação da personalidade dos filhos.

Por fim, é dever dos cônjuges o respeito e consideração mútuos (inciso V). Para Carlos Roberto Gonçalves, o respeito e a consideração mútuos constituem corolário do princípio esculpido no CC 1.511 deste Código, segundo o qual o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Tem relação com o aspecto espiritual do casamento e com o companheirismo que nele deve existir. Demonstra a intenção do legislador de torná-lo mais humano (Direito de família. São Paulo, Saraiva, 2002, v. II). Configuram violação a esse dever a tentativa de morte, a sevícia, a injúria grave, a conduta desonrosa, a ofensa à liberdade profissional, religiosa e social do cônjuge, dentre outros atos que importem em desrespeito aos direitos da personalidade do cônjuge (SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Novo Código Civil comentado. São Paulo, Saraiva, 2002). (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.686-87.  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Em seu histórico o presente dispositivo não foi objeto de emenda, quer por parte do Senado Federal, quer por parte da Câmara dos Deputados, no período final de ,tramitação do projeto. A redação atual é a mesma do projeto, cujo Livro IV, referente ao direito de família, ficou a cargo do eminente jurista Clóvis do Couto e Silva. 

Em sua Doutrina explana Ricardo Fiuza dever de fidelidade pode ser conceituado como a lealdade sobre o aspecto físico e moral, de um dos cônjuges para com o outro e a manutenção monogâmica de relações que visem satisfazer o instinto sexual dentro da sociedade conjugal. Desse modo seu descumprimento dá-se pela prática de ato sexual com terceira pessoa e também de outros atos que, embora não cheguem à conjunção carnal, demonstram o propósito de satisfação do instinto sexual fora da sociedade conjugal (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 71).

• A vida em comum no domicílio conjugal, além da convivência sob o mesmo teto, tem o significado de contato físico entre os cônjuges, de modo que seu descumprimento não deriva apenas do abandono voluntário e injustificado do lar, mas decorre, também, da recusa quanto à manutenção de relacionamento sexual com o consorte (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, cit., p. 72 e 73).

• A mútua assistência tem duplo conteúdo: material e imaterial. No aspecto material, traduz-se no auxilio econômico necessário à subsistência dos cônjuges. No aspecto imaterial consubstancia-se na proteção aos direitos da personalidade do cônjuge, dentre os quais se destacam a vida, a integridade física e psíquica, a honra e a liberdade. Desse modo, configuram descumprimento quanto a esse dever a recusa ao fornecimento de meios materiais à subsistência do consorte e também, por exemplo, a ausência de proteção ao cônjuge doente ou idoso, a falta de consolo quando do falecimento de um ente querido do consorte, a ausência de defesa em suas adversidades com terceiros (v. Regina Beatriz Tavares da Silva. Dever de assistência imaterial entre cônjuges. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 104-10, e Reparação civil na separação e no divórcio, cit., p. 74 e 75).

• O sustento, guarda e educação dos filhos é dever inerente à autoridade parental, sejam os filhos oriundos ou não do casamento. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 790, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Direito anterior: art. 231 do Código Civil de 1916. Referencias normativas: Regras sobre os deveres conjugais: CC 1.567 a 1.570; causas de separação judicial litigiosa CC 1.572; possibilidade de divórcio direto e de pedido unilateral sem alegação de culpa: art. 226, § 6º, da Constituição, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n. 66/2010; direito dos filhos em relação aos pais: art. 229 da Constituição; deveres dos pais em relação aos filhos menores: CC 1.634 e art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90).

Como destaca em seus comentários o Doutor e Mestre Marco Túlio de Carvalho Rocha: 1. Significado da positivação dos deveres matrimoniais. O Código Civil brasileiro seguiu o Código Civil francês na enumeração dos deveres matrimoniais (arts. 203, 212, 213 e 214). São efeitos que decorrem da lei, uma vez que o casamento seja validamente contraído, o que acentua que o casamento pertence ao gênero dos atos jurídicos em sentido estrito a que alude o artigo 185 do Código Civil brasileiro.

Na tradição jurídica, o principal efeito do estabelecimento de deveres conjugais era o de permitir o pedido de separação judicial litigiosa pelo cônjuge que fosse vítima daquele que os descumprisse, conforme ainda dispõe o CC 1.572.

Possibilitado o divórcio direto por qualquer dos cônjuges pela Emenda Constitucional n. 66/2010, que alterou o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição, a relevância jurídica desse rol de deveres restou reduzida. Servem, na atualidade, para explicitar o conteúdo mínimo e o significado jurídico da vida conjugal.

Servem, igualmente, ao estabelecimento de responsabilidade civil quando a transgressão perpetrada por um dos cônjuges ocorra de forma especialmente grave e lesiva à vítima o que se mede pelo grau incomum do sofrimento causado. Em tais casos extremos é possível à vítima reclamar indenização por danos morais.

2. Fidelidade recíproca. O dever de fidelidade dos cônjuges inclui a exclusividade na prática das relações sexuais e todo comportamento em que seja exigível o compartilhamento de propósitos próprio da comunhão de vida, que é o princípio central do casamento. Assim, por exemplo, viola o dever de fidelidade a mulher que entrega segredos comerciais do marido a um concorrente deste com o propósito de prejudica-lo ou o marido que oculta da mulher a dilapidação dos bens do casal.

3. vida em comum no domicílio conjugal. É dever dos cônjuges a vida em comum no mesmo domicílio. Sabiamente, o legislador evitou o termo tradicional “coabitação” que conduz à infindável polêmica quanto a seu significado, uma vez que na tradição canônica a palavra é um eufemismo empregado para indicar relações sexuais.

A Súmula n. 382 do Supremo Tribunal Federal dispensou a coabitação para efeito de caracterização do concubinato. O casamento, como relação formal, não depende da presença dela para ser caracterizado e, por isso, a vida em comum no domicílio conjugal foi estabelecida como um dever, não como um elemento característico da relação. Vale dizer: a ausência de vida em comum num mesmo domicílio pode representar o descumprimento de dever conjugal, mas não a inexistência ou a extinção de casamento.

O CC 1.569 estabelece que o domicílio conjugal seja escolhido por ambos os cônjuges e que a ausência em razão de encargos públicos, exercício de profissão ou interesses particulares relevantes não significa o descumprimento do referido dever. Em caso de divergência, o parágrafo único do CC 1.567 autoriza aquele que se sentir prejudicado o recurso ao juiz para dirimir o conflito e apontar a solução que melhor atenda aos interesses dos cônjuges e de sua prole.

A ausência de vida em comum num mesmo domicílio pode caracterizar a separação de fato do casal que, denota a extinção da comunhão de vida e acarreta a cessação dos efeitos do regime de bens, conforme entendimento consagrado na doutrina e na jurisprudência (cf. comentários aos CC 1.572, 1.639 e 1.671).

4. dever de mútua assistência. A mútua assistência engloba aspectos morais, espirituais, materiais e econômicos. É dever de solidariedade. No tocante à manutenção do lar, o CC 1.568 estabelece que os cônjuges participem nas despesas da família na proporção de seus rendimentos do trabalho.

5. Sustento, guarda e educação dos filhos. O artigo 229 da Constituição da República estabelece o dever de os pais assistirem, criarem e educarem os filhos menores. Sendo uma concretização do princípio da solidariedade às relações entre pais e filhos, a norma se completa ao atribuir aos filhos maiores o dever de amparar os pais em razão de velhice, carência ou enfermidade.

Como se vê, a Constituição, consentânea com o princípio da igualdade dos filhos (art. 227, § 6º), confere direitos aos filhos e aos pais, reciprocamente, sem qualquer diferenciação quanto à relação havida entre o pai e a mãe. I.é, sejam os pais casados entre si ou com terceiros, conviventes em união estável, solteiros, divorciados ou mesmo que entre eles não tenha havido qualquer vínculo familiar, têm os mesmos deveres e direitos em relação aos filhos.

A norma constitucional é completada pelo artigo 22 do Estatuto da Criança e do adolescente e pelo CC 1.634 que incumbem a ambos os pais o dever de sustente, guarda e educação dos filhos menores, o direito de tê-los em sua companhia, o de representação nos atos da vida civil, entre outros. Do mesmo modo, como a Constituição, os referidos dispositivos legais evidenciam que os direitos e deveres entre pais e filhos independem do tipo de relacionamento existente entre os pais.

Em suma, os deveres de sustente,, guarda e educação dos filhos, não derivam do casamento, mas da filiação e do poder familiar. Sua inclusão no rol dos deveres matrimoniais somente se justificava pela tradição e para permitir que seu descumprimento fosse invocado como causa da separação, numa época em que prevalecia o princípio da culpa na separação judicial. 

Como tais deveres não decorrem do casamento, mas da filiação, um cônjuge não os tem em relação a seu enteado menor (o filho menor de seu cônjuge ou companheiro que não seja seu próprio filho). O único direito que a lei lhe atribui em relação ao padrasto ou à madrasta é o de adoção de seu sobrenome, se este concordar. Quanto aos demais direitos de família, há ainda uma notável indiferença legislativa ao enteado. 

6. Respeito e consideração mútuos. Os deveres de respeito e consideração são consequência necessária da comunhão de vida. Devem ser mútuos, pois o casamento é presidido pelo princípio da igualdade. O respeito e a consideração envolvem uma imensa gama de comportamentos: a abstenção de atos que possam ofender despropositadamente a honra objetiva e subjetiva do cônjuge; a cumprimento positivo de tudo o que razoavelmente seja devida. Assim, desrespeita e falta com a consideração o cônjuge que ofenda o outro, publicamente e sem motivo justificável. Tais deveres visam à proteção da esfera moral dos cônjuges, razão pela qual sua violação pode acarretar o dever de indenizar, uma vez que ultrapasse o limite da razoabilidade própria das falhas humanas aceitáveis. (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.566, acessado em 12.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. 

Parágrafo único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses.

Na toada de Milton Paulo de Carvalho Filho, o legislador pôs fim à disposição do Código Civil de 1916 que estabelecia ser o marido o chefe da sociedade conjugal. Por força do princípio constitucional da igualdade entre os cônjuges (art. 226, § 5º, da CF), a sociedade conjugal passou a ser dirigida por ambos os cônjuges. Assim, a representação da família, a administração dos bens comuns e particulares dos cônjuges, o direito de fixar o domicílio da família e o dever de prover à manutenção da família passaram a ser exercidos pelo marido e pela mulher, em colaboração (cogestão), não em conjunto - necessidade de prática conjunta -, já que existem atos de direção que dispensam a participação dos dois cônjuges.

As únicas exceções à disposição legal contida neste artigo, que atribuem a apenas um dos cônjuges a chefia plena da sociedade conjugal, estão enumeradas no CC 1.570 (v. comentário a seguir). O parágrafo único do artigo estabelece a possibilidade de intervenção judicial quando os cônjuges divergirem sobre assuntos relativos à gestão da sociedade familiar. O juiz decidirá tendo em consideração os interesses do casal e dos filhos. (Milton Paulo de Carvalho Filho, apud Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.02.2002. Coord. Cezar Peluso – Vários autores. 4ª ed. rev. e atual., p. 1.689  Barueri, SP: Manole, 2010. Acessado 12/03/2021. Revista e atualizada nesta data por VD).

Segundo o  histórico, na versão original do projeto, este artigo tinha a seguinte redação: “A direção da sociedade conjugal cabe ao marido que a exercerá, com a colaboração da mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Parágrafo único. As questões essenciais serão decididas em comum. Havendo divergência, prevalecerá a vontade do marido, ressalvada à mulher a faculdade de recorrer ao juiz, desde que não se trate de matéria personalíssima”. No período inicial de tramitação na Câmara, foi apresentada emenda alterando a redação do artigo, que passou a estabelecer: “A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Parágrafo único . Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, desde que as questões sejam essenciais, e não se trate de matéria personalíssima”. Durante a passagem do projeto pelo Senado, o Relator Geral, Senador Josaphat Marinho, propôs a supressão do parágrafo único do artigo em análise por entendê-lo desnecessário. Retornando o projeto à Câmara, optou o Relator Ricardo Fiuza por manter o parágrafo único, com nova redação, porque toma indene de dúvida a possibilidade de intervenção judicial para solução da divergência conjugal.

Desta forma, a doutrina do Relator Ricardo Fiuza resolveu:

• No que se refere à administração dos bens comuns do casal, finalmente a lei ordinária elimina a ideia da chefia marital da sociedade conjugal, em obediência ao princípio constitucional da absoluta igualdade entre cônjuges (CF, art. 226, § 52). No regime do Código Civil de 1916, o marido, como chefe da sociedade conjugal (art. 233, caput), tinha o poder de administrar os bens comuns (art. 233, inciso II), com reflexos aos bens particulares da mulher (art. 274). De acordo com o artigo cabem a ambos os cônjuges terem essa chefia e o poder de administração dos bens comuns, e devem exercê-lo em colaboração. O Relator do projeto adotou nossa sugestão quanto à utilização da expressão “em colaboração” e não “em conjunto”. Essa sugestão foi feita porque há atos que podem ser praticados unilateralmente pelos cônjuges, sem a necessidade de prática conjunta, como a alienação de bens móveis, os atos de mera administração de bens móveis e imóveis do casal, como a celebração de contrato de locação, dentre outros. Obrigar o casal a praticar todos os atos de direção da sociedade conjugal em conjunto engessaria as atividades mais comuns das pessoas casadas. Se a prática conjunta viesse a ser exigida, até mesmo o mero saque em conta bancária, por meio de simples emissão de cheque, exigiria a outorga conjugal. 

• O parágrafo único é norma relevante porque elimina qualquer dúvida sobre a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário para solucionar a contenda conjugal, embora vigore o princípio geral de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Lembre-se, a propósito, que artigo anterior dispõe que “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida constituída pelo matrimônio”; então, se suprimido o dispositivo em tela, poderia surgir a interpretação de que o Poder Judiciário não poderia solucionar conflitos na esfera da direção da sociedade conjugal. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 790-91, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 12/03/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Na introdução de Marco Túlio de Carvalho Rocha, do direito anterior: art. 233, caput do Código civil de 1916; art. 56 do Decreto n. 181/1890. Referências normativas: art. 226, § 5º, da Constituição; parágrafo único do CC 1.631; escolha do domicílio conjugal: CC 1.569; impedimento ou interdição de um dos cônjuges: CC 1.570. 

Ao tempo em que elaborado o anteprojeto do Código Civil, esta regra tinha conteúdo revolucionário por introduzir a igualdade dos cônjuges na regulação da família matrimonial.

Este princípio foi positivado pelo § 5º do art. 226 da Constituição da República e, portanto, sua regulamentação legal veio a ser mera repetição do que a Constituição já determinara com eficácia ampla e imediata.

A autoridade marital, existente até então, era justificada pela doutrina como necessária para se evitar litígios entre os cônjuges. Ao cônjuge descontente cabe recurso à justiça, o que demonstra quão fraco é o princípio da subsidiariedade no Direito da Família brasileiro. 

O Código Civil espanhol, sintético e preciso, determina que o marido e a mulher devem respeitar-se e ajudar-se mutuamente e atuar no interesse da família (art. 67). O português estabelece que a direção da família pertence a ambos os cônjuges, que devem acordar sobre a orientação da vida em comum (art. 1.671, n. 2). O italiano aborda implicitamente a regulamentação da chefia: estabelece que o marido e a mulher adquirem com o matrimonio os mesmos direitos e assumem os mesmos deveres (art. 143) e prevê a intervenção do juiz para o caso de desacordo (art. 145). No direito francês, os cônjuges asseguram juntos a direção moral e material da família (art. 213). O direito argentino não contém mais qualquer previsão a respeito da chefia da família. 

Na Alemanha, o § 1.534 do BGB, que atribuía a chefia da família ao marido, foi revogado pela Lei de 18 de junho de 1957. A doutrina e a jurisprudência deduziram que toda decisão necessária à vida da família deveria resultar do comum acordo dos cônjuges. Segundo LABRUSSE-RIOU, a Lei alemã não previu a possibilidade de os cônjuges recorrerem ao juiz para solucionar suas desavenças, por ter-0se considerado absurda e nefasta a intromissão do Estado (LABRUSSE-RIOU, Catherine. L’Égalité des Époux..., Paris: Librairie Génerale de Droit et de Jurisprudence, 1965, pp. 61-66).

A revogação da outorga da chefia da família ao marido e das regras correlatas, pela vigência do direito de igualdade entre os cônjuges, impõe, obviamente, a participação igualitária dos mesmos nas decisões dos assuntos do lar conjugal. 

Não há dúvida sobre a possibilidade de recurso ao juiz para a solução dos desacordos mais graves, porque o parágrafo único do CC1.567 é expresso nesse sentido, em conformidade com o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, que garante o livre acesso à Justiça. 

A cogestão da família faz surgir o problema de se definir se os atos da vida matrimonial dependem da participação de ambos os cônjuges ou se são válidos com a participação de apenas um deles. 

A resposta a essa questão varia conforme a natureza do direito a respeito do qual o ato é exercido: patrimonial ou não-patrimonial, real ou pessoa, de alienação, de garantia, de aquisição etc.

No tocante aos direitos patrimoniais, a regra é poder cada um dos cônjuges realizar sozinho todos os atos. Exige-se a participação de ambos os cônjuges apenas quando há determinação legal expressa nesse sentido.  (Marco Túlio de Carvalho Rocha Mestre e Doutor em Direito Civil pela FDUFMG, apud  Direito.com, comentários ao CC 1.567, acessado em 12.03.2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).