quarta-feira, 21 de julho de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.824, 1.825 Da Petição da Herança - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.824, 1.825
Da Petição da Herança - VARGAS, Paulo S. R.
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Livro V – Do Direito das Sucessões - Título I – Da Sucessão em Geral
– Capítulo VII – Da Petição de Herança - (Art. 1.824 a 1.828)

 

Art. 1.824.  O herdeiro pode, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua.

Este artigo corresponde ao art. 1.871 do Projeto de Lei n. 634/75. No Código Civil de 1916 não há regra semelhante.

Atentando para as dicas do relator, a ação de petição de herança (petitio hereditatis) é a que utiliza o herdeiro para que se reconheça e torne efetiva esta sua qualidade, e, consequentemente, lhe sejam restituídos, total ou parcialmente, os bens da herança, com os frutos, rendimentos e acessórios. Nesta ação, o réu é a pessoa que não tem título legítimo de herdeiro e, não obstante, possui bens da herança, total ou parcialmente.

Tal ação pode ser utilizada, por exemplo, quando a herança é recolhida por parentes mais afastados do falecido, e o interessado é parente mais próximo, que se acha em classe preferencial; quando a herança é distribuída entre os herdeiros legítimos, e aparece testamento do de cujus em que outra pessoa é nomeada herdeira; quando o filho não reconhecido do de cujus ingressa com ação investigatória (ação de estado), cumulada com a de petição de herança.

A petitio hereditatis é uma ação real, intentada pelo herdeiro, para que seja reconhecido o seu direito sucessório, contra o possuidor de bens hereditários, com o título de herdeiro, ou mesmo sem título, ou seja, no polo passivo desta ação está o falso herdeiro, ou o que possui a herança, ou parte dela, sem título algum.

Porém, se o possuidor da herança ou de um bem hereditário tem posse fundada em algum outro título, o herdeiro não poderá fazer valer os seus direitos com a ação de petição de herança, sendo-lhe facultado utilizar outra ação, que seja cabível. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, em qualquer caso, a petitio hereditatis deve intentar-se contra possuidor pro herede, não sendo cabida contra um possuidor ordinário, que detenha os bens da herança a outro título, “pois neste último caso a ação idônea será a reivindicatória” (Instituições de direito civil, li. ecl.. Rio de Janeiro - Forense, 1997, v. 6. n. 436, p. 55).

Orlando Gomes (Sucessões, 7. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1977, n. 213, p. 242) afirma que a ação de petição de herança pode ser intentada a todo tempo, sendo imprescritível, ressalvando que o herdeiro aparente pode usucapir os bens recebidos na convicção de que lhe pertenciam por devolução regular. É a solução adotada, expressamente, pelo Código Civil português, art. 2.075, 2, que diz que a ação de petição de herança pode ser intentada a todo tempo, sem prejuízo da aplicação das regras da usucapião relativamente a cada uma das coisas possuídas, dispositivo este que se inspirou no art. 533, aIínea 2, do Código Civil italiano. Aliás, o Anteprojeto de Código Civil, revisto, de 1972, trazia o parágrafo único do art. 2.011 (que redundou neste CC 1.824), com a redação seguinte: “A petição de herança é imprescritível, ressalvadas as regras sobre usucapião relativamente a cada um dos bens singulares do acervo”. Mas a Comissão que elaborou o anteprojeto mudou a orientação, pois o aludido parágrafo único já não apareceu no CC 1.871 (que corresponde ao art. 2.011 do anteprojeto revisto e a este art. 1.824) do Projeto n. 634/75, de Código Civil.

Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, v. 6, n. 436, p. 55) expõe que o problema se esclarece com a distinção entre o status, que é imprescritível, e a pretensão econômica judicialmente exigível, que como toda outra pretensão exigível (Anspruch) prescreve: “O filho terá ação sempre para se fazer reconhecer (ação de estado, imprescritível); mas não terá direito à herança depois de decorridos 20 anos da abertura da sucessão (petição de herança)”. O prazo mencionado pelo mestre é o referido no art. 177 do Código Civil de 1916. No presente Código, o assunto está regulado no CC 205: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

O STF editou a Súmula 149: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 944, CC 1.824, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 21/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Flavio Tartuce, em artigo publicado no site migalhas.com.br, em janeiro de 2020, intitulado “Família e Sucessões – O início do prazo para a ação de petição de herança – Polêmica, em complemento, nos termos do dispositivo seguinte, a ação de petição de herança, ainda que exercida por um só dos herdeiros, poderá compreender todos os bens hereditários, tendo caráter universal (CC 1.825). A figura é admitida há tempos pela jurisprudência brasileira, tendo o Supremo Tribunal Federal editado, no ano de 1963, a Súmula 149, que envolve o tema central deste artigo.

Conforme explicam Jones Figueiredo alves e Mario Luiz Delgado, trata-se de uma ação real, eis que, por força do CC 8º, II, o direito à sucessão aberta constitui um imóvel por determinação legal (Código Civil Anotado. São Paulo: Método. 2005, p 936). Na mesma linha, como se retira de importante julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, “a ação de petição de herança é uma ação de natureza real, para a qual só tem legitimidade ativa aquele que já é herdeiro desde antes do ajuizamento, e através da qual ele pode buscar ver reconhecido seu direito hereditário sobre bem específico que entende devera integrar o espólio, mas que está em poder de outrem” (TJRS – Apelação Cível, n. 363960-28.2012.8.21.7000, 8ª Câmara Cível, Santa rosa. Rel. Des. Rui Portanova, j. 18.10.2012, DJERS: 25.10.2012).

Por ser uma ação real, e também universal, a petição não se confunde com a ação reivindicatória, que visa a um bem específico. Aplicando tal forma de pensar, constar de aresto do Superior Tribunal de Justiça que “ocorre turbação à posse de bem imóvel quando coerdeiros reconhecidos em ação de petição de herança molestam a posse anterior de outros herdeiros que exerciam tal direito com base em formal de partilha. Isso porque a ação de petição de herança tem natureza universal, pela qual o autor pretende o reconhecimento de seu direito sucessório, o recebimento da fração correspondente da herança e não a restituição de bens específicos. Isso é o que a diferencia de uma ação reivindicatória, de natureza sim, de natureza singular, que tem por objeto bens particularmente considerados. Desse modo, é equivocado concluir que, por força da ação de petição de herança, foram transmitidos o domínio e a posse dos bens herdados, quando, em verdade, transferiu-se o direito à propriedade e a posse comum da universalidade e não dos bens singularmente considerados. Por força da procedência da ação de petição do acervo hereditário, que voltam a ser de todos em comunhão até que nova partilha se realize” (STJ. Res 1244118 SC. Terceira turma. Rela. Min. Nancy Andrighi, j. 22;10.2013. DJe 28.10.2013).

A respeito do prazo para a propositura dessa demanda, a citada e antiga Súmula 149 do STF estabelece que “é imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. O fundamento da prescrição é relacionado ao fato de a herança envolver direitos subjetivos de cunho patrimonial, que são submetidos a prazos prescricionais. Além disso, tem esteio na sempre alegada segurança jurídica, comumente associada à prescrição.

O entendimento sumulado é ainda considerado majoritário, para todos os fins, teóricos e práticos, inclusive na doutrina brasileira. Nesse contexto, na vigência do CC/1916, a ação de petição de herança estaria sujeita ao prazo geral de prescrição, que era de vinte anos, conforme o seu art. 177. Na vigência do Código Civil de 2002, deve ser aplicado o prazo geral de dez anos, previsto no seu CC 205. Exatamente nessa linha, do STJ extrai-se o seguinte: “Controvérsia doutrinária acerca da prescritibilidade da pretensão de petição de herança que restou superada na jurisprudência com a edição pelo STF da súmula n. 149. (...). Ausência de previsão, tanto no Código Civil de 2002, como no código Civil de 1915, de prazo prescricional específico para o ajuizamento da ação de petição de herança, sujeitando-se, portanto, ao prazo geral de prescrição previsto em cada codificação civil: vinte anos e dez anos, respectivamente, conforme previsto no art. 177 do CC/1916 e no CC 2025 de 2002” (STJ REsp 1.3368.677 MG. Rel. Mm Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, julgado em 05.12.2017. DJe 15.02.2018). Voltarei a esse acórdão mais à frente.

Em ambas as hipóteses, entende-se desde os tempos remotos que o prazo tem início da abertura da sucessão, como regra, que se dá pela morte daquele de quem se busca a herança (STF, RE 741.00 SE. Tribunal Pleno, Rel. Min. Eloy da Rocha, j. 03.10.1973. DJU 02.01.1974). todavia, a questão não é pacífica, pois alguns acórdãos superiores mais recentes trazem o julgamento de que o prazo deve ter início do reconhecimento vínculo parental em demanda própria, ou seja, do trânsito em julgado da sentença na ação de investigação de paternidade, tema principal deste texto. Como é notório, na grande maioria dos casos concretos, a petição de herança está cumulada com esse pedido relativo à filiação.

Nessa linha, em 2016, surgiu importante julgamento do Superior tribunal de Justiça que representa uma quebra dessa primeira corrente, tida como clássica, concluindo que o prazo de prescrição da ação de petição de herança deve correr do trânsito em julgado da sentença da ação de reconhecimento de paternidade. Ver publicação constante do Informativo n. 583 do Tribunal da Cidadania:

“Na hipótese em que ação de investigação de paternidade post mortem tenha sido ajuizada após o trânsito em julgado da decisão de partilha de bens deixados pelo de cujus, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade, e não o trânsito em julgado da sentença que julgou a ação de inventário. A petição de herança, objeto dos CC 1.824 a 1.828, é ação a ser proposta por herdeiro para o reconhecimento de direito sucessório ou a restituição da universalidade de bens ou de quota ideal da herança da qual não participou. Trata-se de ação fundamental para que um herdeiro preterido possa reivindicar a totalidade ou parte do acervo hereditário, sendo movida em desfavor do detentor da herança de modo que seja promovida nova partilha dos bens. A teor do que dispõe o CC 189, a fluência do prazo prescricional, mais propriamente no tocante ao direito de ação, somente surge quando há violação do direito subjetivo alegado. Assim, conforme entendimento doutrinário, não há falar em petição de herança enquanto não se der a confirmação da paternidade. Dessa forma, conclui-se que o termo inicial para o ajuizamento da ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando, em síntese, confirma-se a condição de herdeiro” (STJ, REsp 1..475.759 DF. 3ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 17.05.2016. DJe 20.05.2016).

Em 2018, essa mesma posição foi confirmada pela mesma Terceira Turma do Tribunal, no aresto há pouco mencionado e que cita a teoria da actio nata subjetiva, segundo a qual o prazo prescricional deve ter início do conhecimento da lesão ao direito subjetivo. Como consta do trecho final da sua ementa. “Nas hipóteses de reconhecimento ‘post mortem’ da paternidade, o prazo para o herdeiro preterido buscar a nulidade da partilha e reivindicar a sua parte na herança só se inicia a partir do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando resta confirmada a sua condição de herdeiro. Precedentes específicos desta Terceira Turma do STJ. Superação do entendimento do STF, firmado quando ainda detinha competência para o julgamento de matérias infraconstitucionais, no sentido de que o prazo prescricional da ação de petição de herança corria da abertura da sucessão de pretendido pai, seguindo a exegese do art. 1.572 do CC/196. Aplicação da teoria da actio nata (STJ, REsp 1368677 MG, 3ª Turma. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. J. 05.12.2017. DJe 15.02.2018). Essa forma de julgar consubstancia uma visão que posse ser chamada de contemporânea.

No final de 2019, todavia, instaurou-se divergência na atual composição do Superior Tribunal de Justiça, pois surgiu outro acórdão, da sua Quarta Turma, voltando a aplicar a visão clássica, de que o prazo prescricional deve ter início da abertura da sucessão. O julgamento se deu nos autos do agravo no Recurso Especial n. 479648 MS, em dezembro de 2019. Conforme notícias retiradas do site do Tribunal, uma vez que a decisão ainda não foi publicada quando da elaboração deste texto, o relator. Ministro Raul Araújo, seguiu os fundamentos apresentados pela Ministra Isabel Gallotti, na linha de que o entendimento de que o trânsito em julgado da sentença de reconhecimento de paternidade marca o início do prazo prescricional para a petição de herança conduz, na prática, a imprescritibilidade desta ação, causando grave insegurança às relações sociais. De fato, trata-se de profundo debate que envolve a segurança e a certeza – de um lado -, e a efetividade da herança como direito fundamental previsto no art. 5º, XXX, da Constituição da República.

Entre uma e outra corrente, fica o autor com a segunda, tida como contemporânea, justamente pelo argumento da necessidade de se efetivar o direito à herança. A propósito, apesar de não ter sido essa a opção expressa do legislador – ao contrário do que ocorreu com o Código Civil Italiano, nos termos do seu art. 533, e com o Código Civil Peruano, art. 664 -, entende que não há prazo para se demandar a petição de herança especialmente no caso de estar cumulada com a investigação de paternidade.

Na doutrina, a propósito, essa é a posição de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, para quem “a petição de herança não rescreve. A ação é imprescritível, podendo, por isso, ser intentada a qualquer tempo. Isso assim se passa porque a qualidade de herdeiro não se perde (semel heres semper heres), assim como o não exercício do direito de propriedade não lhe causa a extinção. A herança é transferida ao sucessor no momento mesmo da morte de seu autor, e, como se viu, isso assim se dá pela transmissão da propriedade do todo hereditário. Toda essa construção, coordenada, implica o reconhecimento da imprescritibilidade da ação, que pode ser intentada a todo tempo, como já se afirmou” (Comentários ao Código Civil. Vol 20. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 202). A proposito, na mesma esteira, pondera Luiz Paulo Vieira de Carvalho que, ‘em nosso sentir, as ações de petição de herança são imprescritíveis, podendo o réu alegar em sede de defesa apenas a exceção de usucapião (Súmula 237 do STF), que atualmente tem como prazo máximo 15 anos (na usucapião extraordinária sem posse social, CC 1.238, caput)” (Direito das Sucessões. São Paulo. Atlas. 204, p. 282-283).

De toda sorte, apesar dessa imprescritibilidade, segue o autor a possibilidade, em outros sistemas jurídicos, de se alegar a usucapião a respeito de bens singularizados. Isso faz com que a situação de cada bem seja analisada especificamente, atribuindo a determinado herdeiro, se for o caso, a propriedade da coisa caso estejam preenchidos os requisitos da usucapião, em qualquer uma das suas modalidades.

Como palavras finais, não se pode negar que o tema é de difícil análise e que gera intensos debates, sendo fortes os argumentos das duas correntes. Portando, o STJ encontra-se defronte a mais um desafio, que é pacificar a questão no âmbito da sua Segunda Seção. É preciso aguardar para ver qual será a posição seguida pela Corte. (Flavio Tartuce, em artigo publicado no site migalhas.com.br, em janeiro de 2020, intitulado “Família e Sucessões – O início do prazo para a ação de petição de herança – Polêmica, acessado em 21/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Na dicção de Guimarães e Mezzalira, como o herdeiro ajuizou a petição de herança, os demais herdeiros deverão ser ouvidos no prazo de 15 (quinze) dias, verdadeira contestação, podendo o juiz decidir em seguida. O CC é mais agressivo e permite ao herdeiro obter a restituição da herança, quer esteja em mãos de outro herdeiro, quer do herdeiro aparente.

Muitas vezes o herdeiro não tem o título e precisa ajuizar a ação de investigação de paternidade. Nesse caso, é de bom alvitre que essa ação – imprescritível  seja feita em conjunto com a petição de herança, para evitar que o herdeiro ou possuidor da coisa alegue a usucapião.

Merece destaque o estudo feito por Eduardo de Oliveira Leite sobre o assunto. Em primeiro lugar apresenta o duplo objetivo da ação: reconhecimento judicial da qualidade de herdeiro e restituição dos bens que compõem o seu acervo hereditário. Adianta, mais, o autor. Podem invoca-la o filho não reconhecido pelo pai, o herdeiro testamentário excluído, parentes do de cujus excluídos por outros titulares, herdeiros legítimos preteridos pelos testamentários, um inventariante, o síndico da falência do morto, o testamenteiro, curador da herança do morto, o companheiro do inventariado. (Leite, Eduardo de Oliveira. Direito Civil Aplicado. Vol. 6 direito das sucessões. São Paulo: RT, 2004, p. 119/125).

Jurisprudência: Direito civil e processual civil. Recurso especial. Família e sucessões. Ação de investigação de paternidade c/c petição de herança. Pedido de anulação da partilha amigável homologada. Violação dos arts. 128 e 460 do CPC. Inexistência. Alegação de enriquecimento sem causa. Cálculo do quinhão devido ao herdeiro preterido. Multa por litigância de má-fé afastada. 1. Se a decisão proferida pelo Tribunal de origem não extrapola, no plano horizontal, os limites impostos pelo objeto dos recursos levados a julgamento, não se pode qualifica-la de ultra, quiçá extra petita. 2. O herdeiro que não participou do processo de inventário não sofre os efeitos da coisa julgada, referente à sentença que homologou a partilha amigável. 3. A fim de evitar o enriquecimento sem causa, o cálculo da quota-parte a ser entregue pelos coerdeiros ao meio-irmão observará, quanto aos bens alienados antes da citação, o valor atualizado da venda, e, com relação àqueles dos quais ainda eram proprietários, na data em que foram citados, o valor atual de mercado. 4. A litigância de má fé, à que ajude o parágrafo único do art. 538 do CPC, nada mais é que uma forma de abuso do direito, e, portanto, só se concretiza quando demonstrado que a parte se vale do direito de recorrer, não para ver a reforma, invalidação ou integração da decisão impugnada, mas para postergar ou perturbar o resultado do processo. 5. Ainda que a pretensão recursal não tenha sido acolhida pelo tribunal de origem, não se pode taxar o recurso de manifestamente protelatório, ou sem qualquer fundamento, especialmente ao se considerar que o acórdão embargado reformou a decisão de 1º grau e que se tratam dos primeiros – e únicos – embargos de declaração opostos, nos quais, ao menos em abstrato, foram apontadas contradições e obscuridades, além de vícios no julgamento. 6. Recurso especial conhecido d parcialmente provido. (STJ – REsp 1381655 SC Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 13/08/2013, DJe 06/11/2013). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.824, acessado em 21/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.825. A ação de petição de herança, ainda que exercida por um só dos herdeiros poderá compreender todos os bens hereditários.

Este artigo corresponde ao art. 1.872 do Projeto de Lei n. 634/75. Sem paralelo no Código Civil de 1916.

No entender do relator, ainda que um só dos herdeiros verdadeiros exerça a ação petitória, pode requerer a restituição de toda a herança do possuidor ilegítimo. O real herdeiro, desde a morte do hereditando, é possuidor e dono de sua quota sucessória. Como copossuidor e condômino, todavia, está autorizado a intentar a ação com o objetivo de serem restituídos todos os bens da herança.

A herança é o patrimônio deixado pelo defunto, ou seja, o complexo de relações jurídicas, de conteúdo econômico. Trata-se de uma universalidade de direito — universitas juris —, e se defere como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros (CC 1.791, caput); até a partilha, o direito dos coerdeiros quanto à propriedade e posse da herança será indivisível (CC 1.791, parágrafo único). (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 945, CC 1.825, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 21/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Eduardo Nunes, em seu artigo “Herança digital e o direito à privacidade do de cujus”, publicado no site jusbrasil.com.br, em janeiro de 2021, tece comentários a respeito do artigo e questão, sobre os quais atenta-se, para não entrar em toda a descrição do direito das sucessões.

[...] O termo herança digital é uma cumulação entre o termo herança, que já é conhecido e tratado no Código Civil, e o termo digital que é considerado a novidade em que abrange todos os ativos digitais.

 

Em razão do instituto ser recente, sem uma estrutura consolidada no ordenamento jurídico, resta necessário trazer para o estudo a conceituação dos ativos digitais; projetos de leis acerca do tema; soluções efetivas da área privada e o marco civil da internet (Lei 12.965/2014).

 

Para a compreensão da herança digital e dos ativos digitais é importante trazer à tona a fala de Emerenciano (2003, p. 78) quanto aos bens digitais:

Os bens digitais constituem conjuntos organizados de instruções, na forma de linguagem de sobre nível, armazenados em forma digital, podendo ser interpretados por computadores e por outros dispositivos assemelhados que produzam funcionalidades predeterminadas.

Assim, a construção da herança digital, considerando os seus termos componentes, dá-se pelo aglomerado de informações de um determinado usuário em domínio digital, e esse aglomerado comporta os ativos digitais e as contas criadas (LARA, 2016).

 

Por ativos digitais entende-se que sejam os “registros nos quais os indivíduos têm um direito ou interesse” (ALMEIDA, 2019, p. 125). Os ativos digitais permeiam no grupo de bens intangíveis, isto é, não possuem corporeidade, o que dificulta a sua visualização e mensuração, necessitando de elementos precisos para classifica-los e reconhece-los.

 

A herança digital, dada à fragilidade e subjetividade do bem deixado, despertou divergências de posicionamentos carecendo de posicionamento efetivo do Estado no sentido de regrar este tipo de bem que possui as nuances pertencentes a qualquer bem do “mundo material” (LARA, 2016).

 

Como supracitado, o direito sucessório assim como a herança são institutos pacificados e estruturados no âmbito jurídico, não obstante a herança digital surgiu como problemática após ocorrem mortes de pessoas que nasceu após a ‘’febre’’ internet, o que gerou uma repercussão diante dos bens deixados por aquele indivíduo.

 

Assim, Almeida e Almeida (2013, p. 180) mencionam que “à medida que o número de bens digitais detidos pela média das pessoas aumenta, as questões que envolvem a disposição desses bens quando da morte ou incapacidade do indivíduo se tornam mais comuns”.

 

Observa-se que os bens digitais podem ser categorizados em três grandes grupos, que de acordo com Brant (2014) são: (I) os bens digitais com conteúdo econômico, como as contas financeiras ou nomes; (II) os bens digitais sem conteúdo econômico, como por exemplo, as informações extraídas do uso de redes sociais, como preferências ou dados de localização; e (III) os bens digitais com conteúdo misto, assemelhando-se aos direitos autorais, tais como as mensagens e escritos contidos em perfis de redes sociais, ou até mesmo em blogs.

 

É preciso considerar, também, que os bens deixados em meio digital tanto podem ter valor econômico, como somente sentimental, e também sendo tutelado pelo direito. No entanto, os bens que possuem uma mensuração econômica integram o conceito patrimonial de fácil observância (HIRONAKA, 2011).

 

A imprevisibilidade legal aliada à ausência de importância que os autores da herança atribuem a esses bens fomentam os entraves decorrentes da sua morte dando ensejo a eventual disputa por tais bens dependendo do que se pode aferir destes. E assim, Doneda e Viola (2010, p. 99) comentam que:

 

Os detentores dos bens digitais podem não considerar o fato de que suas presenças on-line podem não ser tão longas de modo a serem capazes de gerenciar seus bens, e podem, não expressamente prever a disposição de seus bens digitais ou comunicações eletrônicas no caso de sua morte ou incapacidade.

 

Nesta senda, há de se considerar que mesmo se tratando de bens inseridos em domínio digital e mesmo da ausência de legislação específica sobre o tema, a sucessão obedece os critérios de legitimidade na ausência de testamento. É nesse interim que advém a ideia da manutenção da privacidade do de cujus, como será abordada na sequência.

 

Em que pese a ausência de testamento regrando a gerencia dos bens em domínio digital, se esbarra na problemática da violação da privacidade do autor da herança. O quadro pode ser agravado quando estão em questão os bens que são destituídos de valor econômico, pois versam estritamente quanto a bens de ordem íntima e de interesse limitado dos herdeiros. É sobre essa temática que Ribeiro (2016, p. 34) discute:


Quanto aos bens sem valoração econômica que compõem o patrimônio digital do falecido, como por exemplo, perfis em redes sociais e e-mails o entendimento não é uno, vez que inexistindo disposição de última vontade do falecido, os bens seguem a política dos provedores e empresas que fornecem os serviços, sendo que a transmissão desses bens poderá ser ou não ser autorizada de acordo com tais políticas, outra possibilidade é a solicitação de uma autorização do judiciário para que se tenha acesso a esses dados pelos sucessores.


E sob esse aspecto se pode considerar a violação da privacidade do indivíduo, pois a disponibilidade de suas informações de cunho pessoal e privado não poderiam, então, ser objeto integrante do quinhão que compõe a herança. Isto deve-se ao fato de que estas informações não seriam revestidas de interesse dos herdeiros tampouco podendo ser exigida a sua transmissão (BRANT, 2014). (Eduardo Nunes, em seu artigo “Herança digital e o direito à privacidade do de cujus”, publicado no site jusbrasil.com.br, em janeiro de 2021, tece comentários ao artigo 1.825. Acessado em 21/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

No prever de Guimarães e Mezzalira, interessante que o direito de um só herdeiro, exibindo seu título e ajuizando a ação de petição de herança, desconstituir-se-á a partilha já feita, beneficiando a todos os demais herdeiros. A explicação é simples: há uma universalidade até a legítima partilha, entregando o direito de cada herdeiro ao seu titular. A lei faculta, o que significa que não deverão ser arrolados todos os bens, obrigatoriamente. Se o herdeiro postula seu direito em petição de herança, por ser filho de herdeiro pré-morto, seu direito ficará restrito ao direito daquele como que vivo estivesse. Cabe-lhe examinar a partilha anterior, igualdade dos coerdeiros etc. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.825, acessado em 21/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

terça-feira, 20 de julho de 2021

Direito Civil Comentado – Art. 1.822, 1.823 Da Herança Jacente - VARGAS, Paulo S. R. vargasdigitador.blogspot.com

 

Direito Civil Comentado – Art. 1.822, 1.823
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Livro V – Do Direito das Sucessões - Título I – Da Sucessão em Geral
– Capítulo VI – Da Herança Jacente - (Art. 1.819 a 1.823)

 

Art. 1.822. A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições , incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal.

Parágrafo único. Não se habilitando até a declaração de vacância, os colaterais ficarão excluídos da sucessão.

Na apreciação, este artigo corresponde ao art. 1.869 do Projeto de Lei n. 634/75, que, todavia, no caput, mencionava que os bens arrecadados passariam ao domínio do Estado, do Território ou do Distrito Federal. A atual redação decorreu da emenda n. 472-R, do Senador Josaphat Marinho. Ver art. 1.594 do Código Civil de 1916.

Na crítica doutrinária, o relator entende que, entretanto, perdida esta última oportunidade, i. é, se os herdeiros ao se habilitarem aos cinco anos depois da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão (definitivamente) ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições. incorporando-se ao domínio da União quando situados em Território Federal (CC 1.844). Com a declaração judicial da vacância, os bens são devolvidos aos citados entes públicos, mas o domínio destes é resolúvel . Decorridos, porém, cinco anos da abertura da sucessão, sem que algum herdeiro se habilite, a aquisição do Estado se toma definitiva, o domínio se consolida (cf. Francisco José Cahali e Giselda Fernandes Novais Hironaka, Curso avançado de direito civil; direito das sucessões, coord. Everaldo Cambler, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, v. 6, p. 123).

Essas pessoas jurídicas de direito público interno (art. 41) não se beneficiam do droit de saisine, mencionado no CC 1.784. Os bens da herança não lhes são transferidos ope legis, na data da abertura da sucessão. Só com a sentença que declara a vacância é que os bens se tornam públicos (art. 98), observado o disposto no art. 1.820 e no presente artigo.

Enquanto é considerada jacente (CC 1.819), e ainda não ocorreu a declaração de vacância (CC 1.820), a herança não tem titular atual, os bens hereditários podem ser adquiridos por usucapião. Já decidiu o STJ que, enquanto a herança é jacente, pode o possuidor, com posse ad usucapionem, opor embargos de terceiro para afastar a pretendida arrecadação do Estado de bens que seriam vacantes (4ª T., REsp 73.458-SP, v. u. em 25-3-1996, rei. Mm. Ruy Rosado de Aguiar, Ri’, 735/238).

Embora persistam controvérsias, tanto na doutrina como na jurisprudência, quanto ao momento em que os bens se incorporam ao patrimônio público, no caso de vacância, fico com a opinião de Caio Mário da Silva Pereira, de que não é reconhecido ao Estado o direito de saisine: “Nestas condições, não entra na propriedade e posse da herança pelo fato da abertura da sucessão. E necessária uma sentença de vacância, declarando os bens vagos e sua devolução à Fazenda Pública”. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 942-43, CC 1.822, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 20/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Beatriz de Sousa Gonçalves, em fevereiro de 2018, publicou artigo intitulado “Caso mostra conflito de municípios sobre domínio dos bens vacantes”, lembrando incialmente, não ser novidade para nenhum operador do direito que as lacunas da lei devam ser supridas pela analogia, costumes, doutrina e jurisprudência. Talvez esse seja, inclusive, um dos maiores mantras repetidos pelos professores de Introdução ao Estudo do Direito ou Teoria do direito.

No entanto, se deparar concretamente com uma dessas situações diante de uma Constituição extremamente analítica e de leis infraconstitucionais que tratam sobre uma infinidade de temas, tem se tornado cada vez mais difícil. Frise-se: difícil não é impossível.

Nesse sentido, ao se analisar um processo sobre herança vacante, há de se indagar: a quem cabe a propriedade dos bens vacantes? Há regra sobre isso? E se existir mais de um município envolvido na discussão? A resposta que, a princípio, poderia parecer fácil, na verdade apresenta-se como mais trabalhosa do que o normal, visto que além de não existir nenhuma previsão legal sobre o tema, também não há doutrina ou jurisprudência que responda tais dúvidas.

Possivelmente, então, neste momento, alguém poderia pensar que somente não há previsão legal, doutrinária ou jurisprudencial por ser um caso altamente improvável ou até mesmo impossível. Pois bem, esse exato caso surgiu no município de Duque de Caxias, nos autos da ação de reconhecimento de herança vacante 0061343-70.2016.8.19.0021, comprovando-se o argumento de que, não obstante ser difícil encontrar lacunas da lei nos dias atuais, tal feito não é impossível.

No caso supracitado, o autor da herança, trabalhador que prestava serviços no município de Duque de Caxias, apesar de ter falecido sem deixar testamento ou herdeiros, tinha verbas trabalhistas a receber perante uma das varas trabalhistas de Duque de Caxias – local este em que o processo trabalhista tramitou inteiramente.

 

Assim, o município de Duque de Caxias ajuizou, perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro — mais especificamente, na comarca de Duque de Caxias , a referida ação de reconhecimento de herança, já que nada seria mais justo do que o domínio dos bens vacantes pelo município onde eles se encontram. Bem, pode até ser mais justo, mas, diante do clássico positivismo brasileiro, não precisaríamos de alguma lei para fundamentar essa decisão?

É neste ponto que começa o árduo trabalho do operador de Direito, pois não há previsão legal dispondo a quem caiba o domínio do bem vacante, mas tão somente de quem é a competência para “arrecadar os respectivos bens”, que é, faz-se saber, a “comarca onde o falecido tiver domicílio” (art. 738 do CPC/15).

“Art. 738 do CPC/15: Nos casos em que a lei considere jacente a herança, o juiz em cuja comarca tiver domicílio o falecido procederá imediatamente à arrecadação dos respectivos bens.”

Sabendo-se que o objeto do presente trabalho não é diferenciar herança jacente e herança vacante, mas sendo importante mencionar a distinção entre ambas, há de se dizer que o art. 738 do CPC/15 se aplica também à herança vacante, uma vez que a herança jacente é aquela que fica sob a guarda e administração de um curador até que se encontre um herdeiro hábil e, não sendo reclamada a herança por nenhum herdeiro, esta será declarada como vacante, conforme dispõe o art. 743, caput, do CPC/15. Em outras palavras: a herança jacente sempre é anterior à herança vacante.

Destarte, sendo inconteste a regra de competência para a arrecadação dos bens deixados pelo autor da herança, dada a clareza do art. 738 do CPC/15, foi indubitavelmente acertada a decisão da 3ª Vara Cível da Comarca de Duque de Caxias, nos autos do processo 00061343-70.20168.19.0021, de declinar de sua competência para uma das varas da Comarca de Nova Iguaçu – comarca onde o de cujus tinha domicílio.

Urge salientar, nesse diapasão, que a competência prioritária do município na obtenção do domínio do bem vacante foi prevista a partir da edição da Lei 8.049/1990, tendo sido referendado pelo Código Civil de 2002, que, no seu art. 1.822, afirma que: “A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal”.

Todavia, a dúvida ainda permanece: a qual dos dois municípios cabe o domínio das verbas trabalhistas deixadas pelo autor da herança? Ao município de Duque de Caxias ou ao município de Nova Iguaçu?

Sabendo-se que não há previsão legal específica ou doutrina sobre o tema, após diversas buscas em outras fontes de Direito, é indispensável se mencionar o voto do desembargador Paulo Alcides, da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos do Agravo de Instrumento 0132451-72.2012.8.26.0000.

HERANÇA VACANTE. Inaplicabilidade das regras gerais pertinentes aos herdeiros, porque o Município não ostenta esta condição, recebendo o bem situado na sua jurisdição no estado em que se encontra, com suas dívidas e direitos. Assim, configura-se descabida a pretensão de que o bem situado em outro município e por ele adjudicado responda pelas dívidas do bem adjudicado ao recorrente. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - AI: 01324517220128260000 SP 0132451-72.2012.8.26.0000, Relator: Paulo Alcides, Data de Julgamento: 25/04/2013, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/04/2013).

Acrescentam-se, ainda, trechos do voto citado, posto que este descreve, de maneira bastante objetiva, como se soluciona o conflito de competências entre dois municípios para a obtenção do bem vacante.

“Independentemente da curadoria inicialmente ter sido exercida pelo Município de São Paulo, a situação rege-se por regras diferentes daquelas relativas à herança obtida por pessoas naturais. Isto porque o Município não é herdeiro, em relação a ele não vige o princípio de Saisine, nem a regra da indivisibilidade da herança. Ele só recebe o que se encontra em sua base territorial e se não houver herdeiros, após 5 anos do decreto de vacância, conforme estabelece o art. 1822 do CC: “A declaração de vacância não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal”. Por conseguinte, cada Município recebe a coisa no estado em que se encontra, inclusive com suas dívidas e eventuais frutos, sendo descabida a pretensão de que os aluguéis do imóvel de São Paulo respondam pelas dívidas daquele situado em Santos.”

Dessa forma, a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo coloca fim à discussão gerada pela ausência de previsão legal: no caso de conflito entre dois municípios para a obtenção do domínio do bem vacante, será competente para adquirir a sua propriedade aquele em que, observados os requisitos do art. 1.822 do CC/2002, estiver localizado o bem a ser transmitido.

Portanto, no embate citado anteriormente, é inegável a competência do município de Nova Iguaçu para julgar a ação de reconhecimento de herança e arrecadar os bens deixados pelo de cujus, na forma do art. 738 do CPC/15, enquanto, ao município de Duque de Caxias, cabe a incorporação ao seu patrimônio das verbas trabalhistas deixadas pelo autor da herança, já que estas se encontram acauteladas numa das Varas Trabalhistas de Duque de Caxias.

Em última análise, no presente caso, não obstante o senso de “justiça” acabar tendo correspondido ao entendimento jurídico sobre o tema, a presente discussão serve para demonstrar que é dever do aplicador de Direito esgotar as fontes de Direito e tentar, ao máximo, encontrar soluções jurídicas para as controvérsias que se apresentam no seu cotidiano.

Afinal, se, no ordenamento jurídico brasileiro, vigora a proibição do non liquet para o juiz, por que não exigir o mesmo esforço técnico dos advogados? (Beatriz de Sousa Gonçalves, em fevereiro de 2018, publicou artigo intitulado “Caso mostra conflito de municípios sobre domínio dos bens vacantes”, no site da conjur.com.br, com relação ao CC 1822 em comento, acessado em 20/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Guimarães e Mezzalira comentando o dispositivo, atentam para somente depois de cinco (5) anos a herança será, definitivamente, incorporada ao município. Nesse longo período dois fatos podem vir a acontecer: surge um herdeiro necessário ou transcorre o prazo sem qualquer reivindicação de sucessores, e, finalmente, todos os chamados a suceder renunciam à herança. Ainda assim, qualquer descendente ou ascendente poderá habilitar-se, exibindo seu título de herdeiro, no prazo máximo de cinco anos. Se isso se verificar, o processo prosseguirá, com os herdeiros reconhecidos, que ficarão obrigados a ressarcir o Município ou o Estado pelos gastos efetuados.

 

Esse prazo de cinco anos é contado da abertura da sucessão. Após esse prazo, os herdeiros necessários podem, por ação direta, postular seus direitos, ou, opinam alguns autores, transcorridos os cinco anos sem manifestação, o município adquire pelo menor prazo da usucapião.


Jurisprudência: Direito civil e constitucional. Usucapião especial urbana. Posse devidamente comprovada durante o lapso de cinco anos. A herança, enquanto jacente, não integra o patrimônio público, passando a este apenas quando do ato de arrecadação e declaração de vacância. Desprovimento. 1. Recurso do Município do Rio de Janeiro contra sentença de procedência em ação de usucapião especial urbana, no qual sustenta que o imóvel objeto compõe acervo jacente, portanto, bem público insuscetível de ser usucapido, ainda que na ausência de declaração de vacância. 2. Hipótese que se restringe à demonstração da posse durante o lapso de cinco anos, no período compreendido entre a morte do titular do domínio e a arrecadação do imóvel pelo Município, momento a partir do qual o bem passaria ao domínio público. 3. Apelada que já residia com o titular do domínio quando da morte deste, havida em 1990, permanecendo no imóvel até a arrecadação e declaração de vacância, fato que se deu em 2000, portanto, por demais satisfeito o requisito temporal exigido pela CR 4. A herança, enquanto jacente, não integra o patrimônio público, passando a este apenas quando do ato de arrecadação e declaração de vacância. 5. Apelo improvido. (TJRJ – APL: 653346620068190001 RJ 0065334-66.2006.8.19.0001. Relator: Des. Adolpho Andrade Mello, DJ 13/06/2012, 11ª CV, DP 01/08/2012). (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.822, acessado em 20/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Art. 1.823. Quando todos os chamados a suceder renunciarem à herança, será esta desde logo declarada vacante.   

A herança não passa pela fase da jacência — que é preliminar à declaração de vacância — quando todos às chamados a suceder renuncia ela (CC 1.804, parágrafo único, e CC 1 .806). Neste caso, terá desde logo declarada vacante a herança, com as respectivas consequências (CC 1.822). Foram as palavras do relator. Mais, não disse. (Direito Civil - doutrina, Ricardo Fiuza – p. 943, CC 1.823, apud Maria Helena Diniz Código Civil Comentado já impresso pdf 16ª ed., São Paulo, Saraiva, 2.012, pdf, Microsoft Word. Acessado em 21/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).

Divina Missyelle de Oliveira Mendonça e Gabriella Araújo Borges, em artigo publicado no site do Jusbrasil.com.br em maio de 2021, intitulado: “Decretação de morte presumida do ausente e seus reflexos no direito sucessório”, explanam, fundamentando o artigo em comento.

Para início vale a pena mencionar o artigo 6º do Código Civil que deixa claro que “A existência da pessoa natural termina com a morte...” Brasil (2002). A vida é algo extraordinário, é através dela que todos conquistam seus sonhos, lutam com força e garra para se tornarem pessoas de futuro e bem-sucedidas, além disso são amparadas desde o nascimento até a sua morte, com inúmeras leis que foram conquistadas ao longo do tempo, sofrendo modificações sempre para melhor, mas tudo isso acaba com a morte do indivíduo, e algo incrível é que até depois de sua morte existe a lei para assegurar que seus bens vão ser divididos corretamente.

 

Não existe apenas a morte real que é aquela onde o corpo e a causa da morte é algo notável, mas tem a morte presumida que é quando ocorre a morte do de cujus sem ter seu corpo e a causa explicita e pode ser com decretação de ausência e sem decretação de ausência.

 

A morte real é a regra geral para o direito brasileiro, a forma regular de se declarar o fim da existência de um ser humano. Há, nesta espécie, a morte certa, determinada por laudo médico que circunstancia o ocorrido e suas causas. (CORRÊA, 2011, p 6).

 

Conforme o CC 7º , pode ser decretada a morte presumida, sem decretação de ausência, quando for provado que o de cujus estava em situação de risco e mesmo após o fim das buscas policiais não obtiveram sucesso, levando a crer que este realmente estava no local, ou até mesmo quando uma pessoa se encontra em guerra ou serviços das forças armadas onde saiu em missão e após 2 anos do termino não retornou para casa. E com decretação de ausência, que é quando for aberta a sucessão definitiva, disposto na segunda parte do CC 6º -“... presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva. ’’ (BRASIL, 2002).

 

Dos bens que é construído na terra nada é levado na hora da morte como citado anteriormente, os bens do ausente são divididos, conforme a sucessão, tornando este processo um pouco mais demorado, porém eficaz. Mesmo com a sentença de morte presumida, conforme explicito no artigo 9º IV, pode ocorrer do “de cujus” retornar, por isso cada procedimento deve ser analisado e feito corretamente para que não ocorra erro.

 

Art. 9º Serão registrados em registro público: IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.(BRASIL, 2002)

 

A primeira fase a ser observada e praticada é a de curadoria ou arrecadação provisória, se encontra nos artigos 22 a 25 do Código Civil, onde o Juiz nomeará um administrador para que cuide dos bens do ausente, mas também existe a possibilidade de já ter nomeado alguém para que seja responsável pelos seus bens e estes serão arrolados em um auto de arrecadação e caso não tenha um curador o Juiz deve seguir uma lista de preferência para ingressar com a ação de ausência que está prevista no CC 25.

 

Art. 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declaração da ausência, será o seu legítimo curador.

§ 1º Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais ou aos descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer o cargo.

§ 2º Entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais remotos.

§ 3º Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador. (BRASIL, 2002)

 

Em face da realidade pode acontecer do ausente deixar representante ou mandatário e este não possa, não queira exercer ou não tenha poderes suficientes.

Vale a pena mencionar que de acordo com artigo 745 do Código de Processo Civil, o juiz durante 1 ano de 2 em 2 meses mandará publicar nas redes mundiais, plataformas e sitio do tribunal a quem estiver vinculado, chamando o ausente e anunciando a arrecadação, para que se o mesmo estiver vivo, possa ficar ciente do que está acontecendo e voltar para assumir e cuidar do que é seu.

 

Art. 745. Feita a arrecadação, o juiz mandará publicar editais na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 1 (um) ano, ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da comarca, durante 1 (um) ano, reproduzida de 2 (dois) em 2 (dois) meses, anunciando a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens. (BRASIL, 2002).

 

Já a sucessão provisória que é a segunda fase terá início após 1 (um) ano da arrecadação dos bens e nomeação do curador ou caso ele tenha deixado curador ou represente o prazo é de 3 (três anos), conforme disposto no artigo 26 do Código civil. A sentença para a abertura da sucessão só produzira efeito após 180 dias depois de publicada pela imprensa e logo em seguida poderá ser aberto testamento ou inventário.

 

Para a terceira fase será preciso de um prazo maior, antes de passar para sucessão definitiva onde os herdeiros poderá alienar e desfazer dos bens, porque na segunda fase o ausente já é considerado morto, só que provisoriamente, sendo assim os herdeiros ficam responsáveis por seus bens, mas não podem alienar (dar a posse a alguém) e nem se desfazer deles. Um fato interessante é que se passar 30 dias do trânsito em julgado após a abertura da sucessão provisória e não aparecer nenhum herdeiro do ausente para requerer a abertura do inventário e da partilha de bens, aplica-se as regras do CC 1819 a 1823, da Herança Jacente.

 

O juiz nomeará curador que será responsável pela guarda, conservação e administração dos bens do ausente, considerando-se herança jacente. Nesse momento, cessa a curadoria dos bens do ausente e começa a curadoria da herança jacente, podendo, à livre escolha do juiz, permanecer o mesmo curador. A curadoria da herança jacente cessa com o comparecimento de algum sucessor devidamente habilitado, ou com a declaração de herança vacante. (RAMOS,2010, p 11).

 

Caso o ausente retorne nesta fase terá que provar que sua ausência foi involuntária ou justificada, para assim além de receber seu patrimônio original, receba também a metade dos frutos e rendimentos que os herdeiros construíram até aquele momento, e se a sua ausência for injustificada e voluntária este retoma o seu patrimônio, mas não terá direito aos frutos e nem rendimentos.

 

Por fim e não menos importante a terceira fase, essa só acontecerá após 10 anos do trânsito em julgado da sentença de sucessão provisória, e já terá certeza da morte do ausente, devido ter percorrido pelas fases com um decurso muito grande de tempo e mesmo assim ele não retornou. Quando a pessoa é idosa ela tem uma probabilidade de falecer mais rápido, então o prazo será reduzido para 5 anos da sentença de sucessão provisória desde que o ausente já tenha pelo menos 80 anos e no mínimo 5 anos que não tenha notícias dele.

 

Para todo caso existe uma exceção, suponha que o ausente retorne na fase definitiva, ele terá direito somente aos bens no estado que se encontra e ao sub-rogados.

Diante o exposto, conclui-se que a lei é para todos e em todas as fases, no nascimento, no decorrer da vida e na morte. E algo inacreditável que até para um ausente que tenha sumido, sem deixar notícias, tenha leis e artigos para prevenir cada detalhe de seu patrimônio. A ausência é algo ruim por não ter o livre arbítrio e por não poder expressar sua real vontade sobre o patrimônio, mesmo assim podem todos ficar tranquilos que estarão amparado pela lei, tendo a justiça ao seu lado. Mesmo com todas as fases e demora pode este retornar e ter de volta os seus bens ressaltando que a verdade sempre deve prevalecer. (Divina Missyelle de Oliveira Mendonça e Gabriella Araújo Borges, em artigo publicado no site do Jusbrasil.com.br em maio de 2021, intitulado: “Decretação de morte presumida do ausente e seus reflexos no direito sucessório”, mencionam o art. 1.823,  acessado em 20/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD). 

Em resposta, Guimarães e Mezzalira, posiciona-se o Código na hipótese que todos os herdeiros necessários – descontentes, ascendentes e cônjuge – tenham sido chamados, obedecendo a preferencia das classes renunciando a seus possíveis direitos, determinando que, então sejam chamados os colaterais – até o quarto grau – mas, igualmente, também não queiram receber a sua parcela. Dessa forma, constatando-se a inexistência de herdeiros necessários e legítimos, dir-se-á que a herança é vacante, permitindo que o Poder Público se habilite e arrecade-a.

Essa norma é remota, pois os titulares de direitos patrimoniais, sem sucessores necessários ou legítimos, distribuam os bens em testamento para herdeiros instituídos ou legatários. (Luiz Paulo Cotrim Guimarães e Samuel Mezzalira, apud Direito.com, nos comentários ao CC 1.823, acessado em 20/07/2021, corrigido e aplicadas as devidas atualizações VD).